Autistas estão em todos os lugares, e um deles é a universidade. Para falar sobre pesquisa acadêmica, método e produção científica, nossos podcasters do Introvertendo contam suas experiências universitárias. Neste episódio, você vai saber as relações das vantagens e dificuldades do autismo na jornada científica e algumas histórias curiosas.
Participam desse episódio Michael Ulian, Tiago Abreu e Willian Chimura.
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Notícias, artigos e materiais citados e relacionados a este episódio:
- Aplicativo reúne quase 1,5 mil artigos sobre autismo e faz tradução automática
- Paratinga na Wikipédia
- O Ibopatinga: Paratinga, Jornalismo e História
- Entrevista com Tiago Abreu – Histórias de Paratinga
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Transcrição do episódio
Tiago: Um olá pra você que escuta o podcast Introvertendo e provavelmente está gastando o seu tempo ouvindo podcast ao invés de ler um artigo. Meu nome é Tiago Abreu, sou dessa plataforma que reúne pessoas dentro do espectro do autismo para discutir temas relacionados ao autismo e fora do autismo e hoje estou com duas pessoas aqui pra falar sobre autismo, método científico, pesquisa. Enfim, essas coisas relacionadas ao ambiente acadêmico.
Willian: Eu sou Willian Chimura, eu faço mestrado em informática para educação no Instituto Federal de Ciências e Tecnologia do Rio Grande do Sul e acho que não há nada mais elegante do que teorizar o funcionamento da natureza.
Michael: Eu sou Michael Ulian, eu não estou fazendo nada e quero dizer que a vida encontra o meio mas as minhas ideias pra fazer trocadilhos, não.
(Redes sociais)
Michael: Eu fico me perguntando acho essa altura o número de usuários de Windows Phone deve ter dropado menos de dez mil no mundo.
Tiago: Eu falo de Windows Phone eu acho que só por um por um único motivo. Eu usei essa coisa durante quatro anos da minha vida, então eu tenho um carinho especial.
Willian: Enquanto houver um usuário no mundo, ainda com Windows Phone, o Tiago vai falar dele no podcast (risos).
Bloco geral de discussão
Tiago: Eu queria a princípio perguntar em que momento da vida vocês tiveram contato inicial com o artigo científico?
Michael: No meu caso foi pra mim foi até um tanto tarde, a primeira vez que eu lembro de ler artigo científico são quatorze, quinze anos, isso não foi antes por causa da barreira do inglês Na minha área você tem muita pouca coisa, mesmo aqui no Brasil, sendo publicado em português. Então eu demorei bastante pra começar a aprender inglês, começar ter noção básica da língua pra conseguir fazer o básico.
Meu primeiro contato inicial com com o material acadêmico, foi ele a partir dos quatorze, quinze anos eu só fui pegar de verdade um ano antes entre a faculdade com dezessete anos que todo inglês ficou mais proficiente. Eu consegui ler sempre que necessário, traduzir já pegar e ler direto. Foi aí que eu consegui deslanchar e eu pegava facilmente ler um artigo por semana, o que para mim era muita coisa considerando que a gente está falando de uma área da ciências da terra que normalmente tem bastante informação condensada.
Willian: Eu acho engraçado que você falou que no seu caso é tarde, mas no meu caso é muito mais tarde ainda. Ironicamente quando eu comecei a graduação quando eu tinha por volta de dezoito anos de idade, quase dezenove no primeiro curso superior, eu iniciei o curso de tecnologia em jogos digitais. Então é um curso tecnológico, não é voltado para a área científica. Porém, eu não tinha, eu realmente não tinha compreensão de como funcionava a academia, a produção científica.
Quando eu ingressei no curso superior pela primeira vez, eu tinha sim uma grande vontade de fazer experimentações de alguma forma. E aí, a primeira vez que eu ouvi falar sobre artigos científicos, de uma maneira bem próxima, é claro, foi através de uma professora nessa faculdade, apesar de não ser um curso de bacharelado. Ela tinha o interesse em publicar alguns artigos e então foi a primeira vez que eu me interessei por isso. Mas o meu interesse não foi algo tão estimulante, na verdade pra mim naquele contexto porque eu entendi que publicar artigos era igual apenas cumprir uma uma série de burocracias, digamos, formatações de texto que não necessariamente eram algo muito agradável para mim. Mas por curiosidade quando eu vi os meus colegas trabalhando e em cima de escritas para publicar artigos, eu fui pesquisar, fora do contexto da faculdade e aí eu fui pesquisar no Wikipedia como porta de entrada.
Mas é claro que também, eu lembro que eu encontrei alguns canais no YouTube com outros pesquisadores também que explicaram como é que funcionava os journals, as publicações e etc. Eu realmente não me recordo qual foi o primeiro artigo científico que li. Mas eu me recordo que nos primeiros eu me sentia muito confuso porque cada artigo aparentemente era totalmente diferente um do outro, das metodologias. E ao mesmo tempo que um artigo da ciência da computação por exemplo, por mais que eu tentasse entender algum conteúdo, algo do tipo eu conseguia ver uma uma estrutura muito mais bem delineada digamos assim, do que um artigo de ciências humanas, por exemplo, eu não conseguia entender os padrões ali. De como eles deveriam ser e eu lembro dessa sensação de me deixar muito confuso. Mas ao mesmo tempo, também tinha uma grande vontade de publicar algum artigo algum dia.
Tiago: No meu caso foi um processo um pouco diferente. Eu fazia ensino médio na área de TI porque eu estudava em IF, ensino médio integrado e eu lembro que teve um período que teve greve. E os meus hiperfocos não tinham muito a ver com o próprio ambiente do curso que eu frequentava. E aí eu lembro muito bem que um dos meus hobbies naquela época de ensino médio era o Wikipédia. Eu até falei isso no episódio 51 que é o episódio sobre Wikipédia. Nessa época, como eu tinha alguns temas de interesse, principalmente voltados a música, eu tentava procurar fontes para os artigos que eu estava criando, verbetes, que eu estava criando para Wikipédia.
E aí nesse processo eu acabei, de certa forma, tendo os primeiros contatos com materiais do Google Acadêmico, porque eu pesquisava sobre coisas e já estava tendo contato com ali com dissertações e teses. E às vezes eu gostava de pegar coisas gigantescas e achar pontos que poderiam embasar. Eu fui entendendo um pouco as coisas básicas que pessoas da universidade às vezes passam uma graduação inteira. Pra tentar entender. Por exemplo a ABNT que é algo teoricamente que as pessoas já deveriam pegar desde o primeiro semestre mas quando eu entrei então na graduação de fato. Eu já tinha pelo menos essa parte básica muito bem estruturada.
E eu lembro que o meu primeiro artigo escrito já foi como calouro, foi no primeiro semestre que eu escrevi junto com a professora, na verdade eu comecei a escrever o artigo, mandei uma parte pra ela essa parte que eu tinha escrito e de uma forma muito engraçada ela me retornou e-mail com o resto do artigo todo escrito então eu quase não pude escrever nada. E aí depois disso enfim aí fui produzindo outras coisas e continuo produzindo pra ver se isso me ajuda também pra entrar no mestrado. E aí eu queria perguntar pra vocês qual foi a primeira coisa que vocês escreveram.
Michael: O meu primeiro resumo, já que eu não cheguei ainda a escrever um artigo porque na academia, eu não sei se o mesmo vale para as ciências humanas, mas nas ciências exatas ele dá você tem uma estruturação hierárquica que é baseada no tamanho dos textos, do tamanho das publicações que começa no resumo, vai pro resumo estendido, se não me engano você tem mais uma publicação depois você tem o artigo, depois o artigo você passa se não me engano você já passa para o manuscrito, como a tese de mestrado, doutorados, que já são trabalhos que passam de cem páginas. Então você tem essa ordem hierárquica que é a melhor definição com a sua lidar é literalmente o tamanho delas.
Um resumo não tem uma página ou resolve sentido vai ter no máximo aí duas ou depois você tem algo entre eles depois eu sei o artigo que tem páginas dificilmente o artigo vai passar de vinte páginas. E a minha primeira publicação foi no começo, foi com o resumo da minha iniciação que o tema super interessante que era sobre o dente de um parente próximo dos crocodilos e que eu comentava sobre como que a característica dele era que ele tinha uma cicatriz em que eu defendia que ela era causada antes dele morrer e não por um processo tafonômico.
E isso me deu uma dor de cabeça do caramba porque eu não tinha certeza exatamente do porquê eu sabia que era porque não tinha como a cicatriz dessa ser tafonômica, eu sabia, eu já tinha visto uma cacetada de tafonômicas, eu sabia. Só que eu não sabia pôr em palavras porque aquilo era na época, aquilo era um processo que aconteceu quando isso estava vivo e não quando eu estava morto. Então foi muito engraçado eu tentando explicar algo sem ter as palavras pra explicar.
No final eu consegui, mas impressionante tudo que eu consegui explicar nesse resumo de uma forma bem porca, mas eu consegui explicar, eu consegui embasar a minha tese e mais para frente depois eu botei minha tese de novo sobre teste e eu descobri que realmente não se tratava de uma fratura tafonômica aquela fratura depois que ela ocorreu ela teve sinais de cicatrização, então só podia correr quando o bicho estava vivo então essa é a história do meu primeiro resumo.
Willian: E o que eu achei bem interessante na sua fala e que eu me relacionei também com ela é justamente essa questão de você encontrar um padrão, né. Ou você encontra alguma coisa que, enfim, você identifica algo que compense você escrever sobre, digamos assim, né, que seja útil. E por mais que você tenha essa essa capacidade de reconhecer esse padrão, nem sempre você tem a capacidade de verbalizar isso. De você conseguir colocar em palavras exatamente o que você está identificando. Então eu me relaciono bastante com isso, especialmente quando eu fui escrever os meus documentos, de todas as tentativas de de artigo, vou colocar assim. E todos os meus produtos que eu queria pôr a teste, porque eu notava uma tendência de como se eu tivesse um hiper critério, digamos assim, para colocar em palavras o que estaria nos meus artigos.
Então eu só colocava coisas extremamente objetivas, sempre assim, sempre coloco apenas coisas extremamente objetivas e só depois que eu coloco todas as informações que eu considero apenas informações úteis para o padrão que eu descobri. O algo que eu identifiquei gostaria de publicar sobre o que eu penso, não, peraí, alguém vai ler esse artigo e aí eu tenho que revisitar ele duas, três ou quatro vezes para só depois reescrevê-lo. De uma forma com que alguém lendo aquele artigo, minimamente tenha essa comunicação. Então, eu realmente tenho muita dificuldade nesse sentido, eu acho que isso tá muito relacionado a Asperger, com autismo também.
E aí a pergunta era sobre o primeiro artigo, no caso sim, de fato existe essa essa hierarquia. Você por exemplo, tem que passar por uma ordem, é claro que existem outros periódicos que não necessariamente são bem criteriosos ou algo do tipo, mas eu particularmente almejo que minha primeira publicação seja em um journal com o mínimo de critério. Então eu tenho artigos para submissão, mas nesse momento nenhum ainda foi publicado. Espero publicar o meu primeiro esse ano, mas é claro que ao longo do meu percurso, agora fazendo o link também com a minha última fala e também relacionando com autismo, eu vejo que é irônico que eu tenha até os dezoito anos a idade em que eu tinha que tomar a decisão entre o curso de tecnologia e bacharelado, como eu não sabia o que era método científico. Como eu não sabia como funcionava a hierarquia acadêmica e uma vez que eu descobri isso e uma vez que eu me interessei sobre isso, parece que nada mais no mundo é tão interessante quanto entender o método científico.
Então eu lembro que na época na minha primeira tentativa do que seria uma publicação, na faculdade tinha uma uma certa professora que era a professora de referência em em tudo que envolvia psicologia e eu queria fazer alguma investigação, não sabia exatamente o que ainda, mas alguma investigação no sentido de jogos com psicologia. Então eu queria de alguma maneira investigar os fenômenos psicológicos quando as pessoas jogam determinados jogos. E na época eu tinha especificamente algum interesse em jogos de terror, então eu mais ou menos ia nesse sentido.
O problema é que essa professora na época, eu não entendia isso, mas essa professora tinha uma linha teórica da psicanálise. E a psicanálise ela é totalmente contra, digamos assim, a linha teórica que eu intuitivamente queria investigar, porque eu sempre queria algo muito comportamental, mesmo ainda naquela época não tendo descoberto a minha área de pesquisa hoje, que é o behaviorismo. Que a gente fala, o comportamentalismo, mas ainda sim intuitivamente pra mim fazia muito sentido que eu gostaria de investigar os fenômenos ali do jogador frente ao jogo, de uma forma a observar os comportamentos daquele jogador.
Agora ao mesmo tempo que a minha professora que seria minha orientadora para esse primeiro potencial artigo, ela ia pra uma linha o contrário do que seria aí. Então, porque a psicanálise é muito relacionada a esses supostos estados mentais e etc, que é algo que é muito subjetivo. Nada concreto como o comportamentalismo. Então, eu tive uma série de problemas, enfim, tive vários conflitos com ela, ela chegou a um ponto de ter algumas falas um pouco ofensivas para mim e é claro também, eu como uma pessoa com poucas habilidades sociais naquela época também revidava digamos assim, não aceitava a crítica de uma forma muito legal. E aí acabei que por mais que eu tenha escrito muita coisa. Ao longo do caminho, eu desisti daquilo porque eu via que não estava indo pro caminho que eu acreditava que era o que deveria ser o artigo científico e no final das contas isso foi abandonado, esse projeto foi abandonado, mas essa foi tentativa frustrada, digamos assim, de se escrever algo que seria um artigo científico.
Tiago: É engraçado a sua história em certo aspecto, porque eu me vi no primeiro artigo que eu fui creditado como coautor. Porque eu falei. Como eu comecei a escrever o artigo, o artigo relacionado ao autismo e a professora orientadora, ela tinha o doutorado em antropologia. Então a linha de pesquisa dela era voltada para antropologia, ela pegou todo o todo caminho que o percurso que eu queria fazer que seria a partir das descrições das características do asperger e levou para o cenário da antropologia. E aí o artigo no final das contas contou como uma argumentação que era muito diferente daquilo que eu pensava a princípio. De forma que não necessariamente criei um conflito com ela, porque ela já me entregou o artigo pronto na mão. Foi meio até frustrante nesse sentido porque eu não tive muito para produzir. Mas nesse momento eu vi pelo menos nas humanidades que é a minha área o tanto que para o mesmo fenômeno você pode utilizar diferentes métodos e as implicações são totalmente diferentes dependendo da abordagem que você utiliza.
Willian: Ah e eu queria perguntar pra vocês especialmente se vocês conseguem relacionar de alguma forma. É claro que a gente sabe que pessoas com autismo há uma há um certo déficit de se relacionar com as outras pessoas e é claro que isso não deixa de ser verdade também no meio acadêmico. Eu queria principalmente perguntar pra vocês se vocês também têm e sentem alguma dificuldade significativa nesse sentido de entender as pessoas, digamos assim, para trilhar o caminho.
No meu caso, eu tenho, eu vejo que eu tenho o mesmo problema com relacionamentos que eu me considero próximo, relacionamentos afetivos mesmo. Então, quando eu tô muito hiperfocado alguma coisa, em algum relacionamento, pode ser com amigo, com uma amiga, enfim, com parente de qualquer maneira, eu fico hiperfocado em algum assunto. E geralmente eu tenho muito mais empolgação do que a outra pessoa, é a outra pessoa acaba perdendo tanta empolgação assim e só fica aí ou empolgado.
Na área de pesquisa científica, eu tenho sentido um problema semelhante. Eu vejo assim, que às vezes eu tenho um problema a ser resolvido. Eu já proponho toda a investigação, eu já tive todo um grande trabalho em cima disso, mas ao mesmo tempo eu falho em cativar as pessoas. Eu tive algumas tentativas frustradas de alguns projetos na minha graduação. Na verdade eu passei por três instituições durante a minha minha graduação, na última instituição que eu estive, por exemplo, eu cheguei a conseguir apresentar o projeto de pesquisa que eu tinha e supostamente gostaram, supostamente iriam me associar como um mas ao mesmo tempo sempre fica naquele, “ah, vamos ver sim, não, ah, gostamos bastante da sua pesquisa”. E aí, eu fico naquela apreensão, digamos assim, só que eu não consigo ter o resultado concreto, digamos assim, um concreto das pessoas, porque há, é claro, um jogo de relacionamentos, né, também na na academia e isso me deixou frustrado muitas vezes. A nível de ficar deprimido mesmo. Eu não sei se vocês já tiveram algum problema relacionado a isso.
Tiago: Eu vou deixar pro Michael porque ele já me falou algo nesse sentido numa conversa que a gente teve em 2017. Vamos ver se ele lembra.
Michael: No caso eu acho que um pouco falar porque o meu ambiente de laboratório que eu trabalhei é a exceção. Isso não é a regra, não é aquele laboratório grande, insensível. A gente é um ambiente pequeno, quase familiar, a forma com que as interações se davam lá era querendo ou não era muito mais amistosas do que geralmente tende a ser nesse tipo de ambiente, no meu caso eu mesmo tendo mais facilidade e as outras pessoas com os projetos delas do que eu e induzir as pessoas a sentir mais dos meus projetos meus projetos eu tendo a tentar fazer ao máximo, tenho uma permeabilidade em me enfiar no projeto dos outros enorme. Tanto é que a maior parte das publicações que eu fiz dos do últimos dois anos que eu fiquei lá foram projetos que o meu nome saiu como co-autor porque eu estava doente na época e eu não estava conseguindo produzir muito mas eu estava indo de sempre que eu fugia no laboratório e sempre que eu ia lá eu parava pra ajudar alguém uma hora parando na publicação de alguém. E não sei se foi com isso que o Tiago quis quis ir.
Tiago: É porque assim, posso estar interpretando a pergunta do Chimura errado, mas eu não sei se você lembra que a gente estava conversando sobre capacidade de produção e o relacionamento dentro do ambiente o que você tinha falado que você enxergava em você mesmo uma capacidade muito boa pra sua área em termos de conhecimento mas ao mesmo tempo você se via em enorme desvantagem no sentido relacional com seus colegas e que você não conseguia suprir isso porque também de certa forma você estava dentro do regime eu não sei se você lembra disso.
Michael: Não, agora que você falou eu lembro só que eu estou tentando ver o que me fez chegar a essa conclusão porque da segunda parte, principalmente.
Tiago: Eu lembro que você dizia que pra você se estabelecer como pesquisador, você precisava também construir relações. E que mesmo não sendo algo que você via como algo de muita necessidade, isso te colocava em desvantagem, principalmente dentro de sala de aula. Com outras pessoas. Porque você não conseguia frequentar as aulas de uma forma geral
Michael: Ah tá, nesse caso eu tava falando mais num ponto de vista mais geral, não tanto dentro do laboratório. Mas como dentro da academia mesmo, porque pra quem está ouvindo o podcast obviamente não tem o contexto, mas eu tenho uma dificuldade ímpar com pessoas e especial, nos meus últimos anos na faculdade eu tive que entrar num regime especial que eu fui isento de entrar em sala de aula porque eu não estava conseguindo frequentar. Simplesmente bombando nas matérias, eu não estava conseguindo ir mais pra aula por causa de fobia social então eu tenho dificuldade de lidar com pessoas nesse nível e provavelmente o que o Tiago está falando, eu deveria estar fazendo uma auto reflexão na questão de que eu estava vendo que eu tenho essa dificuldade que eu tenho que enfrentar isso e além do lugar confortável e aconchegante que era o lobo laboratório que eu participava porque infelizmente o resto do mundo não é confortável, aconchegante, é frio e cruel e cheio de espinhos.
Eu me identifico um pouco com o que o Chimura falou. Porque ao longo da minha trajetória acadêmica para começar os temas de interesse eles eram bastante restritos. Em segundo lugar, os meus colegas de graduação de forma geral não gostavam de pesquisa. Então enquanto eu estava voltado a produzir os meus colegas queriam partir para um negócio mais prático. Quando se trata de jornalismo de fazer extensão e tudo mais. Eu estava mais voltado a fazer alguma coisa mais teórica. Então tudo que eu sempre acabei fazendo e aí também relacionando um pouco com o Michael foi sempre de criar os meus projetos sem pensar, de envolver coletiva nisso. Então nunca passou pela minha cabeça por exemplo com relação ao meu TCC, que foi uma pesquisa de dois anos e meio que eu desenvolvi eu fiz tudo sozinho.
Aí eu posso falar sobre ela um pouco depois mas de forma geral eu acho que o tema que você estabelece muitas das vezes complica o envolvimento de outras segundo no meu caso o curso não ajuda muito porque são poucas pessoas interessadas em pesquisa e terceiro eu me incomodo bastante com o ritmo de produção também porque quando eu estou envolto em algo eu produzo pra caramba e às vezes o pessoal não acompanha às vezes nem o orientador vai olhar o negócio com aquela com aquela rapidez com a qual se espera. Às vezes você tem um prazo para cumprir. O orientador olha faltando seis horas pra terminar a objeção e isso me irrita bastante. Enfim, são vários fatores. Eu acho que o próprio Chimura pode também dar uma detalhada um pouco maior que a gente pode destrinchar várias coisas dentro disso.
Willian: Com certeza, eu acho que todos esses fatores na verdade, né, como enfim, sobre a viabilidade mesmo da produção científica, né, como você mesmo esse último exemplo que você citou. A questão de você submeter. Você acabou de escrever e você precisa de uma avaliação, né, do seu superior, só que você não consegue imediato, aí você fica com ansiedade. Eu imagino que esse fator é um fator que incomoda praticamente todo mundo. E principalmente também vai incomodar mais quem tem um transtorno de ansiedade ou quem tem um transtorno como autismo, por exemplo. Claro, por fatores, por motivos diferentes. Mas causa incômodo de fato.
Agora, dependendo, eu acho que é complicado. Pela perspectiva do autismo, dependendo do seu nível de hiperfoco do que você está produzindo, porque no meu caso, quando eu estou produzindo, realmente, o Hiperfoco fica para produção. E então, etapas assim sendo muito custosas, tipo muito custosas mesmo. Então, eu acho que isso é, é de fato uma pequenos detalhes, digamos assim, que querendo ou não, são fatores que elevam a ansiedade na maioria das pessoas e que também, é claro, vão elevar a ansiedade de pessoas com autismo, mas que tem um agravante a mais pra questão do pela questão da inflexibilidade de rotina. Que muito possivelmente você tá esperando que você continue a produção, mas ao mesmo tempo você não pode e aí você fica um pouco perdido. Por essa questão e isso pode ocasionar uma quebra de rotina e mais incômodo para pessoas com autismo. Acredito eu.
Michael: Eu achei interessante vocês comentarem sobre ritmo acelerado de produção porque eu tenho problema que é quase o contrário porque tem um ritmo muito bom pra produção de dados e para trabalhar com produções de dados frutos na hora de passar tudo pro artigo final simplesmente a procrastinação reina. Eh eu não me recordo de um trabalho que eu publiquei que eu não tinha feito no mesmo dia do prazo final de entrega. Inclusive a Minha tipo um ano de pesquisa e eu fiz a porra do relatório seis horas, porque eu não consegui dedicar o nem o tempo antes do último dia do prazo de entrega pra escrever ela. Simplesmente é algo foi algo além da minha capacidade sentar a bunda e escrever um pouquinho que seja aquele trabalho. Nossa eu saí da faculdade e nosso material foi pelo menos uns sete artigos diferente de dado bruto. E o que eu fiz quando eu cheguei aqui no Paraná? Achei mais alto pra fazer mais artigo. Eu não parei. Foi o que eu peguei e não fiz.
Tiago: É a dificuldade de organização que é mais específica sua.
Michael: Aham.
Willian: Um outro problema que eu tenho também que eu vejo relacionado com autismo é na questão da do rigor que eu tenho geralmente com os meus hiperfocos e também uma questão de inflexibilidade. Que também acompanha o rigor ao meu ver. Então, por exemplo. No meu caso, eu sou uma pessoa que cursa um mestrado interdisciplinar. Então meu mestrado é de informática com educação. Então as pessoas que estão consumindo coisas da ciência da computação, por exemplo, não não querem muito, não estão muito interessadas em saber as produções da da informática para educação. E aí acaba sendo a produção mais voltada ou para área disciplinar ou pras pessoas da educação mesmo. Outros pesquisadores da educação.
E bom, dado isso, eu estou propondo uma produção que envolve a questão da informática, que a gente sabe que não é todo mundo que é familiarizado, ainda mais a um a um nível de ler um artigo científico para se interessar sobre esse tema. E além disso, na educação você tem linhas, né, teóricas que você pode seguir para fundamentar a sua investigação. Então, no caso, a minha linha de investigação, ela é uma linha comportamentalista. Enquanto a maioria da grande maioria das acadêmicas aqui de educação, você vai encontrar abordagens mais para uma linha construtivista. Então, isso me deixa excluído, digamos assim, mas ao mesmo tempo esse o meu rigor com o método científico me faz até a esse ponto que eu entendo que fundamenta as minhas produções nessa linha teórica.
E é claro, nessa minha área de interesse pelo motivo de combinar minhas habilidades de programação e também quantas teorias de educação para produzir nessa área. Eu me sinto um pouco excluído ao mesmo tempo que eu também quero manter o rigor porque afinal de contas eu tive uma lógica pra chegar nesse ponto eu até ter esse hiperfoco e é claro que eu nem preciso falar que isso causa uma certa uma certa dificuldade quando eu vou falar com outros colegas outras pessoas também que supostamente pesquisam educação, mas que pesquisam em outras em outras linhas totalmente diferentes das minhas.
Então eu tenho muito esse problema, uma sensação de que eu não consigo me comunicar, por mais que às vezes a pessoa seja da mesma área do que eu, de produção. Mas comunicar de uma maneira satisfatória com ela, porque ela não está familiarizada com esses aspectos, com esses detalhes entre aspas. Que são cruciais para o meu rigor, para o meu hiperfoco. E aí eu meio que às vezes tendo que ceder, digamos assim, para outras linhas teóricas, porque senão eu não produzo nada. Ou senão, eu apenas tenho que tentar fazer tudo sozinho e é claro que vocês sabem que isso é um grande desafio, por mais que a gente consiga produzir muito com nosso hiperfoco, ainda sim produzir sozinho é desafiador. Então, eu não sei se tem algum problema nessa questão de inflexibilidade com o rigor que vocês prezam pela área que vocês pesquisam.
Michael: É engraçado quando você se falou que no meu caso isso acabou sendo praticamente uma vantagem. Porque isso foi algo muito desejado na minha área. Eh o meu orientador e os meus colegas de laboratórios sempre tiveram um respeito muito grande por mim por causa da forma que eu conduzi a minha pesquisa e a forma com que eu conduzi o meu trabalho no laboratório. Por causa do nível alto que eu colocava em cima da minha pesquisa porque eu realmente ia lá a brincadeira. Tinha dia que eu chegava lá e sentava por três horas seguidas no laboratório analisando a mesma amostra debaixo da lupa porque se eu não tivesse certeza do que eu estava vendo eu não descrevia. Isso acabou me ajudando também no resto do curso porque quando eu tive comecei a ter dificuldades e tive que parar de ir na aula e tudo foi o fato de que eu tinha esse nível alto dentro do laboratório. Era essa consideração que esse que o meu orientador passava para os professores, foi o que me ajudou a liberarem pra mim a regime especial. Pois honestamente, eu era um aluno horrível, mas puta que pariu eu compensa completamente como pesquisador. O que eu era ruim como aluno era o quanto eu era bom sendo pesquisador, porque eu realmente levava tudo ao extremo do meu esforço. O quando eu consegui levar de precisão lá dentro.
Tiago: Eu penso que a área do Chimura é uma área extremamente ingrata e que tem um conflito não só do ponto de vista produtivo mas também do ponto de vista ideológico. Então o conflito que você sente. Ele existe pra mim mas ele não existe nessa escala e aí é é um negócio muito complicado porque eu consigo visualizar mas eu não passei por algo nesse extremo pra poder falar olha é o mesmo comigo e porque de forma geral primeiro eu não sei do mestrado, segundo a minha área é uma várzea total, se eu for bastante sincero e porque pelo menos a educação ainda tem um um uma certa sofisticação muito maior do que a comunicação, tem comunicação, tem nem teoria, isso não existe uma teoria da comunicação, você tem uma série de arranjos outras áreas, emprestado de outras áreas, tem arranjo que vem das sociais, tem arranjos que vem da filosofia, tem arranjos que vão dá até de coisas que foram emprestadas da TI e usadas para conceituar comunicação, sendo que na verdade não conceituam coisa nenhuma. Então eu me vejo numa situação mais desconfortável ainda.
Então o que eu posso falar de experiência com relação à produção, ela acaba indo prum viés bem diferente, que por exemplo o meu TCC por mais que ele foi um trabalho extremamente rigoroso ele acabou gerando um produto. Só pra você ter uma ideia do quanto que no fim das contas a configuração que eu vivo na minha área é totalmente diferente e isso é engraçado. Nós temos três pessoas aqui de áreas totalmente diferentes, nós temos sim as semelhanças, mas aquilo que diferencia, diferencia pra caramba. Mas assim, sobre a questão do rigor em si, eu pude perceber em outro aspecto, porque era muito engraçado que eu tinha os temas de interesse mas muitas vezes eu não via nesses temas uma relevância suficiente para poder por exemplo transformar isso do meu principal objeto de pesquisa do TCC e aí eu pegava alguma coisa que eu queria sei lá trabalhar durante um momento e depois largar e aí os professores eles viam que eu levava um certo jeito para coisa eles chegavam pra mim e falavam assim: “olha isso aqui você pode trabalhar no meu TCC”. E eu ficava pensando: “mas eu não quero trabalhar isso no meu TCC, isso não é relevante”.
Então eu sempre tive um um um julgamento meio exacerbado sobre essas coisas que talvez eu acho que também pode responder um pouco do que você. Mas isso acabou se traduzindo no meu TCC porque eu comecei a pesquisar alguns temas que iam gerar o TCC no meu terceiro período. Foi no terceiro período que eu comecei a intensificar esse processo e a princípio eu queria fazer ele com uma boa parte eu queria trabalhar um TCC outro tema e assim nas horas mexer com esse tema. Até que uma professora chegou comigo, conversou e falou: “transforma isso no no seu TCC, senão você não vai dar conta”. E aí eu percebi que a academia tem um olhar mais pragmático, às vezes em centro aspecto. Então, muitas vezes o que a gente produz não é necessariamente aquilo que a gente enxerga como ideal. Mas, de uma forma geral, a gente acaba fazendo porque a gente precisa cumprir prazo, precisa cumprir métricas e é exatamente por isso também que muitos professores pesquisadores estão aí assinando como autor trabalhos de alunos para poder cumprir meta de quantidade de artigos.
Willian: É o que você falou sobre ser uma uma área ingrata. Realmente eu sinto que há uma questão, digamos assim, “ideológica”, mas aí eu não vou dizer até uma eu vou, vou definir melhor como favoritismo, digamos assim. Um favoritismo não muito fundamentado. Porque é claro que todos nós, autistas ou não, temos as nossas enfim, as nossas vivências ao longo da vida que condicionam a gente querer a ter uma afinidade maior por algum assunto, por alguma linha teórica, por alguma abordagem e que não necessariamente é a abordagem mais adequada para se investigar algum problema. Alguma coisa que você queira investigar sobre o olhar científico. E no meu caso, eu vejo que eu busco sempre pela necessidade de eliminar o máximo possível de subjetividade.
Então desde parâmetros de delineamento experimental até o ponto de pensar assim, que quando eu vou escrever o meu artigo, eu não quero escrever nenhuma sentença, não quero escrever nenhuma frase que não tenha um real motivo para ela estar lá. Então, eu não, eu penso assim, que quanto menor o artigo e quanto mais ele explicar, mais elegante ele é assim, o artigo ideal pra mim seria isso, mas é claro que não necessariamente eu posso seguir isso. Eu tenho que conversar, dialogar, digamos assim, com a pessoa que vai ler, porque ainda mais considerando que a pessoa que vai ler não é uma pessoa das exatas, por exemplo, que frequentemente as pessoas do WhatsApp eu posso, acredito que eu posso assumir que elas estariam mais propensas a gostarem de algo mais objetivo do que as pessoas que são da área das humanas. Posso estar errado, posso estar equivocado mas vou assumir isso e por isso é importante.
Também é para mesmo porque o objetivo de toda publicação é dialogar com as pessoas. Mas assim, e esse meu rigor, ele me atrapalha a um nível de me deixar em um estado deprimido mesmo. Deprimido assim, consideravelmente. Então, eu vejo que é um dos meus grandes desafios, hoje, como autista. Mas também outra questão que afeta muito a minha qualidade de vida, o meu humor, minha vontade de de viver, digamos assim, é justamente nesse sentido que eu vejo que enquanto maioria das pessoas tratam o método científico como como algo que infelizmente é inevitável de se lidar com porque você precisa de títulos, você precisa cumprir com protocolos na sua instituição, você precisa para publicar um artigo, pra ter um currículo Lattes melhor, digamos assim, então eu vejo que a maioria das pessoas enxergam nesse nesse sentido. E ao mesmo tempo que eu vejo, que eu estou me relacionando com essas pessoas porque inevitavelmente eu vou conhecer essas pessoas, já que a maioria pelo menos do meu meio enxergo que pensa assim e não é uma crítica, é claro isso, cada um tem os seus objetivos de vida. Mas o meu objetivo é realmente prezar por um rigor.
E é claro que eu também enxergo que eu estou longe ainda de encontrar um rigor realmente assim a um nível do estado da arte do que seria investigação científica. Eu é claro, eu sou ainda um mestrando. Então eu como mestrando eu gosto de ver isso de como há um caminho a ser trilhado ainda pra eu entender o nível, né, pra eu conseguir entender o processo ao nível, que eu consiga discriminar o que o que não faz sentido, o que sugere ou não sugere uma causa o que enfim, entender as hierarquias, as evidências, métodos e etcétera. Então, eu vejo que há muito a se compreender ainda, mas ao mesmo tempo eu quero compreender, eu me comprometo a compreender.
Então, parece que, assim, quando você vai fazendo uma uma relação boba, né, quando você vai jogar futebol com as pessoas, você tem em comum com aqueles interesses em comum com as pessoas que estão ali naquele campo de futebol, que todos eles se divertem correndo atrás da bola, chutando ela, agredindo o time adversário, enfim, seja lá o que vocês fazem em futebol. Então, todos eles têm esse interesse em comum e se divertem nessa atividade. E ao mesmo tempo, quando eu penso assim, eu tenho que em comum com alguém em pesquisar, ok. Mas ao mesmo tempo eu tenho que considerar muito provavelmente essa pessoa, não quero pesquisar da mesma forma que eu quero pesquisar. E às vezes pára e parece que às vezes eu descubro isso no meio do caminho. E isso me chateia bastante. Tenho me chateado bastante, esse é um problema que tem realmente comprometido bastante minha qualidade de vida, eu diria.
Tiago: Essa questão de você não trabalhar a sua objetividade na minha área assim é a pergunta de um milhão de dólares. Porque não andar se você não for a subjetividade é de em algum aspecto nas humanidades muitas das vezes você vai fazer revisão bibliográfica ou você vai se você apenas reforça questões que já estão muito bem estabelecidas em outros inscritos, o que é bastante complicado e a questão da interpretação ela é tão importante a gente fala de autismo é que agora que você falou algumas coisas eu acho que eu estou conseguindo pegar também outros aspectos da sua fala que eu não tinha entendido das várias vezes que você tinha falado sobre a angústia que você sente porque essa angústia que você sente com relação a encontrar pessoas interessadas e que também pesquisar no mesmo estilo, na mesma forma que você eu tenho às vezes com orientadores. Como você tinha falado um pouco antes assim do ponto de vista de que o orientador definiu o caminho, eu tô caminhando nesse caminho e é isso, eu tô cumprindo pronto, mas no fim das contas eu não cheguei lá ainda.
Willian: E como você falou sobre essa objetividade você tem uma facilidade assim você consegue enxergar que o autismo de alguma maneira te ajuda ou te atrapalha em trabalhar essa subjetividade porque no meu caso eu vejo é muito relacionado com autismo. Eu gosto de coisas bem concretas. E é claro que a gente sabe que é descrito, enfim, através de relatos e, inclusive, crianças com autismo geralmente tem essa essa dificuldade do brincar imaginativo. Digamos assim, as brincadeiras imaginativas. E eu vejo que a minha busca por por essa digamos assim. Por isso, por essas relações que eu quero fazer muito explícitas. E nada subjetivas digamos assim e ela está relacionada com o autismo e no seu caso você consegue identificar alguma coisa nesse sentido ou você acha que consegue lidar bem e não acha que o autismo está muito relacionado com isso nesse sentido pra ti.
Tiago: Existe uma via de que, dependendo do meu tema de interesse, eu consigo olhar e fazer uma observação técnica que se encaixa muito bem com o tema e com o contexto, como ao mesmo tempo eu não sigo lidar bem com um certos eu não sei se eu diria métodos ou abordagens de produção de alguns artigos. Por exemplo, eu escrevi um livro, que foi o meu TCC. Depois que eu escrevi esse livro, fui aprovado em banca, passei pela graduação, fui sugerido fazer um artigo sobre o TCC. Porque muitos alunos depois que produzem TCC, escrevem um artigo. E aí ficou na minha mão escrever uma espécie de análise de um dos textos de uma das entrevistas que eu tinha feito, mas eu fiquei pensando: como eu analiso uma entrevista que eu fiz de forma objetiva?
E aí eu escrevi, elaborei um artigo, mas no final das contas eu li e pra mim ficou assim na obviedade o tempo todo. Porque eu não não sabia lançar um olhar específico sobre aquilo, eu sabia alguns elementos da entrevista e tudo mais, mas pra mim tudo que passava ali era uma interpretação que poderia estar facilmente equivocada. Eu não sei se eu respondia exatamente o que você estava perguntando, mas eu tenho uma facilidade muito maior de trabalhar sobre aquilo que não seja 100% criação e seja muito algo que já existe, que eu não tenha uma participação direta.
Por exemplo, não é algo na verdade de produção acadêmica, mas quando eu escrevo um artigo na Wikipedia uma das regras é verificabilidade. Toda informação que é escrita na Wikipédia em tese que você for incluir tem que ser sustentada por pontos viáveis independentes que geralmente secundárias. Então pra você fazer todo esse processo você acaba sempre escrevendo coisas que já estão presentes em outras. Então você não você não cria necessariamente algo novo a partir de opinião. Você simplesmente reproduz às vezes com palavras e coisas que são diferentes fontes e fazem um apanhado. Isso sempre foi muito prático e muito lógico pra mim. Agora a partir do momento em que você tem que criar algo totalmente novo que não está muito claramente embasado eu me sinto completamente perdido.
Willian: Eu queria fazer uma pergunta para o Michael agora, em relação principalmente porque você citou que nos quatorze anos que você teve o contato com o seu primeiro artigo e ao mesmo tempo também você citou que tem um rigor. Quando você está olhando ali observando alguma coisa, você não vai descrever algo se você não tiver 100% de certeza que é aquilo. E eu, a minha pergunta é mais no sentido de você acha que o autismo, a percepção que você tem, por ser uma pessoa com autismo, de alguma maneira te ajuda? Porque, bom, claramente você descreveu isso como uma vantagem no seu relato, seu hiperfoco, seu rigor, pelo respeito que você tem. E bem, pra responder essa pergunta, você também tem que, de alguma forma, se comparar com a perspectiva, assumir como as outras pessoas, as pessoas neurotípicas enxergam as coisas e fazem essa comparação com a maneira que você enxerga as coisas.
Então, você acha que esse seu olhar característico de alguma pessoa com autismo na sua percepção de alguma forma relacionada com autismo desde essa época de treze anos, quatorze anos de idade, te deu uma vantagem nesse sentido? Você acha que a percepção diferenciada é muito parte do que te beneficia em conseguir ter esse diferencial? Ou você acha que é mais uma questão do hiperfoco mesmo?
Michael: Olha, eu acho que em conjunto e geral do autismo acaba trazendo uma certa vantagem. Porque eu percebo que a forma com que eu lido com as coisas eu tenho querendo ou não tenho uma facilidade maior do que as pessoas normais têm em lidar com as coisas dentro da academia, não dentro da academia, no seu total, como eu disse eu tenho péssimo histórico escolar, mas como pesquisador eu tenho uma facilidade muito grande e eu vejo que tudo bem tem as suas estações brotando do hiperfoco quanto do alto nível de criatividade que eu tenho.
Willian: Então você diria que a sua percepção desde que você era criança por exemplo te auxilia nesse sentido, ela te dá uma vantagem no sentido da produção científica.
Michael: É, porque na verdade, embora eu tenha começado com quatorze, quinze anos, um introduzido na para materiais científicos mesmo artigos e tudo mais eu comecei a ler com três anos por causa do meu interesse em paleontologia. Então eu estou literalmente desde os meus três anos me preparando pra trabalhar com essa merda. Pode parecer absurdo, mas desde quando eu era criança eu eu realmente estava levando isso um passo à frente do que você esperaria de uma criança ou realmente isso levava uma capacidade absurda da minha capacidade de conseguir e assimilar esse conteúdo e entender as noções básicas, depois das básicas, das intermediárias e das intermediárias as mais avançadas e depois passando esse conteúdo do acadêmico indo fazer implicações práticas. Então foi um processo que eu fiz com a faca quente na manteiga, tipo com facilidade extrema. Também a única coisa que eu fiz boa na vida.
Willian: Eu entendo muito bem quando você fala nessa questão de “eu estou desde os três anos me preparando para essa merda”. Porque eu tenho lembranças por mais que muita gente duvide. Mas eu tenho lembranças do meu processo de alfabetização. Eu tinha um um bom interesse, inclusive eu tenho também lembranças de que eu já usava o telefone sem saber números, então só pelos padrões ali. Depois de digitar, apertar as teclas, o telefone eu já conseguia usar ele e eu também dei uma lembranças de como eu fiz para me alfabetizar. E no caso, aliás, é claro, as primeiras não foi o processo de alfabetização inteiro que eu cumpri comigo mesmo.
Mas mesmo na idade pré-escolar eu me lembro muito bem que eu usava o meu pai como validador. Então eu pegava uma folha de papel e eu pegava um letreiro de plástico. Então eu fazia combinações das letras para fazer uma combinação simples, então, reduzir a variância, digamos assim, do meu experimento e colocava só, tipo, por exemplo, a letra B e a letra O. Aí eu falava pro meu pai, pai, tem alguma coisa, eu escrevi alguma coisa aqui? Aí ele falava, ah, você escreveu bo. Aí, por exemplo, eu pensava, ah, bo. Então, eu posso, talvez, tentar combinar alguma outra eh algum outro conjunto de letras para ter o som do lá por exemplo e combinar e formar bola, por exemplo.
Então, é claro que isso é só um exemplo, não é exatamente essa palavra aí, foi esse processo e nem que eu tenha conseguido com sucesso formar muitas palavras, mas ainda assim eu me lembro muito bem. Desse processo de tentativa e erro, que eu tentava com o meu pai de uma forma muito repetitiva. Então, isso eu tô falando assim de cinco horas, seis horas, sem parar e tentando e tentando e tentando. E eu vejo que esse processo então de tentativa, validação, erro tentativa, validação, erro, tentativa, validação, um acerto e aí coloca o acerto nas evidências e aí continua esse ciclo, ele faz muito parte de como eu investigo principalmente em jogos quando é claro, eu sou uma pessoa que adora jogos. Jogos digitais, enfim, RPG e tudo mais. E sempre também repito essa mesma estratégia para tirar melhor proveito de como eu posso jogar com uma melhor performance.
E como isso como jogos foram presentes muito na minha infância e na minha adolescência, fica muito claro que eu sempre usei esse método e eu vejo que esse método ele correlaciona com a maneira que o método científico, é claro, de uma maneira mais individualizada. Porque o fenômeno do método científico envolve diversos pesquisadores. E a revisão por pares e revisões sistemáticas e metanálises, não estou falando dessa parte, mas eu estou falando principalmente de eu como indivíduo que se propõe a investigar alguma coisa de forma científica e como desde criança, desde a minha idade, de pré, minha idade pré-escolar. Eu tenho ainda a mesma estratégia, digamos assim, e eu vejo ela se repetindo na minha vida e até hoje na na academia, no mestrado, eu vejo que a é a mesma estratégia e nunca mudou e eu acho que nunca vai mudar. Eu sempre vejo que essa vai ser a estratégia mais otimizada, digamos assim, que eu vou ter até o final da minha vida pra racionalizar, pra chegar nas melhores conclusões, para investigar na enfim, pra tomar qualquer tipo de decisão na verdade.
Tiago: Então nós chegamos naquele momento super alto promocional em que eu vou falar sobre a minha pesquisa. Não porque a minha pesquisa seja interessante, mas eu acho que a forma como eu a trabalhei como estudante de graduação e dentro de uma área bem complicada em termos de pesquisa como é o jornalismo é bastante interessante, principalmente pra quem tiver dentro da graduação como experiência. Então, voltando ao dia trinta de junho de dois mil e dezesseis, eu estava numa cidade no interior da Bahia, chamada Paratinga, uma cidade de trinta mil habitantes, em frente ao rio São Francisco, extremamente seco. E é uma cidade da família da minha mãe e aí nessa viagem eu comecei a pensar um pouco porque eu não visitava a cidade desde o final de 2010, início de 2011 eu saí de lá exatamente dia primeiro de janeiro de 2011. E em cerca de cinco anos que eu não pisava naquela cidade a cidade estava do mesmo jeito e aí eu fiquei pensando o que faz uma um município como esse, tão antigo e tão importante até em termos de história na época do Império do Brasil. Parar no tempo e ser cada vez mais irrelevante e enfim inesquecível e aí eu lembro que eu fiz alguma algumas observações, anotei coisas, tirei fotos de lugares e voltei pra Goiânia com aquela pulga atrás da orelha, fiquei dois dias lá mais ou menos e aí eu pensei, quer saber? Eu vou começar a pesquisar coisas sobre a cidade e vou começar a reunir material. E aí eu comecei a ler no Google Scholar ali, algumas dissertações, algumas teses. Eu consegui achar material farto, analisando documentos do fórum da cidade entre os períodos de mil setecentos e vinte até mil oitocentos e quarenta eh consegui achar inclusive o caso de um cangaceiro que fechou a cidade três meses e matou o próprio irmão que era da Guarda Nacional, uma história muito louca assim. Na época que o cangaço era algo realmente forte no Brasil e não porque, geralmente se fala de cangaço, a gente lembra de Lampião, mas o Lampião já é na época já da decadência, do cangaço. Enfim, eu fui encontrando uma uma quantidade de antigas sobre a cidade que eu não encontrava em outros lugares ou que as próprias pessoas da cidade falavam comigo mesmo. E eu pensei, eu preciso tornar essa coisa que sei lá, quarenta pessoas leram. Em termos de artigos acadêmicos, disponível. E eu sou esquerdista. Então, eu fui no artigo sobre Paratinga na Wikipédia aí o artigo era basicamente uma frase no início falando que era o município da Bahia e embaixo um tópico sobre população uma foto da igrejinha e mais nada. E eu pensei eu vou escrever esse artigo do zero aí eu comecei a reescrever peguei dados sobre de questões muito variáveis. Peguei tanto a questão da ocupação portuguesa, colônia, império, consegui achar um artigo e falava sobre as origens étnicas dos escravos que que moraram na cidade, que países provavelmente eles vieram a partir dos registros de casamento e aí também fui pegando muitos materiais com relação aos casos de banditismo, encontrei muito material falando por exemplo, sobre as epidemias que houveram nessa época. Então por exemplo, Paratinga nessa época e na na no período do império foi um lugar extremamente sofrido, teve uma época que eles fizeram a movimentação política, porque estava tendo movimento separatista e Paratinga poderia ser a capital de um novo estado que se chamaria estado de São Francisco. Teve um período que a cidade foi atingida por esse cangaceiro aí em menos de dois ou um ano mais ou menos, o estado da Bahia inteiro foi pego por uma epidemia de cólera. Em mil oitocentos e sessenta tinha cerca de três anos e um monte de gente morreu de fome, de sede. Enfim, foram uma série de desgraças que aconteceram de tempo em tempo e aí eu pensei que a Wikipedia vai ser esse espaço para sistematizar essa quantidade de conteúdo que eu estou achando. E que vai me fornecer de certa forma uma organização pra eu poder montar um um material futuro. Eu estava pensando em fazer um documentário até esse momento. E aí eu percebi que que eu consegui encontrar uma sustentá de coisas sobre colônia e império. Mas sobre o período eu comecei a ficar um pouco mais interessado. Voltei à cidade. Essa já foi minha segunda viagem e comecei a pesquisar alguns locais públicos da cidade. Pessoas idosas para obter documentos. Aí eu fui conseguindo. Edições sobre um jornal da cidade que eu não achava registro na internet. Um jornal da década de cinquenta. Fui encontrando também coisas do IBGE da década de cinquenta também, desse mesmo período e peguei relatos de pessoas na época do dos militares, peguei coisas da época da redemocratização, folhetinho de prefeitura, enfim tudo que eu achava eu estava pegando e fui estruturando isso também somando isso na Wikipedia. Tirei fotos, visitei eh localidades, entrevistei pessoas, foram só para o projeto futuro que eu que eu ia montar foram mais de cinquenta entrevistas. Entrevistas em profundidade, conversando mais de uma, duas horas, coletando fotos, eu tirei nesse período de pesquisa, eu devo ter tirado mais de três mil fotos, eu não lembro exatamente o número, mas eu acho que tá entre duas mil e três mil fotos. No fim das contas, o que eu estava achando sobre a cidade poderia gerar um material assim, gigantesco. Só que eu não queria usar isso com TCC. Isso era tipo um negócio de lazer. Tipo, eu estava gastando um dinheiro ferrado, viajando e consultando documentos para um negócio que era secundário. Pra mim não era algo necessariamente para formar pesquisa. E aí pra poder complementar esses dados que eu estava sentindo insuficientes, com relação ao período república. Eu pensei que agora está na hora de eu fazer um uma filtragem mais hard. Fui procurar grandes jornais brasileiros, Folha de São Paulo, Globo e pesquisei a palavra Paratinga no com todas as palavras e fui pesquisando página por página que apresentava essa palavra. E aí sei lá, mais da metade falava sobre uma estação no interior de São Paulo que tem esse nome e aí eu achava uma coisa, achava uma notícia de um assassino que era da cidade achava sei lá uma menina aleatória que se perdeu e foi achada em São Paulo então achava tudo que mencionava sobre a cidade eu estava caçando. Chegou um momento que a professora chegou pra mim e falou assim por que que você não escreve um livro? E aí eu já estava começando a fazer as filmagens para o documentário porque todos esses materiais que eu estava pesquisando já me dava indicação de quais pessoas dentro da cidade eu poderia pesquisar pra fazer entrevista. Só que você lidar com audiovisual é difícil para caramba. Porque você tem que lidar com o seu equipamento, você tem que lidar com o roteiro, você tem que lidar com as entrevistas como jornalista tem que. Quem tem essas ideias da entrevista. Imagina manusear tudo isso sozinho. Como eu sempre fui muito individual nesse aspecto, eu não dava conta de produzir tudo isso sozinho. E aí eu fiquei insatisfeito com a qualidade das imagens. E aí eu queria fazer uma monografia. Eu achava importante fazer uma mamografia principalmente para mestrado até que a professora chegou pra mim e falou assim não é o que importa é você ter um relatório bem feito, bem e aí eu parti pra escrita do projeto de pesquisa, meu projeto de pesquisa deu cinquenta páginas na época inclusive eu acho que ele ficou maior que o TCC de alguns colegas meus e isso é meio engraçado até porque quando eu escrevi o material na Wikipédia de forma geral eu já tinha um esqueleto muito bom de todas as fontes que eu tinha, sabe? Então, por exemplo, o artigo se não me engano tem duzentas e trinta fontes juntando páginas web, dissertações, artigos, folhetins, enfim. Está tudo citado aí. Então, quando eu fui escrever o meu projeto de pesquisa, era como se o meu artigo na Wikipedia fosse o meu fichamento. E isso era muito curioso porque o volume que eu produzi de conteúdo e também com relação ao material de consulta meu isso considerando só o físico. Porque o digital é eu tenho aqui até hoje no meu computador uma série de coisas mas o fixo eu coloquei dentro de uma caixa numa caixa de sapatos aqui aqui no meu quarto e água encheu, a caixa está está lotada sim e isso por um TCC porque pro TCC né é um negócio assim que não tem um rigor por exemplo de um de uma dissertação de uma tese então a quantidade de coisas que eu produzi me fez pensar muito é na questão que a gente estava discutindo sobre o rigor daquilo que a gente produz e aí eu tinha professores que chegavam pra e falavam assim, poxa, cê tem agora uma linha de pesquisa para você trabalhar o resto da vida. Só que eu esgotei as minhas possibilidades aí considerando a questão do hiperfoco com relação a Parati que agora não tem mais interesse. Eu já fui ao limite. E aí considerando o projeto. Dando continuidade. Eu comecei em 2016 esse processo de investigação e quando cheguei no final de 2017, já tinha passado um ano e meio, eu desisti da ideia do documentário e falei, vou fazer um livro. Para fazer um livro, eu tinha que mudar muitas coisas. Porque no documentário você faz poucas entrevistas. Eu tinha um limite de dez entrevistas e aí eu falei, ok, eu vou pra Paratinga em julho de 2018 e eu vou ter que fazer uma quantidade de entrevistas para poder gerar um livro. E aí eu cheguei em Paratinga com um problema, eu tinha que fazer prova de proficiência inglesa em Porto Alegre. Quando eu cheguei em Paratinga. Então o meu chefe, da empresa que eu trabalho, a gente verificou uma data lá pra eu poder viajar pra Porto Alegre e eu percebi que eu tinha que diminuir a minha viagem e eu ia ficar dez dias em Paratinga. Só que o meu roteiro dizia pela minha estrutura que eu tinha montado, que eu tinha que fazer quarenta entrevistas. Aí eu tinha que fazer quarenta entrevistas em dez dias. E eu tinha que fazer, então eu tava de passagem comprada pra Porto Alegre, cheguei em Paratinga, fiz quarenta entrevistas em dez dias. Teve um dia que eu fiz oito entrevistas. E aí eu contei isso depois para a orientadora do meu TCC. E ela falou assim, caramba, o seu o seu processo de investigação anterior com as fontes que você tinha reunido, com todo material que você fez preparado para você chegar lá e fazer as entrevistas já sabendo que você vai fazer tinha sido um processo tão complexo. Que eu dei conta de fazer essas quarenta entrevistas e mais ela disse que quando ela leu o livro ela não sentiu que eu estava nessa correria, nesse espero para fazer as coisas porque eu saí de uma entrevista e já em outro lugar da cidade esgotado fisicamente, mentalmente pra fazer outra entrevista. E foi assim durante os dez dias. E agora vem a parte mais desafiadora para mim, que não foi até aí. Até aí tudo bem como diz aquela expressão irônica. Aí quando eu retornei pra Goiânia. Depois de ter em Porto Alegre e tal, viajei ainda pra outra cidade no interior da Bahia em seguida pra poder pegar uns arquivos de um jornal que eu não consegui eu cheguei no momento de escrever o livro e aí eu cheguei pra professora com se não me engano trinta e cinco textos para escrever no livro e ela falou assim olha você tem dois meses pra fazer esse livro e seu TCC, não dá tempo. Vamos dar uma enxugada nisso. E eu enxuguei o máximo que eu podia, eu acho que eu cheguei a fechar com trinta textos em um livro. E digamos assim, livro, reportagem quando é tema de jornalismo na no curso de jornalismo, como TCC, livro reportagem geralmente dá noventa, oitenta páginas, essa é a média. Porque trabalha com poucos textos, em profundidade e tudo mais. Só que eu cheguei com um negócio gigantesco pra fazer. E aí, a professora falou assim, bom, a disciplina de TCC começou. Quando a disciplina de TCC começa, geralmente, os alunos do jornalismo começam a pegar o projeto deles, fazer as entrevistas para depois elaborar os textos. Eu já cheguei no TCC, primeiro com o tema definido, o sumário do livro definido, as entrevistas todas feitas e a professora falou, é, bom, agora você já pode se colocar um pouco mais nesse luxo de produzir mais. E aí eu comecei a produzir o livro. Foram dois meses de trabalho intenso. Quando eu terminei de produzir o livro e passei pelo processo de diagramação, eu consegui fechar um livro de duzentas e setenta e quatro páginas. O professor, um professor que atualmente é coordenador do curso, ele chegou pra mim e falou assim, caramba, nenhum aluno do até agora eu produzi um livro tão grande quanto esse. Porque ele falou que os livros tinham uma média de cem páginas. Mas em dois meses, por causa de um processo de investigação que já durava dois anos, eu consegui produzir quase trezentas páginas de um livro. E aí o pessoal até fazia piadinha falando assim “você é meio louco.”E aí no final das contas os frutos foram muito bons porque foi um processo sofrido, foi um negócio megalomaníaco, mas deu certo porque eu tive um hiperfoco muito grande em produzir aquilo, eu tive uma um uma quantidade de fontes absurda e o produto ficou assim muito melhor do que normalmente um estudante a nível de graduação. Faz assim com o livro de reportagem. Tanto é que depois disso a minha professora me indicou uma editora muito respeitada para submeter o livro. E a editora quis publicar meu livro. Mesmo sendo um um autor iniciante. Então isso ficou pra mim muito feliz porque isso provou que hiperfoco com relação ao autismo e também o meu rigor com o conteúdo me levou a um lugar mais distante. Embora meu processo tenha sido muito mais sofrido do que todos os meus colegas que fizeram livros de cinquenta páginas.
Willian: Só de ouvir a sua história e a quantidade de detalhes, a riqueza de todo o processo que você não precisa nem se recordar ao longo do processo. Dá pra ver que é bem vivido assim. A todo o processo que você fez. Eu acho que até meio que relaciono eu relaciono como se eu fosse como se eu estivesse contando toda a jornada que eu tive pro meu diagnóstico de autismo. Bem estressante também, que durou N anos. E que é também demandou bastante esforço da minha parte, não somente da de também procurar por profissionais, mas também por tentar entender o transtorno, ir atrás de relatos da minha infância, de fotos e é claro que nem sequer se compara. Imagino com o trabalho investigativo que tu teve como jornalista. Mas eu vejo que você conta um processo muito mais complexo. E com uma riqueza maior do que o processo que eu eu contaria. Sobre o meu próprio diagnóstico, então E que de fato é vantajoso e que uma das coisas que que você que você citou agora também. É que era a questão que era coisas ao longo do processo, coisas secundárias. Você também tinha, você também prezava Por elas. Então você irá atrás mesmo que possivelmente na interpretação de alguém poderia ser “ah não isso tanto faz, ah não isso não importa”. Você poderia ter deixado de lado, mas ao mesmo tempo você se importava, você gastava dinheiro. Do seu próprio bolso, imagino pra ir atrás. Isso também me lembra muito a minha própria pesquisa. Que de mestrado que, por exemplo, eu estou agora num processo que não necessariamente eu precisaria, enfim, uma escola já seria o suficiente pra eu ter um um ambiente de experimentação e, enfim, entender quais são os problemas ali no contexto da inclusão, né, porque minha pesquisa do mestrado é nesse sentido. Mas eu não quero isso, eu quero realmente visitar em escolas e falar com os profissionais, os professores dessas N escolas formular um critério de inclusão e só depois disso independentemente se é longe da minha casa ou não, eu realmente não vou me importar com isso, não vou me importar se haverá necessidade de ir para mais do que uma escola, por exemplo, e eu tenho completa ciência de que eu vou gastar dinheiro do meu bolso pra isso. E eu não gasto pouco dinheiro, na verdade. A minha pesquisa ainda não começou ativamente. Mas eu já tenho, é claro, visitado muitos lugares e pela questão do autismo também dou palestras e participo de congressos também. Pra ficar atualizado. Então, eu tenho gastado muito dinheiro com isso. Por coisas que não haveria necessidade para se conseguir um título de mestre, mas com o meu rigor. Apesar do meu rigor, eu imagino, eu vejo. Eu enxergo muito claramente que não importa o não importa o processo, não importa o qual é o mínimo que eu tenho que fazer, muito diferente da escola. Que quando eu tava na escola, a minha estratégia era sempre, qual é o mínimo que eu posso fazer pra não ser punido? É ao mesmo tempo na na pesquisa científica, é totalmente diferente, é qual é o máximo que eu posso fazer pra me aproximar de algo que eu vou criar. E que eu vou me orgulhar disso, que isso vai passar no meu hiper critério. É claro que eu imagino que isso é desafiador pra mim, eu imagino que pra você também foi. Essa questão da cobrança, essa questão de, enfim, algum detalhe que escapou, estresse, lidar com seu equipamento para esfera do software, na esfera da gestão, né, dos seus documentos em si, do seu conteúdo digital e físico que você tem. E enfim, envolve todo um estresse que eu imagino que tenha sido desafiador pra ti, mas que no seu relato. Pelo que eu já ia te perguntar isso e você já respondeu que foi gratificante. Você teve a validação disso ao final do processo você submete para uma uma editora respeitada conceituada e ela decide por publicar mesmo você sendo um um autor iniciante. Como você mesmo diz. Então eu acho que isso é realmente é realmente produtivo. Mas ao mesmo tempo que para sua experiência, mas pra minha experiência eu sinto que eu ainda não tive isso, sabe? Na na minha vida eu sinto que o hiper critério sempre foi impeditivo para mim na maioria das vezes. Não sempre, mas na maioria das vezes foram impeditivos para eu chegar em qualquer lugar, porque eu queria chegar num lugar que o meu hiper critério ia ser satisfeito, mas eu não precisava, eu vejo assim, que o hiper critério se ele baixasse um pouquinho a minha produção, por mais que tenha, teria sido de uma qualidade um pouco menor, teria sido em uma quantidade muito mais relevante. Então, hoje eu vejo assim. Que interpretando. O passado para Willian que não tinha grandes estratégias, boas estratégias em se lidar com o seu próprio critério e ao longo do processo o hiper critério foi algo ruim e que eu deveria ter flexibilizado isso. Ao mesmo tempo que hoje como eu sou uma pessoa mais esclarecida sobre mim mesmo como eu consigo ah lidar melhor com ah ah os desafios e enfim após N anos de psicoterapia e tudo mais eu consigo ainda eu tenho conseguido pelo menos até agora suprir o meu hiper critério na na dissertação de mestrado então eu imagino que ao final da minha dissertação de mestrado eu terei a mesma a mesma sensação gratificante que tu teve na sua na sua produção de TCC eu espero isso. E só que eu vejo quando eu olho pra trás eu não vejo assim, eu não tenho uma obra que eu realmente eh claro que até o final da vida eu eu imagino que eu vou concretizar bastante coisa, talvez até minha dissertação de mestrado seja algo defasado pra Willian da trinta quarenta anos, eu não sei, mas que pra esse momento eu não tenho nenhuma produção minha que eu posso usar como referência, sabe? Que eu posso dizer assim, não, isso aqui é o que eu produzo. É claro que eu posso compartilhar alguns artigos que eu já tenho preparado para submissão e etcétera, mas eles são muito no eu eu ainda enxergo que eles são muito na questão da viabilidade. Eu preciso produzir, eu preciso encaixar no que que é viável e o que que é viável, não cumpre o meu hiper critério. Mas ao mesmo tempo, na dissertação de mestrado, eu não tenho tempo, eu não tenho questões de restrição de dinheiro, algo do tipo. Quer dizer, é claro que eu tenho do meu bolso. Mas na questão da vontade de gastar, digamos assim, da disponibilidade de gastar para o meu mestrado. Eu tenho, não tenho dúvidas que eu investiria todo o dinheiro possível para garantir que a qualidade da minha dissertação seja a maior possível até o final do até o final da produção dela. Eu não tenho essa mesma estratégia assim de digamos assim sacrificar dos seus próprios recursos em prol da da sua produção científica. Eu só quero fazer um parêntese antes que assim o meu TCC foi muito caro eu gastei só até a etapa de finalizar o livro e sem considerar o que eu vou gastar agora depois eu gastei seis mil reais e quinhentos reais mais ou menos. É com esse processo todo considerando que uma grande parte dessa época eu ganhava quatrocentos reais por mês como monitor no de bolsa na na universidade. Então quando eu cheguei no final do programa de pesquisa vi tudo que eu tinha gastado, eu falei caramba se eu soubesse que eu ia gastar isso talvez eu não teria tido a mesma coragem que eu tive no início de só embarcar no tema aí. É o Hiperfoco beirando uma obsessão assim digamos assim que você não consegue nem medir quais são os critérios e as características negativas. Digamos assim processo simplesmente não existe, você simplesmente foca. Exatamente.
Tiago: E você falou sobre a questão de estar satisfeito e isso é algo que eu acho que eu já falei, algum outro episódio que eu não lembro muito bem. A sensação de mediocridade me atingiu até o ponto final do livro. Quando eu terminei que entreguei pra minha orientadora ela estava mais empolgada com o livro do que eu e eu esqueci de falar sobre isso porque eu estava insatisfeito durante todo o meu processo de escrita e a professora conseguia perceber isso inclusive eu estava adiantado com com o meu processo de escrita do meu livro mas eu estava com medo de não dar conta e aí teve uma semana que ela falou olha durante a semana você vai parar e você vai relaxar porque você está adiantado com o livro se você está visivelmente esgotado se não se conseguir descansar de fato mas eu consegui terminar o livro num prazo certo e aí no final das contas quando o livro ficou pronto eu acho que eu só consegui realmente observar o livro o o o produto final e falar, poxa, eu estou orgulhoso disso que eu fiz passado um mês da banca. Quando o livro estava na minha mão ele começou a passar na mão de outras pessoas, de parentes, de amigos. E eu vi que estava todo mundo genuinamente orgulhoso daquilo que estava sendo feito. aí eu não gosto de fazer isso, eu não gosto de ficar eh relendo coisas minhas, eu acho que é algo muito estranho, mas chegou um dia que eu olhei o livro assim, que eu abri uma página e fui ler um texto e eu me diverti com a leitura. Aí eu falei assim, caramba eu acho que eu pronunciei algo legal e foi a primeira vez que eu realmente vivi o processo. Tem uma vez que uma terapeuta ela me disse assim que eu fico olhando muito pro pro futuro ou para aquilo como as coisas deveriam ser e eu só consigo olhar para o presente quando ele se torna passado do ponto de vista digamos assim de avaliar aquilo era presente e falar, poxa, aquilo era legal, mas eu só consigo perceber isso depois que ele passou. E essa dificuldade é algo que ainda está sendo trabalhado.
Eu também sigo a mesma linha, eu não tive tanto oportunidade de fazer isso na graduação, porque bem, na graduação eu geralmente estava sem recurso, tinha o quê? Dinheiro para comer. Então realmente não tinha muito como eu gastar mais do que meu próprio suor. Eu gastava minhas forças físicas. Eu me esgotava no meu limite. E se deixasse eu passava do meu limite, como falava. É como eu dei o exemplo de eu ficar sentado três horas seguidas tentando tirar conclusão de uma análise que eu estava fazendo e eu continuo fazendo isso eu continuo produzindo mesmo agora que eu parei com a faculdade. Eu ainda não entrei em outro curso e continuo tocando as minhas pesquisas de pouquinho em pouco. A medida que eu consigo fazer isso e eu tenho me ajeitado pra dar o próximo passo que é transferir as minhas pesquisas de Goiânia pra que estavam centralizadas em materiais voltados lá em Goiânia pra cá para pesquisas voltadas aqui pro Paraná. E a partir do passo que eu faço isso eu vou poder começar a meter o pé nesse sentido também. Porque tem algumas coisas que eu não posso falar da minha área porque é uma área um pouco competitiva. Mas eu estou na procura de algum material e se eu achar ele provavelmente eu vou passar os próximos anos trabalhando em cima disso então ou vou trabalhar em cima disso e se eu não trabalhar, já tenho um ou uma linha de pesquisa reserva para trabalhar então eu só ouço isso só ao mesmo tempo que eu estou falando trabalhei em duas linhas de pesquisa ao mesmo tempo. Enquanto eu estou procurando por um material que pode ou não pode existir. Eu estou trabalhando na minha linha de pesquisa reserva que bem trabalha em algo bem maior que extra, que é fazer um apanhado geral sobre todos os dinossauros carnívoros do Brasil é bem isso dá uma trabalheira do caralho porque é basicamente o que o Tiago fez, só acabei de fazer com a cidade são animais só que eles são extintos e basicamente aí só tem uns uns cacos e ossos espalhados pelo país inteiro. Então é muito difícil de você reunir o material mesmo quando eu falo não material em si. Mas em informação porque nem toda informação está aí na web e o que está digitalizado, nem tudo que é está descrito ou seja tem muita coisa que está engavetado ou seja tem um só um tanto de coisas que vai dar pra fazer agora num futuro próximo porque vai chegar no momento que eu vou desse barrar numa barreira financeira, que eu não vou conseguir transpor. Tipo que nem seu precisar de dar minha alma e meu corpo nas ruas aqui do Paraná, meu querido Paraná, simplesmente não vou conseguir transpor ela. Pelo menos até o mestrado, doutorado então até lá eu vou continuar tocando essas pesquisas e todas as outras pesquisas menores que eu tenho que não exigem custo financeiro ou pelo menos um recurso financeiro tão alto.
Willian: Ai eu também sigo na mesma linha de vocês porque não tem graça fora sim. Interessante você ter falado essa questão de não ter graça se não for assim porque justamente, aliás tem duas coisas. Um primeiro ponto que eu quero comentar é a questão que eu vejo como o Tiago também fez durante o processo de investigação dele. De pesquisa e como ele vai investigar enfim todas as fontes possíveis, todos os lugares possíveis e etc. E eu vejo algo semelhante é claro, não tão trabalhoso quanto eu imagino, mas também ainda em algum nível trabalhoso que eu vou aqui na na plataforma de de pesquisa de Jornal aqui de periódicos do Brasil e frente ao desafio de publicar. De querer publicar um artigo sobre um jogo sério, eu pesquiso todos os artigos referentes à educação, todos os artigos interdisciplinares e tento encontrar quais são os Jordans, os periódicos que aceitariam jogos sérios da maneira que eu gosto de pesquisar. Então, eu faço todo esse mapeamento primeiro, né, digamos assim, todo o esforço pra fazer esse mapeamento para só depois pensar, tá? Agora eu vou selecionar aqueles aqui quais são os interessantes pra mim e vou a partir disso investigar qual é a metodologia desses artigos né qual o formato aliás desses artigos e quais são os critérios de aceitação deles e como eu posso publicá-los. O que você falou sobre se não for assim não tem graça né e aí é justamente o dilema que eu estou agora porque como eu citei eu vejo que a minha dissertação de mestrado é a minha principal no mestrado, ela está cumprindo por enquanto com esse meu hiper critério. Mas ao mesmo tempo, se eu quiser publicar outras coisas. Outras produções acadêmicas que de fato ficaram boas no sentido. De comparação ao tipo de indicação que se encontra em periódicos interdisciplinares hoje então eu imagino que eles que há reais chances de publicação neles e tanto é que eu pretendo submetê-los mas ao mesmo tempo eu enxergo claramente que eles não cumprem com o meu hiper critério. Eles não são tão sofisticados quanto eu gostaria que eles fossem. Mas ainda sim eu estou me permitindo flexibilizar. E é claro que eu pretendo comemorar o fato se eventualmente eles forem publicados, mas eu realmente ainda tenho um certo feeling sobre, se não for da maneira criteriosa e sacrificando todos os recursos pra isso não tem tanta graça. Então é só concluindo. O tudo que eu tenho feito até agora e com as últimas falas de vocês.
Michael: Por favor por amor de Darwin e seis bilhões de anos de evolução na porra. Eu já estou dormindo, foi mal. Três vírgula cinco bilhões de anos de evolução. Método científico está aí para ser usado. Não precisa ter dó, não precisa usar cuspe. Pode passar no seco mesmo. Usem. Não, não, tenho pena. Não, não, ache que você pode chegar a conclusões se ele que você não chega você chega a achismos sem ele.