Assim como os perigos comuns do dia a dia que todas as pessoas estão sujeitas, o assédio e o abuso são temas cada vez mais frequentes nas discussões e, infelizmente, ocorrem com muitas pessoas. Neste episódio, escolhemos descrever os diferentes tipos de assédio e abuso, com a inclusão de desabafos e tristes histórias.
Participam desse episódio Mariana Sousa e Yara Delgado.
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Transcrição do episódio
Yara: Olá pra você que escuta o podcast Introvertendo, o principal podcast sobre autismo do Brasil. Eu sou Yara Delgado, e serei host neste episódio, sou programadora, mãe de 5 filhos, um deles também autista leve, e fui diagnosticada com autismo em 2018.
Mariana: Olá pra todo público que acompanha o podcast, eu sou a mais nova integrante do grupo, Mariana Souza, eu estudo Letras mas também entendo um pouquinho de cada coisa. Eu fui diagnosticada em 2019.
Yara: E o assunto deste episódio é, com certeza, espinhoso. Hoje vamos falar sobre abusos e suas várias formas. Lembrando que este episódio é continuação do episódio anterior, Lidando com o Perigo, então eu super recomendo que você escute esse episódio também. Vale lembrar que o Introvertendo é um podcast feito por 10 autistas e que conta com a assinatura da Superplayer and Company.
Yara: Mariana, creio que, para começar, devemos partir óbviamente do início, ou seja… definições! Você pode começar pra gente definindo o que afinal é abuso?
Mariana: Abuso é tudo que ultrapassa sua zona de conforto e envolve uma ou mais pessoas. Principalmente para nós autistas, os limites são muito sensíveis e bem delimitados, então foi pensando nesses limites e sobre pessoas que tentam burlar os limites que a gente acabou construindo esse episódio.
Yara: Eu achei também na Wikipédia uma definição que eu achei interessante e lá consta que abuso “o uso incorreto, ilegítimo, excessivo ou imoderado de poder”. São tipos de abusos: os maus-tratos, o abuso sexual, o assédio moral, o assédio sexual, o bullying e a intimidação. Como maus-tratos, a gente pode entender que eles envolvem a negligência e uma exploração, seja sexual ou seja comercial, e ou a violência física e emocional. Então você que é autista, ou não, que vive em um lar onde há gritos no sentido de humilhar (eu sempre explico aos meus filhos que a função do grito é para pedir socorro ou avisar do perigo). Claro que perder a paciência de vez em quando, é compreensível, mas isso tem que ser a exceção, não a regra. Se você vive em um lar onde há gritos e esses gritos são no sentido de humilhar, isso é um abuso. Violência física nem se fala, né? Absurdo, assim como a violência sexual, e nós vamos chegar nesse item também.
Mariana: Gritar, na verdade, é uma forma de marcar território e mostrar que você merece ser ouvido e o outro não. É uma das formas mais simples de identificar para você que tem dúvida se você sofre assédio dentro da sua casa.
Yara: Exatamente. A questão do grito é muito delicada, porque é uma forma que antigamente era tão comum, existia aquela figura da autoridade que aparentemente tinha o direito de gritar, que é algo que tem que ser quebrado. A gente já tá numa cultura que não cabe mais usar esse tipo de controle. Isso não deixa de ser uma forma de intimidação.
Mariana: Quando se fala até sobre autismo, o grito é uma forma de nos paralisar ,porque ele tem efeito na gente que não tem nas outras pessoas. É um assédio praticamente emocional e psicológico.
Yara: Exatamente. Existe também uma definição de assediar, que é a questão de perseguir com insistência. É uma forma de molestar, de perturbar, de aborrecer, esse assédio é uma das coisas que eu mais vejo em relatos nos grupos de autismo que eu participo. É muito comum ouvir relatos de autistas falando que são tratados de forma jocosa não somente nas escolas, que é a questão do bullying, mas na família também. Esses autistas relatam que são chamados de lerdos, lesados, retardados, esquisitos, pela própria família. Isso é uma coisa muito complicada, porque a cultura do bullying pode se desenvolver em qualquer contexto, não precisa ser somente na escola. Em qualquer contexto em que humanos interagem uns com os outros, é um lugar onde pode existir o bullying.
Mariana: Sim, isso é verdade. Sobre a minha família, eu nunca falei com todos sobre o meu laudo. Eu tentei conversar sobre isso com uma tia que, inclusive tem uma filha que é deficiente, e a minha mãe resolveu contar para ela que eu tinha recebido o laudo, que o meu namorado também tinha um laudo e que a gente tava super feliz por finalmente ter encontrado uma resposta que a gente buscou durante tanto tempo. E ela simplesmente disse: “Sério, que legal! Bom que ela arrumou um doidinho igual a ela, né?”.
Yara: Que absurdo.
Mariana: Pois é. Depois entrei num consenso com minha mãe de não falar para ninguém porque é um gatinho emocional, é péssimo. São pessoas que, ao invés de nos apoiar, estão nos colocando um estigma que a gente tá lutando para sair.
Yara: É muito importante isso que você falou a questão do estigma. O pessoal tem uma ideia muito equivocada de autismo, especialmente o autismo leve, e tá uma batalha inclusive com profissionais da saúde que desacreditam do autismo leve. A gente encontra bastante relato disso nos grupos também.
Mariana: Eu tive que procurar muitos profissionais até que eu pudesse ser validada como pessoa, porque a primeira pessoa que falou sobre isso comigo foi meu namorado. Todos os médicos que eu procurava eram as mesmas coisas. “Não existe mulher autista”, “Você não é autista, você gosta de ajudar os outros”, “Você não é autista, você é mulher”, até que eu consegui encontrar um psiquiatra que está me ajudando junto com a minha psicóloga. Mas foi uma busca por respostas, mas é muito difícil ser levada a sério nesse meio. Parece que o tempo inteiro você tá contando uma piada, é muito desconfortável.
Yara: Isso e é muito complicado porque, além de você perder tempo e ficar com esse desgaste emocional, existe também a perda financeira. Você paga para ter uma consulta e aí você dá de cara com um profissional que simplesmente tem uma visão estereotipada do autismo e ignora tudo que você tá falando, o que também é uma forma de abuso baseada na falta de conhecimento que ele tem. É uma falta de respeito se valer da posição de médico ou médica e, por exemplo, rir de um relato. Não faz o menor sentido.
Mariana: Inclusive tive uma médica que me diagnosticou, em uma consulta de no máximo cinco minutos, com esquizofrenia. Eu recebi remédios que me faziam muito mal e até hoje eu não consigo entender qual foi o critério que ela usou para chegar nessa conclusão. Infelizmente ela foi uma das pessoas mais incompetentes que eu me consultei. E depois eu contei para outros médicos que inclusive trabalhavam junto com ela, eles falaram que isso é muito comum mas não tinha o que fazer. Ela tratava todos os pacientes da mesma forma e infelizmente ainda assim era uma profissional muito renomada na área.
Yara: É complicado. Quero ressaltar aqui também uma questão importante, que é a questão da violência doméstica. Ou seja, violência no lar não é apenas uma questão de casamento não. A violência doméstica se caracteriza quando é também com as crianças ou com os idosos! E se formos verificar, meu Deus, como é complicada essa questão de abuso, porque onde há relação humana, há possibilidade de abuso. E o lugar que a gente mais precisa proteger disso é o nosso lar. Não que os outros lugares não mereçam atenção, mas porque o lar pode ser um lugar mais escondido. Nas escolas alguém pode ver, denunciar, ajudar… no ambiente de trabalho também. Mas em casa muitas vezes há o silêncio, um “consentimento”! E esse silêncio é muito perigoso! Não sei se isso acontece por uma questão de visão errônea sobre hierarquia e respeito, ou se é por puro medo mesmo.
Mariana: Assim como tem aquele famoso ditado, “em casamento entre marido e mulher, não se mete a colher”, tem também muito esse discurso de que a sua família é sagrada, mas isso não define a índole da pessoa. Ela pode ainda ser sangue do seu sangue, ter criado você e ter feito coisas que outras pessoas não fariam, mas isso não a isenta de ser uma pessoa que está cometendo abuso contra você. É muito importante quebrar esse estigma de que a família é sagrada, porque eles são apenas pessoas normais como eu e você. Eles também estão propensos a erros e também estão propensos a usar da má-fé em cima de pessoas que eles consideram manipuláveis.
Yara: Fantástica observação.Também acho importante dizer que gênero não define uma pessoa abusiva, OK? Abusos de diversos tipos podem acontecer, independente do gênero e da orientação sexual. E a omissão também é um tipo de abuso. Então ficar em silêncio, não agir para proteger, não denunciar, isso também é uma forma de abuso, porque expor à violência ou à sexualização precoce é atentar contra a saúde emocional do ser humano!
Mariana: As pessoas não levam muito a sério, mas isso costuma causar danos praticamente irreversíveis. Eu nunca fui exposta, mas eu pude ver muitas pessoas que foram porque era comum na família e eu pude ver a forma que essas pessoas cresceram e nós acabamos tomando um rumo completamente diferente. Isso reflete muito em todas as relações que essa pessoa vai ter durante a vida, é quase como uma bola de neve. Abusos geram pessoas que não se valorizam, que vão procurar relacionamentos com pessoas que não as valorizam, e aí ela já entra em outro tipo de abuso que é a violência doméstica ou a violência familiar e isso acaba perdurando pelas próximas gerações.
Yara: Exatamente. É um ciclo, porque as próximas gerações vão crescendo já com aquilo e se torna até difícil reconhecer que aquilo não é normal. É bem importante isso que você falou. Existe também, entre “amigos”, aquele tipo de abuso que causa prejuízos financeiros, que é onde algumas pessoas notam a ingenuidade do autista. A gente sabe que existem autistas que se desenvolveram e aprenderam a enxergar as coisas com mais astúcia, mas existem sim os autistas que, em uma fase, tem esse olhar mais ingênuo sobre a vida e as pessoas se aproveitam dessa ingenuidade para pedir dinheiro emprestado com a ideia de não pagar. Isso é um tipo de abuso também e eu acho que talvez aí cai até uma opção de estelionato.
Mariana: Exatamente. Você usa dos sentimentos dessa pessoa, o sentimento que ela tem para consigo e: “Poxa, você não me ama? Mas você não era meu amigo? Então por que que você não pode fazer isso?”. E aí a pessoa acaba se sentindo culpada e acaba emprestando esse dinheiro, no caso dando sem saber, porque não vai ter retorno.
Yara: Mariana, você pode falar para gente um pouquinho sobre o significado de assédio moral?
Mariana: Uma forma muito comum de assédio moral são os autistas que acabam se submetendo a coisas que vão além do seu trabalho, além das suas obrigações, só para se sentirem incluídos no ambiente de trabalho. Como aceitar fazer trabalho das outras pessoas, assinar a folha de ponto para as outras pessoas, porque ele quer ser validado naquele círculo, ele quer se sentir incluído, então acaba fazendo coisas que vão muito além do que ele devia fazer e às vezes até cometem pequenos delitos no local de trabalho.
Yara: Uma busca por ter vida social, né?
Mariana: Exatamente.
Yara: Outra questão sobre assédio moral é que, normalmente, ele envolve algum tipo de humilhação ou constrangimento. É muito comum acontecer, entre colegas ou do superior para com subordinados, tipos de assédio moral. Até o uso de chantagem, ou a pessoa faz o que se pede ou a permanência no emprego fica prejudicada, ou até mesmo uma promoção pode até estar envolvendo, como relegar a pessoa as tarefas mais árduas. Também é uma forma de assédio moral, não é tão tão clara mas também é. Eu tive uma experiência de assédio moral, foi traumático. Foi tão traumático que eu tô com 37 anos, eu passei por essa experiência por volta dos 22, e eu sonho com isso até hoje. Era uma das 100 melhores empresas para se trabalhar, eles viviam se gabando disso, mas eu trabalhava em uma filial, essa filial fechou e aí quem trabalhava nela foi transferida para a matriz. Eu pegava um ônibus, pegava um trem, depois o metrô, depois eu pegava outro ônibus só para chegar na empresa e depois eu tinha que fazer tudo isso de volta para ir para faculdade… imagina o nível de desgaste. E eu descobri, um ano depois, que mesmo eu sendo CLT, os estagiários ganhavam praticamente o mesmo salário que eu e eu ganhava menos do que todos os CLT. Nossa mas eu fiquei tão irritada, mas tão irritada com essa situação, que eu tive uma crise pavorosa. Entrei no banheiro e… nossa, eu fiquei vermelha, eu chorava, tava desesperada, meu rosto ficou todo vermelho, eu fiquei totalmente descontrolada. Foi uma traição moral. Não tinha a ver mais com dinheiro, tinha a ver com você se sentir a pessoa mais idiota do mundo. Nós autistas temos um senso de perfeição e dedicação no nosso trabalho e daí, de repente, você descobre que você tá sendo feito de trouxa. Isso foi péssimo para mim foi péssimo para mim e ainda sonho com isso como se eu tivesse tentando acertar essa conta. Isso acabou se tornando uma coisa traumática para mim e eu tenho certeza que acontece com outras pessoas também.
Mariana: Eu nem sei o que dizer, porque na verdade isso se enquadra como assédio moral em tantos níveis que talvez você nem tenha pensado nisso. Mas isso também podia se enquadrarem machismo, porque as mulheres quase nunca ganham a mesma quantidade que os homens ganham nas empresas. E talvez eles não duvidavam da sua capacidade de fazer o trabalho mesmo que você estivesse fazendo perfeitamente. São tantos aspectos e todos eles acabam se afunilando para o assédio, impressionante.
Yara: Ninguém lá desconfiava da questão do autismo, porque nem eu sabia. E o autista tem um perfil muito bom para certas áreas, então eu conseguia me dar muito bem na minha função. Eu só consegui entender o que estava acontecendo porque, por acaso, eu fiz amizade com uma estagiária recém-contratada, senão eu ia ficar ainda mais tempo. Como aquilo me desestabilizou, em mais ou menos um mês eu fui mandada embora e, ao ser mandada embora, eles perguntaram para mim se o problema era salário. Mas o problema já não era mais o salário. O problema foi que eles me fizeram de idiota. Já não servia, não dava aquela empresa, não cabia mais na minha vida. Uma semana depois eu já tava trabalhando em outra empresa e foi excelente para mim, foi a melhor coisa que me aconteceu foi ter trocado. Partindo agora para um assunto mais polêmico ainda, vamos falar dos abusos do tipo sexual, que são o abuso sexual em si e o assédio sexual. Mariana, explica a diferença para a gente.
Mariana: Abuso sexual é a atividade sexual que não é desejada, que o agressor usa força. ou faz ameaças, ou exclui vantagens da vítima que a torna incapaz de negar o consentimento. É quase uma coerção sexual. O assédio sexual tem praticamente a mesma definição do assédio moral, a diferença é que é praticada por uma pessoa que quase sempre tá numa posição muito maior, ou numa empresa ou até mesmo na família, visando aquele objetivo que no final seria o ato sexual.
Yara: Legal. Então eu posso entender que o abuso sexual é quando existe uma “forçação” mais física.
Mariana: Exatamente.
Yara: E o assédio sexual é mais mental, uma coerção emocional na pessoa e os dois visam conseguir o consentimento para o ato sexual. Só que é um consentimento que a pessoa não quer aquilo, na verdade, ela tá sendo forçada e não sabe como fugir daquela situação e por isso que acaba acontecendo.
Mariana: O assédio sexual é uma manipulação sem saída. Um caso muito comum é quando um ex-namorado seu, revoltado com o término do relacionamento, tem fotos e vídeos seus e diz: “Olha, se a gente não ficar, eu vou espalhar tudo para a internet. E a sua família, o que que seus amigos vão pensar?” É uma sinuca de bico, então a pessoa acaba coagida a fazer o que o agressor quer.
Yara: Entendi. Essa questão de abuso seja do tipo que for na verdade ela está altamente ligada à falta de caráter do abusador. Usar o poder que se tem para criar uma opressão sobre o outro, para mim, é uma atitude que demonstra muita falta de caráter.
Mariana: Entre a minha virada do ano passado, de 2019 para 2020, eu sofri o abuso de uma pessoa que eu confiava bastante, que era um grande amigo, a gente estudou junto, a gente ainda estuda junto. Fui numa festa que só tinha outros amigos, eu tava num momento muito ruim de situações horríveis, estava com frágil, e ele se aproveitou da situação porque ele era praticamente a única pessoa que sabia. Eu misturei bebida e eu tomo remédio psiquiátrico… Então foi o que acabou acontecendo. Ele está em estado de negação e acaba me tratando como se eu fosse louca. É o modus operandi das pessoas que êm esse tipo de postura. Mas eu tenho as sequelas que a situação deixou, elas estão aqui comigo, eu como mulher, como uma pessoa que tem transtorno, que confiei. E ele continuou normalmente no meu meio social.
Yara: Deve ser bastante complicado para você ter que lidar com a presença dessa pessoa no seu meio social, lamento por essa situação. Eu tenho também um relato de abuso absolutamente moral. Tive um relacionamento em que eu lidava com uma pessoa que eu tinha que estar sempre “pisando em ovos”, sabe? Foi uma pessoa maravilhosa nos primeiros meses mas de repente assim mudou muito e eu não conseguia compreender essa mudança sendo autista. Eu levei muito tempo, precisei de ajuda, porque eu pensava assim: “Será que eu estou julgando mal? Será que eu estou interpretando mal essa pessoa?”. Isso me machucava demais porque foi uma situação duradoura, no meu caso é um relacionamento longo e eu só consegui sair desse relacionamento porque ele foi ficando tão terrível mas tão terrível em relação a negligência, que eu saí até doente e precisei de um ano e meio para recuperar a minha mente desse relacionamento. E eu levei um tempo pra discernir que aquilo era abuso. Minha cabeça ficava toda acelerada, eu ficava com medo, o tempo todo me sentindo culpada, e essa questão da culpa é muito comum no contexto de abuso. Eu percebo que é muito comum sentir culpa como se a culpa fosse da pessoa e não do abusador.
Mariana: Eu acho que o primeiro estágio desse tipo de situação é sempre a negação, tanto da sua parte como da parte da pessoa que cometeu o abuso. Ela vai confundir os seus valores e isso demonstra um desvio de caráter. Ele vai usar dos artifícios mais baixos que você consegue imaginar para você parecer que era a pessoa errada desde o princípio.
Yara: É muito importante que a família como um todo esteja atenta essa questão do abuso e eu acredito também que a melhor coisa é ser prudente e evitar situações em que esses abusos possam acontecer. Os abusos não envolvem somente a questão física, mas precisamos compreender que os abusos, como atentados à integridade física, emocional e até mesmo financeira são todos os abusos, igualmente abusos. Com certeza, se você conversar com outras pessoas sobre abuso, todo mundo conhece um exemplo. Outro ponto é que absolutamente nós nunca devemos ficar em silêncio diante de um abuso. Quem deve sentir vergonha não é você, é o abusador. Então é aquela coisa que parece até clichê, mas a gente tem que dizer: A culpa não é sua! Pode ser que até você tenha ficado curioso ou curiosa e quis um pouquinho conhecer, mas aí é quando o abusador se aproveita dessa situação e usa dela para abusar, então a culpa não é sua! Peça ajuda. Se você sente que não tem condições de fazer isso, como condições emocionais ou condição financeira, psicólogos de assistentes sociais. Olha, é muito fácil conseguir atendimento no conselho tutelar, no mínimo eles irão se orientar. Então se você tiver dificuldade em marcar uma consulta com psicólogo (a gente sabe aí como é que é situação no SUS, por exemplo), visite o Conselho Tutelar. No mínimo eles irão orientar a você se algum tipo de abuso pode estar acontecendo aí na sua família. A maioria dos abusos acontecem dentro da família ou por meio de pessoas que são da confiança da família. Lembre-se que o abusador ele se Vale da confiança ou da autoridade que ele possui, então fiquem atentos: Entenda que o padrão do abusador é que ele não para. Quem faz o abusador parar é você. Então o abusador não vai parar até que você faça algo, até que você denuncie ou até que você se afaste. A falta da denúncia expõe você e expõe também outras pessoas a sofrer abuso. Fazia tempo que eu queria falar sobre esse assunto porque eu acho que é tão importante, é algo tão necessário de falarmos abertamente sobre esse assunto e, Mariana, se você tiver algo para acrescentar, é essa a hora.
Mariana: Um conselho que a minha psicóloga me deu era para ser forte. Parece que é uma coisa simples, mas não tem sido fácil para mim e acho que nem para ninguém que passou por essa situação. Mas quem que tem que abaixar a cabeça nunca, nunca, nunca, nunca é você. Não foi você que deu mole, não foi você que foi bobo, não foi você que foi inocente. O errado é sempre aquela pessoa que se aproveitou da sua confiança e da sua bondade. Demora um pouco para a gente sair do estado de negação. Eu acho que tentar repetir isso o tempo inteiro, que a culpa não é sua, ter também um apoio com as suas amizades, ter uma rede de amigos que te apoiam, uma família que te ajuda e que te dá um espaço para conversar sobre esse assunto também é algo que pode mudar bastante e pode evitar isso. Se, infelizmente não conseguir evitar, pode pelo menos conseguir reparar os danos o máximo possível.
Yara: É isso gente, obrigada pela sua atenção em mais esse episódio do Introvertendo e tchau.