Campanha promovida desde 2015 no Brasil, o Setembro Amarelo levanta, anualmente, a temática do suicídio para a esfera pública e a depressão é abordada nas matérias jornalísticas, produções culturais, pautas políticas e no papo boca a boca. Neste episódio, a equipe do Introvertendo faz reflexões sobre a campanha, a relação entre autismo e suicídio e respondem um questionamento: Vale a pena conversar sobre suicídio com amigos?
Participam desse episódio Otavio Crosara, Paulo Alarcón e Tiago Abreu.
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Transcrição do episódio
Tiago: Um olá para você que escuto podcast introvertendo, que é o primeiro podcast do Brasil que traz autistas em sua equipe para debater temas relacionados ao autismo e a sociedade cultura. Meu nome é Tiago Abreu, eu sou host deste podcast, e hoje a gente vai falar de um assunto muito sério que sempre todo início de mês de setembro entra em Pauta, que é o Setembro Amarelo.
Otavio: Meu nome é Otavio Crosara, e é um prazer estar falando sobre esse assunto hoje, que assunto muito sério, mas eu fico muito feliz. É uma felicidade até um pouco boba, mas eu fico muito feliz que tem um mês de conscientização sobre esse assunto.
Paulo: E aí o pessoal, aqui é o Paulo Alarcon e suicídio é coisa séria, é muito bom mesmo que tenhamos um mês de conscientização sobre esse assunto, que normalmente as pessoas subestimam.
Bloco geral de discussão
Tiago: Em 2018, nós fizemos um episódio com a participação do Marcos, chamado Depressão, que foi o episódio número 24. Nesse episódio a gente falou de uma forma mais pessoal sobre esse diagnóstico, que é muito comum como comorbidade com relação ao autismo. Agora que nós estamos chegando no período em que as pessoas falam bastante sobre suicídio, que muitas vezes está ligado com a questão da depressão, nós temos o mês todo para falar sobre isso. Antes de falar especificamente sobre a questão do suicídio, é importante fazer observação que o Setembro Amarelo é uma data criada em 2015 pelo CVV, que é o Centro de Valorização da Vida, juntamente com a Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina. Por quê foi escolhido o mês de setembro? Porque o dia 10 do mês de setembro é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Então, desses quatro anos para cá, o debate com relação ao suicídio, tanto no aspecto midiático, quanto nos meios educacionais, se tornou muito mais frequente. Se você por exemplo for lá do Google Scholar, onde tem muitos repositórios de arquivos, e digitar as palavras “Setembro Amarelo”, você encontra vários artigos falando de grupos de discussão, sobre alguns temas, mas eu não consegui encontrar nenhum tipo de pesquisa que, por exemplo trouxesse algum número relacionado às campanhas do Setembro Amarelo com relação à taxa de suicídio. Não consegui encontrar coisas mas específicas mais numeradas. Mas falar de Setembro Amarelo retorno algo tradicional ano a ano, e aí eu queria que vocês falassem a princípio sobre a questão do risco de suicídio mesmo entre a população que é diagnosticada com autismo. Por quê as pessoas dentro do espectro são mais propensas a terem, por exemplo, pensamentos suicidas.
Paulo: Um dado que eu queria adicionar, é de que encontrei aqui um estudo sueco, que ele concluiu que a idade da expectativa de vida média de autistas com distúrbio de aprendizagem é de 39 anos, enquanto que a expectativa de vida para pessoas com autismo sem problemas intelectuais é 12 anos menor do que a média. Uma das causas disso é o suicídio.
Otavio: Então as pessoas que não tem faculdades mentais comprometidas se suicidam mais?
Paulo: Na verdade o autista tem uma taxa de suicídio um pouco maior que a da população média, e isso afeta expectativa de vida média do autista mesmo quando ele não tem distúrbio de aprendizagem.
Otavio: Hm, interessante.
Tiago: Porque envolve uma série de questões relacionadas a intervenções, a própria questão da qualidade de vida né que acaba sendo afetada, então isso acaba sendo mais significativo. Se pegar até essa parcela do nosso podcast, que são oito pessoas e dessas pessoas, parte significativa que lida com diagnóstico de depressão, fobia social, então dá para gente fazer algumas correlações de que a temática do suicídio, querendo ou não ela está ali ligada. E uma coisa que me preocupa muito, com muita frequência, quando eu frequento o grupos de autismo no Facebook, eu vejo relatos frequentes de autistas que tem depressão, ou tem ideação suicida mesmo sabe. E aí muito deles vem com questões relacionadas às características do autismo, e eu acho que a principal delas vem da dificuldade de interação social. É muito frequente você por exemplo autistas frustrados porque não conseguem obter um relacionamento; que não conseguem arrumar um emprego sabe, então às vezes são questões básicas, mas que para esse para esse grupo populacional é negado assim. E a gente também tem uma outra atenção dentro da comunidade do autismo que está cada vez mais frequente, que eu acho que isso vai ser discutido com maior frequência daqui para uns anos, que é sobre o entendimento que a gente tem sobre o Autismo Leve, né, porque o que a gente fala sobre autismo leve é uma categoria que na história do autismo é um conceito um pouco, poderia dizer assim, vago né. Historicamente, o que a gente considerava como autismo, até o diagnóstico de Síndrome de Asperger, eram características que eram muito mais direcionadas ao Autismo Severo, então acabou se construindo, justamente por essa visão um pouco superficial sobre as dificuldades do autista leve, que vem também muito relacionada com diagnóstico tardio, né, a gente precisa falar disso, acabam somatizando algumas comorbidades muito frequentes em autistas adultos diagnosticado mais tarde.
Otavio: Isso é verdade. Eu acho que todos nós no podcast somos exemplos disso, sabe. Todos nós somos minimamente funcionais, somos capaz de fazer um trabalho muito bom e por isso, quantas pessoas do nosso dia a dia não desconsideram o nosso diagnóstico por isso. Eu não sei se o que eu já tinha são ideações suicidas, mas eu acho que não, sabe. Eu tive momentos em que eu passei por muita tensão, e eu não pensei: “Ai talvez eu devo me suicidar”. Eu pensei assim muito abstrato, e suicídio seria uma opção agora.
Tiago: Você pensou que de alguma forma não deveria estar vivo?
Otavio: Não ponto de haver um impulso para acabar com a minha vida, entendeu?
Tiago: Mas você pensou em suicídio?
Otavio: Não, eu pensei que outra pessoa na minha situação poderia pensar nisso.
Tiago: Eu sendo o mais honesto possível, não sei se isso se classificaria como ideação suicida. Mas uma coisa que eu acho muito interessante a partir do que você falou, foi a sua tentativa de se distanciar de você mesmo nesse processo, por que você passou para a situação de tensão, tudo ali está ligado aos seus sentimentos, mas talvez por uma dificuldade de você interpretar os seus sentimentos, você fez uma leitura tentando ser externo, só que de você mesmo.
Otavio: Exato, eu fiz exatamente isso. Na faculdade de medicina, nós infelizmente às vezes lidamos com um suicídio na faculdade por ano, sabe. Infelizmente é uma realidade. Esse ano, eu não lembro o nome do aluno, mas é um dos nossos, se suicidou e faculdade inteira ficou comovida, sabe. Eu fiquei sabendo depois que ele tinha reprovado, e eu achei que ele tinha se suicidado por causa disso, mas depois eu fiquei sabendo que ele tinha vários outros problemas, mas aquele momento, pelo o que eu ouvi e hipotetizei que ele tinha reprovado, cara eu comecei a chorar. Eu senti uma sensação extrema de impotência, sabe? Assim, poxa eu queria muito que eu por acaso pudesse ter dado uma chance de ter conversado com ele, se isso fosse fazer a diferença. E era um cara, Thiago, que eu nem conheço, e me afetou desse jeito.
Paulo: Essa questão da falta de sentido foi uma das coisas que quando eu tive ideações suicidas, que fez eu parar na verdade. Mas essa situação bem complicada, porque no momento que eu tive ideação suicida, ela vinha como pensamentos de hiperfoco mesmo. Essas ideias eu parei quando houve alguma outra pessoa que me mostrou que minha falta iria ser sentida. Mas no momento em que vem essas ideias, é complicado porque você não pensa nas outras pessoas, você só pensa na situação em que você tá passando, e que isso tem que acabar logo. Tem um episódio de um outro podcast que que fala muito bem dessa situação, é o Episódio sobre Suicídio do Naruhodo. É exatamente isso que passa na cabeça.
Otavio: O que é um suicídio? O suicídio é uma tentativa de fuga, sabe. Nós como seres vivos procuramos fugir daquilo que nos tira a qualidade de vida, nos tira a sobrevivência. Na questão do ser humano, porque nós temos cognição; Nós temos sistema sociais; Nós temos sistemas de significado; Noções de propósito; A questão da Fuga é que ela toma também outros significados. Você pega uma pessoa que a vida dela é “invivível” na opinião dela, que ela não aguenta as companhias, ela não aguenta dificuldades, ela não aguenta a falta de propósito dela como ser vivo. Ela vai querer fugir disso, mas como ela vai fugir disso? Se na cabeça dela, para qualquer lado que ela vá, para qualquer ação que ela faça, qualquer coisa que aconteça, essa situação não vai mudar, sabe. Ela procura fugir disso da única forma que ela que ela consegue imaginar, se matando.
Tiago: Quando a gente fala de Setembro Amarelo né, de 2015 para cá, e quando eu falei lá no início do episódio que a temática do suicídio tem sido abordada de forma mais frequente na mídia, eu não consigo não lembrar da famigerada série da Netflix, que em português se diz Os 13 Porquês, que levantou um debate muito grande, um debate que foi até bastante produtivo, para uma série tão polêmica, que foi relacionado ação suicida e a prática de suicídio da protagonista da história né, que era a Ana Baker. Eu, particularmente acho que a série Errou feio em vários aspectos. Não é uma série recomendável inclusive, na época quando a série saiu eu lembro que o Michael assistiu e o Michael ficou muito mal vendo a série. É uma série que causou um estrago emocional nas pessoas próximas que eu conheço que assistiram, mas a a série levantou uma coisa assim muito interessante que mostra o cuidado que a gente tem que ter quando a gente fala do suicídio, porque eu lembro que quando a série saiu, teve uma notícia falando de que o número de ligações em serviços de ajuda a pessoas suicidas subiu bastante. E as pessoas começaram a vibrar : “Ah, então o suicídio está sendo mais discutido, então as pessoas estão procurando mais ajuda, então tá sendo ótimo, efeito da série foi muito bom”. E aí, ocorreu que tempos depois saiu um estudo mais aprofundado mostrando que o número de suicídios também aumentou depois que a série foi lançada. Então isso fez até com que a própria Netflix tivesse que editar a cena do suicídio, que tá lá na a temporada que saiu em 2017. E aí eu fico pensando né do ponto de vista imediato, as pessoas tinham uma resposta totalmente entre aspas “enviesada” da consequência do que aquela série, aquela produção cultural tinha com relação ao suicídio, e aí o estudo mais aprofundado depois mostra um caminho bastante diferente, bastante preocupante. E aí eu fico pensando, até que ponto, simplesmente falar de suicídio ajuda, e qual que seria a mensagem que a gente poderia ter, assim do ponto de vista da hora de discutir suicídio, e que realmente fosse eficaz para ajudar pessoas.
Otavio: A primeira coisa que eu falar, sobre a série que você falou da Netflix, eu não vi Thirteen Reasons Why, eu não vi Os 13 Porquês, mas eu vi uma outra série, que pelo que você tá falando, a série que eu vi eu posso dizer com segurança ela transmite a mensagem que os 13 porquês não conseguiu. A série Afterlife, Depois da Vida, por Ricky Gervais, eu vi essa série, ela tem uns quatro ou seis episódios. É sobre um cara que perde a esposa depois de 30 anos de casado, e ele contempla o suicídio a cada segundo, sabe. A intenção d’Os 13 Porquês, você sabe me dizer qual foi a produção, se foram contratados psicólogos, terapeutas, ou se foi feito direto da cabeça dos diretores, dos produtores?
Paulo: Na verdade Thirteen Reasons Why é uma adaptação.
Tiago: A primeira temporada é o que aborda o livro todo, e a segunda temporada em seguida já cria uma história para alimentar o sucesso que a própria Netflix queria, eu acho né, então eles tinham que que dar continuidade. Série ao longo que ela foi se tornando polêmica. Na segunda temporada, eles já colocaram no início do primeiro episódio tipo uma alegação falando assim: “Olha essa série aborda temas polêmicos, pesados e talvez ela não seja indicada se você estiver passando por problemas. Eles tiveram que colocar esse disclaimer, porque na primeira temporada eles receberam muitas críticas nesse sentido.
Otavio: Isso não resolve nada cara, a série começou errado então.
Paulo: Eu acho que a sério ela foi bem infeliz ao transmitir a mensagem dela, e eu acho que se transmitisse a mensagem de conscientização sobre suicídio talvez não seja essa a melhor mídia para falar sobre isso, porque cada pessoa é um caso diferente, com motivações diferentes e métodos diferentes. Inclusive assimilaram o livro de Goethe, que também no Século XIX glamourizou o suicídio. É o livro que eu me referia, que foi na verdade publicado em 1774 é Os Sofrimentos do Jovem Werther, que foi o que causou o chamado “Efeito Werther”, que várias pessoas se suicidaram, espelhando o que acontecia no livro. Foi um número grande de pessoas se suicidaram na Europa por causa do livro.
Tiago: Essa questão do suicídio em massa, digamos assim, ou suicídio incentivado na cultura também me faz lembrar, nos anos 90 quando o Kurt Cobain se suicidou, que também teve alguns outros casos de mortes na música e também de coisas assim, de pessoas né fora do meio artístico, porque ele era uma pessoa muito notável né, ele representava o “espírito do tempo” da época né, o ápice da Juventude nos anos 90, e aí houve vários e vários casos, e aí a imprensa começou a explorar isso de uma forma bastante problemática né. Eu acho que eu posso falar isso, já eu sou jornalista. Então não é uma crítica que simplesmente que “a mídia manipula” e etc mas assim a gente faz, a gente ter uma série de questões éticas envolvendo a questão de cobertura de mortes e falhou isso bastante ali naquela época. Eu acho que hoje do, ponto de vista de que são muitas e muitas décadas aí que agora, principalmente com a questão do Setembro Amarelo né, de toda uma discussão mais aprofundada, a gente está começando a melhorar um pouco na questão.
Otavio: É interessante você mencionar, Tiago, porque com o Kurt Cobain começou aquela brincadeira de que “todo roqueiro bom morre aos 27”, né. Outra glamourização do suicídio.
Tiago: “O clube dos 27”.
Otavio: “O clube dos 27”. Nossa, ridículo demais.
Paulo: Isso é mais recente, mas existe o manual para profissionais da mídia feito pela OMS que foi publicado em 2000, que é um guia sobre como profissionais de mídia podem noticiar suicídios, e só não havia na época que o Kurt Cobain morreu, mas por exemplo, nos casos mais recentes a mídia teve um tratamento diferenciado quando comparado com os casos dos anos 90, e inclusive sem dar muitos detalhes sobre o que aconteceu e que não aconteceu com o caso de Kurt Cobain, que todo mundo sabe como que ele se matou.
Otavio: Muito criticada, pois já é de práxis não fazer a mesma coisa nos dias de hoje.
Paulo: Exatamente, inclusive foi por causa desse desse documento que muita gente também criticou a série Thirteen Reasons Why, que não seguiu absolutamente nada do que dizia nesse documento.
Otavio: O importante agora é que as pessoas que tem esse de ideações não se sintam sozinhos, e eu acho que para isso, precisamos de uma educação que nós estejamos mais abertos a conversar, dialogar como você me falou. Você mesmo falou, Paulo, que o diálogo ele pode salvar a vida, entendeu… Isso tá ficando muito hippie da minha parte mas é preciso amor para vencer isso, sabe. E não é o amor romântico, é apenas o amor empático.
Paulo: Sim, empatia é a palavra certa.
Tiago: Quando a gente fala sobre a questão dos avanços né, de uns anos para cá eu acho que um ponto também relevante que me lembra, e antecede a data do Setembro Amarelo, foi o caso de suicídio de dois comediantes, um desses casos que foi mundialmente conhecido, que foi o Robin Williams e o outro caso que é o do Fausto, que era comediante da MTV, e um dos responsáveis pelo Hermes e Renato né, pelo grupo humorístico. E aí isso se levantou um debate muito grande, porque as pessoas sempre associam a ideia do comediante com alegria, com o alto-astral, com humor, mas esses dois casos mostraram muito bem o quanto que há diferença entre o que você é em público, e quanto ao que você é na sua vida pessoal. É relevante né, e eu acho que a partir daí foram vários avanços.
Otavio: A questão do Robin Williams, ela não é uma questão de suicídio; sim ela é, mas ela se aproxima mais do suicídio assistido. Eu li um artigo de opinião escrito pela mulher dele no jornal de neurologia. O suicídio dele se deve porque não aguenta, porque ele tava sentindo muita dor. Ele tinha uma doença degenerativa rara, e ele tava sentindo muita dor por causa disso. Ele ele falava muito assim “eu quero falar eu quero terminar minha vida, tudo que eu quero é resetar o meu cérebro”.
Paulo: Os casos também mostram que a depressão afeta, inclusive, qualquer pessoa. Embora o caso do Robin Williams já sejam caso mais disparado pela doença degenerativa dele.
Otavio: Apesar de o caso do suicídio dele não ser aplicado no que nós estamos falando, o fato de que ele foi triste a vida inteira, isso é muito considerável.
Paulo: É, isso bem documentado. É muito importante, pro suicídio ser consumado, é um momento de impulso né. O suicídio é uma ação impulsiva e que foi esse gatinho para o caso do Robin Williams, a doença degenerativa dele. Mas… eu passei por quatro momentos de ideação suicida. Os dois primeiros deles foram antes de ter o diagnóstico do autismo, foi o primeiro dele Ensino Médio quando… não, no Ensino Fundamental, onde eu sofria bastante bullying e naquele momento houve um período que eu queria simplesmente que aquilo acabasse o mais rápido possível. O segundo caso foi quando eu tava no mestrado, principalmente na etapa final de trabalhar na dissertação e passei por vários problemas que na época que incluíam a privação de sono por estudar e trabalhar ao mesmo tempo, naquele naquele ponto houve momentos que eu que eu estive muito próximo do suicídio. Me faltou o momento de impulso mesmo… Na verdade, era o tipo de situação em que eu não tinha os materiais que eu precisava para cometer o suicídio, mas se eu tivesse provavelmente eu não estaria aqui. As outras duas aconteceram quando eu já tinha diagnóstico e foram por terceira ocasião foi por causa de problemas do trabalho mesmo. Eu passei por um período muito difícil trabalho com um projeto realmente complicado, com pessoas que na sua frente te trataram super bem mas que por trás quando tinha qualquer chance de jogar uma fogueira, então foi um momento assim que eu cheguei ao ponto de achar o local onde eu poderia fazer isso, e mais uma vez eu não eu não tinha material. E nesse caso foi curioso porque eu já tava já tava fazendo os antidepressivos e mesmo assim essas ideias vieram a cabeça. E a última situação foi por causa de problemas financeiros, que também uma causa importante de suicídio de pessoas neurotípicas. Nesse caso, um dos dois pontos aí que disparou isso foi só um período de duas semanas em que eu fiquei sem os meus remédios, eles tinham acabado ainda e a próxima consulta com a psiquiatra tava duas semanas na frente. Foram duas semanas de bad total, e é por esse gatilho dos problemas financeiros que eu tava pensando assim: Nossa, não tenho como sair disso e talvez, se eu acabasse com a minha vida iria ser melhor para todo mundo. Mas mais uma vez tive uma conversa bem séria com a com a minha esposa, que me ajudou a passar por esse momento. E eu hoje eu tenho isso bastante controlado, muito por causa do antidepressivo mesmo, que após a esse episódio minha dosagem aumentou até.
Otavio: É bem importante uma pessoa que faz de psicotrópicos manter sempre o estoque e tomar um remédios diligentemente, né.
Tiago: Eu gravei um vídeo com o Willian Chimura, do canal Canal Sobre Autismo, sobre depressão e aí ele relatou durante o conteúdo sobre as ideações suicidas, e aí uma coisa que eu e ele discutimos naquele vídeo é que parece, aparentemente, pela minha observação, que não vale a pena conversar sobre ideações suicidas com amigos. E eu falo isso porque as respostas que as pessoas comumente dão à pessoa que tem ideias suicidas são respostas padrão, previsíveis e que não ajudam em nada
Paulo: Isso é verdade, eu tenho que falar com uma pessoa que seja algo mais do que amigo. Você sabe, alguém que tenha muito tato para falar sobre isso, mas de preferência uma pessoa que já tenha passado por essa situação e que tenha superado. Somente a pessoa que passa por isso sabe como é sente vontade de acabar com tudo.
Otavio: Sim, pode-se dizer que o tato nesse ponto é tão importante quanto ter empatia né?
Paulo: Pode-se dizer que os amigos vão ter boas intenções, mas com certeza não vão ter o tato para falar sobre isso.
Tiago: Sim, do ponto de vista de pessoas comuns, muitas vezes as pessoas falam “ah as coisas vão mudar, você vai passar disso”. Frases motivacionais, que parecem ter sido tiradas de livros de auto ajuda, ou então reações de espanto, que eu acho que também atrapalham bastante essas pessoas né, assim “nossa você não pode pensar nisso, que coisa absurda!”, ou aquela típica frase que é pior do que qualquer coisa né, digamos assim “ah tem gente que tá sofrendo mais que você”. Porque isso você culpa a pessoa pelo problema dela.
Otavio: Exato, isso você também fala, você tá se pondo num nível moralmente mais alto, porque você não pensa nisso, você deixa explícito que aquela pessoa é a única que pensa daquele jeito.
Paulo: Outra coisa péssima é falar que suicídio é covardia também.
Otavio: Exatamente, moralmente está enterrando a pessoa. Só falta ela se matar e você enterrar literalmente. Nesse ponto, existem inclusive situações previstas em lei, em que uma pessoa, se ela tem esse comportamento em relação alguém intenções suicidas, ela pode ser responsável legalmente. É chamado de assistência suicídio.
Paulo: E na verdade, a melhor forma de você conversar com uma pessoa nessa situação, é mostrar que a pessoa que tá tendo ideações suicidas é muito importante para a vida das outras pessoas, e mostrar realmente a falta que se vai fazer.
Tiago: E saber indicar né, saber indicar pessoas adequadas, um bom profissional médico se não estiver envolvido, saber por exemplo se a medicação tem dias esses detalhes, eu acho que eles também ajudam bastante.
Otavio: Ajudam. Quando você for falar com alguém tá passando por dificuldade, ouça mais do que fale e escute olhando dos olhos e fale olhando nos olhos.
Tiago: É meio difícil você falar isso no podcast de autistas né.
Otavio: Eu sei, mas…
Tiago: No sentido figurado, você tá querendo dizer…
Otavio: Exato, no sentido figurado.
Tiago: Porque tem gente que parece que faz um negócio de uma forma muito mais procedural né, não tem realmente a intenção de estar ouvindo a pessoa.
Paulo: É realmente complicado falar em sentido figurado no podcast de autismo né.
Tiago: Isso mostra até as diferenças de entendimento que a gente tem com relação às características do autismo.
Paulo: Uma coisa que eu queria acrescentar que realmente o autismo afeta o índice de suicídio, e ele é maior ainda em mulheres autistas. Isso foi um estudo feito em Utah, um estudo de 20 anos com milhares de pessoas no espectro.
Tiago: Para falar um pouco sobre isso, então a gente tem que discutir esse tema né, sobre vários detalhes em futuros episódios, como é que a gente já falou sobre o subdiagnóstico de mulheres pode ser também uma hipótese bastante considerável, já que mulheres autistas passam mais despercebidas entre a população geral do que os homens. Mas isso é assunto para um outro episódio. Se você precisa de ajuda, estamos deixando as informações lá no nosso site introvertendo.com.br, onde pode ter acesso aos nossos links os estudos que nós mencionamos aqui, e até a semana que vem no nosso próximo episódio.
Otavio: Até mais e muito obrigado por nos ouvir.
Paulo: Até mais, e se você está tendo ideações suicidas, procure o CVV e lembre-se que você não está sozinho e que você vai fazer muita falta.