Em 2014, aos 18 anos, enquanto passava pelo processo de diagnóstico de autismo, o host Tiago Abreu conheceu Fábio Fernando, Paulo Ricardo e Victor Carrijo num curso técnico combinado ao ambiente de trabalho e, desde então, tornaram-se amigos. Neste episódio, os quatro exploram a amizade, aquilo que os une e os que diferencia, as dificuldades e vantagens em torno do autismo e outras curiosidades exclusivas deste episódio.
Capa do episódio, da esquerda para a direita, em referência ao álbum de estreia (1994) do Weezer: Victor Carrijo, Fábio Fernando, Tiago Abreu e Paulo Ricardo.
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Notícias, artigos e materiais citados e relacionados a este episódio:
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Transcrição do episódio
Tiago: Um olá pra você que escuta o Introvertendo, que é o maior podcast do Brasil, do mundo, da galáxia, do universo, formado por autistas. Só que hoje a gente não tá com episódios só de autistas, estamos com conteúdo especial, nós vamos falar sobre relações sociais e quando a gente fala de relações sociais não é necessariamente relações amorosas, e sim relações de amizade. E hoje estou com três pessoas que são importantes pra mim, me irrita bastante, mas são importantes e aí cada um vai se apresentar.
Paulo: Hoje o episódio não é sobre só com autistas, mas é com os amigos do autista. Nosso autistão, Tiago. Eu sou o Paulo Ricardo Pimenta da Silva Ramos. Isso mesmo. Eu tenho 23 anos e eu sou estudante de Farmácia da Universidade Federal de Goiás.
Victor: Olá, meu nome é Victor, tenho 23 anos e estou cursando Engenharia de Controle e Automação no Instituto Federal de Goiás. E tem muito tempo que eu sou amigo desse rapaz chamado Tiago.
Fábio: Bom, meu nome é Fábio, Fábio Fernando, e da turma aqui eu sou o mais novo. Eu tenho 20 anos e curso de Engenharia Civil na UEG. Eu conheci o Tiago e os outros meninos no Correios, num curso técnico que a gente fez de auxiliar administrativo e tal, enfim, foi isso.
Bloco geral de discussão
Paulo: Então gente, a gente se conheceu no Correios, quando a gente fez um curso de Jovem Aprendiz, não é Menor Aprendiz mais, é Jovem Aprendiz, porque a gente já era maior nessa época. Inclusive, eles trocaram o nome pra poder englobar o nome pra poder englobar pessoas até 22, 23 anos mais ou menos. E aí a gente foi selecionado, fomos lá pro Correios um dia lá, eu na época eu tava mais excluídão, Tiago conversou com uma colega nossa e com o Victor primeiro, depois quando começou o curso que a gente começou a interagir mais, principalmente por causa do ônibus, a gente pegava o ônibus junto, todo mundo pra ir embora, os meninos iam embora no ônibus, eu ia pra rodoviária porque eu fazia pré-vestibular lá. A partir disso, foi surgindo a nossa amizade e tudo mais. E com o passar do tempo a gente se manteve sempre de boa, sempre parça. Depois que terminamos o curso foi todo mundo pra cada um seguir o seu rumo, eu e o Tiago somos os únicos UFGs daqui…
Victor: Eu era o UFG também, não vem falar isso não que eu era da UFG também.
Paulo: O Victor também era da UFG.
Victor: Minha matrícula ainda está ativa.
Paulo: Tá trancada?
Victor: Não.
Paulo: Não tá trancada?
Victor: Não (risos).
Paulo: Porra, cê tá reprovando tudo por falta então, nas matérias. Ah, você não matriculou em nada?
Victor: Não.
Paulo: Então você vai ser jubilado. Enfim, o Victor foi enrolado, demorou uns dois anos a mais pra entrar, mas entrou no UFG também e o Fabinho é o nosso precoce. Ele entrou com 16 anos para Engenharia Civil na UEG…
Tiago: E vai formar antes do Paulo.
Paulo: Não vai não, eu formo ano que vem, porra. Mas eu formo no meio do ano.
Tiago: É engraçado que naquela época acho que a primeira pessoa que eu conversei foi com o Victor. A gente começou a conversar alguma coisa sobre celulares, sobre smartphones na época. Eu lembro que você tava com a sua mãe lá no no espaço de saúde que a gente tá fazendo os exames de sangue pra poder a ser admitido, aí sua mãe puxou conversa, aí eu puxei conversa com você na semana seguinte quando teve outra reunião nos Correios, a gente começou a conversar mais diretamente. E aí eu lembro que no primeiro dia de reunião geral que teve, a Jordana se aproximou de mim, começou a conversar comigo, aí na semana seguinte eu juntei vocês dois, aí foi formando o grupo.
Victor: Foi muito engraçado porque parece que quem estudou no IFG tem uma conexão que você reconhece outro IF de longe. Então o Tiago fez técnico, na época eu fazia técnico, então foi um assunto muito comum e quem estuda no IF sabe: o IF une muitas pessoas.
Tiago: E eu acho engraçado que você era colega de sala da minha prima (risos).
Victor: E é engraçado que ela ainda vem hoje aqui na comemoração do meu aniversário. E a prima dele namora o meu primo.
Paulo: E foi um negócio totalmente aleatório. Ninguém fazia ideia do que e de repente, pá, minha prima, pá, meu primo.
Victor: Nunca tinha beijado na vida (risos).
Paulo: Agora tá namorando o primo do Victor.
Tiago: E o primo do Victor se chama Victor.
Fábio: Minha memória é um pouco falha, é meio difícil lembrar, mas eu lembro que antes de começar a gente começar o curso, além de ter visto o Tiago dentro do ônibus e eu também vi ele lá nos Correios, eu até cheguei a comentar com a minha mãe que tava comigo e falei: “Mãe, acho que esse menino é lá dos Correios e deve morar perto ali da nossa região, porque a gente tá no mesmo ônibus e tudo mais”. E aí eu sei que quando começaram as aulas, eu fui conversar com o Tiago, eu acho. Eu perguntei onde que ele morava e aí começou. O grupo do Tiago já tava meio formado, eu tava meio isolado, puxei assunto com o Tiago pra saber se ele ia embora, como que ele ia embora e enfim começou essa coisa que dura 5 anos.
Tiago: Eu lembro que, no primeiro dia de aula, eu sabia que você ia pro mesmo CDD que eu. Só pra explicar pras pessoas, os Correios são divididos em agências e centros de distribuição, os CDDs. As agências são os lugares onde as pessoas postam as mercadorias, as coisas que serão enviadas, então é a parte onde há mais atendimento, já os CDDs possuem um serviço mais interno, de receber e fazer as entregas. Então eu e o Fábio trabalhávamos num centro de distribuição. E eu lembro que, no primeiro dia de aula, a professora perguntou de onde cada um era e você falou: “CDD Marechal Rondon”. Aí eu fiz o link. “Eu preciso conversar com ele, porque ele será meu colega de trabalho”. Mas eu não sabia como começar a interação social. Aí o Fábio chega em mim e inicia a conversa. Aí tava tranquilo.
Victor: Acho que é muito importante a gente citar que foi durante o Correios que o Tiago fez todo o teste pra saber se ele realmente tinha essa síndrome e foi muito bacana, porque a gente também não conhecia, sabia que o Tiago era realmente um pouco diferente e isso não foi nenhum problema pra gente.
Tiago: É, eu comecei a ler algumas coisas antes dos Correios, mas eu só fui procurar atendimento médico durante os Correios porque eu estava trabalhando e aí eu tinha dinheiro para procurar.
Victor: E é importante lembrar que a gente deu muita força pra ele continuar e apoiou todo esse período que ele estava fazendo e ver a evolução do Tiago, que é extremamente notável, de se pegar o Tiago de 2013 e o Tiago de 2017, que vai até em chopadas.
Tiago: O Paulo falou sobre ele ter sido o último a entrar na turma e eu me lembro que ele estava meio perdido, deslocado entre o pessoal. Ele sentava numa cadeira no meio da sala, andava com um caderninho vermelho, a gente teve a primeira semana. O primeiro dia de aula foi numa terça-feira. Segunda foi a reunião geral nos Correios, terça foi o primeiro dia de curso no SENAI e na quinta-feira ele pegou o ônibus com a gente. E o assunto que nos uniu, a princípio, foi o ódio. Foi o ódio as outras pessoas do curso (risos).
Paulo: Pior. Tava super deslocado, mas não dava pra se encaixar muito bem no meio daquele monte de moleque enjoado, negócio estranho. Enfim, com tempo a gente foi se conhecendo, a gente viu que tinha pessoas ali que tinham um pouco mais de noção da vida, das coisas. Aí a gente foi meio que se aproximando. E na época eu estava super perdidão. Eu olhava torto pra todo mundo, não queria conversar com ninguém.
Victor: Ele era a ovelha negra do grupo, que sempre reclama, briga, e fala alto. Foi um grupo muito eclético. Eu, o empreendedor, o Fábio é o menino prodígio…
Paulo: O Victor é o coach do grupo (risos).
Victor: E o Tiago era o cara mais intelectual. Sabia de tudo, manjava de tudo e eu pensava: “Cara, que moleque inteligente”.
Fábio: Tava até pensando sobre isso enquanto vocês falavam. Eu acho que eu só realmente me aproximei de vocês por causa do Tiago e porque a gente trabalharia junto. Então, foi meio com a coisa obrigatória da nossa relação, Tiago. Mas é por causa da diferença de idade, igual o Paulo falou que não tinha muita paciência com as outras pessoas da sala, eu acho que vocês iam me julgar dessa forma também. A nossa diferença de idade é muito grande. Se você for parar pra pensar, você Tiago, Victor, a Jordana, vocês eram bem mais velhos. A diferença de idade pra você começar uma relação conta muito, de você ter a mesma maturidade, essas coisas contam bastante.
Victor: Mas outra coisa também que fez a gente se aproximar bastante é porque nós temos estilos muito parecidos. E, querendo ou não, quando você tem aquela primeira impressão, o jeito que a pessoa veste é super importante e é muito importante ressaltar, né Paulo, que no final a gente terminou amigo de todo mundo, fomos uma turma muito unida. E realmente tinha essa disparidade do poder aquisitivo das pessoas e que a gente pode impactar muitas pessoas ali.
Paulo: Mas eu tenho que ressaltar que o ônibus foi o que me fez entrar no grupo, pelo menos, porque eu era deslocado, aí tipo, como eu pegava o ônibus junto com o pessoal, daí a gente acabou tendo que meio que conversar por obrigação. E também porque a galera tava lá, conversando e tal, aí eu ia me aproximando e tal, a gente foi começando a interagir mais e tal e acabei entrando pro grupo. E eu não saí de lá amigo de todo mundo não, continuo amigo só da galera aqui, o resto nem vejo mais, nem sei mais quem é.
Tiago: Fábio, você falou que uma das coisas que te deixou receoso foi a diferença de idade. E como nós somos um podcast sobre autismo, não posso deixar de associar com uma questão mais séria do autismo, que é a maior facilidade de autistas em ter relações com pessoas mais velhas do que mais novas. Você acha que isso ocorre por quê?
Fábio: Então, eu me aproximei de vocês e tive um relacionamento bom e vocês são bem mais velhos, porque eu achava que os outros colegas da nossa turma que eram da minha, da minha idade, assim, mais ou menos, eu achava a conversa deles muito banal. Aquilo não era pra mim, eu não conseguia me encaixar, entendeu? E por conta disso, eu acabei me aproximando do pessoal mais velho, que eu acho que conseguia ter uma conversa melhor, que dava pra entender e sabe, assim, eu acho que as pessoas do espectro podem se aproximar de pessoas mais velhas por causa disso. É uma questão de maturidade.
Tiago: Será que tem um pouco a ver com a fala formal?
Paulo: Ah, eu acho que talvez sim que eles se aproximem das pessoas mais velhas e não das pessoas da mesma idade que às vezes tem um linguajar um pouco mais diferenciado, tem uma uma forma que se portar um pouco mais banal, um pouco mais “jovem”.
Tiago: Eu li isso na época, então já faz muitos anos, eu não lembro exatamente os detalhes, mas uma das coisas interessantes é que a maior parte do tempo que você passa na sua vida, são com colegas de trabalho. Mas eu nunca acreditei muito em amizade com colega de trabalho. E eu acho que pra diferenciar colegas e amigos, é quando esse contato ultrapassa o ambiente que vocês convivem. E eu acho que a primeira forma pela qual esse contato foi se estendendo, primeiro foi o WhatsApp e quando eu comecei a fazer um cursinho de pré-vestibular com Paulo e aí esses contatos foram se estendendo.
Fábio: Essa questão que você falou, Tiago, de ser uma coisa fora do trabalho, fora do curso que a gente fazia, uma relação que se estendeu para fora, mas uma coisa que fortalece também as relações sociais, pelo menos que que eu posso perceber é que pela dificuldade que a gente passa junto. Igual a gente tinha que correr pra pegar o ônibus isso aí era uma coisa engraçada na época e acaba unindo a gente, entendeu? A dificuldade de comer aquele salgado horrível que que tinha na lanchonete lá do Senai. Então, essas coisas que a gente passa junto também, a dificuldade juntos durante o trabalho também fortalece as relações, não só uma coisa que acontece fora.
Tiago: Essa questão de passar pelas mesmas coisas, isso faz lembrar de dois famosos dos anos 90 que são o Noel Gallagher, do Oasis, e o Damon Albarn, do Blur, eles eram inimigos assim de certa forma na época e hoje, depois de velhos, eles se tornaram amigos . E o Noel diz que eles se tornaram amigos porque o Damon foi um dos poucos caras que passou pelas mesmas coisas que eles passaram em certas épocas. Então ele sabe como o outro se sente.
Victor: E é muito bom também ressaltar a questão do respeito que a gente sempre teve muito um pelo outro, cada um respeitando suas particularidades, Paulo porque grita, eu por conta dessas coisas de empreendedorismo, o Fábio, com a deficiência dele, o Tiago com a síndrome dele e até engraçado uma vez que eu lembro que o Tiago colocou o Fábio nas costas e a gente correu pra pegar o ônibus.
Paulo: Não, fui eu.
Victor: O Paulo tá acontecendo contestando aqui falando que foi ele. Foi os dois, ficaram revezando aqui para carregar o Fábio pra gente correr mais rápido e pegar o ônibus. E sempre a gente brincando muito um com o outro, sempre tendo clareza de que um respeito ao outro e tá pronto pra ajudar sempre.
Paulo: E deu certo, a gente viu? Cada um segurando a perna do Fábio lá e gente chegou lá.
Fábio: É, pra quem tá ouvindo a gente, não consegue ver. Mas a gente é um grupo aqui de quatro amigos, o Tiago tem autismo, eu tenho uma deficiência física, o Paulo ele é meio hiperativo, o Victor ele só é chato mesmo. A gente é um grupo de quatro, mas cada um tem suas particularidade e o que os meninos tão falando aí é por causa da minha deficiência física que a gente tinha correr pra pegar o ônibus, cara, eu não consigo correr. Eles me colocavam (risos) nas costas e a gente ia e eu achava que lá é o máximo, cara. Inclusive, a gente podia repetir esse fato hoje. Muito bom.
Tiago: Considerando que a gente é um podcast sobre autismo e aí eu acho que um dos pontos interessantes é as pessoas talvez tentar entender de que forma vocês enxergam as características do autismo em mim e nas relações sociais que a gente teve ao longo desses anos.
Victor: Acho que a coisa mais legal que a primeira coisa mesmo que a gente começou a ajudar o Tiago foi a entender ironias (risos), e hoje ele pega de primeira.
Paulo: Outra coisa também que é uma característica bem marcante é a mochila. Pra onde a gente vai, o Tiago carrega a mochila. Já viu aquele meme que tem o a pessoa com a mochila, jantando com a mochila, pessoal dormindo assim, do lado a mochila coberta? É o Tiago e a mochila dele. Inseparáveis, é tipo casco da tartaruga. Inclusive, eu tô olhando pra ela aqui agora, a gente tá aqui dentro do quarto Victor e eu tô olhando pra mochila do Tiago.
Fábio: Uma característica que observe no Tiago é que ele é a pessoa mais inteligente que eu conheci. É incrível o tanto que o Tiago, desde quando a gente na época dos Correios, ele já mostrava conhecer muitas coisas e durante a graduação que ele foi se destacando, ele informou com média quase nove de média global das matérias. Eu sempre falei isso pra minha mãe, sempre falei isso pras pessoas que eu conheço que eu tenho um amigo que ele é autista e é incrível esse hiperfoco do Tiago em algumas coisas que torna essa característica dele relevante.
Paulo: Bastante interessante, principalmente o que o Fábio falou do hiperfoco, sabe? Ao meu ver o autista tem esse esse hiperfoco quando ele foca numa área mano, é aquilo pra pra vida, pro resto da vida, sabe? O Tiago manja muito de muitas coisas, mas todas essas coisas tão dentro desse hiperfoco dele. Ele é super inteligente dentro das outras coisas também, mas o Tiago é de humanas, tipo, ele já não vai manjar tanto assim de matemática, mas você pergunta alguma coisa pra ele dentro da área dele, qualquer coisa, sabe mais que os professores praticamente. Moleque é pica dentro da área dentro da área dele, ele é um gênio, saca? Dentro do hiperfoco dele, isso é é incrível. Eu não sei se isso acontece com todos os autistas, mas é incrível o quanto que o autista Tiago, pelo menos, ele consegue ter esse hiperfoco, ele consegue se destacar dentro desse hiperfoco, dentro do que daquilo que ele estabeleceu como foco pra vida dele, ele consegue ser bom, o melhor de todos, praticamente.
Victor: E o quanto a memória dele é boa. No início ele pediu pra gente falar como que a gente se conheceu e na verdade quem deveria ter contado isso era o Tiago, porque ele lembra até dos detalhes, a camisa que a gente tava usando e tudo mais. Então assim, ele é às vezes é sacana com a gente, coloca a gente pra lembrar as coisas, sendo que ele sabe de tudo.
Tiago: Você conhece um caso de autismo, que é o meu caso. Tomando por parte esse caso, quais são as dificuldades que você acha que os autistas têm na interação social?
Paulo: Bom, eu acho que assim, tomando por base no no único caso que eu conheço, acho que um pouco de timidez, acho que eles têm talvez uma timidez um pouco exacerbada pra conversarem. Às vezes você precisa sair da sua zona de conforto para conversar com as pessoas. Aí cê tem que ir pra uma coisa um pouco diferente, uma conversa às vezes um pouco mais comum, sabe? Com dizeres um pouco mais coloquiais e isso, pelo que eu entendo, é um pouco broxante pra uma pessoa autista, sabe? É uma conversa um pouco mais aleatória, sem tanto conteúdo intelectual, que às vezes a gente conversa só por pra aleatoriedade mesmo, tipo: “Ah, cara, cê viu aquela história do chupa cu?”. E aí, tipo, a galera ri e fala: “Ah, caralho, chupa cu, moleque”. Isso pode ser broxante pra um autista.
Fábio: Eu acho que tomando como base o único caso que eu conheço, que é o Tiago, que é mais próximo, que tem certas coisas, certos assuntos que o Tiago prefere mais do que outros, entendeu? E por conta disso, eu acho que assuntos que não interessam muito ele, que a galera, o grupo, assim, conversa, às vezes ele mudar de assunto no meio do papo que a gente tá tendo e o assunto não consegue encaixar, entendeu? E eu posso estar enganado Tiago, mas eu observo assim que tem certos assuntos que te interessam mais do que outros e por isso você às vezes não consegue se encaixar na conversa e acaba tendo dificuldade de interagir com o grupo, mas no geral você até que é uma pessoa firmeza pra conversar.
Tiago: É, a gente faz as vezes alguns episódios sobre relacionamento a gente traz namoradas, namorados, de membros do podcast e uma pergunta que eu faço sempre frequentemente neles é quais características da pessoa te irrita? Então eu queria perguntar isso pra vocês, o que em mim vocês irrita? É o momento de lavar roupa suja aqui.
Paulo: A mochila. Nossa, que raiva que eu tenho dessa mochila, véi! Pra onde que a gente vai? Eu já, quando eu chego na casa água e já já sai com aquela mochila. Puta que pariu. Ele arruma umas desculpas, que ódio eu tenho dessa mochila.
Fábio: Uma característica do Tiago que me incomoda muito. Muito não, mas assim, me incomoda um pouco é questão do horário. O Tiago é muito certo com o horário, entendeu? Quando a gente combina de sair assim, a gente tem que ter o horário certo do Paulo passar na casa do Tiago, do Tiago passar na minha casa, da gente chegar na casa do Victor, ou então o horário certos assim. É fielmente aquele horário, entendeu? E se der alguma coisa, um imprevisto ou se acontecer alguma coisa, o Tiago fica bastante chateado e as vezes algum atraso também o Tiago fica muito muito incomodado com isso. E é uma coisa assim que pra mim é irrelevante dependendo da ocasião, do que a gente for fazer, a gente chegar um pouco a uns dez, vinte minutos atrasado ali, não vai mudar nada, mas pro Tiago é uma coisa que incomoda muito ele e afeta bastante e acaba afetando todo o rolê, entendeu? Todo rolê pra frente, às vezes o Tiago fica meio pra baixo e enfim, é isso.
Victor: O que me incomoda muito no Tiago é o quanto ele é inquieto. Então, cê fala assim: “Victor, me empresta tal coisa?”. Ele vai ficar a tarde inteira e se não faz aquilo que ele pediu, ele fica no seu pé.
Tiago: É porque vocês têm problema de memória (risos).
Victor: Essa foi uma boa desculpa.
Paulo: É pior que é verdade, eu esqueço mesmo, viu? Se o Tiago não ficar me lembrando…
Victor: Ele não esquece, ele morre. O último encontro é pra gente ter gravado, ele morreu, foi responder a gente dois dias depois.
Paulo: Nem foi, foi quatro horas da tarde, na hora que eu acordei, pô, a hora que pessoas normais acordam.
Victor: Fala o horário que a gente marcou.
Paulo: Qual que era?
Victor: A gente marcou se não me engano 13h30min ou alguma coisa assim.
Tiago: 15h.
Paulo: Só que eu acordei quatro (risos). E quando eu acordei, o carro não tava disponível pra mim, então não teve nem como eu ir. E o Tiago acabou molhando a chuva porque eu não passei lá pegar ele. Mas também não sou pai dele não, então ele tem mais de 18 anos, ele sabe se virar. Até esqueci que eu ia falar aqui agora. A gente realmente esquece as coisas. Eu, por exemplo, eu esqueço de tudo, se o Tiago não ficar tipo me lembrando, eu não vou fazer a coisa literalmente, definitivamente não vou fazer, porque eu esqueço. Eu acho que isso funciona mais ou menos com parecido com todo mundo aqui, se o Tiago não ficar no pé enchendo o saco, o outro não vai fazer. A pessoa não vai brotar uma hora lá no WhatsApp e falar: “Fiz aquela coisa pra você”. Pelo menos eu falo por mim, mais ou menos os outros meninos.
Tiago: Quando eu tava no processo da avaliação com a psicóloga. Porque depois dela, ela chegou um parecer, escreveu um relatório e passou pro neurologista e ele realmente foi conduzir a questão do diagnóstico, um dos elementos mais importantes foi exatamente um áudio de catorze minutos e trinta e poucos segundos, se não me falhe a memória, que o Paulo mandou me descascando pra pra terapeutas. Você lembra desse dia?
Paulo: Lembro sim, a terapeuta falou que ia me diagnosticar também com hiperatividade. Tiago quer que eu fale alguma coisa do áudio, mas eu não lembro do áudio, tentei elencar vários vários elementos e tópicos da minha interação com o Tiago, da forma como que ele era, como que ele agia e tudo isso favorecer o diagnóstico dele. Enfim, eu lembro disso, só.
Tiago: Um dos elementos pelo qual foi bastante fundamental na nossa interação, na época do trabalho, era quando a gente fazia trabalhos em grupo. E trabalhos em grupos é uma da maior uma das maiores dificuldades de pessoas dentro do espectro do autismo. Eu queria que vocês falassem um pouco como era a nossa interação em grupo.
Victor: É muito importante a gente falar que o Tiago fazia boa parte do trabalho (risos). Ele tinha um talento com aquele tal de Prezi e um amor que não sei se continua, mas ele que gostava de mexer com toda essa parte de edição, manja pra caramba e eu sempre fui assim: “Cara, me manda o que cê precisa, que eu te mando”.
Paulo: Eu prefiro PowerPoint.
Fábio: Eu não lembro muito bem. O que o Tiago falou sobre a falta de memória nossa aqui é realmente uma coisa que todo mundo tem, mas o que eu consigo lembrar um pouco dos trabalhos era que a discussão central do tema era um pouco complicada, porque o Tiago às vezes defendia a ideia dele, às vezes as meninas que a gente fazia defendia outra ideia. Até os meninos podem me confirmar depois se era isso mesmo. O Tiago ele era sempre igual o que o Victor falou, o editor, era o que colocava a mão na massa, por incrível que pareça ele sempre puxou muito o nosso grupo na questão dos trabalhos em grupo. O único problema mesmo era discutir sobre o assunto central do trabalho.
Victor: E ele também sempre foi um cara que quando fala, fala com uma convicção monstruosa. Então ele demonstrava totalmente segurança mesmo que a gente tivesse feito trabalho em cima da hora ou nas coxas, como o Paulo falou aqui, ele sempre teve essa segurança.
Paulo: Se bem que trabalho com o Tiago praticamente nunca é feito nas coxas. Ele sempre tem o prazo dele, o jeito dele, mas a minha parte, por exemplo, era sempre feita nas coxas, só fazia um negócio aleatório lá, mandava pra ele, ele incorporava no slide, no Prezi que ele tanto ama. E aí, na hora lá, a gente ia improvisando, ia falar do jeito que dava, mas o Tiago sempre tinha tudo muito bem estruturado, a parte dele, o slide muito bem estruturado, tudo feito de acordo com as normativas do Tiago, ABNTiago. Só que pelo menos as nossas partes eram mais aleatórias, eram mais improvisadas.
Tiago: Eu queria perguntar pra vocês uma situação social que a gente viveu coletivamente nós quatro que foi a mais marcante.
Victor: Os momentos mais marcantes pra mim foi quando o Tiago me procurou falando sobre o TED e que ele me pediu ajuda, mandou os textos pra dar uma lida e me chamou pra ajudar ele a escolher uma camisa. Isso foi muito marcante porque pra quem vive nesse mundo de empreendedorismo, liderança, o TED é um dos maiores eventos que tem no mundo e saber que o meu amigo tá lá com o Introvertendo foi sensacional.
Tiago: Você, inclusive, detonou meu texto e falou pra eu poder mudar muita coisa, isso foi bom, porque no final das contas eu não gostei muito da minha palestra, eu acho que hoje acho que eu fiquei equivocado no argumento, mas se eu tivesse ido com meu texto original, sem essas alterações, teria sido muito pior, porque você melhorou bastante o conteúdo e enfim, mudou bastante o tom das coisas.
Fábio: Cara, assim, dos momentos marcantes que eu lembro, pode não ser o mais marcante, OK, mas foi uma coisa muito importante pra mim, cara. Teve uma época que eu estava namorando e enfim, a gente queria dar um passo a mais naquela relação. A gente queria ter uma relação sexual e tudo mais, só que eu era melhor de idade, ela era mais nova que eu e não tinha muito o que fazer, porque a gente ia lá pra casa e não tem tanta privacidade. E quem me ajudou com isso foi o Tiago. Ele virou pra mim e falou que os pais dele iam viajar, que a casa ia estar liberada e ele me ajudou nisso, foi a vez que eu perdi minha virgindade e enfim, foi uma coisa importante pra mim e que o Tiago me ajudou e ele tava comigo.
Paulo: (Risos)
Victor: (Risos)
Fábio: Acho que vocês entenderam, ele estava lá comigo, mas não estava no mesmo ambiente que eu estava.
Tiago: Eu preciso fazer observação de que naquele dia eu coloquei o The Dark Side of the Moon do Pink Floyd pra tocar, saí de casa, fui varrer o quintal e foi exatamente no dia 16 de julho de 2016, que foi o dia da festinha de aniversário do Paulo que nós íamos ir juntos. E aí chegou 6 horas da noite e os dois não saíam do quarto. E aí eu tive que bater na porta e eles ainda ficaram enrolando, ficaram um tempão lá no maior amor, mas foi engraçado.
Victor: Outra coisa muito marcante foi que o Tiago foi numa chopada comigo e foi muito engraçado. Ele foi roubado lá, roubaram o celular dele. Tiago nunca tinha ido em chopada, então (risos)…
Paulo: Tinha sim, aquela lá foi, sei lá qual chopada, mas a gente já foi em outras chopadas juntos. E antes disso a gente tinha ido numa boatezinha, um pub que tem aqui na região e tal.
Victor: O Paulo tá lembrando qual foi o momento mais importante, mas a gente pode perceber que foram vários. Tivemos vários e o Paulo foi muito importante na inserção social do Tiago, levando aí pra diversas festas e tudo mais.
Paulo: É porque todos os momentos foram muitos foram muito importantes.
Victor: Pede em casamento agora.
Paulo: Todos os momentos foram muito importantes, não tem um momento em especial.
Victor: Sabe aquele pedido de casamento? Tá quase acontecendo.
Tiago: Paulo, casa comigo.
Paulo: Ai, caso (risos).
Tiago: Enfim, no meu caso, em cinco anos, a gente não teve tantas oportunidades de sair coletivamente os quatro. O máximo, às vezes eram três de nós. Teve várias situações particionadas, eu acho que a pessoa com que eu mais saí no fim das contas, foi o Paulo, principalmente pelo fato de estarmos na mesma universidade e também teve as vezes que eu visitei muitas vezes o Fábio porque a gente mora mais perto um do outro, mas eu lembro de alguns momentos assim bem marcantes. Um deles foi quando o Paulo me levou no posto de saúde e ficou lá até 22h da noite. Uma coisa que eu posso perceber de tantos anos pra cá é que com o passar do tempo a gente foi tendo menos tempo pra se ver e uma das características que vocês falaram durante essa conversa é que o fato das pessoas passarem pelas mesmas coisas que vocês, a questão da rotina, ajuda muito a construir social. Como é que vocês avaliam esse “distanciamento”? Vocês acham que isso atrapalha?
Paulo: Eu acho que atrapalha bastante. Por exemplo, ultimamente não tem tido muito tempo pra nada, eu tô só estudando e fazendo coisa da faculdade e não tem tempo as vezes pra gente sair ou às vezes pra gente fazer alguma coisa e tal. Tô vendo o Tiago e os meninos cada vez menos e também tô conversando no grupo cada vez menos, tô respondendo cada vez menos, muitas vezes eu abro lá de vez em quando só pra tirar a notificação de várias mensagens que já foram mandadas e aí quando os meninos querem falar alguma coisa comigo eles me marcam, então assim, vai acontecendo esse distanciamento. Acaba que é normal, a gente vai distanciando de todo mundo por causa da rotina, e tipo, atrapalha pra caralho.
Tiago: Levando para o caso do autismo, considerando que esse tipo de pessoa geralmente demanda uma previsibilidade, e um certo aspecto rotineiro. Como essas pessoas vão conseguir se adaptar ou ter essa maleabilidade que as pessoas entre “comuns” tem de mudarem de grupos sociais com frequência por causa da rotina?
Paulo: Ah cara, como que elas vão conseguir se adaptar, eu não faço ideia (risos). Mas essa adaptação é necessária, porque a gente não vai se ver todo dia pro resto da vida. As pessoas tem que se acostumar a interagir com outras pessoas, do ambiente de trabalho, do ambiente de estudo. A gente não vai poder se ver com tanta frequência, mas eu acho necessário a gente marcar, se encontrar de vez em quando, sair, conversar, fazer rolês, eu acho que como o autista precisa de uma previsibilidade nas coisas, eu acho que é bem interessante a gente marcar essas coisas com antecedência, porque quando dá errado é muito ruim.
Tiago: Eu não sei se você já percebeu, mas esse episódio é uma pegadinha, tá? Eu estou testando o nível de conhecimento de vocês sobre autismo e eu sei que você não conhece muita coisa, mas eu acho que é importante pro público ter uma ideia do senso comum que as pessoas têm sobre o tema. E lançar esses problemas que são frequentemente discutidos entre os profissionais, entre as pessoas dentro do espectro, porque dá uma visão bem diferente, que embora muita gente possa discordar, é isso. Pra vocês, qual é o segredo de uma amizade?
Victor: O principal é o respeito. É você entender que as pessoas são diferentes e respeitar aquele momento da pessoa também e interagir, mesmo a pessoa sendo diferente.
Paulo: Ah, cara, uma das coisas que eu acho que são super importantes é a humildade. Você tem que saber o seu lugar, saber que não deve invadir o espaço do outro, saber que às vezes você vai ter que aturar outra pessoa, as outras pessoas no geral, porque cada um tem seus momentos, suas individualidades, cada um surta do seu jeito e a cabe nós, amigos, estar ali pra pelo menos apoiar, fazer alguma coisa, entender. Ficar lá até dez horas da noite no hospital ou mandar tomar no cu de vez em quando e basicamente eu acho que é que é isso.
Fábio: O principal ponto na amizade eu penso que é o companheirismo…
Paulo: A brotheragem!
Fábio: Não (risos). A gente estar ali nos altos baixos, quando a pessoa tiver precisando de ajuda. O Tiago é uma pessoa que quando você precisa de ajuda, você fala com ele e ele te atende na hora. É incrível essa capacidade de querer ajudar os outros e é isso. A gente sai pra comemorar juntos, a gente sai pra falar mal dos outros juntos, a gente tem esse companheirismo e eu acho que é uma coisa muito forte na nossa amizade.
Victor: É, de também desafiar assim, passar na selva pra visitar eles, porque eu moro muito longe deles mesmo, apesar de ser na mesma cidade, então acho que isso é bem importante na amizade.
Tiago: E para você, quais são os principais elementos das suas relações sociais? Quais são as melhores histórias que vocês tem com seus amigos? Envie um email e até a semana vem, falou.