Introvertendo 46 – Um Papo com Enzo Grechi

Um dos palestrantes do TEDxTatuíED, Enzo Grechi foi notícia por passar num curso de graduação aos 14 anos e conseguir, pela justiça, a possibilidade de fazer o ensino superior. Neste episódio, Tiago Abreu conversa com o adolescente para saber não somente de questões em torno de Altas Habilidades, quanto de aspectos da vida de Grechi.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá pra você escuta o podcast Introvertendo que traz todo tipo de neurodiverso pra informar neurotípicos e também os outros neurodiversos. Meu nome é Tiago Abreu e hoje eu estou em Tatuí, no interior de São Paulo depois de um evento aqui que foi o Tedx Tatuí, um evento focado em vários temas relacionados a educação, como inovação inclusão, políticas públicas, as metodologias, e um dos palestrantes desse evento foi o Enzo Grechi que tem 14 anos e atualmente tá na graduação. 

Enzo: Então, eu sou o Enzo, eu tenho 14 anos e atualmente eu tô fazendo curso de Automação Industrial na FATEC aqui de Tatuí, e eu também tenho um diagnóstico de Altas Habilidades, e eu fui diagnosticado com altas habilidades quando eu tava no sexto ano do ensino fundamental. 

Tiago: Eu acho que um dos pontos que muita gente soube assim da sua história que foi ter conseguido entrar na graduação com 14 anos, foi o fato de você ter saído no G1 e você ter virado um meme, só que geralmente esse tipo de publicação que é o próprio meme é muito fugaz, ele não não tem uma vida muito grande, e sem falar que por trás de um meme cê tem uma história de vida. Então, de certa forma pra você chegar aonde teoricamente você chegou, você tem uma trajetória escolar, você poderia fazer uma espécie de resumo falando como é que foi sua trajetória escolar, até você chegar de certa forma a essa conquista de você ter construído pela justiça iniciar um curso de graduação? 

Enzo: Desde bem pequeno eu sempre estava envolvido em aprender. Então eu sempre procurava saber mais, e aí foi isso que acabou me levando a prestar o vestibular, e aí eu acabei passando. Aí foi uma nova etapa pra mim, porque nunca tinha acontecido uma coisa assim tão importante na minha vida. E aí eu entrei com um processo na justiça pra poder conseguir uma liminar e felizmente eu consegui. 

Tiago: Você entrou na escola mais ou menos com quantos anos assim? 

Enzo: Se eu não me engano, eu entrei eu tinha dois anos, um ano, dois anos quando entrei na creche, eu entrei até que bem cedo. 

Tiago: Tinha alguma justificativa específica, por exemplo, alguma dificuldade que eu fez sua mãe querer te colocar na escola mais cedo ou foi algum processo natural? 

Enzo: Foi bem natural assim, inclusive eu tinha amigos que iam pra creche e eles ficavam me falando, então eu queria saber como é que era, eu acabei pedindo pra minha mãe me colocar.

Tiago: E a sua trajetória de estudante teve também alguns percalços, tanto do aspecto de aprendizagem quanto do aspecto de socialização. Como é que foi isso? 

Enzo: Quando eu comecei assim o fundamental foi bem difícil, porque tinha muita gente na minha sala que não era alfabetizada. Então acabou tendo um certo bullying. Sempre teve esse bullying porque, modéstia à parte, eu sempre fui à frente da minha sala. 

Tiago: Eu acho muito engraçado ocorrerem certas coisas no ambiente escolar, que muitas das vezes aquilo que te destaca, aquilo que te torna até num sentido qualitativo, dentro do ambiente acadêmico, acaba sendo objeto de ataque das outras pessoas. Então, de certa forma, essa questão de você entrar no ambiente escolar e as pessoas fazerem bullying por causa do seu bom desempenho é algo muito comum e inclusive não é o seu caso, mas ocorre muito com pessoas dentro do espectro. E como é que você lidava com isso? 

Enzo: Basicamente eu me excluía, eu tentava lidar comigo mesmo, então foi de ficar mais quieto no canto e ter o meu mundinho paralelo, e aí assim era o jeito mais fácil que eu tinha pra lidar com isso. 

Tiago: Dentro desse método que você conseguiu pra poder pelo menos fugir, digamos assim, dessa perseguição, o quê que te atraía, enfim, em termos de temas de interesse, do que que você gostava de correr atrás e que te dava prazer, com relação aos estudos?

Enzo: O principal tema que ainda é, eu tenho até hoje, é observação. Eu fico observando muito as ações das pessoas e o comportamento delas, e isso eu acho que me ajudou também porque eu entendendo como as pessoas “funcionavam” seria mais fácil pra eu conseguir interagir com elas.

Tiago: E você acha que essa observação funcionava do ponto de vista ou você nunca conseguia se adaptar de fato?

Enzo: Depois de um bom tempo começou a funcionar. Aí eu saí desse meu mundinho e comecei a interagir mais com as pessoas, e hoje já não tenho mais essa postura de ficar excluído. 

Tiago: Um dos pontos que você chegou a abordar durante a questão do Ted foi o fato de você ter tido um bloqueio comunicativo com relação a situações que você passou durante o período escolar. Como é que foi isso e como é que você conseguiu depois retomar esse processo? 

Enzo: Foi com o tempo, bastante terapia e tempo, que assim foi bem difícil porque esse bloqueio surgiu primeiramente por conta de professores, principalmente, que o primeiro eu desenvolvi um bloqueio a escrita, então eu não conseguia escrever mesmo, foi por conta de uma professora, minha primeira professora. Ela me trancava dentro do banheiro quando eu fazia as atividades e terminava antes da aula terminar, então aí eu ficava disperso, então ela me trancava dentro de um banheiro. 

E o bloqueio a conversar assim, ser aberto, foi por conta de um outro professor que pediu pra eu levantar e me colocou na frente da sala de aula e ficou me chamando de fracassado, preguiçoso, burro porque eu não conseguia escrever, então… e aí a hora que eu tentei explicar pra ele por que que eu não conseguia escrever ele começou a me chamar de fracassado, preguiçoso e de burro, e várias outras coisas. 

Tiago: Ou seja, num processo de humilhação, digamos assim, partindo não só dos alunos, mas também dos professores. Como é que a sua família lidava com isso assim? Porque você contava pra eles, né? Que tipo de ações eles tinham a curto prazo pra lidar com essa situação? 

Enzo: Sempre que acontecia alguma coisa do tipo eu avisava os meus pais e eles iam conversar com a diretoria da escola. A longo prazo eles sempre tentaram melhorar a minha postura, porque quando algum professor falava desse jeito comigo, eu tentava, eu gostaria pelo menos de falar de volta, tentar argumentar com o professor, só que eu não conseguia, então meus pais a curto prazo falavam com a diretoria e a longo prazo eles tentavam, eles me levavam a terapeutas pra eu ver se eu conseguiria me expressar melhor. 

Tiago: É curioso uma questão assim, porque eu nunca contei isso no podcast mas eu também entrei na escola bastante cedo, foi com dois anos, e aí eu estudei numa escola em que eu desenvolvi escrita muito rapidamente, porque eu demorei pra falar e quando eu falei foi imediato assim. E eu tinha um colega de sala que pra fugir da monotonia da sala de aula o que a gente fazia era geralmente às vezes trocar tarefas, então eu pegava o caderno dele, ele pegava o meu, eu fazia atividade dele e às vezes eu acabava fazendo a minha também, sabe, ao mesmo tempo, e depois ficava um tempo lá sem fazer nada, e eu consegui imitar letra dele ainda por cima, sabe? E isso causava sérios problemas, que a professora recebia duas atividades do meu colega, mas não sabia qual que era a dele, qual que não era. E toda vez que um estudante cria métodos, além de tudo, executa uma atividade muito mais rápido, aprende um conteúdo sem precisar desse processo que a gente poderia chamar de mediação, mas eu acho que não é esse o termo específico, ele parece que se sente ofendido no sentido de que é como se ele, não sei se ele se sente inútil ou se é o ego dele que é ferido. Você tinha essa impressão com relação aos professores? 

Enzo: Sim, porque dava pra perceber que eles eram bastante inseguros quanto ao conhecimento deles. Então, quando eu tinha facilidade nas atividades, pra eles era como se eu tivesse falando que eles não sabiam nada, só que muito pelo contrário, eu fazia rápido porque eles ensinaram muito bem, só que eles, eu acho que eles não conseguiam entender isso. Então eles levavam mais como se eu tivesse tentando inutilizar a aula dele. 

Tiago: Um outro lado que eu percebi, pelo menos na minha trajetória acadêmica e de outras pessoas que até já tiveram um diagnóstico também de altas habilidades, é que existe também um certo deslumbre de alguns professores. Aqueles que não se sentem certa forma ofendidos, ficam impressionados e eles querem saber um pouco mais. Você teve algum professor nesse sentido ou a maioria ou quase todos eram nessa linha de se sentirem com orgulho ferido?

Enzo: Eu tive alguns, mas foram poucos, dois ou três até hoje, mas sempre esses professores me apoiaram e sempre que eu terminava eles sempre me desafiavam, o que eu achava ótimo. Sempre eu procurava aprender mais e eles sempre tinham alguma coisa nova pra me ensinar.

Tiago: O que te fez escolher o curso que você cursa hoje na graduação? 

Enzo: Eu acho que foi bastante a facilidade que eu tenho com exatas que pra mim faz muito sentido, mas eu tô pensando talvez em mudar, fazer uma outra graduação em biológicas. Assim, eu num sei bem certo ainda do que eu quero fazer. 

Tiago: A maioria dos integrantes do podcast são universitários e quando você entra numa estrutura de universidade parece que você convive com duas realidades paradoxais, mas que convivem. Primeiro é a liberdade que você tem de você conduzir o seu curso, segundo é o próprio ambiente um pouco estagnado da universidade em termos de você lidar com matérias e tudo mais. Dependendo do curso existe uma inflexibilidade que você faz a disciplina, você faz a prova e é isso basicamente. Você consegue enxergar isso no seu curso ou a sua realidade é um pouco diferente na universidade? 

Enzo: Não, acho que é bem a mesma coisa, só que eu acho que não tem tanto essa liberdade que você falou, porque nessa minha faculdade não tem, como aqui é uma cidade muito pequena, não tem muito o que fazer. A faculdade é muito pequena e a cidade também, então mesmo tendo essas possibilidades diferentes de como seguir no curso, tem coisas que não dá pra mudar assim, não tem tanta flexibilidade. 

Tiago: Isso do ponto de vista de estímulo, com essa realidade da graduação, você acha que você se sente mais animado a fazer o curso ou tá sendo a mesma coisa do seu do ensino fundamental? 

Enzo: Não, eu tô me sentindo bem assim, bem mais motivado, porque no período do fundamental tudo que eu tava aprendendo era umas coisas que eu tinha mais ou menos noção, só que agora na graduação que eu tô fazendo são coisas completamente diferentes, conteúdos que eu nunca vi, aí eu pra mim é muito bom que me estimula bastante. 

Tiago: Na graduação você trabalha em algum tipo de projeto específico que tem tomado parte do seu tempo atualmente? 

Enzo: No momento eu tô auxiliando um professor que tá fazendo uma pesquisa sobre meteorologia, e aí eu tô tendo que tirar umas medições dos equipamentos pra passar pra ele. 

Tiago: E com relação à própria questão da pesquisa, você sente um feeling pra isso ou você gosta de alguma parte específica dos estudos que não seja exatamente o processo da pesquisa?

Enzo: Eu me vejo mais como alguém que quer ir pro mercado, porque os professores também, eles inclusive dizem que eles tão lá pra formar pessoas que vão pro mercado, eles não querem que os alunos sejam professores, eu não sei por quê, mas…

Tiago: Pode ser pelo fato da instituição, porque, por exemplo, instituições privadas têm um pouco mais desse olhar pro mercado, e aí os professores acabam indo também nessa direção, tem muito do olhar institucional que eu acho que pode influenciar. Mas fora das questões universitárias, quais são assim os seus temas de interesse que não sejam necessariamente acadêmicos? 

Enzo: Ah, eu me interesso bastante com marcenaria, é uma coisa que me fascina, porque cê pega um pedaço de madeira e transforma no que cê quiser. Eu acho que isso é o máximo. 

Tiago: Eu acho essa questão dos interesses muito interessantes porque por mais que elas não sejam diretamente ligadas ao ambiente universitário, muitas vezes a forma como você se informa é por uma perspectiva de pesquisa. Então, por exemplo, na época do meu ensino médio, quando eu queria fugir dos temas da instituição, que não me interessavam, eu ia e passava horas na Wikipedia lendo coisas, até o momento que eu decidi virar Wikipedista, sabe? E escrever os próprios artigos e melhorar coisas que eram do meu interesse, assim. Justamente nesse processo, digamos assim, de fuga da monotonia da escola, você tinha coisas que você ia na internet ler sobre outros temas e que gosta muito até hoje? 

Enzo: Sim, eu costumo ler e assistir bastante documentário sobre o comportamento dos animais e a diferença entre a vida deles em cativeiro e na natureza. Bastante também eu vejo de comportamento das pessoas, que é uma coisa assim que pra mim é muito interessante, o jeito com o qual as pessoas se comportam. 

Tiago: Esse seu interesse pelos documentários sobre animais é o que te faz querer fazer alguma coisa na área de biológicas futuramente? 

Enzo: Eu acho que sim, porque é o jeito com qual os animais já nascem e já estão prontos quase todos prontos pra continuar a vida deles. Eu acho bastante estranho que nos seres humanos a gente precise de um processo de aprendizagem muito grande, mas também ao mesmo tempo isso foi fundamental pra que a gente se tornasse uma sociedade altamente evoluída. Então, é muito interessante assim. 

Tiago: E temas mais relacionados à cultura popular, há alguma coisa que em geral gosta de assistir, ouvir ou de ler de literatura? Não sei se você se interessa. 

Enzo: Eu costumo ler bastante livro de aventuras, suspense, alguns livros de narrativa policial e assisto bastante série, lógico, né (risos). Eu assisto, acabei de terminar há pouco tempo Rick and Morty, que eu achei fenomenal, fantástica a série. Filmes eu gosto muito dos do George Lucas, Indiana Jones, Star Wars, alguns livros também do Tolkien. Eu ouço de tudo um pouco, eu desde música clássica até Heavy Metal, então sempre eu tô ouvindo um tipo de música diferente. Um dos compositores de música clássica que eu gosto bastante de Tchaikovsky, Mozart e as estações de Vivaldi, são muito boas, porque algumas partes são mais calmas assim, e aí de repente tem uma reviravolta e aí começa todo uma série na partitura que são subidas e descidas, ah, eu acho superlegal.

Tiago: Pra fechar queria te perguntar assim, qual o tipo de mensagem você deixaria pra estudantes ou até mesmo, nós temos um público de mães e tudo mais, que mensagem você deixaria sobre o seu processo de educação e o que você gostaria que na educação brasileira melhorasse pra que pessoas como você possam ser interpretados de uma forma mais correta? 

Enzo: Desafios. É sempre bom que seja um propósito de desafios, porque sempre a mesma coisa não faz muito sentido, faz até algumas pessoas desistirem e saírem da escola por conta disso ser uma coisa muito monótona. Também pra não desistirem, porque mesmo por enquanto na nossa educação não ter um programa assim mais específico pra as pessoas com altas habilidades, sempre estejam procurando mesmos novos desafios e sempre desafiando a si próprio.

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