Introvertendo 56 – Charlatanismo no Autismo

O MMS, falso tratamento para autismo, é um tema em alta. Mas, de tempos em tempos, soluções milagrosas e “remédios” sem evidências aparecem com novos nomes e as mesmas promessas mirabolantes para tirar dinheiro e a paz de autistas e seus pais.

Neste episódio, o host e jornalista Tiago Abreu recebe Andréa Werner, jornalista, mãe de autista e responsável pelo portal Lagarta Vira Pupa e Willian Chimura, autista, mestrando em Informática para Educação pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e responsável pelo canal Um Canal Sobre Autismo para falar sobre charlatanismo no autismo e suas vítimas.

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Transcrição do episódio

Tiago: Olá para você que escuta o podcast Introvertendo, que é essa plataforma em que discutimos sobre autismo. Meu nome é Tiago Abreu, sou host deste podcast que geralmente traz autistas e não autistas para discutir em diferentes temas. E hoje estou com dois convidados muito especiais e eu vou deixar para ele se apresentarem para vocês.

Willian: Eu sou o Willian Chimura, eu tenho um canal no YouTube, Um Canal Sobre Autismo. Sou autista, também diagnosticado na vida adulta, e estou aqui agora para falar sobre esse assunto que é realmente importante deixarmos claro para comunidade, o que é MMS numa perspectiva de como autistas veem isso, como na perspectiva da outra convidada também que vai se apresentar melhor agora.

Andréa: Meu nome é Andréa, jornalista, escritora e autora do blog Lagarta Vira Pupa, sou também mãe de um rapazinho fez 11 anos ontem chamado Theo, que é autista moderado não verbal.

Bloco geral de discussão

Tiago: Um dos motivos pelos quais a gente tá falando sobre esse tema é por conta de um texto de Andréa publicado na Revista Autismo chamado MMS Cura Autismo?. O que eu achei bastante interessante neste texto é porque toda a sua campanha também vai além de simplesmente dizer que o MMS é prejudicial, mas também de entender um pouco como é que é o perfil dessa mãe e desse pai, que muitas vezes procura esse tipo de produto. Qual é o perfil da mãe que é vítima do MMS?

Andréa: A gente não tem um perfil só, mas tem algumas coisas que a gente observa em geral e é bem comum, aquela mãe que não tem muita informação que às vezes teve o diagnóstico do filho e demorou para ter o diagnóstico, principalmente na rede pública. A maioria da população ainda depende da rede pública então o diagnóstico demora a vir, não tem muita orientação de médico e não tem também as terapias necessárias, nem intervenção precoce. Então quando aparece alguém com essa solução aparentemente mágica e até fácil, essas mães acabam caindo. Então é uma junção de desespero com falta de informação que acaba gerando esse tipo de coisa, pelo menos isso é o que eu vejo com mais frequência. Mas tem outros tipos também, tem aquelas pessoas que estão mais inclinadas a acreditar em testemunhos que elas vem na internet e por aí vai.

Willian: Mesmo para autistas, é contra-intuitivo você entender autismo da primeira vez. Porque é claro tem a questão que é um transtorno do espectro, você tem uma imagem prévia que obviamente não vai nem de perto refletir a complexidade que é esse transtorno antes de ter estudado ele, então eu tô tentando lembrar sobre isso e eu consigo enxergar o quão difícil é para uma mãe quando ela recebe o diagnóstico, de conseguir entender o que exatamente envolve o autismo. E é difícil de entender também como ajudar, como você desenvolve uma criança com esse transtorno. Então vendo essa complexidade de se entender também dá margem para você conseguir charlatões dentro do caso, e outras pessoas que querem tentar convencer mais facilmente essas pessoas. No caso do MMS eu vejo que realmente tem uma pitada de desespero porque a gente tá falando de alvejante!

Tiago: Uma coisa muito interessante que você falou, Andréa, é sobre o discurso de autoridade e uma coisa que eu acho bastante assustadora: há alguns relatos de que o MMS foi recomendado por médicos.

Andréa: Sim, isso acontece e a gente tem provas. Quando eu falo “a gente”, somos um time do Fora MMS, são várias investigadoras e um investigador. Sim, tem médico receitando isso e quando vem um médico como que você, pai ou mãe, vai questionar? Quem é você na fila do LOAS (como a gente brinca) vai questionar o médico se ele te passa isso para o seu filho?

Tiago: Sim, eu entendo. Eu acho que é por isso também que as pessoas não conseguem compreender com facilidade de que o fato de uma pessoa ser médico não significa que ele seja um cientista, são áreas totalmente diferentes.

Willian: Na verdade você não precisa nem ser um cientista para compreender isso, mas você pode fazer alguns testes com viés científico, por exemplo, você pode simplesmente pedir uma segunda, terceira, quarta opinião…

Andréa: O problema é ter dinheiro para os outros cinco viu? Tem médica psiquiatra aqui em São Paulo que a gente sabe que receita MMS e que a consulta dela é R$ 600, então aí você já imagina.

Willian: Então, e o charlatanismo tem esses mecanismos de parecer com que às vezes depois de procurar muito você encontrou uma solução milagrosa que quase ninguém sabe sobre, então às vezes parece que essa escassez também quando você encontra um médico (é claro que vai ser ser uma minoria de profissionais que vão recomendar esse absurdo) os pais vão acabar tendo algum pensamento no sentido de que: “Nossa, eu tirei a sorte grande agora”.

Andréa: Até porque esse discurso de que eles são meio que iluminados, que eles saíram da caixinha do que é ensinado na faculdade de medicina e eles conseguiram pensar além, e fica parecendo que realmente só um pouco porque são poucos que viram a verdade, sabe? É isso. 

Willian: Falando sobre discurso, eu também escutei um dos discursos que ajudou o MMS a ganhar popularidade, da Kerri Rivera e o próprio relato dela é muito superficial. Ele é um relato do tipo: “aí eu comecei a dar gotinhas para o meu filho e daqui a pouco ele começou a olhar no meu olho” ,”ele passou a conseguir ficar um pouquinho mais calmo em baixo da água”, então tipo o próprio relato da Kerri Rivera dá para ver que há um claro vício ali. Ela queria acreditar que aquilo de alguma forma funciona e passar esse discurso com essas observações extremamente genéricas. Tipo você pode dar chocolate para o seu filho e falar assim: “Nossa, agora que eu dei chocolate para ele, meu filho sorriu. Então chocolate é bom para autismo”, sabe?

Tiago: Tem a questão do placebo também.

Willian: A partir do momento que você começa a querer observar por qualquer mudança positiva que seja, você vai acabar prestando mais atenção nas coisas positivas. Nós somos humanos, e sempre a gente quer encontrar verdades convenientes para a gente.

Andréa: Ainda mais quando você tá dando um negócio para o seu filho que é non sense e que você tem uma noção que tem um perigo, de que é meio proibido, aí que você vai querer ver mesmo o resultado.

Willian: Eu imagino que a responsabilidade de quem acaba caindo nisso, deve gerar um sentimento de culpa.

Andréa: As coisas são complicadas, porque o autista costuma melhorar a não ser que tenha alguma comorbidade degenerativa, que não é o caso. Mas os autistas melhoram, fora aquela questão de que é difícil achar um autista não faça nada de intervenção, alguma coisa que tá fazendo, tá tomando algum medicamento mas aí a pessoa dá três gotinhas do MMS e a criança melhora por qualquer coisa, mas creditam ao MMS. Por isso a importância do método científico. É justamente para você saber o que que tá funcionando e o que não tá. Quando você testa o medicamento, você consegue isolar fatores, você consegue fazer um grupo só do placebo para você ver se aquele efeito é real, se ele veio de outra coisa ou se ele é percebido, e é por isso que a gente bate tanto na tecla de que testemunho pessoal não é evidência científica. Porque essas pessoas estão se baseando totalmente em testemunhos pessoais e olha quantos vieses tem por trás um testemunho pessoal.

Willian: Isso me lembra uma frase muito importante que é a “Correlação não é causa“, então por exemplo existem estudos científicos que correlacionam vacina com incidência de autismo, por exemplo da mesma forma que existem estudos que correlacionam comer chocolate com ganhar prêmio Nobel. Você consegue ter relações com qualquer coisa que você procurar, mas isso não significa causa. Eu gosto muito que o Lucelmo [Lacerda] também fala bastante disso: se você é um charlatão, existem 10 estudos e 9 que falam que algo é corrosivo e faz mal para saúde, mas a pessoa pega aquele único que diz que é bom e esconde todo o resto. Ele vai ficar balançando falando assim: “olha só, isso aqui funciona, isso aqui é bom!”.

Andréa: E tem as as distorções também, a desonestidade intelectual. Tem a questão de torturar os números. Uma coisa que eu vejo muito nesse caso do MMS são os promotores de MMS e até médico divulgando um estudo que foi feito sobre sobre ingestão de dióxido de cloro, mas que foi feito pensando em tratamento de água e com uma diluição mínima, do mínimo do mínimo, que é muito menos do que eles costumam sugerir nesses protocolos que eles fazem com MMS. O objetivo do estudo não era médico, não era o terapêutico e até a quantidade que eles testaram (por ser simplesmente de tratamento de água) é infinitamente menor do que a que eles recomendam como o uso do MMS. Mas quando você quer usar o troço a seu favor, você dá uma torturada nos dados e as pessoas que não têm acesso à educação científica vão acreditar.

Tiago: Há também um problema no Jornalismo quando penso em educação científica, que é o chamado “Jornalismo Científico”. Geralmente as atuações dentro do jornalismo científico ficam muito aquém da divulgação científica.

Andréa: Você sabia que eu discuti com um médico? O médico entrou na minha timeline para discutir por causa dessas coisas de MMS. E ele tava defendendo um médico que fala bem do MMS, que é o Lair Ribeiro. E ele colou exatamente um link de uma matéria cujo título era “Estudo indica que filtro solar pode causar câncer“. Fui eu atrás do estudo, fui ver que era um estudo minúsculo in vitro em uma revista científica ridícula sem relevância, e eu dei um Google e rapidinho eu achei uma metanálise falando que o filtro solar não causa câncer. E pior, o médico que tava discutindo comigo não sabe a diferença entre um estudo vagabundo é uma metanálise. Então não sei o que era pior nesse caso.

Willian: Um exemplo super contextualizado com autismo também é a própria questão do ácido fólico, que há um tempo atrás tinha um estudo até muito bem conduzido (é claro que há muitos estudos mal conduzidos que são publicados em jornals que a gente considera e há revistas predatórias, que possuem apenas interesses financeiros), e esse caso do estudo do ácido fólico foi um bom estudo na época e encontrava essa relação entre o uso durante a gestação de ácido fólico e ter um filho autista. Só que as conclusões falaram que “isso não significa que nós devemos recomendar para que grávidas não tomem ácido fólico e isso precisa ser replicado, pensamos em fazer uma revisão sistemática sobre isso para ter uma conclusão sobre“. E recentemente saiu uma revisão sistemática sobre isso e a conclusão é que a correlação não faz sentido. Por mais que tenha sido um estudo bem conduzido, a gente precisa do tempo de replicação e de outros cientistas querendo estudar a mesma coisa para conseguir chegar numa conclusão científica. E todo esse cuidado muitas vezes a mídia não toma. A longo prazo, a verdade sempre se mantém. O método científico é assim, ele precisa dessa competição entre os pesquisadores revisando o trabalho de outros pesquisadores para que se finalmente chegue a uma conclusão. E é isso que algumas pessoas que querem até pesquisar um pouco mais do que apenas no Google acaba caindo nessa armadilha.

Andréa: É um super argumento deles. Inclusive os defensores do MMS são esse pessoal que tem uma linha muito parecida. São pessoas que acreditam que vacinas causam autismo e várias outras doenças. Eles acreditam na intoxicação por metais pesados, mas também amálgama dentário, agrotóxico, o que você quiser. E eles usam muito essa argumentação de que se você entrar no Google Acadêmico, você vai achar 2000 estudos falando isso, mas isso não quer dizer que o que tá lá é evidência científica. Eu vi uma palestra de uma médica que é favorável a MMS e ela falando que se você entrar no Google Acadêmico tem não sei quantos mil artigos relacionando Alzheimer com contaminação por metais pesados. Ou seja, ela quer dizer que você descontaminado os metais pesados pode reverter o Alzheimer. Uma coisa é você ver uma pessoa que é leiga falando disso, agora um médico falar isso? É muito complicado.

Willian: Eu acho que é realmente muito mais absurdo quando você pensa que alguém com uma mínima formação acadêmica, está atuando como profissional e tem um conselho, há regulamentação em cima dessa profissão e que ainda a gente tem essa parcela significante de profissionais que acabam recomendando esse absurdo para quem eles atendem.

Andréa: Esse e outros absurdos. Estão falando que tem autismo reversível com homeopatia. Parece que no momento em que você acredita na primeira coisa absurda, você fica mais aberto a acreditar em várias outras coisas absurdas, porque esse pessoal em geral anda de braço dado com o movimento anti-vacina, com o negócio da contaminação e para chegar no MMS é um pulinho muito pequeno.

Tiago: Quando fenômenos como o MMS começaram a ser combatidos, as pessoas envolvidas começaram a traçar estratégias para poder fugir da fiscalização. Esse livro, por exemplo, Curando os Sintomas Conhecidos Como Autismo, saiu de status de venda da editora que tava publicando ele aqui no Brasil, que é BV Books, mas eles ainda estão vendendo outro livro sobre MMS que não tem o título diretamente relacionado ao autismo e MMS.

Andréa: O do Andreas Kalcker. Ele é um dos principais divulgadores, foi o grande cara que definiu essa questão do enema, que é a introdução do dióxido de cloro diluído pelo ânus das crianças, direto no intestino. Andreas Kalcker já esteve no Brasil inclusive, fazendo palestras fez a turnê brasileira.

Tiago: Uma coisa que me assustou particularmente com relação a BV é porque eu já ouço falar da BV há anos. A BV é uma editora de produtos evangélicos muito famosa, eles publicavam discos, filmes e livros bastante famosos sobre a realidade evangélica no Brasil e faziam todos os todos os serviços de publicação de obras estrangeiras famosas. Tecnicamente eles têm um um catálogo e uma origem que não tem absolutamente nada a ver com tema de saúde, eu acho isso assim absurdamente estranho, e a forma como eles também se dizem perseguidos.

Andréa: Vou te falar o que mais impressiona da BV Books ser lançado tanto o livro do Andreas Kalcker quanto o da Kerri Rivera. Já bati boca com eles no Twitter uma vez e eles defenderam os livros deles. O que me impressiona é que as pessoas acreditam e não questionam essa aura em torno de quem trouxe isso. Uma coisa que se fala muito nesses grupos de MMS é o “doutor Andreas Kalcker, grande cientista”, e “a doutora Kerri Rivera”. Só tem um problema: nenhum dos dois é doutor. A Rivera era corretora de imóveis, fez um curso de homeopatia e o Andreas Kalcker comprou (comprou mesmo!) um diploma de um curso do tipo “biofísica da medicina alternativa” em uma faculdade dessas que você compra diploma em Barcelona. Teve até um investigador em espanhol que expôs no site dele, inclusive em foto no Google Maps, da universidade e foto do tal do diploma dele. E as pessoas ficam vendendo ele por aí como grande médico cientista, sendo que o cara não tem nada de formação na área médica, muito menos cientista. As pessoas não questionam, isso que me assusta um pouco. Eu sou mineira, eu sou desconfiada por natureza, então isso me assusta um pouco nas pessoas, sabe? Como que elas são crédulas…

Tiago: Uma das coisas que me preocupa com relação à fenômenos como o MMS é porque toda vez que eu estou em evento de autismo, principalmente que são organizados por associações de pais, eu percebo que existe uma questão muito latente de saúde mental com relação aos pais. Você como mãe de autista e também com uma pessoa que trabalha jornalisticamente até na questão do autismo, como você observa essa questão da saúde mental de pais de autistas?

Andréa: Então vamos começar a falar pelo lado mais científico. Não é comum que pais de autistas tenham alguma coisa também. É mais comum que o pai seja diagnosticado com autismo depois do filho e às vezes não é autista, mas tá dentro do tal do espectro ampliado, têm várias características de autismo, mas não chega a fechar um diagnóstico. Aqui em casa somos assim. Meu marido não chega a fechar um diagnóstico, mas ele tem vários traços de autismo e de outras coisas. Eu tenho TDAH, então já começa por aí. E outra coisa é juntar tudo isso com o stress, com a correria, com a falta de dinheiro da terapia. Então a gente não tem um cuidado com a saúde mental dos pais. Vamos falar de mãe mais, porque 90% dos casos ou mais do que isso até quem cuida é a mãe. Ainda tem esse mito por trás da mãe especial, escolhida por Deus, que acaba mais ainda essas mulheres. Existem muitas mulheres que demoram a chamar por ajuda. Ter noção de que precisam de uma ajuda com relação à saúde mental porque fica recebendo tapinha nas costas falando que ela é especial, que Deus capacitou então que ela vai dar conta. Então tem todo um sistema e de uma opressão em cima das mães cuidadoras de pessoas com deficiência, o que favorece essa questão dos problemas da saúde mental mesmo. 

Willian: Definitivamente a gente nem precisa de estudo científico para saber disso, porque é muito evidente. Principalmente na questão das mães, mas tem um artigo publicado num journal de pediatria que demonstra o quanto de estresse e como isso afeta a vida especialmente da mãe de que teve um filho diagnosticado com autismo. Justamente por isso, fazendo essa ponte com essas armadilhas do charlatanismo, por mais que uma mãe quer o melhor para o seu filho, isso abre mais margem para ela estar mais fragilizada, em querer acreditar nesses charlatanismos, querer acreditar numa solução mágica, milagrosa e que ninguém conhece, exceto essas uma ou duas pessoas que de alguma forma estão resolvendo todos os problemas magicamente. E que aquilo pode ajudar ela também. Então é uma situação mais difícil de você conseguir, até mesmo de ter um tempo hábil. De pesquisar, de se questionar, de falar com outros profissionais até ter um recurso financeiro. Então isso também tudo isso também contribui ao meu ver para essa questão do platonismo ganhar força.

Andréa: É engraçado, porque o que você falou realmente se reflete no modus operandi dos charlatões. No campo do autismo, especificamente, foi o que a gente reparou quando investigamos a questão do MMS. Eles se infiltram nos grupos de pais, muitos deles fingem que são pais ou mães e aí eles ficam ali ouvindo as histórias de todo mundo. De repente aparece uma mãe que fala: “Mas o meu filho é autista muito severo, tentamos de tudo. Ele bate a cabeça na parede, etc.” aí esse cara vai virar para essa mulher e dizer, “Olha, meu filho era muito parecido, viu? E a gente sofreu muitos anos daqui a gente tentou de tudo com ele nada funcionava, mas aí eu descobri um negócio que foi um divisor de águas aqui em casa.”. Com isso, ele fala o nome do negócio. Gente, é assustador quando você se infiltra nesses grupos para você ver. Aparece um monte de mãe falando “não, fala mais para mim. Me conta mais um pouco. Me dá o seu contato.” É desse jeito. Então é muito fácil é muito fácil você se aproveitar do desespero desses pais, porque eles querem acreditar. “Esse cara tá falando que isso aí foi um divisor de águas, deve ter sido mesmo e eu preciso realmente testar com meu filho.”. Então, nessa entra MMS, entra uma nova moda que eu estou percebendo nos grupos de pais, que é óleos essenciais. Sempre tem uma mãe ou um pai que a gente não sabe se é mãe ou pai de verdade, pra aparecer num testemunho triste e falar, “nossa, meu filho era assim, mas desde que eu comecei usar o óleo essencial tal, meu filho melhorou demais.”. E tem uns mais descarados ainda, eu tenho um print de um grupo que um cara entrou e falou assim, “olha, eu recomendo o Zaper.”, e aí todo mundo: “Que que é isso?”, o cara colocou o site lá e aí veio falar, “Gente, o troço é um antibiótico eletrônico, é tipo um trequinho que você coloca no dedão, dá um choquinho e ai mata todas as bactérias.”. Inclusive no site desse Zaper tá escrito a mulher que foi a idealizadora disso e ela fala que cura todas as doenças, inclusive o câncer. O interessante é que ela morreu de câncer, mas isso é papo para depois, né? Os pais todos interessados e o cara: “eu não sou médico, mas eu conheço vários relatos de médicos falando até de reversão do autismo” e as pessoas falando: “me fala mais”. E o cara cometeu um sincericídio mais embaixo ele fala assim, “inclusive eu sou representante no Brasil [da Zaper]”. Quer dizer, o cara é o cara que vende o Zaper! E ele estava no grupo só para isso! E as mães acreditando, pedindo informação mesmo o cara tendo confessado que era ele que vendia o negócio.

Tiago: Assustador. 

Andréa: É assustador.

Tiago: Quando a gente fala de grupos de redes sociais, é uma coisa que me preocupa muito. Pra você administrar um grupo, você precisa dispender um tempo muito grande e tem que ter uma responsabilidade enorme sobre tudo aquilo que rola ali dentro, porque se deixar, acontece todo tipo de crime.

Andréa: Sim, acontece. Se você não conseguir é muito simples. Basta um comentário pra aparecer um vendedor de milagre lá e vai muita gente atrás, viu?

Willian: É, eu vejo que infelizmente nesse grupo, às vezes tem até pais que não se manifestam, não digitam mensagens ativamente, mas que de alguma forma presenciam essa discussão. Por exemplo, na questão do Zaper. Sei lá quantas pessoas tem num grupo como esse, mas aí tem um pai que, enfim, perdeu a discussão no dia, não falou nada sobre, mas depois pegou o WhatsApp dele, ou qual fosse a rede social que estava sendo divulgada nessa discussão, deu uma olhada ali e falou assim, “esse tal de Zaper aqui, falaram que é bom, não sei, né?”. Aí ele deixa pra lá, só que daí num segundo dia, ele ouve isso, falar sobre isso de novo e fala assim, “Ah, pois é, eu já ouvi, já tinha ouvido falar bem sobre isso talvez seja algo bom agora.” Então, essa estratégia que o charlatanismo adota, ela é realmente extremamente antiética. E eles continuam com essa estratégia, porque infelizmente funciona. Como o autismo é essa complexidade de se entender a primeiro momento, a mãe precisa entender que ainda existe perspectivas de como se desenvolver o seu filho de como realmente se comprometer com as intervenções que comprovadamente por vias cientificas podem ajudar. Só que até a mãe conseguir chegar nesse estágio é um processo, assim como tudo você precisa de um processo de aprendizagem pra realmente você desenvolver o senso crítico disso. E os charlatões agem antes de dessa mãe ter oportunidade de se desenvolver bem e realmente entender o melhor caminho. Enfim, infelizmente acaba desencadeando uma série de coisas. Inclusive, no meu canal do YouTube, começo a notar que entre o meu público algumas pessoas começaram a justamente citar o MMS como a cura do autismo e etc. Justamente por isso que eu também senti a necessidade de vir aqui e falar mais explicitamente sobre isso. E eu vejo que essas pessoas que que vêm no meu canal falar sobre MMS, elas têm dois perfis. Uma delas é a pessoa que realmente inocentemente acredita, que é vítima mesmo. E outra que realmente vem com aquele perfil mais agressivo, que é aquela pessoa que talvez ou ela tenha um interesse por trás disso, pois ela quer fazer você acreditar de qualquer forma, ou é apenas aquela questão de sentimento de culpa. Porque ela precisa acreditar naquilo que ela tá dando pro próprio filho. Então, ela precisa acreditar que aquilo é bom, né? Ela precisa acreditar que que ela descobriu uma verdade que ninguém ficou sabendo e então ela acaba sendo agressiva nesse discurso e fala mesmo, acaba muitas vezes ofendendo, falando que sou eu, que não sei de nada e tudo mais e etc. Que é a “verdade” dela, que é a única verdade e todo mundo que tá errado, só ela que tá certa.

Tiago: Falando nisso, Andréa, você disse vezes em alguns vídeos e também em algumas publicações na sua página do Facebook, que você tem sido bastante atacada, principalmente até com relação ao seu próprio filho, por outros pais ou por pessoas que acreditam no MMS falando que você digamos assim, de certa forma, se conformou com a condição do seu filho. 

Andréa: É, são vários ataques. O de ganhar dinheiro da indústria farmacêutica é o mais frequente, estou acostumada. Eu até brinco que eles tão esquecendo de mandar o cheque, estou necessitada. Outra coisa que eles ficam muito bravos comigo, é porque o deleto todo e qualquer comentário falando bem de MMS das minhas redes. Então, vai lá: “Ah, mas esse vídeo aqui do Andreas Kalcker, o testemunho que eu curei meu filho.”, Eu deleto tudo. Justamente porque eu sei que quem bateu o olho na minha página e ver aquilo ali, pode vir acreditar, que eu conheço o perfil dos pais de autistas, eu já estou nessa desde 2012 com esse blog. Então, ao deletar os comentários, eles [os comentaristas pró MMS] ficam muito bravos comigo por causa disso. Terceiro, que geralmente esse pessoal pra essa linha mais alternativa da medicina tendem a querer dizer que aceitação é conformismo. Então, assim, se você não tentou uma dieta com seu filho, ou suplementação, desintoxicação e tudo aquilo que vem junto, é porque você se conformou e você não pode se conformar, porque aceitação não é você achar que tá assim mesmo, mas eu não entendo, gente, fosse assim, eu não estaria fazendo terapia com meu filho, né? O meu filho faz terapia desde os dois anos de idade, mas uma coisa muito importante que eu sempre tive a clareza é que pode até ser que não tenha comprovação científica, vai o que ele tá fazendo, ele do que ele faz, o que tem comprovação científica é o ABA, mas pelo menos não faz mal. Igual uma vez uma pessoa foi discutir comigo na minha página: “Mas equoterapia não tem comprovação científica”. E uma amiga minha deu a resposta que eu mais amei na vida, que é impublicável, “Mas a equoterapia não é enfiar o cavalo no fiofó da criança, como você faz com MMS.”. Então, se não tem comprovação cientifica, pelo menos o troço não tá fazendo mal, isso sempre foi muito critério pra mim. Meu filho faz as intervenções, ele progride no tempo dele, mas tem uma coisa da neurologia de cada criança, que a gente ainda não compreende, tem criança que faz um monte de intervenção e progride muito pouco, tem criança que faz quase nada e progride muito e aí tá o perigo. As que fazem quase nada e progridem muito, porque se nesse momento a mãe tá usando um pozinho de pirlimpimpim, é ele que vai levar a fama. Enfim, eu estou acostumada, só que realmente os ataques mais agressivos vem mais desse pessoal que curte mais uma medicina alternativa mesmo, porque pra eles pra muitos deles, não vou generalizar, mas para eles, se você não tenta tudo absolutamente tudo que alguém falou que pode ser que ajude no autismo, é porque você é uma mãe conformista. É isso.

Willian: Por outro lado, na verdade, tem um raciocínio que chega numa conclusão totalmente diferente, que é a criança não é cobaia. O seu filho não é cobaia. Alguém que quer tentar de tudo, incluindo MMS, na verdade, não está dada a mais nada menos que usando a vida do seu próprio filho como cobaia. E pior ainda sem nenhum critério, sem nenhum acompanhamento minimamente profissional sobre isso e que se sabe lá quando fala o nível de dano que isso pode provocar, né? Numa situação assim.

Andréa: É, eu acho que é bom senso acima de tudo. Mas essas pessoas que vão muito pra esse alternativo do alternativo, que chega no nível do MMS, é ser bacana você pensar que você é o cara que saiu da Matrix, sabe? Comentaram isso na minha página uma vez: “Saia da Matrix e junte-se a nós.”. Fica se achando o Neo, sabe? Tem várias pegadinhas aí que acabam levando as pessoas pra isso e mantendo ali. Vira mesmo meio que um culto, uma lavagem cerebral mesmo.

Tiago: Andréa, uma coisa que eu e o Chiimura  conversamos muitas das vezes entre nós é que temos, primeiro, uma responsabilidade muito grande com todas as informações a gente propaga, mas no caso de autistas que falam publicamente como autistas, como no caso meu, do Chimura e de várias outras pessoas, eu tenho impressão que a gente tem uma certa falha de comunicação, que, por exemplo, a nossa trajetória de vida e as nossas experiências são muito diferentes do que esses pais que estão em busca de tratamento, principalmente em graus mais substanciais do autismo vivem. E aí eu queria te perguntar: como é que nós, autistas que desenvolvemos essas atividades de falar na internet sobre autismo, dialogar com esses pais de uma forma mais efetiva?

Andréa: Olha, não sei se especificamente do MMS, porque eles vão sempre ficar jogando na cara de vocês que vocês não entendem isso porque vocês são autistas leves, isso é terrível, mas eu vejo isso acontecendo muito, mas você sabe que uma coisa que eu, eu falando pessoalmente, que me ajuda muito de acompanhar os autistas leves, é que por mais que você seja um verbais e tudo, ainda existe muita coisa parecida. Eu jamais vou esquecer quando o Willian me contou, que ele não comia com garfo até os 15 anos de idade. E que a mãe implicava muito. E que aí um dia o Willian falou com ela que não faz menor sentido o ser humano um bicho tão evoluído e ter feito um troço pra pegar comida que é todo vazado. E isso me deu uns insights que é assim porque eu já tinha ouvido histórias semelhantes de autistas que é assim. As vezes nossos filhos tem uns comportamentos que a gente não entende de jeito nenhum o porque que ele não quer fazer tal coisa, porque que ele só faz essa coisa desse jeito, mas o que eu fui aprendendo de ouvir o Willian e ouvindo outros autistas é que sempre tem um porquê por trás. Sempre tem um lado racional, sabe? Então, me ajuda demais, teve um dia que a Calinca comentou sobre. Eu contei que meu filho vomita muito dentro de avião, ela comentou no meu post que ela vomitava muito, porque são muitos cheiros misturados, e a comida que tão arrumando lá, é o suor da pessoa do lado, é um monte de perfume, todo mundo fechado naquele lugar. Então, eu acho que o jeito que vocês podem mais cativar esses pais e mostrar pra eles que vocês são aliados, é falando dessas coisas mais práticas do autismo, que no final das contas, o filho pode ser severo ou não verbal, mas a gente acaba caindo no mesmo lugar, tem muita semelhança, eu acho que tem as vezes até mais semelhança do que a diferença, não é à toa tem o diagnóstico por trás. O mesmo diagnóstico.

Willian: Sim, definitivamente as características que todo autista, independente do nível de dificuldade tem elas são semelhantes entre todas as pessoas. Só que eu vejo que da questão de alguns pais, especialmente como o Tiago mencionou em dificuldades mais moderadas, dificuldades mais substanciais, especialmente os pais que estão no início, da trajetória. Você é uma mãe que eu vejo que você já tem toda uma trajetória extremamente sofisticada. Imagino que já deve ter conversado com inúmeras mães, inúmeros outros profissionais e tudo mais. E eu fico pensando, me questionando bastante. Como que eu posso melhor abordar um pai assim tá prestes a cair no MMS, digamos assim. E eu vejo que há uma certa dificuldade nesse pai de primeira viagem, digamos assim, a quem ainda tá no início da sua trajetória, de entender que o meu transtorno é o mesmo que o transtorno do filho dele. Já que muitas vezes isso aconteceu como você citou, que alguns pais vão falar assim, “Ah não, você não entende nada de autismo porque você tem autismo leve, isso aí não é autismo de verdade.”. E aí a gente acaba perdendo uma certa credibilidade ou até mesmo na pior das hipóteses até confirmando a perspectiva desse pai que fala assim, “Ah não, se esse cara aí tá falando que MMS não faz sentido, mas só não faz sentido pra ele que fala, não faz sentido pra ele que consegue gravar vídeo no YouTube ou sei lá qualquer coisa, pro meu filho é outra coisa, pro meu filho é outra questão. E aí pro meu filho talvez MMS funciona, pro meu filho talvez outra coisa funcione, né?”. Então tem toda essa delicadeza no discurso e que eu vejo que há uma necessidade, é bem delicado. Não tem outra outro termo para especificar melhor isso, que é uma situação que você tem que sentar com esse pai e enfim, não somente em um dia, mas na verdade uma explicação recorrente que você tem que de alguma forma mostrar tanto o lado do que é o autismo, entender que eu tenho a mesma condição que outras pessoas também estão no mesmo espectro, que a gente se relaciona, sim, né? E que as causas, não é na questão do de vermes, ou enfim, qualquer outra coisa do tipo só depois especificar que essa história de que a vacina tem metais pesados, cloro, não faz sentido para a condição que a gente tem.

Andréa: É, eu acho que muita gente tá ouvindo o que vocês têm a dizer agora, o seu canal, eu estou vendo que tá crescendo muito. Então, você pode aproveitar pra fazer uma divulgação científica com um vocabulário mais amigável, digamos assim, que foi o que eu vi inclusive no canal daquelas meninas, Nunca Vi Um Cientista, foi o melhor vídeo do MMS que eu vi, porque elas são cientistas, elas são bioquímicas, com mestrado, doutorado, em farmácia em bioquímica, mas elas falam de um jeito tão acessível, que fica próximo, sabe? E eu acho que vocês têm uma chance de fazer isso, justamente pra esses pais que tão chegando agora e tudo, começar educa-los desde agora. Sabe por que, Willian, que me preocupa? Se a gente não passar para pessoas, educação científica, o básico da educação científica moda do MMS pode passar, só que mês que vem chega a moda nova. E a base é a mesma. A base é a mesma, a base é, não tem comprovação científica que funciona, claramente oferece riscos, vai tá cheio de testemunho no YouTube, no Facebook, falando que aquilo faz bem. Então, enquanto a gente não conseguir educar as pessoas com a isso, elas vão continuar caindo nesse tipo de coisa, só vai mudar o nome do negócio, mas vamos, vamos continuar caindo.

Willian: Com certeza, inclusive eu vejo isso se refletindo no conteúdo que você posta. Na verdade, porque agora eu vejo, por exemplo, como o seu conteúdo, quando eu digito no Google, eu vou encontrar o seu blog e tudo mais. Ah, uma mãe de um de um garoto com autismo e tal, jornalista. Então, se você pode até imaginar um determinado tipo de conteúdo, mas aí quando você vai se aprofundar no conteúdo que você posta, eu já começo a notar, você começa a falar sobre a hierarquia das evidências, né? Todo esse raciocínio cético como você mesma diz, “Mineira é desconfiada por natureza.”. Então, eu vejo que que isso são mecanismos que inevitavelmente você teve que começar também a passar para seu público, porque chegou no momento que eu vejo que você tá chegou nessa mesma conclusão, que fala assim, “Opa, pera lá, eu preciso educar o meu público, não adianta vir aqui e falar assim, ó, não, não funciona.”. Não adianta isso, você precisa transmitir uma educação de alguma forma pra eles e pra eles também terem a capacidade de entender a mensagem que você tá passando. Então, eu vejo que é muito interessante isso nas suas redes sociais que você também está fazendo algo sério, seja lá qual área que for, você inevitavelmente tem que adotar um viés científico. Porque isso enriquece o seu discurso.

Andréa: E, na verdade, isso veio junto com a MMS, porque foi justamente assim, com pouquinho tempo de campanha contra o MMS, eu notei que não ia adiantar a gente ficar batendo na MMS sem passar um pouquinho de educação científica, porque mês que vem vai vir a nova panaceia e as pessoas vão cair nela de novo. Então, eu tento falar isso de uma forma natural e uma coisa que eu te falo é assim: se eu fosse mal intencionada… eu recebo, pelo menos pelo menos uma vez por semana, uma mensagem ou um e-mail assim, “Nossa, Andréa, eu tô vendo que o Theo tá tão presente, tá aqui, o que que cê tá dando pra ele?”. Gente do céu Willian, se eu fosse uma psicopata charlatã, eu podia inventar uma água de rosas cara, falar assim, “Olha, fulana, eu descobri que essa água de rosas aqui faz um bem danado e eu comecei a dar cinco gotinhas por dia pro Theo. E aí, olha que sensacional o tanto que o melhorou.”. Eu estaria rica. Eu vejo que é realmente muito fácil, porque as pessoas vem atrás de mim e as pessoas desconsideram que o Theo faz intervenção, desde que ele tinha dois anos de idade, e um monte de coisa ao longo dos anos e que é um trabalho conjunto de vários anos e chegando onde ele chegou agora e olha que ele ainda é autista não verbal. Mas é assim, parece que as pessoas elas querem, é igual quando perguntam assim, “Nossa, cê emagreceu um tanto, que que cê fez?”. Aí você fala, “Fechei a boca e malhei.”, Aí você vê aquela cara de decepção da pessoa que as pessoas não querem o caminho difícil, elas querem uma pílula mágica. E gente que vai oferecer pílula mágica tem um monte.

Willian: Sim, eu me sinto da mesma forma, na verdade, mas em outra área agora. Porque eu já sou bem associado com essa imagem de, porque eu sou autista, eu sou gamer. E enfim, tenho toda a questão do no canal do YouTube, que eu entendo de autismo e tudo mais. Então, eu tenho muitas mães que acabam vindo me procurar, perguntando, “Porque o meu filho joga bastante, o meu filho gosta de jogos também, etc. Gosta de celular, aplicativo. O que que cê me recomenda?”. Eu já ouvi isso de algumas pessoas falar assim, nossa, mas por que que você não inventa um aplicativo? Você não inventa um jogo pra autismo e não sei o que, você vai ficar rico. E realmente assim, e olha o quão fácil é para fazer isso. Porque eu, essa é minha profissão, desenvolvo justamente aplicativos, eu desenvolvo jogos, então não seria, assim, eu tenho tudo pra fazer isso, na verdade. Eu estou fazendo isso, mas eu estou fazendo isso com vigor científico. Então, algo que eu poderia fazer sei lá em um mês e realmente escalar com marketing, não tem nenhum compromisso científico, eu simplesmente poderia sei lá, colocar um dólar, dez dólares lá quanto que for, começar a fazer propaganda sobre isso e tentar falar, “Ó, não, mas dá esse, dá esse joguinho aqui pro seu filho jogar, porque ele foi desenvolvido por um autista.”. Então, é seria um marketing muito eficiente. Especialmente se eu quiser ajudar essas crianças com necessidades especiais. No passado recente eu publiquei um artigo no meu Facebook, revisando 700 aplicativos na App Store, e nenhum deles cumpriu o critério dos pesquisadores de evidência. De que alguém foi lá e testou o aplicativo com crianças e observou se elas realmente melhoraram ou se o aplicativo teve algum efeito no geral com elas. Se elas aprenderam mais regras sociais como olhar nos olhos e etc. E nenhum desses apresentou evidências disso. Então, ao mesmo tempo que seria fácil de fazer isso, é extremamente difícil de se comprometer com a verdade, de se comprometer com algo que realmente será benéfico, e realmente não dá para pular etapas. Mas, ao mesmo tempo, eu entendo que tenho pelo menos uns dois anos de trajetória para ter ao menos a primeira tentativa. Mesmo sendo um programador e mestrando, eu preciso disso, não dá para pular etapas.

Andréa: Muito bem. Isso significa que você é uma pessoa que tem responsabilidade.

Tiago: Andréa, eu vi que você é uma das participantes do movimento Capricha pra Inclusão e eu acho que quando a gente fala de evidências é uma das coisas que me surgem a mente, você poderia falar um pouco sobre o projeto?

Andréa: O projeto do Capricha na Inclusão tem o objetivo que a gente tenha práticas baseadas em evidências na educação inclusiva, na educação especial, enfim, na educação de crianças com deficiências. Porque enquanto a gente ficar só no achismo e cada um faz do jeito que acha que tem que ser ou do jeito que viu alguém fazer e pode ser que funcione. Nós não iremos evoluir nesse aspecto. Então o que estamos tentando é justamente um comprometimento do MEC e de autoridades pra que a gente possa ter práticas baseadas em evidências na educação dos autistas das crianças com deficiência intelectual, enfim, acho que isso aí acaba marcando todo mundo, né? Que depende da educação inclusiva ou educação especial.

Willian: Acho interessante notar que assim, muitas vezes a gente já tem evidências. Elas já estão disponíveis, mas também é uma questão do profissional, do professor, que seja, pode ser mesmo um estagiário ou até um estudante dele conseguir acesso a esse tipo de evidência. Então, uma das requisições é justamente que o MEC publique uma lista de quais são as práticas desejáveis, quando se trata de autismo e é claro, obviamente priorizar essas práticas com evidência se tiver que decidir entre uma e outra, é desejável que adote aquela prática que tenha mais evidências. Ainda mais com dinheiro público. Então, eu acho interessante essa reivindicação que o movimento Capricha na Inclusão faz. De se comprometer com coisas que funcionam. É apenas sobre isso, não é sobre influência política, não é sobre essas outras coisas, é mais sobre essa questão de apenas, “Gente, vamos buscar o que que é melhor?”. E o MEC, por favor, ajude as outras pessoas que querem o melhor também a encontrarem o que que é melhor, porque muitas vezes a gente sabe como que é a rotina de professor, é realmente é difícil. Então, há diversas preocupações. Com as nossas orientações e do MEC também, eu acho que ficaria um objetivo mais factível.

Tiago: Eu queria agradecer bastante vocês dois pela participação daqui no Introvertendo. 

Willian: É, eu gostaria de agradecer a participação, a oportunidade, na verdade, pra falar sobre esse assunto que, como eu disse, é realmente importante ao meu entender. Definitivamente você conversar, dessa dinâmica de conversa entre pessoas, não somente você monólogo através de um vídeo no YouTube, por exemplo, pode acabar sendo mais produtivo. Então, agradeço por essa oportunidade, porque no final das contas imaginam que isso vai ser um conteúdo relevante. Pra contribuir num geral, pra educação científica mesmo da coisa, somente sobre MMS, mas como a Andrea também falou. A educação científica no geral é algo desejável, que eu também corroboro muito e me esforço pra que isso aconteça.

Andréa Bom, eu agradeço o convite, amei discutir com vocês, já tinha conhecido o Willian antes, mas foi um prazer conhecer você também e contem comigo, precisaram de mim de novo aqui. O meu lugar de falar é o de mãe, o que eu digo sempre, mas acho que eu consigo agregar um pouquinho com esse lugar de fala. E eu fico muito feliz de ver que eu tenho em vocês aliados pra essa questão da educação científica, porque a gente só vai conseguir acabar com o charlatanismo na medida em que as pessoas começarem a entender direitinho essa questão da educação científica e porque que é tão importante.

Willian: Ao meu ver você tem tudo para contribuir na verdade, já comentei sobre isso no meu canal do YouTube. Cada pessoa tem sua parte na comunidade do autismo, e sua parte como mãe é extremamente pertinente. Em especial que você está nessa caminha a mais tempo do que a gente. Então eu só tenho respeito, pelo tamanho do publico que você cativou, pela questão do MMS, e espero por outras oportunidades de diálogo contigo. 

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