Introvertendo 73 – Um Papo com Vanessa Zeitouni

Vanessa Zeitouni é diagnosticada com Síndrome de Asperger e tem um canal no YouTube chamado Vitamina Maluca, em que autismo e surdez são misturadas com histórias de viagens com seu marido. Neste episódio, os podcasters Tiago Abreu e Yara Delgado conversam com Vanessa sobre relacionamentos, tratamento médico, autismo em mulheres, viagens e a produção de conteúdo na comunidade.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá pra você que escuta o podcast introvertendo, que é o primeiro podcast sobre autismo que traz autistas em sua equipe de conteúdo. Meu nome é Tiago Abreu, eu amo vitamina de abacate e hoje a gente tem uma entrevista superespecial.

Vanessa: Olá, olá, olá, meu nome é Vanessa, eu faço parte do canal Vitamina Maluca, onde misturamos autismo meu, surdez do Rafa, meu marido, e viagens, que é uma coisa que a gente ama de paixão.

Yara: Olá a todos, aqui é a Yara Delgado, eu também amo vitamina de abacate, mas eu prefiro maracujá com leite.

Tiago: Hoje, nós vamos conversar com a Vanessa, que tem um canal chamado Vitamina Maluca, é um prazer, inclusive, estar contigo nesse episódio. É sempre legal falar com outros autistas que produzem conteúdo.

Bloco geral de discussão

Tiago: Uma coisa muito interessante sobre o seu canal que diferencia basicamente de todos os outros canais de autismo feito por autistas no YouTube é que o seu canal justamente fala sobre autismo, surdez e viagens. Uma coisa que sempre eu pensei quando eu observava seu canal é que existem muitos autistas na internet e fora da internet que não se consideram e não se identificam como pessoas com deficiência. E aí eu queria te perguntar, nessa dinâmica que você tem, casada com uma pessoa que também é pessoa com deficiência, quais são as semelhanças entre você e o seu marido?

Vanessa: A minha identificação com a questão da pessoa com deficiência, ela acaba sendo a trajetória de uma história de vida, porque eu sempre me percebi diferente, só que essa diferença não tinha um nome. E o mais engraçado aqui na minha casa é que a minha mãe também tá no espectro e a gente brinca que, como eu me identificava com a minha mãe, eu achava que eu era o padrão normal e a gente fazia bullying com a minha irmã, porque a minha irmã é neurotípica. Então, aqui o bullying era reverso. Já foi um caos, assim, de DR de nós três aqui. Daí, então, eu acabei indo eu entrei pro mercado de trabalho e eu tive uma história, assim, que eu acredito que é de sucesso, mas também graças ao empurrão do meu pai. Então, assim, toda essa história está lá no meu canal, porque eu entrei por QI mesmo. Eu entrei por QI e foi a oportunidade que eu tive de mostrar que eu tinha capacidade. Então, foi legal por isso. Então, as empresas na iniciativa privada que eu tive, foi graças ao meu pai. E foi nesse trabalho que acabei recebendo o diagnóstico. Foi lá que eles perceberam que eu era um pouco diferente, então com o tempo e a convivência, percebia-se, era uma coisa que como eu falo com o meu terapeuta, não tinha um nome. Daí, mais ou menos, em 2009/2010, a equipe de saúde foi pra um seminário de inclusão que era promovido pela Petrobrás e voltaram com a novidade: falaram que eu era autista. Eu não gostei nada, nada, nada, porque a ideia que eu tinha de autismo era uma pessoa balançando. E daí, eu peguei e falei que não tinha nada a ver. E falaram “não, Vanessa, é autismo tipo gênio”. Síndrome de Asperger. Eu não não concordava com isso e eu deixei pra lá, ficou pra lá. Passou um tempo, eu fui crescendo na minha função, porque aquele hiperfoco autista em nível máximo, eu não tinha mais nada pra fazer, eu só trabalhava e pensava jeitos de melhorar o meu trabalho. E eu fui aprendendo a fazer o que eu tinha que fazer, que era na área do meio ambiente. Daí, eu aprendi a parte de segurança do trabalho, que meu pai trabalhava nisso. Quando eu terminei, eu resolvi aprender sobre saúde. E por último, foi comunicação social. E acabei sendo promovida pela coordenadora de SSMAC, Segurança, Saúde e Meio Ambiente e Comunicação. Quem leu aquele livro, O Monge e o Executivo sabe que ia dar errado isso, né? Porque tinha muita competência técnica, mas eu não tinha o trato com as pessoas. E na convivência, em uma equipe tão grande, foi mostrando isso. Daí, a empresa contratou uma pessoa pra poder me assessorar e eu vi que eu tinha problemas de comunicação, de liderança, e a gente melhorou. Passado um tempo, eu entrei num site de relacionamento e foi onde eu conheci o Rafael. E a devolutiva deles era um estudo de personalidade e que, de novo, mais uma vez falando que eu tinha problemas de comunicação. E foi muito estranho, porque daí eu resolvi falar com o enfermeiro do trabalho pra ver de novo e eu vi que a Síndrome de Asperger já tinha problemas de comunicação. Mas assim, nada que impactasse a minha vida e eu meio que deixei pra lá. Quando eu conheci o Rafael, ele falou de cara que ele era uma pessoa surda. A gente tava conversando e daí ele falava que ele não gostava de lugar com barulho e eu pensei: “meu, esse cara é meu número, porque eu odeio lugar com barulho”. E daí durante a conversa assim, uns três dias, talvez, depois, algumas mensagens depois, o Rafael falou que ele era surdo. Eu sou dessas pessoas que leva tudo de boa, né? Eu falei assim, “ah, meu, tranquilo, eu sei o alfabeto da Xuxa, eu aprendo falar”. Daí ele pegou e falou que não, que ele era um surdo oralizado e eu caí no mundo da surdez. Eu achei mais fácil ainda, porque eu sou um pouco descoordenada, né? Mas assim, o que ficou é que daí eu falei pra ele “olha, não esquenta não, esse negócio de deficiente não tem problema, aqui mesmo na empresa que eu trabalho, eles dizem que eu sou deficiente, eu tô na cota porque eles falaram que eu tenho síndrome de Asperger”. Daí foi onde, assim, meio que eu assumi pela pessoa que eu tava numa cota de pessoas com deficiência e que eu tinha síndrome de Asperger. Só que o Rafael, ele é totalmente outra cabeça, porque, assim, o pai dele era psiquiatra e o Rafa, ele era servidor estadual da Secretaria do Meio Ambiente e ele trabalhava com uma pessoa que estava no espectro um pouco mais comprometido, mas assim, ele tinha uma noção. Daí o Rafael falou: “Vanessa, a primeira coisa pra melhoria é você aceitar o diagnóstico, você tem que decidir ou é ou não é”. Tipo, sai do cubo mágico, né? Ouvi isso esses dias. Eu: “ah, não sei, dizem que eu sou, mas esse negócio de gênio não bate muito comigo”. E foi onde o Rafael foi o grande ponto de mudança da minha vida. Porque ele falou assim, “ó, vamos deixar pra resolver isso depois, eu vou achar o maior especialista que tiver em autismo no Brasil, e você vai nele. E o que ele decidir, a gente vai fazer, OK?”. E meu, eu só tenho gratidão por isso, porque daí eu conheci o doutor Estevão Vadasz, que fechou o diagnóstico. E eu já na semana seguinte comecei a fazer terapia com o Luciano, que é da equipe dele e eu melhorei muito, muito, muito, muito. Eu sei que as intervenções precoces são importantes, eu tive muita intervenção durante toda a minha vida, nenhuma focada em autismo e tem muita diferença. Eu fechei o meu diagnóstico em janeiro de 2013. Então, faz praticamente seis anos e meio que eu venho, assim, numa onda de melhoria, que eu gosto de olhar e ver a pessoa que eu tô me transformando dentro do autismo. Então, o autismo tem as suas desvantagens? Tem. Eu me vejo como uma pessoa com deficiência? Sim, pra mim não tem problema nenhum, sabe? Eu acho, assim, que é só mais um rótulo, mais título isso? Não muda nada, a minha própria vida, entendeu? Acho que é isso. E eu adoro falar, você viu, né? Eu vou monopolizar o episódio hoje.

Yara: É, eu achei bem legal a história do diagnóstico. E eu fiquei bem interessada em saber, assim, já que você tá tendo uma sendo adulta, como que funciona essa intervenção? Como funciona essa terapia pra você?

Vanessa: O meu processo de terapia foi em duas etapas, vamos dizer assim, a primeira etapa, como foi lá em 2013, eu gosto de pontuar isso, porque se você for olhar a maior parte dos mais funcionais, eles apareceram mesmo foi mais ou menos em 2017, não é, Tiago?

Tiago: Eu fui diagnosticado em 2015, mas as minhas primeiras leituras foram em 2013, eu gosto de marcar 2013, mas por uma questão pessoal e também por ver que a galera da internet apareceu aí, de uma forma geral, mas, realmente, cada ano tem um boom maior ainda.

Vanessa: Quando eu falo galera da internet, são os canais que eu acompanho. Sabe, assim, canal de YouTube.

Tiago: Sim. Antigamente, tinha, por exemplo, o canal do Nelson Marra, que desapareceu e o canal dele era de 2013/2014. Depois que ele sumiu, digamos assim, aí foram surgindo outras pessoas de 2016 pra frente. Então, Marcos Petry ganhou um destaque significativo e O Mundo Asperger também, aí veio o Akira em 2017. Você, agora, em 2019.

Vanessa: É. Então, assim, eu gosto de pontuar isso porque esse período anterior a essas pessoas que a gente falou assim, mas as mais recentes, eu não me identificava com nada, eu não convivia, eu nunca tinha visto um autista funcional como eu, eu não conhecia pela internet e eu me sentia, tipo, “o que é a Vanessa e o que é o autismo da Vanessa?” Então, assim, quando a gente conseguiu fechar esse processo de ele me mostrar o que era o autismo dentro de mim e o impacto que o meu autismo teve na minha vida… Porque teve sabe? Então, assim, teve um impacto a partir do momento em que eu vejo que eu fiz várias faculdades, eu entrei em tanta faculdade e saía, não era por falta de capacidade de estudar e tirar nota. Era porque eu não conseguia interagir com as pessoas. Aquilo me fazia me sentir tão frustrada de não entender as pessoas e as pessoas também não me entendiam, que eu pá, falava assim, não, vamos pra outro curso e bola pra frente. Então, assim, teve esse curso na minha vida, os relacionamentos também foram sempre mais difíceis, mas assim quando eu tive, passei pra nova etapa, que era, tá, então, esse é o impacto do autismo na minha vida e o que podemos fazer? Porque eu não andava de transporte público, por exemplo. Eu morava em São Paulo e eu não conseguia usar o metrô, por quê? Porque é muita gente no mesmo lugar, no espaço, aquele barulho. E daí, na terapia, ele começa a me dar ferramentas para lidar com isso, coisas cotidianas. Então, como eu ando no metrô? Eu ando no metrô, porque eu coloco toda a minha cabeça, a minha mente, o meu cérebro tal, observar o barulho do trilho. Então, quando eu foco em observar e prestar atenção no som do trilho, eu consigo ficar junto de um monte de gente, um monte de gente impostando, pessoas estranhas, a hora que eu vejo eu já cheguei no meu lugar. Então, assim, ele vai dando ferramentas pro dia a dia. Então, assim, no meu relacionamento com o Rafael, eu tenho um marido que é super-romântico e é desses que gosta de fazer esfrega. Eu não sei como é que eu vou explicar o que é esfrega pras pessoas. Sabe assim, quando você põe a mão e põe abaixo da cinta, abaixo pra cima e faz um esfrego assim? Eu, é uma coisa que me tira do sério, ó. E o Rafael gosta de contato. Então, o terapeuta foi falando “se você não gosta do esfrega, tenta fazer pressão, tenta uma coisa mais forte” e é verdade, eu adoro beliscão, sabe? Então, assim, quando pega a pele, daí fica tipo um beliscão grande? Então, assim, e isso foi ajudando na minha relação, porque eu expliquei pro Rafael. É uma terapia focada em achar a solução dos problemas que eu levo pra lá.

Yara: Legal. Você faz alguma coisa em relação a parte sensorial?

Vanessa: Não, mas eu tive muita sorte de lá na minha infância ter feito isso. Então, eu nasci, cresci com as mesmas crianças, eu acho que isso foi um diferencial na minha vida, não tem como mensurar. Então, a foto do meu jardim de infância e a foto da minha formatura do terceiro ano são praticamente as mesmas pessoas. A gente morava em uma cidade pequena e lá apareceu a tia Betinha. Tia Betinha era uma filósofa e ela acabou montando uma escola que hoje em dia seria algo parecido com terapia ocupacional, que era o espaço Dança Studio. E lá, eu passei muita parte do meu dia fazendo coisas que hoje seria integração sensorial então, assim, tem coisas que eu lembro de exercícios que foram me habituando a sons. E é engraçado. E, sem perceber, isso fez com que eu tivesse as ferramentas para lidar com a vida, entendeu? Então, assim, é o que eu falo. Eu sempre tive muita sorte em tudo.

Tiago: Sensacional, você fez uma série no seu canal do YouTube sobre autismo em mulheres baseado em um livro. Queria que você falasse sobre esse livro e eu também queria te perguntar o seguinte, como você fala bastante sobre o autismo feminino, o seu público predominante, ele é feminino ou ele é masculino?

Vanessa: Então, eu fui questionada sobre isso no meu canal, se o meu canal era um canal de autismo feminino. Não, não é um canal de autismo feminino, é um canal onde eu gosto de falar e eu vou falar sobre autismo e porque que eu falo esse livro, ele acabou até virando uma playlist, uma série. Porque lá atrás, em 2013, quando eu tive o diagnóstico, eu sabia da existência desse livro. E eu tentei comprar, eu tentei comprar esse livro vários momentos da minha vida e nunca consegui. E eu esqueci o livro. E o ano passado, eu e o Rafa e a minha mãe, a gente foi pra Europa do ano e o Rafael lembrou de entrar em contato com a APA, que é uma associação portuguesa e ele providenciou o livro. E eu fiquei maravilhada com o conteúdo do livro, porque assim, o autismo do adulto já é uma coisa que que deixada de lado. Agora, o autismo do adulto mulher também é mais deixado de lado ainda. E lá tem tanta coisa que eu comecei a ler e a ver da minha infância, que eu gostaria que as mães, os pais tivessem conhecimento. Não dá pra todo mundo ter esse livro? Não dá, porque não dá pra comprar eu vou falar desse livro, capítulo a capítulo. Tá lá porque eu tenho um compromisso de falar aquilo que eu acho que precisa ser falado e é muito bom. Então, assim, eu tô no capítulo 4 e fala de amizade. Então, assim, como eu tive a sorte de sempre ser aceita e lá fala disso, de eu receber o título de amiga muito cedo, de muitas crianças e por isso que eu sempre fui parte e como aquilo foi importante e lá mostra estratégias de como dar ferramentas pras crianças terem amigos. Porque, na real, a gente não consegue muito ter amigo, não é porque a gente não quer. Pelo menos comigo não é assim. A gente não consegue é entender essas regras não escritas. Entendeu? E esse livro, ele traduz isso. E daí, depois que eu comecei a falar, tanta gente começou a querer o livro, eu fiz o Rafael dá um jeito e ele conseguiu outro livro. Daí a gente tá até sorteando. Eu queria muito que as pessoas tivessem chance de ter esse conteúdo. E é isso que eu tô fazendo, falando desse livro, que eu acho incrível. Mas, assim, eu gostaria que no meu canal tivesse esse muitos pais, porque a ideia que eu tenho de autismo é de que, meu, é difícil ser autista? É! Tem vantagens? Tem. Tem desvantagens? Tem. Mas eu queria que os pais tivessem mais conhecimento de como fazer pra ter um futuro feliz porque eu sou autista, mas antes de ser autista, eu sou uma pessoa feliz. E eu acho que isso também até pode falar disso no seu episódio. Eu acredito que a maior sorte que eu tive na minha vida foi ser filha dos pais que eu tenho. A minha mãe, ela era pedagoga e ela desde sempre ela teve a ideia de que ela ia educar os filhos dela na nas ideias da da pedagogia, da liberdade, que é a liberdade sem medo, que é a escola de Summerhill. E ela fez isso. Então, assim, coisas que hoje, 42 depois, eu tenho 42, eu vejo que tá na moda, falar de colaboração, fui educada pra ser uma pessoa colaborativa que não conseguisse passar por uma pessoa que precisa às vezes só de você ler a mão ou dar um sorriso e não dá, sabe? E essa foi a sorte que eu tive. Então, eu acho que eu sou uma autista muito feliz e muito sortuda mesmo.

Yara: Legal, eu acompanhando a sua série de autismo no feminino, eu achei bem legal, inclusive, a parte em que você cita o pesquisador, relatando que nos meninos, eles podem ir pra fora e as meninas, eles podem pra dentro, né? E, nossa, eu vejo isso demais, demais, assim, eu sou uma pessoa que que com alguma dificuldade, passo a falar muito pouco, até é engraçado, fica, assim, uma sensação de reflexão muito forte. Não sei se você tem essa mesma sensação, assim, é como se a gente realmente entrasse num mundo que andasse mais devagar e fosse muito mais silêncio do que normalmente, né? Acho isso muito interessante. E dentro do que eu pude observar de amigas minhas com filhos, embora o meu filho, o Pedro que é diagnosticado, ele não tem muitas crises, assim, de mas eu já vi crises fortes, assim, em relatos de amigas minhas e tal. E aí, é bem complicado mesmo. Quando é mais, mais forte, eu imagino a situação dessa mãe tendo que lidar com a crise na hora. Imagina uma mãe que tem Asperger com o filho em crise, ele vai tá fazendo bagunça e ela vai tá querendo “meu Deus, eu preciso de silêncio”.

Vanessa: Mas Yara, eu sou filha de uma e eu tenho lembranças de momentos onde a minha mãe, ela falava “me dá um tempo” e ela ficava fechada no quarto escuro, ela reequilibrava e voltava. Então, assim, eu acho que eu sempre entendi isso, porque eu sabia que se ela falasse que ela precisava do espaço dela, a gente sempre dava, sabe? Eu tive muita sorte de ter uma mãe autista, onde eu me via nela. E eu acho que seus filhos, em especial, que tem essa oportunidade de se ver no outro, é muito bom. No livro tem um capítulo que fala disso, agora eu não vou lembrar, fala da importância dos grupos. Gente, como a minha vida mudou pra melhor depois que eu comecei a me ver em outras pessoas, ver outros autistas tão bem quanto eu é muito bom. E daí, através do canal, eu acabei caindo no grupo de WhatsApp de mulheres autistas. E nossa, foi muito bom, porque sim, coisas que só mulher se incomoda, lá você pode falar de boa, entendeu? Então, assim, eu tive um episódio que eu passei a manhã inteira surtando mentalmente, porque queria resolver a história duma manicure, o meu marido que é super compreensivo, me ama mesmo, sempre tá do meu lado, ele não conseguia entender o porquê que eu tava tão incomodada com aquilo e as mulherada do grupo, além de me dar suporte, ainda me deu um monte de estratégia de como resolver. No dia seguinte, eu fui lá ouvir. Então, assim, se ver no outro é uma coisa, assim, que é igual aquela propaganda, não tem preço, não tem preço. É muito bom. E eu acho que eu me perdi, porque eu adoro falar, vocês já devem ter percebido, mas assim, eu tenho episódios também, onde eu tenho que ficar parada, olhando pro nada e fechada em mim mesmo, porque assim, eu tenho um combinado comigo, que se for pra mim explodir, eu exploro pra dentro. Meu terapeuta sempre fala isso, que é melhor eu explodir pra dentro e correr pra terapia, ir lá ele resolve comigo o processo de entender e de gerir e sobreviver a isso, mas assim, eu tenho um compromisso de não explodir pra fora, porque às vezes, tipo, que eu explodi, e uma vez assim, depois de casada com o Rafael, eu dei um murro no poste, que era o jeito que eu tive na hora de chamar atenção pra mim mesma e não explodir com ele. Sabe umas coisas assim? E isso é uma coisa que as pessoas que olham no canal e falam, nossa, como ela fala bem, como ela é resolvida, as pessoas não sabem. Porque na hora que a gente dá pane, perda total geral, a gente tá sozinho e dentro de casa. Então, é muito fácil achar que autismo leve é quase nada. É quase nada pra quem não tá na pele, porque pra quem tá tem um peso e o peso que a gente leva do autismo leva, de uma relação, pra nossa família, a gente tem que ter ferramentas e é por isso que eu dou importância pra terapia, para poder lidar com isso e muitas vezes não quero lidar ali com a pessoa e colocar isso pra ela, eu quero lidar depois comigo, meu terapeuta e geralmente resolve e cada vez mais esses episódios estão mais esparsos e isso.

Tiago: No mês passado, você fez uma série sobre o Setembro Amarelo e foi uma série bastante completa. E aí, eu queria te perguntar se por meio dos seus vídeos, você recebeu algum feedback, algum comentário, de alguém falando que isso ajudou em algum nível.

Vanessa: Eu vejo o meu canal como uma via de mão dupla. Nisso, eu é uma vantagem, esse é um canal pequeno, porque as pessoas, elas conseguem interagir e eu consigo dar uma resposta, porque eu acho que é legal você ter uma resposta. Eu tive muito feedback sim, e em especial, porque igual eu relato lá no vídeo o meu casonão foi uma depressão, foi um transtorno disfórico pré-menstrual que eu não sabia o que era e por isso que eu acho importante falar, ele é uma coisa muito curta e intensa. Então, ela não se classifica como um episódio de depressão. E eu, com a minha mente sempre focada em coisas boas, eu não dava importância. Até que chegou aquele fatídico dia. E aquele eu fui salva porque a minha vida inteira eu sempre fui uma pessoa que eu fui treinada pra isso, de sempre avisado que ia fazer e eu resolvi avisar o Rafael. E o Rafael, com muita sabedoria, ele soube contornar a situação e eu tô viva, graças a Deus, e muito feliz. E o dia que eu fui no médico, comecei a tomar remédio, no meu ciclo seguinte, foi o ciclo mais feliz da minha vida, eu lembro da sensação até hoje, de você descer a menstruação e você não sentir nenhuma tristeza, sabe? É muito libertador. Então, se você é mulher, se você percebe que em alguns dias do mês você tem uma tristeza que não é normal, procura ajuda porque tem remédios, tem tratamento. Agora o engraçado, sobre o que eu mais recebi das pessoas e as pessoas, assim, nem fizeram comentar publicamente, é a questão da dermatilomania. Eu cheguei nesse ponto e era muito antes do meu diagnóstico e eu acabei machucando mesmo o meu pé, eu machucava a minha mão e eu comia aquilo.

Yara: Eu queria saber se você chegou ter algum episódio mesmo, assim, de depressão mesmo ou de chegar até, inclusive, a pensar em suicídio, porque muitas vezes as pessoas que não passam por isso, não tem essa sensibilidade e dá importância de fato pro assunto, né?

Vanessa: Yara, eu tive diagnóstico de depressão, tomei remédio, eu ia até numa psiquiatra muito famosa nessa época que eu morava em Londrina e não fez efeito, porque na real eu acho que eu não tinha depressão, o que eu tinha naquele momento era um estranhamento com o mundo, sabe? Era o autismo mostrando as caras, só que eu não tinha esse nome pra jogar a culpa. Eu só não me sentia parte do mundo que eu tava, eu não conseguia entender as pessoas, as pessoas não me entendiam porque foi o momento da universidade. Eu tinha saído daquela turma que eu cresci a vida inteira e caí no mundo. E quando eu caí no mundo, o tranco foi forte, entendeu? Daí eu fui pra terapia. Na terapia eu senti que eu melhorei, mas a resposta mesmo foi através do diagnóstico do autismo. Quando eu entendi o que que era o autismo e como o autismo se manifestava na minha vida é que daí as coisas todas fizeram sentido, entendeu?

Yara: Eu tava dando uma olhada no seu canal, no YouTube, eu achei muito engraçado um vídeo que você tava falando sobre DRP, você colocou como DRP, o título sobre pensamentos repetitivos que dependendo do que a pessoa fala, você fica se lembrando o tempo todo daquilo, né? Eu achei muito engraçado que você contou a história de que seu marido caiu na besteira de falar que se fosse um universo paralelo talvez ele tivesse casado com uma outra pessoa diferente, tivesse filhos e não sei o que. E eu falei, na hora que você colocou isso, eu falei “eu devia ter feito isso”. Aí, mas eu achei muito interessante as reações dele no vídeo também, porque ele demonstra ser uma pessoa muito paciente, muito companheiro. Então, eu imagino que esse equilíbrio que existe entre vocês, deve te ajudar muito no controle das crises, né? Acho legal esse equilíbrio entre vocês e foi um um vídeo que eu achei muito engraçado e a história do chiclete também foi demais.

Vanessa: Yara, e o pior, esse vídeo quando eu fiz da história do universo paralelo, eu mandei pro, tá todo mundo do grupo do zap, eles conseguiram entender. Então, assim, eu tenho muita sorte, eu tenho um marido que é o Rafa, eu brinco com ele e que a gente se completa, porque eu consigo ouvir as pessoas do meu entorno, mas eu não consigo entender muito bem o que que tá acontecendo, assim, pegar essas coisas meio que no ar. Vocês, como autista, sabem que eu tô falando. Mas o Rafael, ele é o contrário. O Rafael, ele não ouve. Mas ele consegue entrar num ambiente e ele percebe tudo. Então, eu brinco que a gente virou um, porque a gente chega depois das festas de família, essas coisas, eu falo o que eu ouvi e o Rafael fala o que ele viu e a gente entende e começa a entender as confusões que a gente acaba se metendo, entendeu? É óbvio que a minha fala, geralmente, cria um certo tumulto e uma certa confusão, em especial na família dele, porque a minha família está mais acostumada comigo e, geralmente, leva de boa, entendeu? Mas, assim, adequar-se aos outros, é bem difícil. E o Rafael é um marido super tranquilo, ele é o meu número exato, ele é exatamente o meu número exato. Faz sete anos que a gente tá junto, feliz, é óbvio que a gente tem problemas, porque querendo ou não, são duas pessoas de gênio forte, né? E autista quando teima numa coisa, consegue ser bem teimoso, né? Então, assim, eu brinco com o Rafa, que aqui, de vez em quando, sai duelo de titãs, uma coisa assustadora, mas que a gente consegue, a gente tem muito o respeito. Então, assim, a gente tem regras até para ter discussão aqui em casa, não trazer assunto que não estavam sendo abordados, a gente só fica naquele assunto e tenta conversar e ver o que o outro tá entendendo daquilo, porque quando você consegue andar com o sapato do outro, eu acho que metade dos problemas acabam, porque acabar com todos eles, assim, é bem impossível.

Tiago: Vanessa, um dos temas do seu canal é viagens. E aqui no Introvertendo, nós fizemos um episódio recente, que foi o episódio 71 – Pé na Estrada. Aí, aproveitando esse período que a gente tava falando, também, muito sobre viagens do seu canal, eu queria te perguntar o número exato de viagens que você já fez e qual delas foi a mais marcante na sua vida?

Vanessa: Todo mundo já ouviu falar no golpe da barriga, aqui eu caí no golpe da viagem, a gente se conheceu em julho de 2012, mais ou menos em agosto ele falou: “vamos viajar comigo”? Eu falei: “não, imagina, mal te conheço”, daí ele falou: “não, mas e se fosse Lua de Mel?”. Daí eu falei assim: “ah, se fosse lua de mel, eu era obrigada a ir, não tem como você ir não me levar, né?”. Ele falou: “certo, vamos casar e daí a gente viaja”. Daí a gente casou, realmente, no dia 10 de novembro, quatro meses depois, e fomos pro Chile. Então, foi a nossa primeira viagem juntos. O Rafael sabia que eu tinha restrições, eu nunca tive medo de viajar, eu sempre viajava bastante de avião, mas eu nunca gostei de ficar muito tempo dentro de um voo. Então, eu gostava de voos com bastante conexão, o que não foi o caso. Mas meu terapeuta me deu uns exercícios e eu consegui chegar. Daí, a gente chegou, a viagem foi bem legal, daí a gente voltou e depois começou. Depois que eu conheci o Rafael, eu fui pra trinta e sete países. E agora, no fim do ano, eu vou fechar quarenta. E o Rafael já fechou os 50 dele faz tempo e o Rafael é um surdo que viaja e não tá nem aí, ele se vira, faz mímica, escreve, tradutor, Google Maps, dá, e vai embora, entendeu? É incrível. E de tanto ele falar, e de tanto ele me empolgar aí, eu vou, mas assim, é óbvio que uma viagem comigo não é uma viagem padrão normal. Então, assim, a gente levou muito tempo até achar um jeito que a viagem fosse boa pra mim. Então, assim, eu sou uma viajante de meio período eu, geralmente, eu acordo, tomo café, daí a gente vai pros pontos turísticos que eu que escolhi, então, assim, geralmente eu escolho dois. E terminou isso, se não almoçou, a gente almoça e daí eu volto pro hotel e o Rafael segue o passeio, entendeu? Porque eu preciso de um tempo pra descansar a minha cabeça de tanta mudança. E daí, com a rotina de viagem, a gente percebeu que toda vez que a gente ficou até a terceira semana, deu problema. Então, assim, na terceira semana eu quebrei meu pé em Madri. Depois, agora, na viagem que a gente fez, que a gente também ficou a terceira semana, eu caí do nada no meio da rua. Então, assim, só que daí, dependendo da viagem, então, onde você vai, tem que acontecer a terceira semana, por causa dos custos, entende? Então, assim, no fim do ano a gente vai pro sudeste asiático. Daí, querendo ou não, vai ter a terceira semana. Então o meu terapeuta vai me dando estratégias também para o que eu tenho que fazer, entendeu? De todas as viagens que eu fui, a que eu mais curti acho que sempre vai ser a última porque eu não sou muito boa de memórias. Eu acho que viajar é uma coisa que eu acho que acrescenta muito a gente, sabe? Em especial, porque toda vez que a gente viaja, a gente viaja, assim, versão econômica. Então, a gente anda de transporte público e daí você vê sobre acessibilidade, o quanto que a gente tá aquém de mundo acessível, porque querendo ou não, tipo, vou falar do Canadá, assim, que foi a primeira vez que eu vi e me impactou. Num ônibus, você tem um sinalizador sonoro do nome do ponto que tá, do próximo ponto. E além do sonoro, que daí você atende as pessoas que são cegas, você também tem um painel, onde está escrito o nome do ponto que você tá passando e isso ajuda as pessoas surdas. Porque, meu, é muito difícil você pegar um ônibus e você não conseguir saber onde o ônibus vai parar, porque você não consegue ouvir, ou você não consegue entender as pessoas. E isso você vê as soluções quando você vai pra fora. Então, assim, eu fiquei muito impactada, também, quando a gente foi pra Rússia. E foi a primeira vez na minha vida que eu passei, a gente ficou três dias em Moscou e foram três dias onde eu não vi nenhum deficiente, sabe assim? Eu não vi nenhum, é incrível você ver assim que é uma cidade que você não tem nem acessibilidade, o metrô é cheio de escada rolante, não tem elevador, você não tem como entrar naquele trem que ele para e mal parou, já corre. E você começa a questionar sobre essas coisas. Então, assim, eu acho que o legal de você viajar é você ver os pontos positivos da onde você tá e também ter ideias de como melhorar o mundo que a gente já tá vivendo nele, né? Então, assim, é muito legal. Eu gosto, mas minhas últimas férias minhas e as próximas eu vou ficar em casa, porque assim, pra mim, férias perfeitas mesmo é ficar em casa vendo feriado, vendo livro e agora gravando vídeo pro canal.

Tiago: Vanessa, muito obrigado pela sua participação aqui no Introvertendo. E pra fechar, eu queria…

Vanessa: Amei conversar com vocês. Nossa, Yara, eu sou sua fã de você já tá com cinco, eu precisava um dia te conhecer.

Tiago: Olha, pra fechar, eu queria que você falasse aí suas redes pro pessoal te acompanhar saber do seu conteúdo, ficar sempre atentos e, enfim.

Vanessa: Ai, ai, ai, o Tiago falou que eu tenho que parar de falar, mas quem quiser continuar me ouvindo, corre pro meu YouTube. Amei participar aqui. Eu sou super fã do Introvertendo. Eu já falei de vocês em vários vídeos. E todo mundo que eu conheço eu falo de vocês. E estou muito feliz de estar aqui hoje. Muito, muito, muito!

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