Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Renato Moreira Araújo foi diagnosticado com Síndrome de Asperger na idade adulta – e foi, também, o primeiro autista da pós-graduação da instituição. Em uma conversa com o podcaster Tiago Abreu, fala sobre o seu processo de descoberta, vida acadêmica e seus gostos culturais do cinema e música.
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Notícias e materiais citados e relacionados a este episódio:
- Entre o aluno rejeitado e o mestre Renato: a empatia faz a ponte entre diferentes
- A representação dos setores subalternos na obra de Chico Buarque
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Transcrição do episódio
Tiago: Olá pra você que escuta o podcast Introvertendo, essa plataforma que traz pessoas neurodiversas para entreter neurodiversos e também neurotípicos. E hoje iniciando uma série de entrevistas aqui no Introvertendo focadas em pessoas que estão dentro do espectro autista para falarem de suas vidas, suas ideias e enfim de tudo que compreende o seu universo. Meu nome é Tiago Abreu e hoje estou com Renato Moreira que mora em Goiânia, mestre em sociologia que vai iniciar o seu doutorado em história.
Renato: Bom dia a todos desse podcast, eu sou Renato Moreira Araújo, como ele falou eu sou mestre e graduado em Ciências Sociais e vou iniciar um doutorado em História na UFG, tenho vinte e nove anos assim, tem 10 anos que eu entrei na UFG, é isso.
Bloco geral de discussão
Tiago: Eu acho que uma pergunta meio que padrão pras pessoas que estão dentro do espectro, a primeira coisa é: a partir de que idade o tema autismo entrou na sua vida?
Renato: Olha, esse tema entrou comigo acho que de maneira tardia, depois da vida adulta a partir de uns seis anos pra cá, por pesquisas que minha mãe fazia na internet de acordo com o título do meu comportamento. Então no meu caso entrou de maneira bastante tardia. É bem complexo o autismo, ele se manifesta de diversas maneiras e no meu caso foi bastante complexo no sentido de que que eu tinha certas dificuldades mas eu conseguia estudar normalmente, às vezes eu tirava boas notas, eu passei no vestibular, entrei na faculdade, tinha certos problemas, mas eles eram contornados, meus pais deram muito apoio. Então, assim, eu acho como por eu ter uma socialização, um círculo de amizade até significativa acho que demorou a se manifestar e a diagnosticar porque existe pessoas que tem quase nenhum amigo e são extremamente isolados, fechados, apresentam problemas muito agudos muito graves e que a pessoa consegue, os pais, as pessoas, professores conseguem perceber. Então, no meu caso eu consegui estudar normalmente, no ensino regular, na faculdade também, na faculdade ainda tive certa facilidade, não houve nenhuma reclamação. Esse diagnóstico foi mais tardio, então eu acho que acho que tem experiências bastantes subjetivas, particulares, que são bastante diferentes assim, então acho que o meu caso foi bastante diferente assim, bastante peculiar assim, bastante.
Tiago: Eu acho que talvez também um dos motivos seja o fato do diagnóstico de Síndrome de Asperger seja bastante recente, né? Então pessoas que estão entre de 25 anos acima geralmente têm diagnósticos ou a vida adulta ou no final da adolescência. Então é meio que uma cadência comum, inclusive entre os próprios membros do podcast. O que foi diagnosticado mais jovem foi aos 14, então é muito recente também. Mas ao longo da sua vida você teve alguns diagnósticos errados, né? Antes de chegar exatamente ao autismo tinha nenhuma avaliação médica nesse sentido?
Renato: Uai, durante a adolescência, pré-adolescência, assim, tinha essas coisas. O psiquiatra deu hiperatividade, é questão é uma certa dificuldade um pouco acho que do jeito que a pessoa é, acho que se a pessoa tiver muita dificuldade, tiver um isolamento grande aí acho que é uma facilidade da pessoa recorrer ao médico da pessoa apontar. Então acho que isso varia muito. Então assim, no meu caso acho que é pela questão de eu conseguir vamos dizer passar de ano, de eu conseguir estudar normalmente apesar dos problemas apesar de que tinha algum uma certa dificuldades em alguns eles eram contornados, consertados e eu conseguia estudar acho que acho que essa questão varia muito. Acho que é muito complexo, porque até hoje eu não sei exatamente qual é a sensação. Até mesmo pra mim é muito complexo saber o que eu sou, o tipo de comportamento e é algo pra mim recente ainda. Claro que tem já tem uns anos, mas é algo recente, é algo que a gente fica um pouco sem saber o que fazer, sem saber. É um processo que a gente tá conhecendo, tá sabendo, é algo recente, é algo bastante complexo das formas de diversas manifestações, então acho que é isso. Acho que cada um tem uma experiência e vai descobrindo assim, cada um tem uma coisa assim. Então, acho que cada ambiente, cada experiência faz faz sem manifestações diferentes e diagnósticos em tempos diferentes, então acho que tudo é muito diverso e muito complexo de certa maneira.
Tiago: E o seu interesse, a princípio, pela área da Sociologia, ela pareceu mais ou menos quando na sua vida? Foi só durante a graduação ou foi antes disso?
Renato: Ah foi antes no ensino médio. Eu sempre gostei de estudar sobre questões da sociedade, da política, questão da cultura. Então é é algo que foi germinando um pouco mais na época da adolescência. Essa coisa de saber a como funciona a política, como é a organização que estabelece na sociedade, as relações de como um pensamento, uma cultura da sociedade vai mudando, alterando ao longo dos tempos, como existe uma diversidade geográfica também de cultura de costumes, então é é um conjunto de interesses que na própria cidade contemporânea, pela modernidade. Então a sociologia surge no momento da modernidade. Acho que é um conjunto de interesses que a gente que surge esse interesse de saber como que funciona, como se origina, todo esse estudo da sociedade, assim, todo esse pensamento. Vamos ter essa reflexão sobre o agir social, sobre como é formado o indivíduo, como é formado a sociedade, porque a gente pensa de determinada forma, quando ou porque outros pensam de determinada forma diferente. Então, acho que é uma questão da curiosidade da gente pensar nas relações que a gente tem.
Tiago: Você acha que o seu interesse pela área da sociologia também poderia ser de certa forma uma um método digamos pelo qual você buscou entender a si mesmo dentro do processo social?
Renato: Acho que sim. A gente acha que quando a gente estuda sociologia a gente pensa nessas reflexões e leva a pensar sobre isso, né? E a gente pensa na questão da complexidade que a gente tem, nossas particularidades, nossa individualidade, nossa identidade própria, mas a gente também é influenciado muito pela sociedade. Muitas coisas que a gente pensa que são nossas, que são nosso jeito de ser, são construídos socialmente, são construídos pela coletividade. Então muito do que a gente pensa, sente, percebe, reflete, analisa sobre as coisas se relaciona a sociedade não são questões individuais e a gente a gente pensa na complexidade como que nessas relações sociais a gente se molda de uma forma, como que é essa relações variam sim, como que a questão do estado psicológico, a condição da pessoa ter determinadas características pode variar de classe social, de nacionalidade, de região, de país. Então todas essas questões não existem uma determinação. Então existe toda uma uma complexidade e cada vez que a gente mais estuda, mais lê, a gente sabe a gente sente uma maior complexidade e eu sinto uma menor certeza, uma menor porque existem várias reflexões bastante diferentes até antagônicas, algumas complementares, outras são antagônicas, então acho que acho que acho que acho que a gente ainda tá num processo de compreender a sociedade, principalmente nas mudanças que ela tem que são bastante diversas coisas. Então acho que mesmo na graduação, mestrado, ainda tem muita coisa que a gente ainda não chegou a explorar, muito recente assim.
Tiago: Um dos aspectos quando a gente fala de diferença é a questão do preconceito. De que forma você vê a questão do preconceito tanto no cotidiano social quanto no seu processo de vida?
Renato: Acho que assim, o preconceito na própria forma é um pré-conceito, né? Então é um conceito que você forma antes de conhecer e de analisar algo. A questão do preconceito acho que é uma forma de qualquer sociedade, em qualquer sociedade existe. Então numa sociedade certos padrões, certos valores são dominantes. Então a sociedade que tem certos atos, certos valores morais, certas crenças que as pessoas naturalizam. Então quando aparece um indivíduo dentro dessa mesma sociedade com comportamentos diferentes vão ser desviantes, vai gerar um estranhamento. Seja uma pessoa que tem uma crença diferente, seja uma pessoa com a cor da pele, uma etnia, uma cultura, hábitos e costumes diferentes. Então, toda a sociedade tem padrões assim, então quem desvia desses padrões tradicionais, compartilhadas pela sociedade, faz essa sociedade fazer uma reflexão, questionar esses dogmas e fazer uma reflexão e trazer mudanças assim. Então, eu acho que o diferente faz a sociedade avançar, a sociedade fazer transformações, evoluir porque mantendo o mesmo sistema de crença, de visão de mundo, ela ao decorrer do tempo vai sofrer uma estagnação, uma decadência. Historicamente na sociedade cê percebe isso, que toda a sociedade que entrou em decadência pela questão de manter um dogma, manter uma visão de mundo. As mudanças são naturais, acho que no mundo pelo menos assim, na sociedade, na vida, sempre essa questão do fluxo, da mudança incessante, assim, a onda é sempre caracterizado por essa mudança e não por essa essa rigidez, essa estabilidade que a assim, claro, a estabilidade, as vezes a conservação, às vezes é bom a ordem para manter os padrões, a coesão da sociedade, mas a mudança também é necessária em certos momentos. Então acho que a sociedade tem que fazer essa reflexão e ver que a diferença enriquece.
Tiago: O seu diagnóstico foi tardio e além de tudo envolveu por causa disso também uma certa talvez individualidade sua no fato de você ir a alguns lugares sozinho assim, né? Tu falou no sentido mesmo do acadêmico, de interações sociais e aí eu queria te perguntar sobre processo de inclusão. Você viu essa questão da inclusão presente na sua vida ou pelo diagnóstico tardio você não foi contemplado nisso?
Renato: Uai, acho que a questão da inclusão é muito recente. Então mesmo na época eu entrei na UFG, o núcleo de acessibilidade surgiu posteriormente. A questão também é que eu não sabia, eu não tinha consciência de que eu devia utilizar alguma ação de inclusão. Então acho que acho que essa questão também é assim, existe também não só a questão do acesso da inclusão mas também da questão da consciência e da ciência da necessidade que você deve participar de alguma coisa. Na faculdade pelo menos por um bom tempo em boa parte da graduação nunca senti a necessidade de alguma coisa de inclusão, acho que na faculdade eu não tive tantos grandes problemas.
Tiago: Um dos pontos mais importantes quando se fala de formação é pesquisa. Eu queria que você falasse um pouco sobre a sua dissertação, sobre o tema, o que te motivou a fazer isso e o impacto dela.
Renato: Eu fiz uma pesquisa sobre as letras do Chico Buarque. Eu analisei, tentei colocar algumas letras, já que Chico tem várias canções, uma carreira de mais de cinquenta anos, né? Então, eu procurei analisar a questão social no Chico Buarque. Como essa questão dos setores subalternos, humildes, das classes sociais mais baixas. Então, eu analisei como o Chico Buarque, um compositor, assim, de uma família de intelectuais, de uma pianista, de uma classe média intelectualizada, analisa dentro da MPB esses setores são ideias, que divisões, que interpretações ele tem sobre essas questões sociais do cotidiano desses grupos sociais, o que que ele expressa, seja da questão da desigualdade da sociedade brasileira, seja da questão de discriminação, do preconceito e classe com as pessoas mais pobres e como o Chico coloca de visão, coloca que tinha seio de mudança, que utopia, que que ele coloca que ele coloca como proposta de um Brasil ideal, um Brasil um Brasil onde tenha dignidade e de igualdade. Então a questão minha foi analisar essas canções e as letras delas, assim, pensando na importância da obra dele e assim, pra fazer a reflexão sobre música e a sociedade, entre as obras de artes e a sociedade, a sociologia, as ciências sociais.
Tiago: E a música é um tema bastante presente na sua vida, né? Inclusive eu queria te perguntar quais são as suas músicas favoritas de sempre?
Renato: Uai, é difícil, né? Não sou fã de um artista em específico, né? Não, mas tem tem por exemplo Chico Buarque tem Construção, tem vários artistas, tem as músicas dos Beatles, Helter Skelter, tem né? Então tem várias canções eu acho que eu não me apego a um artista excessivo porque cada artista tem altos e baixos né? Então acho que a música é bastante diversa, apesar que eu curto mais rock, MPB, também pouco de jazz, o hip-hop também, então acho que existe uma universidade com bastante que tem várias músicas em cada momento específico e no decorrer do tempo que a gente tem uma música favorita não determinavam o que é favorito, é um aumento não. Então tem cada e cada música tem suas particularidades, suas diferenças, seus gêneros assim, acho que a música e o cinema são coisas bastante importantes de você conhecer a cultura do outro e na sociedade com manifestação da nossa identidade, da nossa individualidade, e expressão do nosso sentimento também né?
Tiago: E com relação ao cinema que você citou quais são suas obras favoritas?
Renato: Laranja Mecânica, 2001 – uma odisséia no espaço, Cidadão Kane, Tempos Modernos, Ladrões de Bicicleta, Metropolis. Então eu acho que o cinema é uma forma de expressar as questões sociais de uma época. Então acho que o filme ele expressa a individualidade do diretor, a visão de mundo que eles querem dizer sobre a sociedade e como cada um expressa de uma determinada forma, seu sentimento, sua antiguidade, sobre a sociedade, sobre o que é a sociedade, sobre suas insatisfações, seus modelos do que a sociedade deveria ser. Então, assim, do que ela não deveria ser e acho que a questão é que você aprende muito sobre a cultura de cada país, não só a questão do cinema que a gente conhece mais de Hollywood, assim, que expressa uma determinada visão, determinadas ideias, mas eu acho também que o cinema de outros países de outros países, cinema nacional, cinema francês, alemão, japonês, cada coisa da cultura de um país. Então, eu acho que o cinema é assim, você viajar e você conhecer outras culturas, outros lugares, assim, o cinema, a grande ferramenta que você é transportado e você imaginar com o a cultura de um determinado país, de uma determinada época passada também. Então acho que o cinema e ele reflete muito o que é o ser humano, muitos desejos, as questões artísticas, estéticas que o diretor quer expressar, então o cinema é uma arte quase completa que junta imagem, som, música, literatura, teatro. São vários elementos assim, acho que o cinema é uma obra de arte integral, assim, que manifesta, reúne várias manifestações fantásticas.