Introvertendo 47 – Um papo com Mariana Sousa

Namorada do podcaster Luca Nolasco, Mariana Sousa é estudante do curso de Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG) e tem aprendido bastante sobre autismo ao conviver com o namorado. Em uma conversa com Tiago Abreu, fala sobre como se conheceram, os gostos compartilhados, comportamentos que lhe irritam e como é conviver com uma pessoa no espectro do autismo.

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Transcrição do episódio

Tiago: Olá pra você que escuta o podcast Introvertendo, esse espaço de neurotípicos e neurodiversos que disputam o amor e o ódio. Meu nome é Tiago Abreu e hoje a gente começa uma série muito especial aqui em que nós falamos de relacionamentos entre autistas e neurotípicos, entre neurodiversos e neurodiversos, e hoje estou aqui com a Mariana Sousa, que é a namorada, a número um do nosso podcaster Luca Nolasco. 

Mariana: Olá, é um prazer conhecer todos vocês. Infelizmente eu também estou nessa árdua e dolorosa jornada com esse rapaz tão especial e maravilhoso. 

Bloco geral de discussão

Tiago: Então, lá vamos nós. Nessa vida difícil que é a trajetória humana, em certos momentos você conhece alguém que muda a sua vida tanto pra melhor quanto pra pior. E aí eu queria saber como você conheceu o Luca basicamente. 

Mariana: Superando todas as expectativas, eu conheci ele no Tinder e não não tinha nenhum interesse amoroso. Na verdade eu não tinha interesse em encontrar ninguém lá. Eu só gostava de curtir as fotos das pessoas e as pessoas curtirem as minhas. Eu achava interessante. 

Tiago: A pior coisa que se faz no Tinder. 

Mariana: Eu acabei dando match com ele e foi tão engraçado que eu nunca tinha conversado com ninguém lá. Eu sempre dava like, a pessoa dava like e dava match, OK. E aí com ele eu resolvi puxar conversa. E aí a gente começou a conversar, rapidamente passamos pro WhatsApp, só que aí ele já veio com a notícia assim, ele já me bombardeou de cara assim. (Risos) Ele disse “olha, eu sou menor de idade e eu sou autista.”

E assim, como eu não tinha nenhum interesse nele no momento, eu ah, OK, até agora ele não se mostrou diferente de mim em nada, então pra mim tanto fazia, e a gente conversou bastante, tinha muito interesse em comum, principalmente sobre mangás e animes, essas coisas, e ele tinha um mangá que me interessava muito e eu tinha um mangá que interessava muito ele. Então a gente resolveu trocar esses mangás pra cada um ler uma coisa, e ir no cinema também.

A gente acabou se encontrando no cinema pra assistir um filme horrível e trocar os mangás, só que foi muito engraçado porque assim que eu vi ele pela primeira vez eu me assustei muito, porque ele era totalmente diferente do que eu imaginava que ele seria, e aí foi o momento que eu pensei “nossa, droga, eu vou acabar gostando desse menino.” E aquilo começou a me desesperar um pouco, porque foi aí que o peso dele ser neuroatípico começou a pesar em mim, porque eu fiquei, “nossa, o que eu vou fazer se eu começar a gostar dele e ele não gostar de mim ou se ele gostar de mim a gente não conseguir entrar numa sintonia?”, e aquilo foi me desesperando. Então foi basicamente um, não posso dizer que foi amor à primeira vista, mas foi quase isso. Eu fiquei bem, foi bem engraçado e assustador. 

Tiago: Ou seja, tudo começou a partir de uma violação de licenças e direitos do Tinder, né? Ele cometeu um crime e só por causa desse crime vocês puderam se conhecer.

(Risos)

Mariana: É muito engraçado também, porque a gente até hoje usa o Tinder assim pra ficar olhando a foto das pessoas e ele também acho que até faz outras coisas. Inclusive ele denuncia todos os perfis que ele encontra de pessoas que são menores de idade. Eu acho isso muito engraçado, porque ele era menor de idade quando a gente se conheceu. 

Tiago: Exatamente! Antes de você conhecer ele, ele abria o meu Tinder e ficava fazendo isso o tempo inteiro. E aí, poderia ser um perfil superlegal, se ele visse lá que a descrição era dezesseis,  dezessete anos, ele ia fazer a denúncia imediata. Eu achava isso muito legal, mas me chamavam muito de cuzão por permitir que ele fizesse isso. 

Mariana: Sim, é verdade. Ele tem esse esse ponto de hipocrisia assim, foi o que mais me atraiu nele, na verdade, foi esse fundo de hipocrisia que ele sempre carrega, eu acho bem romântico. 

Tiago: Mas, para além disso, o que você pode destacar no Luca que você viu de diferente das outras pessoas? 

Mariana: Eu acho que a forma que ele me tratou sempre foi diferente. Ele sempre, desde a primeira vez que a gente se encontrou, ele sempre me tratou como se eu fosse uma pessoa especial. Tanto que o momento que eu tive o meu estalo assim de “nossa, eu vou acabar gostando dele” foi porque eu já tinha conversado com ele que eu tenho um pouco de dificuldade de andar sozinha, às vezes eu me perco muito fácil, e ele teve muito cuidado comigo no dia que a gente saiu, mesmo que fosse por um lugar que eu já conhecia bastante, ele teve cuidado de me ajudar a chegar no local que a gente precisava tomar o ônibus, ele esperou e tudo, e eu achei isso muito legal da parte dele, mesmo que a gente fosse, a gente nem era muito amigo na época, a gente era só colega que trocava mangá, então eu já achei isso muito, foi foi uma coisa que me… tanto que quando eu cheguei em casa eu chamei uma amiga e eu mandei uma foto que a gente tirou junto, e eu mandei pra ela e já disse “é, amiga o jogo… eu perdi,  acabou pra mim agora.” E foi bem engraçado porque realmente acabou, e eu acabei indo na dele mesmo. 

Tiago: Isso me lembra aquele funk “Mãos para o alto porque hoje tu tá presa.” 

(Risos)

Mariana: Foi. Foi exatamente o que aconteceu. E foi engraçado porque nos nossos encontros que se seguiram ele disse que não dava pra saber que eu estava gostando dele ou que eu tinha algum interesse, e ele também não deixava transparecer em absolutamente nada, e era muito assustador porque eu estava gostando muito dele, e ele não demonstrava nada, sabe? Acho que essa foi a parte que mais me deixou insegura. 

Tiago: O Luca é um tapado, ele nunca percebe nada. 

Mariana: Ah, isso é um fato. É muito bom conversar com uma pessoa que conhece o Luca, porque eu posso falar mal dele sem culpa, sabe? De ter que explicar todo o contexto da história. O primeiro indício que eu tive, assim, forte de que ele que ele tinha algum sentimento por mim, nem que fosse algum carinho, foi em um dia que a gente foi pro parque aqui, tem um parque próximo, e a gente estava depois de ter passado o dia junto conversando, a gente estava no ponto de ônibus, e aí o ônibus estava chegando e ele simplesmente beijou meu rosto e correu, e eu achei muito muito adorável da parte dele, foi bem engraçado porque tinha uma moça no ponto de ônibus, ela olhou pra gente com um olhar de muito desgosto e foi bem engraçado. Mas assim, foi uma porta que eu tive de que talvez ele tinha algum sentimento legal por mim. 

Tiago: Oficialmente há quanto tempo vocês estão em um relacionamento sério? 

Mariana: Eu acho que tem onze meses, dez meses mais ou menos. Quanto? Ele acabou de dizer que são nove meses e vinte e cinco dias. É bem adorável e perturbador que ele está contando esses dias tão especificamente. 

Tiago: E durante esses tempos, qual foi a primeira experiência legal que vocês tiveram juntos socialmente? 

Mariana: É, que eu consiga me lembrar de uma experiência legal que me marcou mesmo foi um chá de bebê que a gente foi, e ele conheceu minha melhor amiga, e foi bem legal porque eu tinha muito medo, porque ela é quase como se fosse aquela mãe que tem que autorizar os relacionamentos, e aí eu precisava muito que ela conhecesse ele pra ela ter uma opinião sobre ele também. E muitas pessoas que eu conheci eu apresentei estavam lá junto e tal, e foi bem legal, e ela gostou muito dele. Inclusive eu acho que ela gosta mais dele do que de mim hoje em dia, e isso até me preocupa um pouco. 

Tiago: Assim como as pessoas que ele conhece gostam mais de você do que dele.

Mariana: Mas isso é praticamente impossível de não acontecer, eu sou uma pessoa extremamente adorável e simpática, todo sabe disso. 

(Risos)

Tiago: Você falou sobre as semelhanças que fizeram vocês se aproximarem, mas quais são as principais diferenças, aquilo que você tem vontade de matar ou alguma coisa? (Risos)

Mariana: O fato de ele estar respirando pra mim já me dá vontade de matá-lo. (Risos) Mas assim, ele é muito teimoso. Muito, muito, muito, muito, muito teimoso com coisas que não não tem necessidade, tipo eu ver que vai chover e eu falar “Luca, pega um agasalho” e ele “não, não vou pegar um agasalho, porque eu tô ótimo”, e aí chove e ele volta pra casa ensopado com praticamente um início de hipotermia mas diz “não, eu estou maravilhoso, eu nunca tive tão bem quanto eu estou agora”, e isso é uma coisa que me dá vontade de socar o rosto dele até ele ficar deformado. Mas a maior diferença que eu tenho com ele não é algo que me faça querer socar o rosto dele, mas ele é muito sensível, muito, muito, muito sensível pras coisas erradas. 

Tiago: Ele se magoa com facilidade, é isso? 

Mariana: Sim, ele se magoa com muita facilidade, e às vezes uma coisa que eu acho que pra mim é OK, pra ele, “nossa, o meu mundo está destronado e acabou tudo pra mim nesse momento.” 

Tiago: É o típico conceito de dramático, né? 

Mariana: Eu não queria usar essa palavra, essa palavra é muito forte. Essa palavra é bastante forte assim, mas é é a definição, ele é bastante dramático, é muito chantagista e até um pouco manipulador, o que dependendo do contexto, são só qualidades. 

Tiago: Considerando todas essas descrições muito belas de amor, qual é a música romântica que melhor resume o relacionamento de vocês? 

Mariana: A música que nos uniu eu acho que é bem simbólica assim, que foi o que me levou a puxar assunto com ele, inclusive, que é a música do Pepe Moreno que chama Risca Faca, que é o grande hit da carreira do Pepe Moreno, inclusive, recomendo a todos. Foi o que nos uniu, e eu acho que é como uma briga de faca, vai ser muito difícil de separar. 

(Trecho da música)

Tiago: E uma curiosidade só, que eu quero incluir nessa parte, é que o Pepe Moreno é da cidade vizinha da cidade natal da família da minha mãe. E o meu tio tem uma dupla, e o meu tio fez um show de abertura pro Pepe Moreno em 2011 e o meu primo tirou uma foto com Pepe Moreno que cortaram a cabeça do Pedro Moreno na foto, foi bem decepcionante mas era a foto dos sonhos do meu primo que na época tinha uns dez anos. 

(Risos)

Mariana: Eu acho que tudo é pra acontecer né? O Pepe Moreno tanto uniu eu com o Luca como uniu eu e o Tiago. É um é uma pessoa que é onipotente e onipresente no nosso dia a dia. 

Tiago: E falando em Pepe Moreno não dá pra não falar em shitposting. O Luca é uma pessoa muito conhecida na web entre a galera dele que posta as coisas mais absurdas, mais horríveis, pelas quais nós temos o desprazer de ver os nossos feeds pessoais do Facebook. Os shit posts dele te atraíram de alguma forma? 

Mariana: Infelizmente sim. Eu também tenho um humor um pouco peculiar, então eu sempre tinha muita dificuldade de às vezes comentar alguma coisa com um amigo e a pessoa não entender muito bem o que eu estava falando, e ele sempre que eu comento algo, ele completa, ou então ele viu, ou então pior, ele mesmo que compartilhou. A minha mãe, por exemplo, sempre me pergunta por que ela não pode mandar solicitação pro perfil do Luca no Facebook, e eu não nunca consigo explicar exatamente por que ela não pode, mas eu só digo que não pode, e ela fica meio chateada porque ele tem quase um perfil profissional e um perfil pessoal, e no profissional ele não posta nada deve ter uns três anos, então ela sempre fica meio chateada, mas eu não posso, eu não posso submeter ela ao trauma que é o perfil pessoal do Luca no Facebook. 

Tiago: Qual frase você usaria pra resumir o perfil dele, sobre o conteúdo? 

Mariana: Caos e degradação. Eu não consigo, (risos) eu não consigo imaginar nada que consiga descrever melhor do que essas duas palavras, sabe? Foi inexplicável pra mim estar apaixonada por ele e ele ainda não saber disso e eu entrar no perfil pessoal dele e ver ele com uma Kunai do Naruto na boca, numa foto. Foi inexplicável. 

Tiago: Agora partindo pra uma questão mais séria, a temática do autismo às vezes é um desafio nos relacionamentos, porque quando você engata um relacionamento, às vezes você não sabe nada do que é esse universo. Com esse tempo convivendo com o Luca você acha que você conseguiu pegar alguma coisa do que é o autismo? O quê que o autismo é pra você, ou você ainda está nesse processo de conhecer? 

Mariana: Eu acho que esse processo não acaba. Eu acredito que talvez nem ele saiba de tudo. Talvez nem o médico saiba de tudo. Então eu não sei praticamente de nada. Apesar de estar sempre presente, sempre sempre presente, é como se fosse um fantasma, você acostuma ele falar e você simplesmente passa por ele e chega um momento que ele não te preocupa ou ele não te incomoda mais, sabe? Só existem momentos específicos assim,  mas são muito raros e muito específicos também, em que o autismo se torna algo muito mais presente, muito mais complexo e massivo, mas não é nada que possa interferir ou impedir a gente de se relacionar, e nem nunca foi. 

Tiago: E eu acho que nessa questão de relacionamento entre vocês também entram, de certa forma, o conceito de neurodiversidade, né? Que é a ideia de você conseguir entender o outro a partir da sua diferença, ao mesmo tempo que não existem só neurodiversos autistas, né? Todas as pessoas que carregam algum tipo de dificuldade, seja no campo psicológico, são neurodiversas, então cada um os seus desafios. Nesse sentido você acha que é fácil você se identificar com ele mesmo não tendo a condição? 

Mariana: Sim, porque em muitos aspectos eu me senti durante a vida muito incompreendida, e eu sentia muito que, até hoje, que as pessoas às vezes não têm muita paciência ou muita capacidade de entender certas coisas que eu passo, e por exemplo eu tenho muitas, inúmeras crises de ansiedade por dia, e não são todas as pessoas que sabem o que é, o que conseguem lidar ou que tem o mínimo de empatia ou o mínimo de respeito, e o Luca sempre mesmo que eu saiba que isso não é tão fácil pra ele também, ele sempre me ajuda no que pode, ele sempre tá comigo quando eu tô assim, nos piores dias ele tá sempre comigo, então eu acho que é uma troca, eu tento ao máximo ser uma pessoa compreensiva com ele porque eu sei que pra ele também não é fácil.

Eu acho que a base de tudo é compreensão e paciência. Eu sei que se ele pudesse, ele não seria como ele é. E eu também, se eu pudesse, eu não seria como eu sou. Então assim, a gente precisa só ter compreensão, como em todo o relacionamento. Precisa ter paciência e compreensão, porque cada pessoa é um universo, só ela sabe como é. Então a gente precisa ter um pouco de respeito. 

Tiago: Tem algum estereótipo com relação ao autismo que mudou totalmente depois que você conheceu ele? 

Mariana: Quando eu fiquei com o Luca pela primeira vez, foi quando eu percebi que a gente podia ter um futuro, e aquilo meio que me… foi uma coisa muito boa e muito assustadora ao mesmo tempo. Foi a primeira vez que eu corri pro Google e, nossa, eu fui pesquisar o que é, o que eu faço, como lidar, e o Google praticamente só me disse que ele seria uma pessoa completamente introspectiva, que não ia gostar de pessoas próximas dele, que não ia gostar que eu tocasse nele, que não ia gostar que eu conversasse demais com ele, e aquilo me apavorou completamente, e não é assim. Tanto que ele mesmo me procura pra me abraçar, pra me beijar, pra me dar carinho, e isso foi uma coisa que me surpreendeu bastante, porque eu realmente esperava que eu ia, pelo que eu vi e pelo que eu ouvi, que eu ia literalmente tocar nele ele ia sair correndo.

E eu já percebi que muitos autistas não são assim, mas que é um estigma tão forte que as pessoas os englobam como se todos fossem. Acho que muitas características da personalidade do Luca são derivadas do autismo. Ele é uma pessoa extremamente metódica, quando as coisas saem fora do planejado, que ele planeja cada minuto do dia, e ele fica muito chateado, estressado. Tem bastante interesse em coisas específicas, muito específicas, e eu acho que se eu escutar mais cinco minutos de David Bowie eu juro que ele vai acabar solteiro, e o próximo episódio do podcast vai ser novamente sobre relacionamentos destruídos. 

(Fim do episódio)

Tiago: Aliás, eu faço uma uma advertência que se esse episódio for lançado depois que vocês separarem, o episódio vai ser lançado de qualquer jeito, tá? 

Luca: Pode lançar. Já tem autorização. Se ela terminar, pode lançar do mesmo jeito que eu vou escutar chorando.

(Risos)

Mariana: O Pablo do Arrocha dele, vai ser esse episódio. Ouvindo a minha voz e chorando. 

Luca: Mariana vai escutar e “ai, que desgraça.” 

Mariana: Quando começa ele “Introvertendo, um podcast onde…” e eu “Deus, por quê?”

(Risos)

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Equipe Introvertendo Escrito por: