Dos egípcios e gregos até os palestrantes de plataformas como o TED, falar em público envolve vários espaços e momentos da vida. Neste episódio, Thaís Mösken e Tiago Abreu, com a participação especial de Willian Chimura, comentam os elementos e dificuldades em torno do ato de se comunicar coletivamente e histórias curiosas em torno disso.
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Transcrição do episódio
Tiago: Um olá pra você que escuta o podcast Introvertendo, essa plataforma que traz pessoas dentro do espectro do autismo para discutir temas e fazer isso propagar para toda a comunidade. Meu nome é Tiago Abreu, eu detesto microfonia e hoje a gente vai falar sobre o processo de falar em público.
Willian: Meu nome é Willian Chimura, eu faço mestrado em Informática para Educação no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia, no Rio Grande do Sul, sou programador, também tenho síndrome de Asperger e estou me questionando quantos “Pirulas” de duração vai ter esse episódio.
Thaís Meu nome é Thaís e o meu problema não tá em falar e sim, ter que aguentar as palmas no da minha oratória.
Tiago: Quando a gente costuma falar no processo de falar em público, geralmente nós abordamos alguma coisa relacionada a capacidade de oratória. Quando a gente fala de oratória, a gente fala de algo milenar que passou pelas sociedades egípcias, pela própria Grécia, em seguida com a filosofia e tudo mais, até a gente chegar o dia de hoje, em que palestras e workshops são uma forma bastante eficiente de se ganhar dinheiro e atrair públicos, seja com temas bastante interessantes ou com a galera do coach Enfim, falar em público hoje em dia é algo bastante amplo e falar em público também envolve uma série de atividades, o que inclui, por exemplo, política, no discurso, a o fato de você dar uma aula, ou você também ser uma pessoa com a capacidade de síntese para falar com as outras pessoas. Eu queria perguntar pra vocês, o primeiro momento que vocês sentiram que vocês tinham que falar em público, numa situação muito mais séria e que foi impactante na vida de vocês?
Thaís: É, pra mim, desde que eu era bem pequena, minha mãe falava que falar em público era muito importante, que ela tinha feito cursos, ela era uma pessoa inicialmente muito tímida, as pessoas achavam que eu era tímida, elas não entendiam que eu não era tímida, eu só não gostava mesmo de me comunicar em determinadas situações, mas eu sempre levei isso a sério de se me esforçar pra ir falar na frente de todo mundo, porque isso seria algo que eu precisaria no resto da minha vida, era que minha mãe me ensinava desde o início. Então, eu levei isso muito a sério mesmo, a ponto de sempre fazer as apresentações na escolinha. Na faculdade, em alguns momentos falando um pouco melhor, em outros um pouco pior, mas valeu muito essa experiência bastante longa.
Willian: É, no meu caso, quando eu penso em experiências impactantes, na verdade eu penso que por mais que na primeira, no ensino médio, que eu posso me lembrar que foi experiência, com apresentação de trabalho mesmo, aqueles bem clássicos de ensino médio ou talvez até na oitava série do ensino fundamental, não recordo bem. Eu já tinha uma certa familiarização com a classe, com os colegas de turma e tudo mais. Eu me lembro que eu não tinha muito estudado sobre o trabalho que eu viria ali apresentar e isso me foi me causando uma ansiedade, um pavor bem grande. Só que no final das contas eu não precisei apresentar naquele dia, porque a professora também tinha que lidar com muitos grupos para serem apresentados e tudo mais. Só que foi esse episódio que foi um episódio que gerou bastante ansiedade para mim foi a minha primeira palestra sobre programação, uma palestra para oitenta pessoas mais ou menos, duas turmas de informática. Foi sobre programação no curso técnico. Daí, eu já tinha uns dezessete anos de idade, mais ou menos, tinha acabado de me formar. Essa foi, realmente, a primeira grande experiência que eu tive. Unicamente, quando eu comparo com essa primeira experiência que era num ambiente supostamente bem mais fácil, no ensino fundamental, que eu vejo que no ensino técnico, quando eu fui dar essa palestra de programação, pra mim foi muito mais fácil. A ansiedade foi muito mais fácil de se lidar. Na verdade, nem me lembro da ansiedade ou de ter algum problema com isso. Eu acho que está bem relacionado com o fato de ter um domínio sobre o que eu ia falar. Então, eu vejo que quando eu tenho esse domínio muitos dos problemas envolvendo essa questão desaparecem. Esse temor por insegurança, por erros também, acaba ficando meio escanteado e eu não tenho muito espaço pra me preocupar com isso, se eu estou hiperfocado no que eu vou falar sobre.
Tiago: É interessante isso, porque é uma impressão que eu também já tive, inclusive, eu fui uma criança bem chata no sentido de sala de aula, porque eu gostava muito de me oferecer pra ler os textos e tudo mais como se eu fosse a pessoa mais desenvolta do mundo. Era meio contraditório. Nas apresentações em grupo, eu sempre gostava de fazer algo longo, complexo e muito estruturado. Geralmente extrapola o tema proposto e, mas a primeira experiência séria mesmo, de falar pra uma grande quantidade de pessoas que eu me lembro, que foi um divisor de águas, foi no ano de 2017, quando eu estava elaborando já os primeiros protótipos do Introvertendo teve uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Goiás sobre a temática do autismo, juntando associações, pais, mães, pessoas de todos os lugares e o Núcleo de Acessibilidade da UFG me mandou mensagem falando pra eu poder ir na assembleia pra poder falar da experiência de inclusão na UFG. Eu pensei que eu tinha recebido um convite formal para falar lá, eu montei um bloco com um monte coisas, e quando eu cheguei lá era, já tinha uma mesa redonda fechada e era o momento de perguntas do público, meu nome já tava assinado pra poder fazer perguntas pra mesa e não falar sobre o tema. Mas aí, como eu já tinha um roteiro pré-programado, eu falei durante quatro minutos, coisas que eu tinha anotado em duas folhas e uma, uma impressão que eu tenho muito, é que quando eu tenho algo para dizer no momento de apresentação, eu sempre acabo suprimindo tudo. Então, todo evento acadêmico que eu vou e tenho quinze minutos para apresentar um artigo, eu acabo apresentando em cinco. Isso é bastante frustrante, porque eu acabo falando muito rápido ou, às vezes, acabo deixando ideias incompletas para trás.
Mas, ao longo de 2017 para cá, quando essa questão de falar em público, seja em palestra, ou seja, em eventos, se tornou muito mais frequente, eu percebi que quanto mais um roteiro eu tinha preparado pra isso e quanto mais esse roteiro tinha uma linha narrativa, ou seja, fosse um texto primeiro da minha algo que eu tivesse preparado mentalmente e também fosse algo que tivesse uma linha narrativa, uma história, faria muito mais sentido conseguir reproduzir isso sem atropelar as coisas. Depois disso, além dessa, dessa mesa redonda, eu dei uma palestra na cidade de Paratinga, no interior da Bia, que não é relacionado ao autismo, é, na verdade, relacionado ao meu TCC, porque eu fiz uma pesquisa de dois anos, que gerou um livro que eu escrevi, que inclusive eu tô ainda fazendo um esforço pra conseguir lançar ele por uma editora. Eu tive duas palestras seguidas, no conteúdo pra poder falar sobre meu processo de pesquisa para alunos de ensino médio, mostrar pra eles um pouco como é a questão da metodologia, porque a disciplina que eles tavam fazendo aula no ensino médio era de entender um pouco sobre o método científico e aí eu falei sobre os rigores, as fontes que eu utilizei, qual eram a o método de análise de conteúdo que eu tava usando foi uma experiência legal. O Introvertendo me deu oportunidade também de falar sobre a questão do autismo em outros lugares. Então, eu falei no TEDx Goiânia, em dezembro de 2018, e falei no TEDx Tatuí, em 2019, no mês de fevereiro. Aí, são duas experiências bastante distintas que eu posso, depois, detalhar.
Thaís: É engraçado que logo que tive o meu diagnóstico, eu tinha pensado em ir nas minhas duas escolas, a escola onde eu fiz a maior parte do ensino fundamental e a outra escola onde eu fiz, principalmente o ensino médio, justamente para falar sobre o autismo, explicar tantas dificuldades que eu tive lá e como isso poderia ser evitado em futuros alunos, tudo mais. Sabe quando diversas vezes você meio que prepara um discurso, mas o meu maior problema é saber como direcionar aquilo, então, com quem eu falaria? Será que as pessoas iriam vir? Eu fiquei perdendo em tantas dúvidas que eu acabei nunca levando isso pra frente. Agora eu tô em outra cidade, fica mais difícil. Então, eu me arrependo muito disso daí. Mas, vocês tavam comentando de experiências, e, justamente, seguindo no que você disse, de dominar um assunto, você acaba falando muito melhor e, às vezes você falava mais do que se você não soubesse nada do que tava falando, mas eu me lembrei do meu TCC, onde a gente tinha feito muita coisa, até os professores falaram que aquilo não tava em nível de TCC e mais um pouco a gente ia acabar fazendo mestrado. O TCC na minha faculdade é em grupo. Mas na verdade eu não acho que seria um estado muito pobre, tá? Mas se fosse, se tivesse tão perto ou os mestrandos tão fazendo os trabalhos muito ruim do mundo lá fora. Mas, OK, eu conhecia muitos dos problemas que tinham na nossa apresentação e no modelo que a gente construiu. Eu disse, eu tinha levantado tantas perguntas que eles poderiam fazer e que eu não sabia a resposta e eu não tinha conseguido encontrar e a gente tentou falando entre o grupo e não achamos. Eu fiquei muito tensa nesse aspecto. Então, pra mim, isso acabou se tornando muito marcante e porque eu percebo que eu levei ao extremo uma coisa que eu sempre faço quando eu vou fazer uma apresentação. Especialmente ao vivo, mas mesmo quando eu vou gravar um vídeo, alguém pode perguntar algo sobre aquilo depois, que é levantar tudo que você não sabe sobre aquilo e tentar pensar no que você faria se alguém te perguntasse aquilo que você, definitivamente, não está descobrindo a resposta. Claro que a primeira opção seria descobrir a resposta certa, uma resposta boa. Então, isso pra mim foi uma experiência interessante para racionalizar esse método de tentar se comunicar, mesmo quando você não tem certeza de tudo que tá sendo colocado ali.
Willian: É interessante que você tenha falado essa questão de ter um raciocínio pra sentir mais confortável em situações em que tem que falar em público. Eu falei sobre as minhas duas situações que eu achei mais impactantes Mas a primeira, primeira experiência que eu narrei, que foi no ensino médio e tudo mais, eu me lembro que naquele momento eu só conseguia pensar em comportamento de fuga. Então, pra mim eu só, eu não estava pensando em como, possivelmente falaria alguma coisa decorativa ali na frente, ou minimamente agradável o suficiente pra ter um pontinho ali com a professora e o suficiente pra ela falar: ” OK, a performance dele foi ruim, mas tudo bem, pelo menos ele apresentou”. Então, os meus pensamentos não eram relacionados a minha performance, mas sim apenas a como eu iria me livrar, o que que eu ia fazer pra sair daquela situação. Então, eu pensava em coisas do tipo, falar que eu tava passando mal ou enfim simplesmente sai correndo da sala, ou algo do tipo. OK, eu não sirvo pra falar em público, simplesmente não sou uma pessoa que eu vou conseguir palestrar ou apresentar um trabalho de uma maneira suficientemente boa nos meus critérios. Então, eu sempre tive isso em mente, desde aquele dia, mas ironicamente depois, em contraste com a minha outra experiência no curso técnico, eu estava tão hiper focado na minha mensagem que eu queria passar que eu realmente não me lembro de nenhuma reação da plateia. Então no dia que eu fiquei tão frustrado na no ensino médio eu me lembro muito bem da professora e dos olhares dela para tentar ver como possivelmente eu conseguiria escapar daquela situação. Mas ao mesmo tempo, no ensino técnico, eu não tenho nenhuma recordação sobre olhares de aprovação. Agora, falando sobre raciocínio, eu também me pergunto como a Thaís falou, onde eu tinha certo receio de “eu falar alguma coisa aqui, alguém vai ter uma dúvida?” Como que eu vou responder, então, nessa primeira palestra que eu dei, eu fiz exatamente a mesma coisa, eu fui lá e levantei diversas questões que poderiam vir. E gastei muito tempo me esforcei bastante pra conseguir ter mapeado, muito bem mapeado ali mentalmente todos os assuntos, assuntos adjacentes ao que eu estava falando, às perguntas que possivelmente iriam vir da plateia, estava muito bem preparado. Mas eu gastei muito tempo. Eu investi muito tempo nisso. Como depois dessa primeira palestra, algumas outras escolas técnicas também ali vizinhas ficaram sabendo e começaram a me convidar também para palestrar lá. Eu notei que não necessariamente eu ia conseguir investir o mesmo tanto de tempo que eu investi na minha primeira palestra para conseguir, para ter mensagens bem completas, estar cem por cento preparado para todas as situações. Então, o raciocínio que eu tenho quando eu vou falar pra público, é o raciocínio de que eu tenho que estar muito seguro do que eu estou falando naquele momento. Então, eu sei qual foi o meu raciocínio que eu fiz pra chegar na conclusão daquela mensagem, se necessário deixo esse raciocínio transparente, conforme alguma pergunta que que vieram. Eu apresentarei o meu raciocínio e falarei com toda a honestidade que OK. Então, tive que ter isso muito bem definido, porque no final das contas agora estou falando sobre autismo, alguns temas diversos que eu, claramente, não tenho todo o domínio do mundo pra falar mas que eu tinha pelo menos a segurança de uma mensagem que eu tinha que que eu poderia passar em público. O meu raciocínio, então, sempre quando eu vou falar em público é esse, ter a segurança do raciocínio que eu fiz até chegar na mensagem que eu estou ali pra pra passar pra esse público, ter evidências que sustentam a minha mensagem e caso me apresentem uma contra evidência para discordarem da minha mensagem ou até mesmo alguma pergunta adjacente que por ventura eu não saiba, eu tenho muito bem definido essa estratégia, que eu simplesmente vou deixar meu email lá e vou falar; “Nesse momento eu não sei, esse foi o raciocínio que eu fiz até agora e se eu souber eventualmente respondo por email.”
Tiago: Falar em público envolve, muitas vezes, esse tema de interesse. Falar de temas de interesse quando se trata de autismo, às vezes envolve um problema de contexto. Às vezes nós estamos tão interessados em falar de um tema que até mesmo consciente de uma possível auto sabotagem, nós continuamos falando daquele tema porque é prazeroso. Quando eu dei essa palestra em Paratinga sobre a minha pesquisa do TCC, depois o professor que me fez o convite, ele chegou pra conversar comigo e falou assim; “Olha, você usou alguns termos que eles não entenderam.” Só que eu tava tão imerso naquele mesmo conteúdo que eu estava dando que eu não tava ligando muito pra isso então de construir essa relação com o público, eu acho que eu ainda não estou tão bom nisso. O Otávio, do nosso podcast, uma vez ele disse que o difícil, muitas vezes, não é falar, é você ter uma fala produtiva para aquele contexto. Porque muitas vezes eu acho que a gente tem um pouco de dificuldade de fazer essas adaptações, porque às vezes os temas são tão claros para nós que nosso discurso, os termos que a gente usa, acabam complicando muito toda fala que aí envolve de forma geral. Isso envolve também uma questão de como você lida com a frustração quando as coisas não saem daquele ponto planejado com a qualidade mínima que você espera. Porque toda vez que eu falava e tudo saia entrecortado, me dava uma sensação de mediocridade horrível, sabe? Então, eu fiquei pensando: “nossa, se eu tivesse assistindo eu mesmo falando, veria a apresentação um lixo”. Essa autocrítica exacerbada afeta bastante o trabalho, tanto é que aí isso é uma, é uma história que eu vou contar recentemente sobre o TEDx Tatuí, que foi uma conversa bastante interessante que eu tive com uma das pessoas que estavam ajudando a organizar o evento, um dos paulista inclusive, que é um professor chamado Fernando e ele tava fazendo uma espécie de mentoria com o pessoal, porque ele já tinha participado de uns dois ou três TEDx. Tava revendo os textos do pessoal. Eu cheguei pra ele e falei assim: “olha, eu escrevi esse texto, eu constituí essas ideias, mas eu tenho quase absoluta certeza de que eu estou totalmente equivocado nisso que eu estou falando”, e aí eu falei assim: “e se eu estiver errado?” ele falou: “Tá, mas se você estiver errado, talvez provavelmente as pessoas que vão assistir, podem discordar, mas elas vão acabar construindo alguma reflexão interessante a partir de alguma coisa que você falou, mesmo discordando”. Ele começou a ler o texto e ele falou, olha, exemplo, essa frase aqui, me fez pensar em uma série de coisas, mas mesmo mesmo não construindo essa relação de amor com o texto, isso me prejudicou de uma forma que até hoje, mesmo depois de trazer essa palestra, de aparentemente, ter sido uma experiência legal, eu sempre penso, assim e penso que poxa, poderia ter sido melhor.
Thaís: Eu acho que isso tem a ver com aquele episódio de auto sabotagem, o nosso preciosismo, mas hoje eu tava comentando aqui com o pessoal sobre os vídeos que eu gravei e que não ficaram tão, tão legais pra um treinamento. Mas eu vou sempre lembrar que eu assisti aquele vídeo de novo, eu vou ficar lembrando das coisas que eu deveria ter dito ou a ordem que eu achava que seria melhor ter dito, justamente porque esse meu preciosismo faz com que nosso trabalho vá ficando cada vez melhor enquanto a gente tem a opção de refazer, regravar ou corrigir. Eu acho que acaba sendo uma coisa boa desde que a gente consiga controlar também, que não fique sofrendo por isso. Mas, comentando agora que você tinha falado de hiperfoco, eu acho que às vezes nós entramos em muitos detalhes que não são interessantes pro público e talvez, pelo menos, pra mim, uma das partes mais difíceis, seja entender qual é o objetivo do público quando está ouvindo o que eu tô dizendo, saber o que a pessoa quer pra quem ela quer ouvir aquilo? Ela vai fazer o quê com esse conhecimento? Isso acaba ajudando a criar a linha narrativa mesmo com o objetivo específico, com foco específico. Então, em vídeos de treinamento específico. Uma das coisas que eu queria ter feito, que eu acho muito legal e quando eu vou explicar pras pessoas, eu gosto de fazer e que o desenvolvedor, inclusive, tinha sugerido pra eu fazer. Era ele mostrando pras pessoas todos os erros que podem causar: “olha, se você fizer tal coisa, vai cometer tal erro”. Mas aí, depois, na hora que eu estava gravando pensei, que não, o que os vendedores precisam saber é o jeito certo. Se eu ficar fugindo muito da linha correta, eles vão acabar se perdendo no contexto. Então, eu vou simplesmente pegar e mostrar o jeito certo e falar: “olha, se vocês quiserem fazer diferente disso, vai aparecer uma mensagem de erro e aí vocês vão ter que ler a mensagem de erro pra fazer da forma correta.” Então, eu tive que construir uma linha narrativa diferente do que eu gosto, do que pra mim seria prazeroso, divertido e, pra mim, seria lógico, também, ter, conhecer todos os erros, porque pra mim é tão muito importantes e eu descobri, percebi que não funciona bem pras outras pessoas em alguns contextos. Então, pensar nisso, qual é o objetivo do seu público?
Willian: Certamente, eu acho que essa dificuldade está relacionada com a teoria da mente, na verdade, a gente sabe que há um déficit nessa capacidade de se colocar na perspectiva de outra pessoa. No caso de falar em público, se colocar na perspectiva do seu ouvinte. Entre pessoas com autismo palestrando, você vai ver um desafio um pouquinho mais acentuado em comparação a pessoas neurotípicas, pelo menos eu esperaria isso. Mas eu vejo também que é uma dificuldade bem presente entre amigos neurotípicos meus, que eventualmente vão gravar vídeos, que vão palestrar e que realmente tenha essa dificuldade bem acentuada, especialmente, se a pessoa não tem muita prática. Eu queria comentar também o que vocês falaram sobre esse sofrimento por se apegar a algum detalhe que deu errado ali na palestra. Eu também tive diversas que eu fico pensando improdutivamente, vivenciando a situação na minha cabeça. Isso é claro que não é só presente entre pessoas com autismo, mas eu não sei pra vocês, mas pra mim é muito comum que eu me lembre dessa, dessa palestra, não foi a primeira. Durante essa palestra lembro que era na época que tinha esse hit da mulher melão, e o nome da música é “Você Quer”, que ela fala, repetidamente, no início da música: “você, você, você…”. Também pra deixar bem claro que o Tiago teve que pesquisar aqui qual era o nome da música e autoria. Mas por que esse detalhe é importante? Porque durante a minha palestra sem querer eu falei das vezes você. Então eu comecei a falar “você, você, você” repetidamente, de uma maneira bem ecológica característica do autismo mesmo. Quando eu falei isso, alguém da platéia se relacionou com essa música e a plateia inteira deu risada, porque foi algo realmente muito engraçado e tudo mais. No momento eu lembro que eu estava tão hiper focado na minha mensagem, que eu nem liguei. Eu pensei assim: “tudo bem, acontece”. Só que quando eu voltei pra casa, eu me lembro que isso me consumiu de uma forma eu fiquei vivenciando tão improdutivamente repetidas vezes na minha mente aquela situação e isso me deixava muito mal. Inclusive eu vejo até relatos de outras pessoas com autismo e também pesquisei na bibliografia para ver se esse era um fenômeno que já estava documentado e particularmente não achei nada. Mas eu vejo comumente entre outras pessoas com autismo, e principalmente Síndrome de Asperger que relatam isso, que às vezes tem um ótimo dia no trabalho ou na escola, depois voltam pra casa e ficam vivenciando aquela situação e encontram algum detalhe e aquilo começa a consumir eles. Na verdade, isso não é só presente entre pessoas com autismo, isso também é algo que a terapia cognitiva comportamental chama de distorção cognitiva.
Tiago: Acho engraçado que essa questão de alguém no público fazer uma inferência à música da Mulher Melão é algo que normalmente eu faria com alguma pessoa que tá falando e às vezes eu faço um link com uma música, porque eu tenho hiperfoco em música. Então, já é uma piada interna que tivemos introvertendo do pessoal tá falando alguma coisa e aí eu cito uma música bem aleatória que pega o gancho de alguma frase que alguém falou e isso às vezes arranca risadas ou as pessoas acham bizarro como eu conheço certas músicas populares.
Willian: Então você é essa pessoa que estaria ali na minha plateia fazendo com a música da Mulher Melão. Definitivamente eu não gostaria de ter você nessa situação ali.
Thaís: Mas interessante isso que cês falam falando de ficar “revivenciando”, por mais que não seja uma característica só do autismo. Pra mim, muito provavelmente, 100% dos meus dias tem, em algum momento, essa questão de vivenciar, mas nem sempre no sentido negativo, às vezes coisas boas também. Não só pegar um detalhe específico, mas às vezes em que há diversos momentos diferentes do dia ou não só do dia, às vezes, eu posso, daqui alguns anos, me lembrar, também, de algum momento algo que me ocorreu e ficar pensando, alterando algumas coisas, sabe? Se, se tivesse feito tal coisa, no que poderia ter resultado? Eu sei que não adianta, que é totalmente inútil, no sentido de mudar aquilo, aquilo não vai mudar. Mas eu acho que acaba sendo uma experiência interessante no sentido de testar possibilidades mesmo e que acaba levando a uma compreensão também do nosso próprio comportamento, em como a gente se comporta em determinadas situações. Nem sempre a gente se comporta como a gente esperaria se fosse antes de aquilo ocorrer,
Tiago: A melhor coisa sobre você ter uma boa memória é que você se lembra de tudo. A pior coisa de você ter uma boa memória é que você lembra de tudo também. Então, é muito comum isso também comigo a ponto de eu lembrar de coisas que as pessoas nem lembram mais, mas que eu sempre lembro e falo: “Que merda que eu lembrei disso, por que que isso ainda existe na minha cabeça?”.
Thaís: Eu tenho um problema que eu geralmente me esqueço das coisas que eu acho que são importantes lembrar. Então, coisas que foram ditas no trabalho, especialmente do que é dito, se for uma coisa que eu li ou que eu vi é mais fácil. É mais fácil eu me lembrar das sensações, mas a minha memória não tem tudo isso assim de, de poder para algo que eu ouvi e de algum lugar, mas sim a sensação da situação como um todo. Isso, voltando ao tema mais específico de falar em público, me ajuda no sentido de pensar na situação de uma forma mais completa, mais abrangente, dependendo de qual é o assunto também, na hora que eu tô falando. Então, às vezes me conecto com outras coisas que eu conheço, é muito comum eu estar falando sobre um tema nada a ver e citar um exemplo que é relacionado a astronomia, porque é algo que eu tenho interesse. Sempre que eu puder relacionar alguma coisa com astronomia, é isso que vai acontecer. Tanto que é, isso que tá acontecendo neste momento, não apenas isso, eu acho que tem o lado negativo de eu não conseguir simplesmente decorar algumas coisas e falar algo decorado. Eu tenho sempre que fazer aquela construção lógica naquele momento, ou refazer, se ela já foi feita antes, como a gente tinha comentado de preparação, eu tenho que seguir aquela sequência mais de uma vez, não adianta só tentar reproduzir alguma coisa.
Willian: Até agora eu falei de duas experiências que eu tive, só que tem uma terceira experiência também de falar em público que eu acho muito interessante, eu tive diversos também nesse, e é uma história até engraçada porque ela tem vários elementos que eu vejo que relaciona bastante com autismo que foi na minha formatura. A minha primeira formação foi em Tecnologia na Universidade Luterana do Brasil. No dia da minha formatura o meu irmão estava aqui. Então, meu irmão mora no Japão e ele estava visitando o Brasil, especialmente aqui em Canoas. Na época que eu morava lá, atualmente eu moro em Porto Alegre. Eu não tinha entendido exatamente que o dia da minha formatura envolvia todo um ritual de formatura. Na verdade era colação de grau, eu não tinha muito entendido isso.
Tiago: Pra mim era a mesma coisa.
Willian: Então, eu convidei o meu irmão pra ir comigo ali na universidade, mas eu, na minha ideia, eu apenas ia assinar um papel, e pegar um diploma ali ou fazer alguma formalidade, alguma burocracia, e era isso. Só que como meu irmão estava por aqui. A gente ia se encontrar. Que ele estava vindo de outra cidade também porque ele estava em outro evento. Eu falei, a gente se encontra no trem mesmo. OK. Eu lembro que eu estava com uma mochila porque eu tinha acabado de sair de um outro compromisso. Eu estava carregando vários itens. Eu estava com o cabelo todo bagunçado. Enfim, é totalmente não apropriado para nenhum tipo de cerimônia. Ainda pra completar, eu encontro meu irmão no trem. Ele trazia esse presente também pra mim que era um pergaminho bem tradicional japonês assim. Ele era muito grande. Tão grande que ele não cabia na minha mochila, e aí eu fui carregando aquilo na mão e quando eu cheguei na universidade, eu abro a porta ali do salão, eu vejo todo mundo pra reformar todo mundo organizado para uma espécie de celebração grande e tinha por conta de ser uma universidade luterana, também tinha um certo ritual ali, religioso, envolvendo tudo isso. Eu totalmente fora do padrão, com um moletom vermelho chamativo e com pergaminho na mão de mochila, sabe?
Tiago: É engraçado que comigo isso não aconteceu por um simples motivo, na UFG, a cerimônia ela tem uma, um ensaio antes, então tudo que você tem que fazer durante o evento, como você deve se vestir e todos esses detalhes explicitados muito tempo antes do evento, sabe? Quando você chega lá na hora, você já tá preparado, você já sabe onde você vai parar pra aparecer nas fotos e na filmagem e tinha uma transmissão online também e tudo mais.
Thaís: Eu tive trocentas formaturas, vamos dizer porque nas minhas escolas tinha formatura e aí chamava mãe, aí tinha os convites, alguma coisa mesmo colaçõezinhas, formatura no sentido de colação de grau mesmo. Então, todo mundo comentava muito sobre como ia ser e a gente acabava descobrindo também descobrindo mais ou menos o que teria que fazer ou que roupa teria que vestir. E nunca era em um dia normal, nunca era em um dia de aula, sempre era um final de semana para pais, família, pudessem comparecer, porque as pessoas acham isso muito importante, marcas da nossa vida, etc, aquelas coisas que eu não vou compreender mesmo. Eu não tive muita dificuldade com isso, mas eu queria que acabasse logo, pra perder de conversa, eu não queria sair de casa, fazer isso, mas final era relativamente simples pra mim.
Willian: Então, a gente vai, eu e meu irmão, a gente está ali na instituição, em toda essa celebração. Ao longo da celebração, eu também entendo que o ritual envolve você ir na frente de todo mundo ali, fazer um juramento, então, o público ali, na frente de todas as pessoas. Como era, naquela ocasião, não estava formando apenas o meu curso, mas também pessoas de outros cursos da mesma instituição. Então, era, realmente, um salão bem lotado. Não dava pra todo mundo ir fazer o juramento. Então, eles pegaram uma pessoa de cada curso. Eu fui eleito. A pessoa do meu curso a falar lá na frente. Porque simplesmente eu fui a única pessoa passiva. Porque ninguém queria falar. Eu falei: “Eu não vou, eu não vou”. Sobrou pra mim. No final das contas eu acabei indo lá falar na frente de todo mundo. Nesse dia, eu achei uma coisa muito curiosa e achei que foi um ótimo experimento, porque eu observei todo mundo que falava em público que era apenas uma daquelas frases de juramento.Era uma frase já escrita ali que ninguém tinha ensaiado antes, é claro. Mas era uma frase relativamente simples. Eu notei que todo mundo, sem exceção, gaguejou. Então, foram mais ou menos dez pessoas ali que tiveram que subir em um determinado altar e tiveram que falar em voz alta. Na frente de todos. Todos sem exceção gaguejaram ou tiveram algum problema durante a fala. Quando eu fui lá, eu já estava com essa sensação de que, OK. Está tudo bem se eu gaguejar, está tudo bem porque o exemplo já estava tentando me acalmar um pouco a minha ansiedade ali pra não querer executar a coisa também tão perfeitamente. Mesmo porque não era uma frase diferente para cada um dos cursos. Eu até queria tentar burlar isso por decorar o padrão pelos outros cursos, mas não conseguia fazer isso. Porque parecia que cada frase tinha sido escrita para uma pessoa diferente. Chegando lá eu falei a frase de uma forma muito, muito fluida e sem nenhum problema. Eu fui a única pessoa que conseguiu fazer isso. Eu fiquei me questionando porque, e aí quando eu tenho essa recordação desse dia, eu me lembro muito bem da fonte de qual a frase estava escrita, eu lembro muito bem da textura do papel que eu coloquei a mão, das luzes que iluminavam o papel. Então, a minha melhor hipótese do porquê eu consegui naquela situação falar de uma maneira fluída. Os meus outros colegas ali possivelmente tiveram mais problemas, é que eu acho que na minha percepção, como alguém com Síndrome de Asperger, nem sequer, tive os meus sensores ativados, o meu organismo entrar em um estado de alerta e falar assim: “Olha só, essa situação aqui é importante, cuidado. Tem gente te ouvindo, tem gente, que possivelmente vai achar você estranho”, ou qualquer pensamento improdutivo. Então, não tive isso, não me ocorreu em nenhuma em nenhuma instância que eu estava ali. Eu só hiperfoquei na textura do papel, na fonte, na maneira que ele tava escrito e eu achei muito agradável e eu acho que pra focar nisso, não abrir o espaço, mas não abriu espaço na minha mente pra sequer pensar em outros detalhes do ambiente pra que poderiam me fazer ficar nervoso ou algo do tipo e possivelmente gaguejar naquela situação.
Thaís: Engraçado que você falando do juramento, na minha faculdade, o juramento foi todos ao mesmo tempo sentados na plateia, na verdade de pé, e eu não fiz o juramento, porque eu achei aquilo muito falso. Eu fiz engenharia civil pra quem não sabe, e eu tenho certeza que muitos colegas meus não se importam de verdade com os projetos que eles executam, e eu sempre tive muito claro pra mim a importância que que existe em você construir alguma coisa, que pessoas se relacionam com aquilo, utilizam aquela estrutura, por mais que seja uma casa simples, vai ter alguém provavelmente morando lá ou usando aquilo para trabalhar, o que quer que seja. Se você não fizer o seu trabalho direito, você vai causar problemas para aquela pessoa. Ou ela vai ter que fazer alguma manutenção, alguma coisa do tipo, ou mesmo tu pode cair na cabeça dela, matar todo mundo também. Então, pra mim, isso foi muito claro o meu curso inteiro, por mais que hoje eu não trabalho com engenharia civil, acho que essa questão da responsabilidade sobre algo, tem que estar na gente o tempo todo. Eu tenho certeza que isso não tá na maior parte dos meus colegas então, naquele momento em que eu vi todas aquelas pessoas fazendo esse juramento, eu tive certeza que ele, pra mim, era um juramento falso, portanto, era um juramento que eu não faria. Então, eu fui a única pessoa que ficou de braços cruzados, encarando o diretor da faculdade, que, até onde se sabe, não tem lá muita índole. Foi um momento em que eu me forcei a ficar encarando ele. Porque eu achava aquilo uma situação completamente absurda. Então, é, foi o meu jeito de fazer, de passar pelo juramento no momento de revolta. É, eu já tive vários desses meus momentos revoltas aqui. Hoje a gente já comentou que falar não é um problema tão grande, principalmente quando a gente tem um foco no que a gente quer dizer, mas ter que interagir com o público, eu acho que é bastante difícil e uma das coisas pequenas, vamos dizer que acabam ajudando a gente, e mesmo em sala de aula, quando tem algo que a gente quer falar e as outras pessoas dão aquela pausa no meio da aula, você precisa falar alguma coisa, especialmente quando é uma coisa um pouco mais polêmica. Então, também que já ouviu algum outro podcast sabe que de vez em quando eu falava umas coisas que não eram bem vistas na escola e eu não me arrependo delas. Uma das coisas que eu fiz na faculdade, uma vez um professor tava meio que tirando sarro da dúvida de uma aluna e foi uma dúvida que eu tive por muito tempo, eu já tinha reprovado aquela matéria, e eu tive aquela dúvida na primeira vez que eu fiz. Eu demorei muito pra entender o como resolver aquilo. O professor não estava respondendo a dúvida do aluno, porque eu percebi que ele não tinha entendido a dúvida. Eu só tinha entendido a dúvida por já ter tido também. Então, eu levantei a mão pra explicar pro professor; “não é isso que ele tá perguntando, é outra coisa”. Ele começou a tirar sarro de mim também. Como se eu não tivesse entendido alguma coisa e tudo mais. Então, eu acho que isso acaba sendo um treino bom de você se manter seguro do que você tá falando, você sabe a mensagem que você quer passar, você não não tem dúvidas com relação a isso se você não pode também ficar com receio do que é que vai acontecer. Mas, dificilmente alguma coisa vai te parar. As pessoas, em geral, vão ouvir, elas podem até depois tirar um sarro de você ou te ignorar ou ficar irritadas. Mas eu acho que foi uma experiência que me marcou também, por menor que ela seja de eu saber que eu estava fazendo uma coisa que eu acreditava naquele momento. Mesmo que eu nem conhecesse a outra que estava sendo criticada ali e que nunca tenha resultado em absolutamente nada, além de eu ficar conhecida como a única pessoa que já tinha arranjado treta com o professor, que era considerado o mais legal daquela disciplina. Eu passei a perceber que ele não era nem um pouco legal.
Willian: Parece algo também muito característico de alguém com Síndrome de Asperger, porque eu já tive algumas histórias assim também.
Tiago: Faz sentido demais, porque eu tinha uma mania minha graduação de muitas vezes não gostar da aula ou de alguma coisa de professores que eram unanimidade entre os meus colegas, sabe? Então, as pessoas falavam, professor tal, é muito legal e não sei o que, mas eu falei, tá, mas ele, mas ele se perde o tempo todo, ele não segue uma linha argumentativa e ele sabe do conteúdo, a aula dele é maçante. Falavam “como é que você pode pensar desse jeito? Como você pode falar desse jeito?” Às vezes eu gostava de professores que ninguém ia com a cara.
Thaís: Eu sempre gostei muito de alguns professores que ninguém mais gostava, mas eu percebo um padrão desses professores. Em geral, eles são muito mais rígidos. Então, o pessoal não gostou disso. Eu queria outro professor que me desse mais liberdade e tudo mais. Eu sou muito a favor de algumas liberdades. Mas eu acho que os professores mais rígidos, se eles souberem ouvir críticas, não tenho problema nenhum com eles. Então, é engraçado que eu acabei sempre me dando o melhor com professores que ninguém gostava.
Tiago: Fazendo um paralelo um pouco distante com isso, que falaram, eu gostaria de relembrar um pouco sobre a minha primeira experiência de TEDx que foi em Goiânia e foi um período muito agitado da minha vida, porque eu fui convidado um mês antes pra fazer um pequeno depoimento, era um algo de dois minutos em média. Tem uma associação de familiares e amigos de autistas aqui em Goiânia chamada FAG e eles são bastante focados em prestar apoio a pais e familiares de autistas e também autistas em condições mais complexas. Asperger são minoria lá e aí eles conseguiram fazer uma apresentação baseada no musical do Chico Buarque, bastante famoso nos anos setenta que era o Saltimbancos e eles fizeram isso num teatro. E aí o organizador do TEDx Goiânia fez o convite para que essa apresentação fosse feita numa versão reduzida pra poder falar sobre autismo no final, pra dar uma espécie de pano de fundo. Eles pensaram em mim. Eu tenho um contato relativamente próximo a eles. Eu tinha esse desafio de montar o texto. O TEDx em si, ia ocorrer dois dias antes da minha banca, e o meu trabalho de TCC já tinha dado um esforço descomunal. Então, eu tinha dois episódios importantes, engatilhados, um lado do outro e eu não tive tempo de decorar o texto, apesar do texto ser pequeno, eu apresentei ele ao organizador, ele gostou bastante do texto, ele disse que que o encadeamento tava muito bom, ele só incluiu um muito obrigado no final que eu não tinha colocado. Aí, OK, chegou na véspera do evento e eu não tinha decorado o texto ainda. Eu comecei a mentalizar o estilo narrativo, comecei a partir do pressuposto de que o público ia se identificar ou ia reagir de alguma forma em alguns textos, isso acabou não dando certo na fala em si. Resumo da ópera, o vídeo acabou saindo daqui depois de alguns meses, teve alguns problema técnicos, então a minha sala acabou virando o destaque do vídeo, eu não tinha nada pra me orientar naquele momento, porque você tem as telas que, geralmente, tem, durante esses eventos, que tem os slides, se você quiser preparar. Eu não tinha nada disso. Então, eu tava com um texto na lata. Chegou o momento que eu falei exatamente algo que eu queria pra que o público tivesse aquela reação porque a minha frase seguinte ia ser encadeada na reação das pessoas. Porque tinha o momento da fala que eu ia criar o gancho de surpresa falando que eu fazia parte do espectro e eu pensei que as pessoas iam ter algum tipo de reação e todo mundo ficou calado. Em seguida eu continuei falando como se as pessoas tivessem tido reação. Eu falei: “é muita informação, eu sei”. Isso ficou um pouco estranho pra mim até hoje, mas depois que o material saiu, eu acabei meio que gostando disso, sabe?
Thaís: Eu cheguei a ver o vídeo e achei que ficou bom. Não sei se por um neurotípico ficou bom.
Willian: Eu ouvi o vídeo também e eu lembro, principalmente, de você falando essa frase. Na verdade, quando você falou teve um certo efeito porque realmente eu estava me esforçando ali pra acompanhar todo o seu raciocínio até aquele momento e de fato quando você falou eu sei que é muita informação e eu mentalmente poderia dizer pra você: “É, de fato está sendo muita informação mas tudo bem pode continuar que eu estou acompanhando”.
Tiago: Olha só, eu nunca tinha pensado sobre essa ótica, eu acho que isso é um bom exemplo de quanto, às vezes, nós criamos certas limitações interpretativas, com aquele conteúdo que a gente cria. Uma coisa que eu acho muito legal no TEDx, que pra mim é uma tendência muito boa em palestras, é que o foco é na apresentação, não no sujeito. Então, o importante é você criar uma história, você criar uma narrativa é você fazer com que pessoas que tenham conhecimento nulo sobre o assunto, ande pelo menos um degrau pra chegar no mesmo ponto que você, que provavelmente, está, vários degraus acima, mas você desce os degraus, pra subir junto com a pessoa e eu acho que essa é uma habilidade que quem puder desenvolver é muito boa, porque isso também te ajuda a criar essa conexão com o público que é tão necessária.
Thaís: É, eu acho que sempre que a gente fala de autismo, a gente tem que começar de um ponto bem abaixo, partindo que a pessoa não sabe quase nada, que é o que costuma acontecer mesmo, Se não, ela vai ficar completamente perdida e vai até deixar de prestar atenção no que você tá falando. Então, voltando ao assunto, falar em público acontece com os nossos hiperfocos, que a gente já estudou tanto sobre aquilo que já parece natural, que as pessoas sabem exatamente o ponto em que a gente tá. Isso não é verdade. Então, na volta também a questão de saber o objetivo do público, que o público está sendo introduzido àquele assunto, então começar bem esse básico.
Willian: Eu acho interessante que você falou sobre ser focado numa ideia e não na pessoa, e também correlacionado com isso, sempre, um dos meus critérios, para eu julgar que uma palestra minha, ou uma fala minha foi boa, é que eu sempre faço essa pergunta: “Alguém no meu lugar pode tá passando essa ideia melhor do que eu?”. E eu acho, é claro que pode ser um pouco problemático no sentido de critério da coisa de muita cobrança, isso acabar querendo ou não, por te dar uma certa insegurança sobre a sua própria mensagem que você vai passar ali, mas também ao mesmo tempo é algo que me deixa muito seguro e muito tranquilo, porque eu vejo que por mais que talvez eu falhe um pouco na comunicação, no momento que eu estou passando a minha ideia, a partir do momento que eu formulei o meu discurso, eu tenho a segurança de que aquele meu discurso é algo o mais próximo possível de ser único de mim, da minha vivência que outra pessoa não poderia transmitir aquela mensagem da mesma forma que eu estou transmitindo. Isso que eu me proponho a agregar nesse momento, desse discurso. Então, por consequência, eu sou a pessoa que existe para falar sobre isso na minha perspectiva. Essa história é muito única minha. Então, eu me sinto confortável em estar nessa posição e falar da de qualquer forma que seja a melhor possível pro meu dia, porque outra pessoa não falaria melhor do que eu mesmo, porque afinal de conta essa história é muito única de mim. Esse também é um dos raciocínios que eu faço pra me deixar mais confortável em transmitir mensagens em público.
Thaís: Nossa, eu achei agora brilhante, porque se a gente for pensar, todo mundo tem um ponto de vista único e as experiências, obviamente, são únicas, por motivos bem óbvios, o nosso ponto de vista em específicos, que é uma coisa menos perceptível, é muito único. A gente cria a partir de muitas experiências diferentes. Então, todo mundo acaba sendo a melhor pessoa pra falar de quase qualquer coisa com muito cuidado aí pra pessoas que não sabem absolutamente nada sobre um assunto científico tentando passar uma ideia científica ou coisas do gênero, mas todo mundo acaba tendo coisas pra falar que mais ninguém teria. Pensar nisso é realmente bem interessante ter visto dessa forma? Bom, retomando também a minha frase inicial, sobre a questão das palmas, eu, em geral, não tenho um grande problema pra ir lá na frente de uma platéia falar alguma coisa. Tem uma coisa muito estranha, que o meu corpo, às vezes, começa a tremer e a minha mente tá completamente limpa e com raiva o corpo, porque o meu corpo tá fazendo isso, o corpo imbecil. Pare de fazer isso. Mas tudo bem. Isso já me acostumei, que é assim mesmo, sempre acontece e na hora que eu vou falar, a fala fica fluida. Então, não tem problema. Eu posso sentir o meu corpo todo tremendo, que a fala continua dando certo. Porque minha cê tá tá tranquila, mas o problema é sempre que a gente termina, mesmo que a gente tenha falado algo e tenha achado que ficou horrível, as pessoas tradicionalmente batem palmas no final do discurso, e pra mim, essa é a parte mais chata, porque, claro, em alguns ambiente você pode simplesmente tapar os seus ouvidos e, ou então, pedir para que as pessoas não batam palmas, explicar pra elas, mas não é o comum, o comum é você ter que aguentar aquele barulho, aquele tempo todo. Então, não tem muito pra onde fugir, porque você tem que ficar parado ali na frente aquilo acabar e eu geralmente acabo me deslocando completamente do ambiente quando isso acontece ou tendo que focar em outro assunto ou tendo que ficar pensando continuamente no que eu vou fazer assim que eu puder sair dali. Então eu acabo tendo esse foco totalmente distante da situação no momento. Isso é ruim em determinado sentido porque às vezes depois alguém ainda faz alguma pergunta ou te pedem mais alguma coisa ou você focou que eu vou descer ali pela escada da direita? Eu vou sair dessa fala, pela porta de trás. No final, não é isso que tão esperando de você. Alguém te indica alguma outra coisa e é assim que as palmas terminam, você vai fazer exatamente aquilo que estava afetado na sua cabeça para ser feito. é engraçado que aí eu saio no automático, eu não gosto de agir no automático, mas eu não sei se vocês tem também esse tipo de reação que parece que o seu cérebro desliga por um momento.
Willian: Eu realmente gostei desse relato da Thais, principalmente dessa parte que ela falou sobre esses comportamentos reflexivos do corpo tremer quando você está ali numa situação de público que você tenha hiperfoco já no assunto que você vai palestrar sobre, falar sobre e que você já esteja confortável na sua consciência, ainda assim o seu corpo treme ou você tem esses tipos de comportamento. Eu tenho exatamente, eu noto exatamente a mesma coisa acontecendo comigo. Frequentemente eu começo a prestar mais atenção sobre as coisas que o meu corpo está dizendo pra mim. Porque por conta dessa atipicidade sensorial do autismo eu vejo que muitas vezes eu não sou consciente sobre como o meu comportamento está sendo influenciado por aquela situação e como realmente o meu comportamento de alguma forma ele pode sair de uma maneira não muito esperada pelo que eu tinha programado. Então por mais que eu queira falar sobre programação ou análise do comportamento esse é um dos meus hiperfocos, mas ainda assim algumas situações como nesse podcast, quando eu comparo o início do podcast com até o final, eu vejo alguns comportamentos que eu tinha, como eu estava tendo os movimentos estereotipados da minha calça enquanto eu estava falando, eu estava ouvindo vocês falando. Até o final do podcast, eu já não tenho mais esse comportamento. Então, eu posso, realmente, por mais que na minha consciência, eu estava tranquilo, o meu comportamento não diz que eu estava totalmente tranquilo. Então, meu organismo sente de alguma maneira, eu imagino que, nesse momento, a minha fala até o final do podcast, a minha fala já está um pouco mais fluída e um pouco mais articulada do que no início dele, mas se eu alguém me perguntasse, eu ia falar, não, pra mim foi tranquilo, do começo ao fim. Mas notando os meus comportamentos, do do início do podcast, comparando com eles até o final, que agora eu estou muito mais tranquilo, eu posso chegar na conclusão de que se eu for analisar, quando eu for ouvir esse podcast eu devo esperar que a minha fala estava um pouco, um pouco menos fluída no início do que agora no final. Então, essa também é uma coisa que eu sempre estou prestando atenção pra tentar me conhecer melhor. Principalmente, também pensando e prestando atenção em quais são os estímulos do ambiente, só pelo fato de que você vai palestrar numa sala de aula, que você sempre foi aluno e num dia que você tem que apresentar alguma coisa em público, você está olhando essa sala a mesma sala, só que está olhando de uma perspectiva diferente, só isso já pode ser o suficiente pro seu corpo, seu organismo te dar essas esses sinais e você aumentar a sua ansiedade e possivelmente falar de uma maneira um pouco mais trêmula, gaguejada, uma coisa que eu tive nesse podcast aqui antes da gente começar a gravar, foi apagar a luz, porque eu já tenho uma, um conhecimento sobre mim mesmo, que é muito uma experiência muito mais prazerosa de fechar os olhos, ter menos estímulos visuais no meu ambiente, o meu laptop agora tá com a tela apagada e isso é uma experiência muito mais prazerosa, que deixa, me deixa muito mais tranquilo e a situação é muito mais fácil de se lidar em falar uh pra esse pódio que acho que eu considero falar em público, querendo ou não, porque eu estou a todo momento pensando em quem está ouvindo também, não somente conversando com vocês, mas também pessoas que vão ouvir depois gravação. E eu acho que é bem interessante, principalmente para autistas que a gente sabe que temos que começar a prestar mais atenção nos nossos próprios comportamentos, em quais eram os estímulos do ambiente que te despertaram ali, esses comportamentos. Também faço testes com você mesmo, eu faço muitos testes comigo e eu acho que isso aumenta bastante a minha compreensão de mim mesmo e, por consequência, deixa melhor eu desenvolver essas habilidades. Então, eu gostaria, eu achei bem produtivo falar sobre isso aqui, que possivelmente pode ajudar alguém.
Thaís: Outra coisa que talvez possa ajudar alguém, não sei, foi quando eu tive que fazer entrevistas pro meu emprego atual, foi por Skype, porque eu morava em São Paulo, a empresa é de Florianópolis e eu percebi que eu tava tremendo muito, um pouco antes da entrevista começar. Eu não estava com frio, eu cheguei até a colocar uma roupa assim mais pesada. OK, uma roupa de frio. Eu continuava tremendo e aquilo tava me incomodando demais. Eu liguei o aquecedor do meu lado, aqueles aquecedores que gastam muita energia elétrica, deixei bem perto de mim e durante a entrevista toda, eu tava passando muito calor, eu não gosto de calor mas eu percebi que eu realmente tava tremendo menos por algum motivo estranho. Então, acabou funcionando, e se um dia você tiver que fazer uma entrevista por Skype, tiver tremendo, você pode testar isso. Mas, assim que a entrevista terminou, eu não só estava cansada pela entrevista, como que o meu quarto tinha se transformado no pior lugar do mundo, por estar extremamente quente. Eu já não aguentava mais aquele calor ali. Mas, vai que ajuda alguém em algo.
Tiago: Antes de terminar o episódio, na verdade já terminando, queria agradecer o Willian Chimura pela participação e falar pra você que está ouvindo esse episódio, pra que você conte pra gente as suas histórias. Você já teve uma situação interessante ao falar em público? Qual é a maior dificuldade que você sente nesse processo? O que você poderia até recomendar para outros ouvintes de ações interessantes para você se preparar melhor? Envie um email para ouvinte@introvertendo.com.br ou utilize as nossas redes sociais, tanto Facebook ou Instagram e não deixe de depositar suas opiniões. A gente tá de volta semana que vem. Até mais.