Introvertendo 62 – Um Papo com Isabela Rodrigues

Esposa do podcaster Paulo Alarcón, Isabela Rodrigues também não é neurotípica – diagnosticada com Transtorno Bipolar. Neste episódio, com a participação de Paulo, nosso podcaster Tiago Abreu conversa com Isabela para falar do relacionamento entre neurodiversos, as características “autísticas” de Paulo, o processo de diagnóstico e representações do autismo na cultura popular.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá para que escuta o podcast introvertendo, nessa série de relacionamentos, de interações amorosas, que nós estamos aqui fazendo progressivamente com membros do nosso podcast e pessoas próximas. Dessa vez, eu estou aqui com o Paulo Alarcón e Isabela Rodrigues, sua esposa, para poder falar sobre o dos dois, como é que é a condição, sob essa configuração. 

Isabela: Eu sou a Isabela, sou neurodiversa também, eu sou bipolar e é muito estranho um relacionamento entre dois neurodiversos, mas é muito bom também. 

Paulo: Aqui é o Paulo Alarcón e sim, eu consegui uma namorada.

Bloco geral de discussão

Isabela: Nosso relacionamento começou em 2015. 

Paulo: 2014. 

Isabela: 2014, começou em 2014 através do Tinder. Sim, nós nos conhecemos pelo Tinder. E o nosso primeiro encontro foi muito estranho, porque ele me ajudou em cálculo na faculdade. 

Paulo: É, naquela, naquela época, a Bela tava fazendo de cálculo e eu já tinha um conhecimento de cálculo que vinha da faculdade, eu já tava no início da pós, e aí a gente não conseguia achar uma forma de, de se encontrar. Eu já tinha chamado ela pra sair pra ir no cinema, mas ela não podia. Aí ela comentou que tava com dificuldade, e que precisava de ajuda, eu falei que eu sabia cálculo. 

Isabela: E eu fiquei morrendo de medo de ter um serial killer que queria me matar e que não sabia cálculos. É, mas no final sabia cálculos. Sabia muito bem, ele me salvou no semestre. 

Paulo: Eu era autista, não psicopata. 

Isabela: E a gente começou a namorar aí até o início do nosso namoro tudo era bem normal, um casal normal, mas eh eu trabalhava no RH da Coca-Cola na época e eu entrevistei um candidato com o Aspeger e eu comecei a notar muita semelhanças no nesse entrevistado com o Paulo. E aí, uma luzinha já acendeu. Mas, nessa época, ficou só nisso, só fiquei pensando e nem tinha falado nada pra ele. 

Tiago: Isso foi mais ou menos em que ano? 

Paulo: Isso foi por volta de 2015. 

Isabela: Quinze, 2015. Não lá pro meio de dois mil… Lá pro meio de 2015. 

Paulo: A gente tava com a luzinha acesa e o diagnóstico mesmo só veio no ano passado, 2018. 

Isabela: Na verdade, a gente só resolveu procurar ajuda profissional mesmo, porque durante a pós-graduação, o Paulo começou a ficar muito, muito estressado com tudo que tava acontecendo e ele começou a se bater. E eu falei, meu Deus, isso não pode ser normal. E aí, eu comecei a perturbar ele até ele procurar ajuda do psiquiatra. E eu tive que ameaçar ele, jogar ele na parede e falar, olha, ou você vai no psiquiatra ou a gente não namora mais. Tá. Foi, foi bem tranquilo, sem pressão nenhuma, pra ele procurar o psiquiatra. 

Tiago: Basicamente, sim, é aquele tipo de pessoa que quando envelhece, vira o velho teimoso, né? Que só procura quando tá morrendo. 

Isabela: Exatamente. Exatamente. Não poderia ter palavras melhores para isso. 

Tiago: Quais serão essas características que você via de semelhança eh desse cara que você viu no RH, com relação ao Paulo, assim, que você achava de diferente? 

Isabela: A primeira coisa foi não olhar nos olhos, porque o Paulo tem essa dificuldade bem grande de não conseguir olhar nos olhos das pessoas quando ele tá falando. Ele até começa a olhar um pouco, mas depois ele fica entretido contra coisa ou ele procura outro foco de visão. E outra coisa. 

Paulo: Basicamente é que eu não consigo olhar por mais de três segundos no olho de uma pessoa…

Isabela: E outra coisa que que me chamou bastante atenção foi o fato do do menino ele gostar muito de um assunto específico que era insetos, apesar da entrevista estar transcorrendo ele não tava nem aí, ele ele queria falar sobre insetos, ele queria falar sobre animais e o Paulo tem muito disso com aviões, ele, se você perguntar até o modelo de avião, ele vai saber e ele vai saber aqueles números, aquela número de série, é uma loucura. E então, isso me despertou essa essa curiosidade de pesquisar um pouco mais sobre a Asperger, ver o que que era e também tinha um amigo meu que eu não sabia e era asperger então eu já já suspeitava bastante. 

Paulo: É, desde o início eu já mostrava que não era um uma pessoa muito normal, né. 

Tiago: Aí, a partir dessa suspeita, vocês partiram pra leituras? Como é que foi? 

Isabela: A gente começou a procurar na internet, fazer testes online. A gente tentou ver se era isso mesmo, mas até aí a gente ficou só com a luz acessa e num num correu literalmente atrás de ajuda profissional, nem nada.

Paulo: Aí o momento que realmente as coisas começaram a ficar complicadas foi na fase do mestrado em que eu fiquei sobrecarregado com trabalho e a pós-graduação, acabei tendo as crises de isso aí que me levou pra procurar ajuda do psiquiátrico. E aí que veio, de fato, o diagnóstico. 

Tiago: Você falou um pouco sobre as características e uma coisa que eu tô perguntando pra todo mundo nessa série de relacionamentos, quais são os principais defeitos, aquelas coisas, assim, que até hoje é difícil lidar e a paciência esgota?

Isabela: Olha, o Paulo tem uma coisa que é, que é impressionante, que ele, se ele se deixar, ele usa a mesma roupa pra sempre. Pra sempre mesmo, assim. Hoje foi uma luta pra ele comprar calça jeans, porque ele acha que ele pode vestir um saco de batata e sair na rua. E não é assim que funciona. Porque, por exemplo, a gente pagou trinta reais na Millenium Falcon. Realmente, foi um investimento muito em conta. Mas, a Millenium Falcon pra ele, tava de graça, mas calça jeans de sessenta reais, pra ele é um absurdo. Entendeu? Então, eu tenho que ser vendedora dele pra convencer ele que ele precisa comprar roupa nova, porque ele não pode andar com roupa cheia de buraco e desbotada. E outra coisa é que eu gosto muito de mudar de lugar as coisas. Como eu sou bipolar, tem vezes que eu gosto de mudar, virar a casa inteira de cabeça pra baixo e mudar tudo. Inclusive meu cabelo, a cor do meu cabelo, o corte do meu cabelo e isso deixa o Paulo Louco, esse é mais um defeito meu do que dele. 

Paulo: É, eu não gosto muito de mudanças aí do nada a gente tá de boa no final de semana aí a Bela fala, ah não seria legal mudar de, mudar a cama pro aquele outro lado? Aí sobra pra mim mudar a cama, fora quando, que agora já já mudou os móveis do nosso quarto pra todas as posições possíveis, toda a combinação de posições possíveis. E eu sei que a atual posição da nossa cama e da nossa televisão e do nosso armário é a posição otimizada. E vira e mexe, ela dá a sugestão de mudar as coisas de lugar perguntando se não ia ficar melhor. Aí eu falo, aí eu lembro ela que a gente já fez isso e não ficou tão melhor não. 

Isabela: Até porque é uma coisa que o Paulo tem que eu não tenho é memória. Eu nunca lembro das coisas, eu pareço a Dori do Procurando Nemo. 

Paulo: Uma coisa até que eu pensei em perguntar pra Bela, que eu achei, acho legal falar sobre como se adaptar as minhas esquisitices. 

Isabela: Olha, o Paulo, ele nunca foi uma pessoa muito normal. Desde o começo, antes da gente ter o diagnóstico dele, a gente já sabia que ele era diferente. O meu pai, ele falou assim, que é que esse menino tem, Isabela? Ele chegou pra mim e falou, e o meu pai não entendia porque que o Paulo não falava oi pra ele quando chegava na minha casa, porque meu pai é assim, você chega na casa dele, você cumprimenta ele, tipo, poderoso chefão. 

Paulo: Uh-huh. 

Isabela: Você pede a benção do pai e aí você continua a sua vida, segue a vida. 

Paulo: Só que eu tenho uma estratégia que eu cumprimento se as pessoas me cumprimentarem e eu cumprimento exatamente do jeito que a pessoa me cumprimentou. Então, se a pessoa disser oi, tudo bem? Eu falo, respondo oi, tudo bem? Se a pessoa disser, bom dia, eu respondo, bom dia, se disser boa tarde, eu respondo, boa tarde. E aí era estranho porque eu ia falar com meu sogro e eu ficava esperando alguma algum sinal dele, ele não responde, não dava nenhum sinal pra mim, no que eu deveria fazer, aí eu, aí, dava deadlock ali, travava e não sabia o que fazer. 

Isabela: Era muito engraçado isso. Foi outra coisa que eu tive que ensinar fazer, cumprimentar as pessoas quando ele chega no lugar, porque ele nunca cumprimenta ninguém, as pessoas ficam achando que ele é mal educado, porque ele não cumprimenta. Mas isso é uma coisa também que a mãe dele tentou ensinar, minha sogra e ela também não foi muito bem sucedida. Então, é uma luta diária. 

Tiago: Regras sociais no geral são bastante complicadas, né? Pra serem aplicadas assim dessa forma. 

Isabela: Sim, regras sociais são, regras sociais, eu acho que o Sheldon ilustra bem isso, do Big Bang Theory. Porque ele fala, é uma convenção social. Então, é, ah, tá bom, então. Ele aceita. Porque você tem que explicar de uma forma lógica parece que você tem que explicar pro Spock tudo que ele precisa fazer de Star Trek e se o Spock não ver uma lógica naquilo ele não consegue entender. O Paulo é a mesma coisa, ele precisa ver uma lógica naquilo. Por que que eu preciso fazer isso? por quê?

Paulo: Tudo que você falar, a primeira coisa que eu pergunto é por quê? 

Isabela: Sim, o Paulo ele tem uma coisa que é tudo que eu falo pra ele, Paulo, põe essa meia no varal, por quê? Porque senão ela não vai secar, e eu sou muito rude, às vezes, com ele, porque eu sou muito sarcástica. E aí, ele não entende o sarcasmo Esse é outro problema. Ele não consegue entender o sarcasmo. E aí, ele perguntou, cê tá brava? Eu falo, é lógico que eu tô brava. Mas, às vezes, ele não, eu demorei pra entender que ele realmente não percebia que eu tava brava, porque na época ele ainda não tinha diagnóstico. Então, depois que ele teve diagnóstico, eu eu já fui tentando melhorar, não falei que eu melhorei, mas comecei a tentar melhorar. Essa questão dele porque… Eu me sentia na obrigação de de tentar entender, ele de alguma forma e não, não ficar só pegando no pé dele, o tempo todo. 

Tiago: Uma coisa que eu acho muito curiosa, é porque assim, o diagnóstico de transtorno bipolar, às vezes ele aparece como comorbidade. Tem pessoas dentro do espectro que tem, né? A questão do autismo e a questão do transtorno bipolar também. 

Isabela: É meio estranho, ah, eu ter percebido que eu sou bipolar, porque eu não sabia. Foi uma coisa que a gente descobriu no final do ano passado porque… Mas fazia muito sentido, fazia total sentido, porque assim, eu sou uma pessoa que eu tenho depressão dá mais trabalho, são e minha depressão é quem me ajuda é o Paulo, ele que, ele, que na verdade, sou eu, ele ser asperger não mudou em nada a nossa relação, porque ele é uma pessoa que os defeitos dele não são nada perto das qualidades. Mas eu, eu sou muito depressiva e eu tava tendo muitas crises com vontade de me matar. Eu tava procurando na internet, formas de me matar e e fazer essas coisas. E o Paulo foi que me segurou e falou, não, agora é sua vez. Agora é você que precisa ir ao psiquiatra. E aí eu, como uma pessoa teimosa, não quis ir. Aí foi a inversão de papéis. 

Tiago: É, é um relacionamento a base de teimosia, basicamente. 

Paulo: É, aí no dia que é, que a gente foi na minha consulta com a psiquiatra, que aí a minha psiquiatra gosta que vá da família, né? Então, eu levei a Isabela junto, aí eu, eu fiz pressão, né, Isabela? Pra ela perguntar se podia marcar uma consulta com ela. E logo no final da minha consulta, ela já começou a falar tudo que tinha pra falar, com a psiquiatra. 

Isabela: É, porque eu sou uma pessoa que falo demais. Como você já deve tá percebendo, eu sou uma pessoa que falo muito e aí eu comecei a soltar avalanche de coisas ruins, que tavam me acontecendo, tudo na psiquiatra do Paulo. Aí ela falou assim, tá bom, calma, vamos marcar uma consulta pra vocês. É, só que ela falou que queria falar no máximo no próximo mês. É, ela falou, não, antes do Natal você vem aqui, porque às vezes acontecem alterações de humor muito repentinas durante as festas. Então, eu quero ver você antes do Natal. 

Paulo: Aí, foi, aí, em dezembro do ano passado, saiu o diagnóstico. 

Isabela: A gente tava em dúvida entre Borderline e bipolaridade aí o diagnóstico fechou em transtorno bipolar misto. 

Tiago: Então, foi algo, assim, extremamente rápido, né, de certa forma, entre perceber e diagnosticar. 

Isabela: É. Na verdade, levou, mais ou menos, um ano e meio, porque eu fiquei, eu trabalhava na Coca-Cola eu era jovem aprendiz e o meu contrato encerrou e aí eu entrei numa crise de depressão muito forte e depois dessa crise de depressão, nisso a gente não tava tratando, porque a minha família achava que era frescura e o Paulo tava tentando me ajudar da melhor forma, eu achei que ia passar logo mas não passou, eu perdi um semestre na faculdade por conta disso, perdi, me isolei de todas as pessoas que eu conhecia, a única pessoa que ficou do meu lado foi o Paulo e a gente, como a gente é casado, a gente mora junto, então, eles sempre, ele liga toda hora, ele tava no trabalho, ele ligava pra saber tava bem, se tinha acontecido alguma coisa. Então, quem deu mais trabalho nessa história toda fui eu. 

Paulo: É. Só que tinha uma característica curiosa dessa depressão, que ela, de repente, um dia a Isabela tava muito mal, muito pra baixo e no dia seguinte voltava ao normal. Aí ela ficava animada e queria fazer tudo. Aí no dia seguinte voltava a depressão. 

Ela ficava em um em um ciclo de uns padrões muito atípicos de humor. E justamente não dava o aquele período que eu que falam que é período pra ficar de olho na depressão, né? Que é em torno de, de um mês, que ela não ficava um mês num período de baixa assim, aí ela passava uma, uma, duas semanas bem, aí voltava a ficar pra baixo de novo. 

Tiago: Esses períodos variam muito, né? Tem gente que é uma questão de três, quatro dias alternados, também acaba tendo muita, muita diferença. 

Isabela: Sim, tem muita diferença, não é, não é é que assim, a psiquiatra conseguiu ligar os pontos, porque ela percebeu que eu sou ansiosa, que eu tremo a perna quando eu falo, por tempo demais, ela percebeu no meu jeito também coisas que são, são características. Mas nem sempre uma pessoa que é bipolar, de um dia pro outro mudou o humor. Às vezes passa uma semana mal e depois outra semana. 

Tiago: Sim. 

Paulo: Então, assim, a nossa situação chegou que éramos duas pessoas com problemas tentando se ajudar e tentando um apoiar o outro, né? Que eu tinha as minhas crises da pós-graduação e ela as suas depressões, né? 

Isabela: É. 

Tiago: E diante disso, apesar das crises pessoais, vocês passaram por uma crise de relacionamento mesmo, assim, no sentido mais geral? 

Isabela: Não. 

Paulo: Ah, a gente teve pequenas crises, principalmente, pequenas brigas. Na verdade, não tão pequenas assim, né, a gente nunca chegou ao ponto de se bater mas é que normalmente, muitas vezes acontecia de a gente ter algum desentendimento no relacionamento que evoluiu para uma discussão, de repente eu entrava em em meltdown e começava a me bater. Esses foram os piores momentos, assim. 

Isabela: E tinha às vezes que eu achava que que eu não merecia ter o Paulo perto de mim. Eu, principalmente, nos momentos que eu tava mais depressiva, eu achava que seria melhor se ele, se ele arrumasse outra pessoa, se ele procurasse outra, alguém que fosse melhor do que eu, que tivesse uma estabilidade emocional. Então, assim, a gente nunca pensou totalmente, assim, terminar por conta dos problemas mentais de cada um. No caso do meu problema mental. Mas, a gente já pensou em se separar, porque a gente achava, eu achava que eu não era boa o suficiente pra ele. 

Tiago: É um sentimento de inferioridade e como é que você fez pra trabalhar isso? 

Isabela: Ai, eu ainda tô trabalhando, agora eu tô tomando remédio pra antidepressivos. Depois que eu comecei a tomar o antidepressivo, me ajudou bastante e os estabilizadores de humor, eles me ajuda bastante a parar de pensar em suicídio. 

Tiago: Uh-huh. 

Isabela: Que foi uma das grandes vitórias, porque tava me atrapalhando muito e também parar de me sentir tão inferior assim. Então a medicação, o diagnóstico ajudou muito porque sem o diagnóstico eu me senti, eu sentia que eu era uma preguiçosa, que não valia nada. Com o remédio e com o diagnóstico, eu sei que eu tenho problemas, mas que esses problemas, eu posso consertar, entendeu? Então, eu tenho muito mais vontade de fazer as coisas agora do que eu tinha antes. 

Paulo: E do meu lado também, principalmente, o tratamento medicamentoso ajudou a controlar as crises que eu tinha de uma forma absurda. Eu passei por momentos até bem estressantes em meados do ano passado. E eu não tive crise. Porque eu sentia que não tinha sentido eu descontar a raiva em mim. 

Tiago: Uh-huh. E como o casal, qual foi, assim, a experiência mais marcante que vocês já tiveram juntos? 

Isabela: Nossa, tem tantas. Às vezes, a gente enumera os roubadas, aquele dia entrou nessa vida. Porque, assim, em quatro anos de relacionamento, às vezes, a gente pode pensar que não é muita coisa, né? Mas é muita, muita coisa. A primeira vez que ele foi conhecer a minha família, que a minha família mora na roça, né? No interior aqui de São Paulo e na em São Francisco Xavier, que é distrito de São José dos Campos. A primeira vez que ele foi conhecer a minha família, o cachorro da minha tia, mordeu a mão do Paulo, e a gente teve que sair correndo pro UPA da cidade pra tentar estancar o sangue da mão ele. 

Tiago: Eita. 

Isabela: É, foi a primeira das roubadas. Depois, teve uma vez que a gente quase morreu, que a gente foi acertado pelo galho de uma árvore que a gente tava muito perto e foi acertada por um raio e quebrou a árvore, quebrou, assim, foi uma coisa muito feia de ver. 

Paulo: É, esse caso foi assim, a gente tinha ido no Parque da Cidade, aí a gente ficou lá à tarde de boa, né? A gente fez um piquenique e tal e começou a formar uma chuva, uma tempestade. Aí a gente ficou enrolando pra ir embora, aí começou a vim a chuva de fato, aí a gente saiu correndo pra procurar abrigo, na, na entrada do parque, aí quando a gente chegou árvore imediatamente atrás da gente foi atingida por um raio, a gente viu assim na hora, raio caindo e o galho caindo e bem por onde a gente tinha passado. 

Isabela: Outra coisa foi no casamento do amigo do Paulo, eu queria muito que o Paulo dançasse comigo e ele não queria dançar de jeito nenhum, porque tinha muita gente. Mas uma das coisas mais legais, assim, que aconteceram, depois que a gente teve o diagnóstico do Paulo e tudo mais, foi a gente ter dançado junto. A gente foi num show do… eu acho que isso é um marco do nosso relacionamento, assim, porque é muito emocionante eu falar porque é uma vitória pra nós dois. Que a gente tava no show do Ed Motta, lá em Taubaté e lá tinha uma balada romântica, assim, né, que ele começou a cantar e eu chamei o Paulo pra dançar e a gente dançou a música inteira no meio, tipo, devia ter umas quatrocentas pessoas lá. E a gente dançou junto no meio de todo mundo, assim, e pra mim, isso foi incrível. Foi uma das coisas que eu mais gosto de lembrar. 

Paulo: Aquele dia, no começo, eu fiquei sentindo, assim, um certo, uma certa ansiedade, né, um ah, um medo de ser visto como ridículo, como estranho. Aí eu só abracei a Bela e a gente e seguiu o que ela estava fazendo, movimento e aí a gente dançou junto. Tem o ápice de todos os momentos que a gente passou juntos que foi o Rock in Rio. 

Isabela: Nossa, o Rock in Rio, eu quase morri no Rock in Rio de tanta felicidade. Eu sou muito exagerada em tudo que eu faço na minha vida. E no Rock in Rio, na hora que a gente chegou, eu amo a banda Slipknot, amo demais, assim, de um jeito que não dá nem pra explicar. E na hora que a gente chegou, eu tava tocando uma música do Slipknot, Dead Memories, né, amor? 

Paulo: Dead Memories. 

Isabela: Tava tocando Dead Memories. Eu comecei a chorar e eu comecei a gritar na fila, eles nem tinha entrado ainda. Essa foi uma das coisas, também, que foi maravilhoso. A gente, a gente morrendo de medo de se perder, porque tinha muita gente, né? No início do show formou uma roda gigantesca. Foi e eu entrei no meio.

Paulo: É, uma roda de mosh. Só que a gente não soltava a mão do outro, né? Porque se soltasse não ia achar mais até o final do show. 

Isabela: Foi uma das maiores loucuras que a gente fez, mas foi maravilhoso, foi um dia muito especial pra gente. Nossa, a gente podia fazer um episódio só de nossos momentos, assim, de loucura, porque eu trato o Paulo na terapia de choque. Aqui em casa funciona assim. Você não vai fazer? Vai fazer sim, porque eu tô querendo. 

Paulo: E, teve a vez que você me ensinou a pedir pizza? 

Isabela: Ah, é, no começo do relacionamento, é mais fácil. Eu matar o Paulo do que ele pedir uma pizza. Aí, depois, eu me recusava a pedir pizza. Eu falei, você quer comer pizza? Então, você pede. Até que hoje, ele fala com a moça da pizzaria como se tivesse conversando com um coleguinha. Então, tipo assim, é maravilhoso ver isso. 

Paulo: Ultimamente, só peça pelo WhatsApp a pizza. É, depois que a padaria inventou o WhatsApp dele lá, né? 

Isabela: Agora, a interação com o Paulo, ele prefere restaurantes que ele tenha o mínimo de contato possível com o atendente. Por exemplo, o de comida japonesa, onde a gente pede, você consegue pedir pelo site. A pizzaria, você consegue pedir pelo WhatsApp. Então, é sempre assim que funciona a nossa vida. Eu sempre tento fazer ele se entrosar com as pessoas e ele sempre foge disso. 

Paulo: É, é bem isso mesmo. 

Tiago: E uma coisa que o Paulo falou no episódio trinta e seis, que foi o episódio sobre a série Atypical, é que ele teve, chegou a ter acesso a essa série, por exemplo, porque vocês acompanhavam, né? E aí, eu queria saber assim, qual é a sua avaliação, assim, dessas produções culturais que abordam o autismo, comparando com a sua experiência mesmo de viver com a pessoa dentro do espectro, você acha que bate essas essas produções são boas? No geral? 

Isabela: E tem séries que é claro que eles, que eles vão aumentar bastante pra ter o tom de humor, né? Porque assim, o Paulo, o grau dele de de autismo é bem leve. Então, é só uma pessoa que já tem um pouco de contato com ele que percebe. Mas, por exemplo, o Sheldon, ele é exagerado, mas é pra ter um tom cômico mesmo. Mas o Atypical, a série foi muito legal, porque a gente conseguia perceber as coisas que o faz, que, que o menino da série, eu fiz o nome dele agora. E, o Sam também faz e eu sou muito a namoradinha do muito, porque eu tento, eu eu cutuco o Paulo até ele mandar eu ir praquele lugar, porque eu não sossego enquanto ele não sai da zona de conforto. 

Paulo: Apesar que você é um pouco também o amigo dele, o Zahid. 

Isabela: É, eu sou, eu fico, por exemplo, antes, quando eu e o Paulo, a gente andava na rua, ele esbarrava nas pessoas, como se elas não existissem e ia andando, assim, eu ia, eu tava vendo no momento, se alguém ia dar na cara dele, porque ele passava, esbarrava nas pessoas e não pedia desculpa. Aí eu tive que ensinar pra ele que quando ele esbarra nas pessoas, ele precisa pedir desculpa. E é basicamente como o Zaheed e fala, como ele chega nas garotas, o que que ele faz, o como que ele tem que andar, como que ele tem que se vestir. Então, tem tem séries que retratam muito bem. Um filme que tocou muito a gente foi Forrest Gump.

Tiago: Sem falar da trilha sonora sensacional, né? 

Isabela: É maravilhoso esse filme, a gente decidiu ter filho assistindo esse filme. Porque. 

Paulo: Mas o filho só vem daqui a dez anos. 

Isabela: É, o filho é só daqui a dez anos, porque hoje eu tenho meus filhos de quatro patas que eu não abro mão deles, nunca na vida. E a se não é Forrest Gump mostra como a simplicidade de uma pessoa, no caso do Forest não mostra exatamente o que ele tem, mas mostra que ele tem alguma, alguma deficiência intelectual e é muito engraçado o fato dele ter conseguido tantas coisas na vida e ele ser humilde, ele ser uma pessoa tão boa que fala com todo mundo. Da mesma forma, sabe? Então, eu acho que essas produções. Ah, outra produção que é muito maravilhosa é Rain Man, não sei se você já assistiu. 

Tiago: Da década de oitenta, né? 

Isabela: Isso, o filme é maravilhoso e é muito o Paulo nessa questão de raciocínio rápido, de montar estratégias, de coisa, contar as coisas. Então, a maioria das vezes as produções, elas acertam no tom. Na minha opinião. 

Paulo: Tem certos exageros, mas até porque tem que ficar interessante para o grande público, né? Mas eu também vejo bastante acerto. 

Isabela: Tem uma coisa que, que é bem legal da gente, é que a gente tem dezessete animais em casa e isso é importante pra gente, porque teve muitas coisas que a gente, que a gente decidiu continuar juntos por ter os animais em casa, principalmente nas nossas crises, os animais, eles ajudam muito, sabe? Então, eu vejo como tem, tem questões de terapia assistida pra crianças autistas, com animais, às vezes, cavalos, às vezes, cachorros. E eu acho muito importante inserir na vida de uma criança um animal de estimação?

Paulo: É, quando a Bela tinha as crises de depressão dela, eu trazia alguns dos nossos cachorros, dos mais amorosos pra vir lamber a cara dela. 

Isabela: E aí, parece que você redescobre todo todo o sentimento que você tinha guardado e fala, nossa, meu Deus, meus amores, meus cachorrinhos, que se eu não tiver aqui, quem vai cuidar deles. E é muito, é muito gostoso ter ter isso e a minha relação com o Paulo é, eu não podia tá com alguém melhor, essa que é a minha descrição da nossa relação. 

Isabela: O Paulo também tem isso de ficar imaginando as coisas. A cabeça do Paulo é uma fábrica de ideias. Se você perguntar uma coisa pra ele, improvisar, é um fiasco. Mas se você perguntar algo, qualquer coisa pra ele, ele, com certeza, vai imaginar uma coisa muito maravilhosa. Eu gosto muito disso nele, porque quando a gente joga RPG, ele sempre é o mestre. E é muito legal, porque ele sempre imagina as coisas, ele imagina charadas, ele imagina como vai ser o ambiente, como vai, como serão os vilões. Então, isso é, isso é afinante, eu amo isso nele. 

Paulo: Eu vejo a Isabela como uma pessoa, assim, que ela mudou meu mundo, ela deu o significado, porque eu conheci ela quando eu estava numa fase, eu tava procurando uma namorada, eu tava igual o início lá do Atypical. Só que era uma uma segunda tentativa, só que eu tava fazendo totalmente sozinho e aí me deram a dica de tentar o Tinder e aí eu tava tentando conhecer pessoas no Tinder. E foi uma pessoa que a princípio a gente começou conversando e conversava muito. Antes da gente ter o nosso primeiro encontro, a gente conversava o dia todo já. Ah, aí eu fui fazer uma viagem, né? A gente se conheceu, a gente, né? Teve o nosso primeiro encontro, ficou, a gente começou a ficar nos dias subsequentes, aí eu fui viajar e aí a gente ficou conversando e na volta que a gente sentiu falta um do outro que a gente decidiu começar a namorar. Só que assim, a Isabela me ajuda demais com as minhas dificuldades, sabe? Apesar de ela muitas vezes não me entender muito bem e tentar uma as coisas de uma terapia de choque, isso funciona e isso tem me ajudado bastante, eu sinto também que eu ajudo ela e que a gente se completa. Então eu não me vejo assim sem Isabela. 

Isabela: Ai, meu Deus do céu. 

Tiago: Enfim, muito obrigado por toparem participar de tudo mais. 

Paulo: Ah, legal. 

Isabela: Foi muito gostoso participar. É, isso que eu vou falar demais, porque eu sou tagarela mesmo. 

Tiago: Não, mas tem que falar, porque podcast é pra isso mesmo. 

Isabela: É que o Paulo quase não fala. Aí eu tenho que falar por nós dois. 

Tiago: Todo episódio do podcast, ele acaba sempre falando de menos, principalmente se tiver mais gente, assim. Eu já percebi que as faixas dele de áudio são sempre as mais curtinhas. 

Isabela: Sim, quanto mais pessoas, menos ele fala. Os meus amigos da faculdade vieram aqui em casa pra gente fazer uma festinha, jogar RPG, jogar videogame e o Paulo, ele praticamente, não falou. E o Paulo só fala quando as pessoas falam com ele, desde sempre assim, se não ele fica lá no canto dele, viajando no mundo dele e é assim que funciona. 

Paulo: É, eu até fiquei com medo. Quando você chamou pra fazer o podcast sozinho, eu acho que não ia conseguir manter um episódio inteiro, só eu. 

Isabela: Por isso que eu me candidatei pra participar também, porque eu sabia na hora que ele me olhou com aquela carinha, falei, hum, vai dar ruim. O Paulo, ele é uma pessoa, você não conheceu ele pessoalmente, mas ele é uma paz, uma paz que você chega perto dele, você fica até incomodado de tão pacífico que ele é. Porque se deixar, as pessoas montam nele. Eu odeio isso nele. Sim. Porque eu amo tanto ele, que às vezes eu tenho que comprar briga pra ele não sair desfavorecido. 

Tiago: Ah, eu conheço pessoas assim, é, é realmente complicado. 

Isabela: Mas obrigada e foi um prazer conhecer você.

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Equipe Introvertendo Escrito por: