Lidar com regras sociais não é fácil para qualquer pessoa, especialmente se você está dentro do espectro do autismo. Nossos podcasters decidiram investigar o porquê essas convenções são tão complicadas para nós e alguns exemplos disso sob o contexto brasileiro.
Participam desse episódio Michael Ulian, Paulo Alarcón, Thaís Mösken, Tiago Abreu e Yara Delgado.
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Transcrição do episódio
Tiago: Olá pra você que escuta o podcast Introvertendo, esta plataforma que traz pessoas neurodiversas pra entreter você neurodiverso e também você neurotípico. Meu nome é Tiago Abreu e agora nós vamos falar sobre um tema que mexe com as entranhas de neurotípicos e também de neurodiversos, que são regras sociais.
Michael: Meu nome é Michael Ullian e multitarefa, é uma coisa que eu definitivamente não sou. Sou horrível em fazer mais de uma tarefa ao mesmo tempo.
Paulo: Aí pessoal, aqui é o Paulo e se você estiver triste, eu sou obrigado a te oferecer uma xícara de bebida quente.
Thaís: Olá, pessoal. Aqui é a Thaís Mosken e nada como uma viagem em família pra gente lembrar como gosta do trabalho.
Yara: Aqui é a Yara de Sorocaba, São Paulo e regras sociais é a pedra no sapato de todo o aspie, eu acho.
Tiago: E se você quiser ouvir a gente nas plataformas digitais, agora nós estamos no Spotify, também estamos no iTunes, você pode ir lá nos avaliar, deixar seus comentários, você também pode acompanhar a gente outros aplicativos como o Google, o do Windows né, se você ainda usar o Windows, e também pelo nosso site Introvertendo.com.br. Se você também quiser patrocinar a gente, agora esse ano nós estamos aí recebendo doações pra custear os nossos gastos; você procura a gente no PicPay lá por Introvertendo, é só você acessar que vai ser legal. E também você pode acompanhar a gente nas redes sociais, Facebook Introvertendo, instagram pelo nome Introvertendo e também Twitter, nós temos conteúdos específicos pra cada rede, então se você quiser saber de tudo o que tá acontecendo, é só você encontrar a gente por essas redes. E com vocês, regras sociais.
Paulo: Regras sociais são um conjunto de regras, a maioria delas nunca escrita que as pessoas seguem por definição e que pra gente é muito difícil reconhecer, porque elas normalmente são implícitas, as pessoas seguem por simples repetição das outras, o que pra gente é um problema porque a gente precisa ter tudo definido, né?
Tiago: É algo meio natural também, assim, de certa forma, né? As pessoas, elas aprendem coletando costumes, mas também de certa forma que por osmose, assim, que é um negócio pessoas dentro do espectro já tem mais dificuldade de adquirir.
Thaís: É, ontem eu tava conversando inclusive com uma colega minha que também é asperger lá no trabalho, aí a gente tava comentando se as pessoas nascem sabendo fazer as coisas, né? E aí o que eu acho, pelo menos é que realmente as pessoas aprendem olhando.
Michael: Embasando um pouco isso, na verdade isso é um padrão pra todos os animais que tem uma inteligência muito alta, não só pros seres humanos. Eles não nascem sabendo, eles não nascem com instinto, eles aprendem, vem dos outros mais velhos. Isso fica bem interessante quando observado nos corvos, eles conseguem aprender coisas absurdas só observando outros corvos, outros animais fazendo aquilo, inclusive eles repetem ações humanas muito bem.
Yara: É, eu diria que regras sociais são padrões, né? De comportamentos e é mais sobre repetir muito bem. E eu posso dizer isso com muito propriedade, porque eu percebo até a forma como eu faço a entonação de algumas palavras, frases específicas que é mais ou menos como uma cópia daquilo que eu observava quando eu era criança. Então, tem coisas que quando eu não tenho oportunidade de observar, eu fico completamente perdida, mas aquilo, eu fui, vamos dizer assim, bem treinada, eu domino de uma forma assim que ninguém percebe que tem algum aspie por trás, mas na verdade tem, né?
Thaís: Acho que eu também aprendi bastante coisa assim, lendo livros com esse tema, então existem muitas formas de aprender esse tipo de coisa, só que existe também uma diferença entre a gente conseguir aprender e a gente ver um sentido em aplicar aquilo de verdade, né?
Paulo: Um ponto importante é que a gente tem mais dificuldade em entender e perceber linguagem corporal e é por isso que fica mais difícil entender as regras sociais, porque você não consegue entender por sinais sutis que a pessoa não tá gostando de uma determinada atitude ou que está aprovando outra.
Yara: Quanto a isso eu acho engraçado, porque eu particularmente consigo detectar as mínimas alterações. Assim, faciais e tal. Mas é engraçado, porque eu não consigo entender o porquê. Tipo, eu fico completamente perdida no motivo, mas eu observo com muita facilidade as alterações corporais das pessoas.
Michael: E vem a questão, né? Qual é a diferença do normal pra pessoa com autismo? Pronto, eu sou normal isso é tudo automático. Enquanto, geralmente, pra gente a gente consegue alguns tem mais dificuldade de entender ou simular, né? Geralmente é mais difícil entender do que simular. Uma pessoa normal geralmente não, ela não precisa parar e pensar ativamente nisso pra entender, ela simplesmente entende. É como se pras pessoas normais elas tivessem voltado a trabalhar apenas com instinto e não tivessem que estar ativamente pensando naquilo pra conseguir entender. Não, ela só entendem automaticamente. Ou quase automaticamente.
Yara: E eles não sentem cansaço nenhum, né? Em fazer isso pelo que parece.
Michael: Elas não sentem cansaço porque elas não estão tendo. É natural, né?
Paulo: Isso quando eu divago um pouco, pode ter ligação com as ideias de processamento consciente e inconsciente, né? Que talvez a gente tenha dificuldade ou tenha perdido a capacidade de processamento relacionados à leitura de linguagem corporal inconsciente, por isso tem essa dificuldade, mas isso aí é uma hipótese que eu não tenho nenhum fundamento.
Thaís: Talvez seja exatamente porque a gente tem que fazer a as coisas de forma lógica, né? Tem que entender o motivo daquilo, qual é a lógica da situação, qual é a resposta. Então, a gente tem que fazer cognitivamente várias ligações.
Yara: Nessa questão assim de entender as coisas e tratar com tanta racionalidade, parece que isso traz um problema de relacionamento pavoroso especialmente quando é um relacionamento de casamento. Como eu me divorciei recentemente, é engraçado, né? Porque eu me casei, nem me passava esse hipótese pela cabeça, porque eu imaginava que autista era aquela pessoa que vivia reclusa e não conversava com ninguém, eu não sabia que existia um nível de autismo que era leve ao ponto da gente conseguir ter uma vida, vamos dizer entre aspas normal, socialmente falando. Então, eu me casei, me casei com uma pessoa neurotípica, fui casada durante dez anos e eu simplesmente não conseguia entender porque que essa pessoa ficava ressentida quando eu conversava e falava de forma totalmente racional. E pra mim, aquilo era muito óbvio, tipo assim, meu, eu estou me importando com você. Explicando como as coisas funcionam, pra que você entenda e não fique magoado. Mas nunca funcionou. Aí é engraçado porque hoje eu namoro um outro asperger, né? Meu namorado é também, e esse tipo de confusão simplesmente não existe, a gente tem uma conversa e é como se a gente conseguir falar exatamente a mesma língua, não tem aquela coisa de, eu falo A, você entende B. Embora a gente tenha as confusões de entender as coisas de forma muito literal. E às vezes uma coisa pra mim, pra ele tem outro significado, mas nós falamos o mesmo idioma e cara é fantástico, como é diferente, assim, é gritante, a diferença e como você sente liberdade quando conversa com outros aspergers. Eu percebo essa essa mudança entre conversar com neurotípicos e conversar com outros aspergers.
Thaís: Percebo inclusive que você falou assim, ah, às vezes um entende de uma forma, outro de outra, mas também se você provavelmente sentar com ele, explicar como você entendeu e como ele entendeu, a questão se resolve muito naturalmente. Enquanto se você tentar isso com uma pessoa neurotípica, a pessoa parece que tenta interpretar o que você quer dizer, falar que entendeu de um jeito e aí fica uma loucura.
Tiago: E com base nisso, assim, pra uma pessoa teoricamente neurotípica, as regras sociais, elas têm um peso, não só nesse sentido da construção das relações, mas também um sentido muito maior de sociedade também, porque eu acho que sem as regras sociais, talvez esses códigos, a gente poderia entrar num processo de entre aspas barbárie, assim, porque imagina você poder agir como você bem entender, você falar como pensa, isso não daria nem um pouco certo.
Paulo: E talvez o fato das regras sociais serem algo inato, né? Tem a ver com o fato de que os seres humanos foram selecionados, né? A seleção natural de forma que essas regras fossem entendidas facilmente sem muito, sem muitas palavras.
Michael: Eu não sei o que causa essa divergência, mas ela é uma mutação genética. Então, faz sentido que seja mais difícil pra gente. Você tem aí muito tempo na nossa linhagem evolutiva que tem uma seleção, uma ênfase pesada para permitir uma sociedade, isso daí vai, quando você começa a olhar pra trás na na nossa árvore genealógica, você vê que de pouquinho em pouquinho você tem uma tendência maior para você viver de uma forma mais junta, em grupos sociais que são cada vez mais complexos. Então, o que pega na gente é que acaba faltando justamente o pedacinho de código genético que permite isso.
Thaís: Então, eu acho um pouco estranho porque pensando dessa forma é como se a gente não conseguisse ter essa convivência em sociedade, mas no final eu tenho a impressão de que a gente consegue fazer as coisas sociais, vamos dizer assim, de uma forma até econômica. Então, por exemplo, se uma pessoa neurotípica recebe outra na sua casa e aí ela considera que é importante ficar fazendo sala pra aquela pessoa, fazer comida diferente, arrumar a casa toda de uma forma diferente e tem uma série de coisas que são consideradas teoricamente importantes para que a visita se sinta bem. Enquanto pelo menos a impressão que eu tenho com relação aos outros autistas que eu conheço mais próximos, eu posso simplesmente virar pra essa pessoa e perguntar o que ela quer, tipo, cê quer comer? Cê quer água? O que é importante pra ela? E ela pode me falar de forma racional, que é importante. Então, eu acabo não tendo que fazer também um monte de coisa; eu gosto dessa pessoa, eu me importo que ela se sinta bem, mas pra mim não faz sentido ter uma série de atitudes que não não são realmente importantes ali e que são consideradas importantes prum neurotípico.
Michael: Esse é definitivamente o futuro, porque no meu caso se eu for pedir uma coxinha numa venda e eu tiver que falar pela segunda vez que a pessoa não entendeu da primeira, e geralmente ela não entende da primeira, eu já tô numa situação extremamente complicada, porque eu não consigo falar uma segunda vez e ao menos que a pessoa consiga entender meu gesto já o dedo mostrando qual que é, eu tô muito fodido, ou simplesmente não vou comer, porque né.
Tiago: O simples ato de pedir um negócio, era muito mais confortável pra ele apontar do que necessariamente falar o que ele quer, e quando eu acho que o principal problema das regras sociais é exatamente esse, porque esses códigos sociais que são tão simples são, na verdade, um problema muito grande pras pessoas dentro do espectro, mas elas também são um enorme problema pros neurotípicos. Eu conheço várias pessoas neurotípicas que tem asco dessas regras sociais, mas eles cumprem porque simplesmente tem que cumprir e daí vem a questão de regras mesmo.
Yara: Eu acho interessante que que vocês falaram, esse é o futuro e tal. Eu não sei, eu não tenho certeza sobre isso, porque a gente tá num numa fase assim, num sei da humanidade, parece que as pessoas tão se tornando cada vez mais sensíveis e isso vai na contramão do asperger, né? Nós somos bastante diretos, assim, tem que ter cuidado assim pra até não parecer grosseiro ou parecer que tá faltando com educação, mas na verdade é uma questão de objetividade que a gente tem. E então, isso me deixa na dúvida se realmente é o futuro que as pessoas passem a se comunicar dessa forma como a gente se comunica, como se fosse uma evolução. Eu acho que os neurotípicos falta, falta pros neurotípicos essa capacidade que a gente tem, da mesma forma que para nós falta a capacidade que eles têm de interpretar as coisas de forma tão empírica, tão assim não seria empírica, não seja mais osmose mesmo, parece que eles adquirem um do outro, né? É simbiótico, né? Parece que eles devem uma máscara e a máscara gruda.
Thaís: É, eu espero sinceramente que a gente possa ter a maior parte das da nossa convivência assim, por exemplo, que a gente possa usar máquinas ou inteligência artificial pra muitas coisas, por exemplo, pra comprar um objeto e tudo mais, como a gente faz hoje pelo computador, mas pra outras coisas além disso e de forma que a gente possa selecionar só as pessoas que nos interessam mais pra ter uma convivência social de fato, pelo menos eu sou uma pessoa meio assim, que num num tem interesse em falar com pessoas mais, não é exatamente neurotípicos em geral, mas dependendo da pessoa eu prefiro ficar quieta na minha e falar com menos gente, tô talvez o futuro nesse sentido.
Michael: É, mas o seu comentário perguntando sobre realmente essa é a tendência pra humanidade não, isso foi bem, bem autista, porque na verdade eu não tava falando de uma forma direta, mas sim figurada; mas por outro motivo, porque a questão é, o que garante quais genes vão ser passados pra frente ou não, é sucesso reprodutivo e bem…
Thaís: Eu já pensei nisso também, cara, que tipo, parece que a gente tem tudo pra pra ser entre aspas, assim, uma evolução exceto a questão de que a gente não consegue passar nossos genes, que é acho que exceto. Tipo, é essencial pra ciência evolutiva, você difundir do seu jeito.
Paulo: É, na verdade, trata de passar o gênero adiante. Então, se não conseguiu isso não foi bem sucedido.
Thaís: Sim, mas também, não necessariamente é o que é melhor, porque melhor um termo extremamente discutível, cada pessoa tem uma ideia diferente sobre isso.
Michael: É, literalmente, quem transa mais.
Tiago: Já abordamos assim de uma forma um pouco por cima do que são regras sociais, qual é a problemática, mas eu acho que é interessante nós falarmos sobre os exemplos do dia a dia e eu já começo por um que eu acho um saco, que é o bom dia. Se você não dá bom dia pra pessoa, a pessoa te olha torto, fala que você é mal educado ou ou parece que você precisa trocar aqueles cumprimentos, né? Eu acho que o bom dia é o pior de todos, assim.
Thaís: É, eu adquiri um hábito muito ruim, eu tava tentando me livrar e eu não tenho conseguido que é de quando as pessoas vêm me cumprimentar, eu me acostumei a dizer, bom dia, tudo bem? E é uma coisa que não significa absolutamente nada, me dá raiva, responder isso, mas eu peguei isso das pessoas porque eu percebi que era importante, agora eu queria reverter. Foi difícil começar a fazer isso pras pessoas se sentirem melhores e agora eu não consigo mais me livrar. E o tudo bem é acho que uma das piores frases que eu ouço galera falando.
Tiago: Porque se você falar que você não está bem, a pessoa vai te ignorar porque ela não quer saber se você está bem ou não.
Thaís: Exato, além de ela não querer saber se você tá bem, se você for pensar nunca tudo está bem, sempre tem alguma coisa que não está bem, mesmo que você esteja se sentindo bem.
Yara: Eu não sei como que isso começou, mas eu tenho uma mania que a pessoa me fazia a pergunta, tudo bem? Eu respondo, tudo bem? Eu não respondo, eu faço outra pergunta sem ver.
Michael: Acho engraçado o que vocês falaram porque geralmente eu entrei dois extremos, ou eu tô pouco me fodendo. Que é, o que eu faço pra noventa por cento do meu convívio social, simplesmente não me importa. Vai ser um reflexo bom, porque geralmente você tem que fazer isso e eu que só não me importo, não ligo. E nos outros dez por cento, que é quando eu me importo. Quando eu pergunto, tá tudo bem com uma pessoa? Eu tô realmente perguntando se tá tudo bem com ela, com a intenção que ela responda aqui não tá tudo bem e é difícil o que que tá acontecendo.
Thaís: Então, é pra isso eu geralmente uso como você está ou alguma coisa assim, porque aí são frases que realmente eu tô direcionando pra pessoa, eu quero saber o que que tá acontecendo ali com ela.
Michael: É que geralmente, eu só vou perguntar pras pouquíssimas pessoas que eu converso todo dia, que geralmente são duas ou três, uma hora você simplesmente relaxa, né? E vai no automático, só quem tem que ser de verdade, você tá perguntando se tá tudo bem com a pessoa, porque você quer saber, você não tá perguntando porque a educação pré educacional simplesmente não falou nada, eu sou muito cê fala, bom dia. Quando eu tô de bom humor.
Thaís: É, dependendo do ambiente, eu acho que a gente acaba sendo, não vou dizer obrigado porque ninguém consegue entrar na nossa boca e fazer com que ela se mexa, mas a gente acaba sendo coagido, uma ótima expressão pra isso, a agir dessa forma mais agradável e em outros casos, não só no bom dia, no tudo bem, mas por exemplo, em uma empresa, em muitos locais, isso é levado bastante a sério, né?
Paulo: No meu caso eu não costumo iniciar as conversas, né? Então não, eu não costumo cumprimentar as pessoas, mas eu respondo se a pessoa me cumprimentar, eu respondo com o mesmo cumprimento exato que a pessoa usou comigo. Então, se a pessoa disser Bom dia, tudo bem. Oi, tudo bem? Oi, tudo bem? E por aí vai. Aí eu deixo pra cumprimentar proativamente as pessoas que realmente fazem parte do meu ciclo círculo de amizade, né? O ciclo de convivência ali. E aí quando eu tô com a minha esposa saindo na rua eu e ela cumprimenta alguém ou cumprimento junto usando o mesmo comprimento que ela usou.
Tiago: Eu achei no fim das contas também, isso varia conforme a região ou espaço, que a pessoa tá inserida, por exemplo, eu tenho parentes espalhados em diferentes lugares do Brasil e já viajei pra alguns lugares e já pense a forma como você interage, especialmente se for numa grande capital, numa cidade no interior, totalmente diferente, né, com relação às relações. Então, eu fiz meu TCC, numa cidade do interior da Bahia, chamada Paratinga, que é uma cidade de trinta mil habitantes, e como uma cidade bastante antiga do Brasil e que todo mundo se conhece, então, esses códigos sociais tem um peso tão imenso que se você for um um sobrinho do seu tio, avô, etc, você tem uma certa quantidade de códigos a ser incorporados para se expressar ali naquele lugar. Mas quando você tá numa capital, você convive de certa forma com uma contradição engraçada e que ao mesmo tempo você tá numa aglomerada de gente, é um espaço com gente pra tudo quanto é lugar e tudo mais, mas ao mesmo tempo a trajetória que essas pessoas vivem é algo meio solitário, porque tem como você passar despercebido numa grande cidade, mas uma hora é inevitável, então por exemplo, você tá num ponto de ônibus, tem alguém que começa a puxar assunto, se você tá na rua, principalmente, por exemplo, aqui em Goiânia, que tem uma tradição meio interiorana, de manhã cedo, dependendo do lugar onde cê tá andando, uma pessoa que você não conhece, te cumprimenta e fala um bom dia, sabe? No no meio da rua. Do ambiente de trabalho no ambiente da universidade, cada espaço tem as suas configurações e eu acho que quanto mais complexas são essas relações, mais se constroem na cabeça e mais também questões necessárias, né? Como lidar com tudo isso?
Yara: Essa complexidade que você falou fazendo adendo me confunde dramaticamente aquele negócio do quando você vai cumprimentar alguém, você tem que dar um beijinho, tá?
Michael: Nessa questão de interação física, interação virtual já é, já é complicado bastante, mas então é isso que o Tiago falou de dar é, eu achei bem engraçado a colocou, mas é bem pertinente, além de quando eu tinha três dois, três núcleos sociais, apenas eu conseguia transitar perfeitamente entre eles, assim, perfeitamente pra forma de expressões linguagens que eles usam, mas na medida que os meus foram aumentando foi tendo que lidar com mais pessoas eu simplesmente larguei.
Thaís: Então, talvez seja mais fácil nesse nesse aspecto, né, você respirar fundo e aceitar que o seu grupo vai ser pequeno mesmo. Mas vai ser de pessoas sinceras.
Paulo: É, uma situação bem complicada, é quando vem em questão ambiente de trabalho, ambiente de negócios, você pode ter que lidar com pessoas diferentes que você tenta, você tem obrigação de causar uma boa impressão, mas desde familiar é assim.
Thaís: Às vezes o ambiente familiar é mais difícil de se lidar do que outros ambientes.
Tiago: Até porque o meio familiar ele inclui um um nível de intimidade que não ocorre nas outras relações. Então, existem certos aspectos que não é só a questão da da resposta, mas umas receitas muito mais complexas, como por exemplo, a questão do beijo, do abraço, de você sorrir e como administra isso também é um ponto problemático, porque às vezes da mesma forma que a família exige uma família até que não tanto, mas eu digo no circuito mais de parente, que você tem essa quantidade de elemento, você também tem a quantidade de cobrança de exigências, a mesma forma que você, que eles têm a profundidade com você, eles vão apontar o dedo na sua cara e dizer coisas que pelas regras sociais, com outras pessoas elas não diriam elas guardariam isso pra si.
Michael: Recomendação do Gaivotas, como eu lidar com grupos familiares. Fuja de para as colinas, de preferência a uma colina que seja mil quilômetros de distância.
Thaís: É, eu eu tive bastante problema assim com tanta família próxima, quanto parentes, porque quando eu morava com a minha mãe, mesmo naquela época eu gostava muito de ficar quieta dentro do meu quarto com a porta fechada e fazendo as minhas coisas, seja minhas coisas do computador, qualquer coisa, podia tá lendo, podia tá bordando, podia tá dormindo e isso nunca foi bem aceito, nem pela minha mãe, nem pelas pessoas que visitavam lá, especialmente a minha mãe se incomodava muito com eu ficar enfiada dentro do meu quarto. Então, essa tá aí nas regras sociais pra mim eram bem incômodas, mas entra naquele balanço de você ver se vale a pena fazer as coisas do jeito que os outros querem, porque aí tem esse custo social, vamos dizer assim, inclusive como Paulo falou no trabalho ou curso de fazer algo do jeito que os outros sentir melhor. Então, pode custar o seu emprego, dependendo, mas às vezes é um custo que a gente tá disposto a pagar e às vezes não. Acho bem importante a gente ter em mente esse tipo de coisa, qual que qual que é o custo de fazer e qual é o custo de não fazer.
Yara: Essa questão do ambiente, ela é muito crucial. Eu experimentei muito assim no meu ambiente de trabalho a princípio quando eu era estagiária, eu era tão focada no meu trabalho que eu chegava e eu simplesmente era educada com as pessoas, ia pro meu posto de trabalho e mergulhava e, assim, rolava uma espécie de competição de eu comigo mesma. Como se eu tinha que aprender alguma coisa nova sempre e eu tinha que conseguir me aprofundar naquilo cada vez mais. Era uma espécie de paixão enquanto eu trabalhava. E eu simplesmente não enxergava as outras pessoas. E pra mim não fazia falta. Sabe aquela panelinha num ambiente de trabalho. E é simplesmente comecei a perceber que era como se as pessoas me estranhassem, tipo, o pessoal daquela panelinha me estranhava. E eu simplesmente olhava e falava, ah, eu não tô nem aí, tô aqui pra trabalhar, tipo, e aí que acontecia? Essa regra social de você ter que se enturmar no trabalho acaba fazendo com que ou você se enturme ou você fica ilhado, e enquanto eu estava aprendendo as coisas no trabalho, eles não tinha nenhum problema, só que quando eu aprendi tudo que tinha ali no meu departamento, eu simplesmente perdia totalmente o interesse pelo meu trabalho. Tipo assim, meu, não quero mais vir trabalhar nessa empresa, ter mais nada pra aprender aqui. E aí as pessoas ficavam olhando pra minha cara do tipo, como assim? E você melhorar de posto, eu não fazia nem aí pra esse tipo de coisa, sabe? E existem essas regras sociais, assim, de você fazer parte da panelinha, as pessoas esperam que você vista a camiseta do time. É como se se você fizesse um bom trabalho, é como se esfregasse na cara que eles não estão fazendo um bom trabalho, que eu acho ridículo, porque uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Thaís: Se o Tiago falou de vestir a camiseta do time, eu entendo assim, quando a gente escolhe trabalhar em uma empresa ou dependendo do que você escolher trabalhar em um time, faz sentido você fazer o melhor por aquela empresa. E pra mim isso que seria o vestido, a camiseta de fato, né? Mas muitas vezes não é só isso que é cobrado, né? É a questão de você participar dos eventos, você estar feliz dos eventos interessante, é cobrado você estar feliz. E eu lembro que quando eu entrei no estágio, a minha vida toda a minha família me lembrou como é importante essa parte social e tudo mais. Então quando eu entrei no estágio eu considerei parte do meu trabalho frequentar o cafezinho. Então todos os dias quando as pessoas se levantavam e iam pro cafezinho, eu me levantava ia também e considerava parte do meu trabalho falar com elas e ficar ouvindo que elas estavam dizendo. Então, é uma coisa muito estranha, porque quem olha fala não, a Thaís gostava de falar no cafezinho. Não, na verdade, eu queria chegar, eu queria sentar e fazer o que eu tinha pra fazer, pra mim o meu trabalho podia ser só o meu trabalho de fato, mas eu passei a entender aquilo aquela parte social como minha tarefa, sabe? Como se tivesse dentro da minha descrição de atividades.
Pedro: Onde eu trabalho isso também é bem cobrado. Então, tem certos eventos que acontecem na empresa que todo mundo tem que participar, inclusive no final do ano passado lá teve o evento lá de final de ano que a gente tá, meu time, especificamente tava com entrega, prestes a ser lançada, né? E a gente precisava terminar e só que uma parte do time que infelizmente incluiu eu, teve que ir lá neste evento, lado bom é que eu que tinha comida de graça e eu consegui ganhar um monte de panetone, mas por outro lado tinha parte social lá e.etc.
Thaís: Na real, o lado bom dos eventos é sempre a comida, né? Eu considero uma das grandes vantagens do pessoal lá do meu trabalho saber que eu sou asperger poder virar pras pessoas e pedir pra elas não me tocarem. Então, as pessoas iam me abraçar e hoje em dia eu já viro e pra quase todo mundo eu peço pra não encostar. A não ser que seja uma pessoa que eu vá ver muito pouco, mas se é alguém que eu vou ver que seja uma vez por semana, essa pessoa já sabe que eu não quero ser abraçada e não quero que coloque a mão no meu ombro ou fale comigo tocando tempo inteiro, que são coisas extremamente incômodas pra mim, que são regras sociais teoricamente você abraçar as pessoas, beijar as pessoas, mas eu fico feliz de ter respeitado esse meu espaço, né? Apesar de de ser uma fuga da saída sociais pra mim é um respeito muito grande. Realmente eu me sinto muito mais tranquila na lá em falar as coisas pessoas do que falar as coisas pra minha família, pedir pra eles me deixarem no meu canto e tudo mais sem sem as pessoas sentirem ofendidas e ficarem enchendo saco.
Michael: Brasileiro de regra social ele fala, haha, regra social.
Thaís: Mas na real ele respeita um monte de regra. Porque é um paradoxo, ao mesmo tempo que o brasileiro respeita regra nenhuma, ele respeita um monte. Isso é de acordo com a conveniência, né?
Tiago:Porque, por exemplo, tem uma coisa muito engraçada que é sobre casamentos, você tem horário marcado do casamento, mas existe uma regra social de só começa duas horas depois do casamento e eu tenho vontade de esganar, eu odeio ir em casamento, o último casamento que eu fui, já tenho acho que já tem uns quatro, cinco anos, eu nunca mais fui porque eu não tenho paciência, sabe?
Thaís: Festas em geral eu tenho pessoas que são assim e quando eu tava na época da escola que pessoal marcava qualquer coisa, sempre todo mundo atrasava e só eu chegava na hora e ficava morrendo de ódio por muito tempo e morando em São Paulo, eu chegava muito antes, porque eu nunca sabia se ia ter trânsito e as pessoas adoram falar, ah, né? As vezes todos os dias a pessoa se atrasa porque tem trânsito E ela não descobriu ainda que tem trânsito todos os dias. É muito irritante isso pra mim. E e aí uma vez na época do colégio eu fui pra uma churrascaria com um grupo de colegas e era a primeira vez que a gente ia sair. E eu pensei, ah essa galera sempre se atrasa eu vou chegar meia hora atrasada. No final acabei chegando exatamente no horário, porque eu sempre saía antes de qualquer forma e todo mundo já tava lá e eu fiquei besta assim. E a gente saiu exatamente no horário marcado, eu não acreditava naquilo.
Yara: É porque era pra comer! Esse lance de chegar atrasado, eu tenho uma regra que eu faço o seguinte, que eu chego pra eu não ficar com ansiedade, eu começo a dar volta no quarteirão. Eu levo o celular com um livro dentro. É ótimo isso também. Ah, eu levo o celular e eu ouço música, os podcast ou jogo Pokémon. Se tiver disponível no ambiente. Enquanto a casamento é engraçado, porque eu detesto festa também, casamento eu acho um porre e quando eu casei eu atrasei acho que uma hora e meia, porque acabou a força e o cara tá fazendo um bom motivo, né? É, o cara tava fazendo meu cabelo, simplesmente acabou a força, né e tipo, eu fiquei super ansiosa por essa questão aí, tipo, atrapalhou pra caramba, porque quando começa uma crise de ansiedade na gente, aí o bicho pega o restante, parece que num sai normal, né?
Pedro: Eu tenho bastante raiva de dessa questão também da falta de pontualidade que eu tenho que ser bastante, eu gosto de chegar o mais cedo possível nos ambientes mas é bem chato quando as outras pessoas não chegam.
MIchael: O que mais me irrita é quando eu chego antes do horário, só que não sei direito onde é o lugar é eu não tenho coragem de perguntar pra ninguém, até eu achar o local, já chegou pelo menos nas duas ou três pessoas, eu não fui o primeiro a chegar, sendo que, na verdade, eu fui o primeiro a chegar.
Thaís: É, eu sempre tive mania de chegar também em primeiro, bem mais cedo, especialmente por essa questão do trânsito, só que aí geralmente eu ficava enfiada em algum canto, não ficava exatamente no meio ou lá na porta, né? Então, vamos dizer, se tiver uma fila, qualquer coisa do tipo, dificilmente eu sou a primeira da fila, mesmo tendo chegado antes do primeiro da fila, porque eu não fico lá no meio de todo mundo.
MIcahel: A coisa que mais me irrita também em toda questão é a necessidade que as pessoas tem de estabelecer um contato de proximidade geralmente contato visual na hora de conversar é. Simplesmente é uma blasfêmia que você saia andando e conversa com a pessoa. Ela acha que tá pouco ligando pra ela. Não, você tem que ficar parado, olhando sobre a tela.
Thaís: Eu não sei vocês, mas eu perco atenção no que ela tá falando assim, se eu consigo olhar nos olhos da pessoa, mas eu não consigo prestar atenção no que ela tá falando.
Pedro: A mesma coisa aqui inclusive eu também eu tenho que fazer um esforço muito grande pra ficar olhando nos olhos da pessoa é um esforço consciente.
Michael: Eu não consigo. Olhando os olhos. Então primeiro. Tem muita gente que já fica puta comigo porque eu não consigo olhar nos olhos. E tem gente que acredita que se você não olha nos olhos falando é porque cê tá mentindo então, cê taria mentindo cem por cento mesmo. Só que piora, que geralmente, porque além da questão da ser eu também tenho déficit de atenção, então, geralmente se eu tô conversando com alguém, eu não vou tá parado. E a pessoa já entende que eu não tô levando a sério, eu tô pensando, pensando que elas tão falando, eu só não consigo ficar parado, porque a ansiedade não deixa, ou porque eu tô fazendo algo importante ao mesmo tempo e eu tenho que dividir a atenção. Ou simplesmente eu gosto de andar enquanto eu falo? Eu gosto de andar, enquanto eu falo Não, eu não vou ficar sentado olhando pra você.
Thaís: É, talvez seja até uma questão de, dependendo com quem você tá falando, de a pessoa passar entender que você tem esse tipo de comportamento, né? Mas quando a gente só vai conversar com alguém uma vez da vida, às vezes é um pouco difícil entender que aquele padrão de comportamento é o normal dela e pronto.
Michael: Pro problema, tá justamente aí. Uma das coisas que eu mais gostei de quando eu fiz faculdade. Foi nessa questão de inclusão, tanto no meu curso em geral, tanto na geologia lá em Goiânia, como principalmente no laboratório de paleontologia que era onde eu passava mais tempo. Não já entrando um pouquinho no próximo tópico, não fui eu que tive que me adaptar, as pessoas que tavam lá na maior parte, foram as pessoas que estavam lá que viam que eu tinha essas dificuldades, esses problemas e elas; essa é a premissa da inclusão na verdade, né? Que o ambiente que tem que se adaptar por você e não no seu ambiente.
Thais: Mas a gente geralmente não acredita que isso vai acontecer pelo menos, eu sou uma cética que quando eu vejo isso acontecendo eu fico pasma.
Michael:Na verdade é justamente por isso eu também admiro demais o que aconteceu lá porque geralmente que acontece é que o fato deu não conseguir me comportar né? Muitas vezes que eu não quero. Tem vezes como eu falei da questão dos contatos nos olhos. Eu não consigo. Isso acaba sendo gerando conflito. É esse nível que eu falo de que as pessoas chegam porque eu não falo de pessoas genéricas, mas geralmente que eu tenho mais convívio involuntário.
Thais: Olha, agora uma uma pergunta assim, que eu nunca cada pessoa seja asperger ou não, dá uma resposta diferente. Mas, qual que é o a nossa dificuldade, assim, com os olhos? Porque eu geralmente olho pra boca, porque é o que tá mexendo e sei lá, eu vou olhar porque pra mim faz sentido. E mas cada pessoa tem uma resposta tão diferente, eu acho interessante ouvir isso.
Michael:Mas então, eu também não sei, o porque pra mim é só uma regra que não, de novo, é uma regra que foi confeccionada, ela num, ela é artificial, não, natural, eu realmente não sei se existe algo natural por trás disso, eu não sei. Provavelmente tem alguma coisa relacionada a minha infância, não lembro de nada de mais novo então, eu não sei, mas eu me sinto extremamente pressionado quando tem que falar com uma pessoa, mesmo que a pessoa esteja falando num tom extremamente normal, pra mim muda pra algo extremamente sério. Dá, se eu tentar me esforçar, continuar falando com a pessoa de continuamente nessa situação acaba tendo uma crise de ansiedade, porque eu sinto muita pressão nisso aqui. Eu não sei porque eu sinto só acontece. Por algum motivo olhar nos olhos das pessoas é algo que me dá essa sensação.
Paulo: Em mim eu sinto um pouco intimidado, acho que é a melhor palavra.
Thais: Engraçado que eu consigo imaginar a cena assim da pessoa olhando pra mim e eu me senti intimidada, mas não é isso que que eu que acontece, realmente eu eu tenho que ficar me forçando a olhar ali e eu já ouvi resposta de um no grupo mesmo do Facebook que sente que são emoções demais vindo dos olhos das pessoas e eu não não vejo emoção nenhuma vindo no olho de ninguém, eu nunca entendi essa história também.
Yara: No meu caso é engraçado, eu não tenho dificuldade de olhar nos olhos das pessoas, não, eu nunca senti essa dificuldade e eu consigo captar as mudanças faciais assim, conforme as pessoas falam, tanto que eu detecto se a pessoa tá nervosa, irritada, se ela tá feliz se de repente ela ficou chateada, embora eu não consegui raciocinando muito muito horas depois, inclusive nos encontros, alguma coisa assim pra é como se não saísse da minha cabeça a cena e eu tivesse que entender o motivo, mas o que eu sinto de dificuldade de conversar com as pessoas é que às vezes eu estou olhando pra elas, elas tão falando comigo e a minha imaginação parece que elas falam de algum assunto que na minha imaginação é como se puxasse um gatilho e aí tipo disparo assim tipo é eu me orgulho naquele assunto dentro da minha cabeça e aí eu num tomei escuta do que a pessoa tá falando. Tipo, aí eu de repente me dou conta e eu falo, meu Deus. Há quanto tempo será que eu tô nesse estado e a pessoa tá pensando que eu tô pensando, eu num tô usando mais nada do que ela falou.
Thaís: Cê vai pruma situação paralela, né? Eu tenho isso de vez em quando, também, aí num é de vez em quando, no sentido de pouco é relativamente até que bastante.
Tiago: Com isso, a gente chega numa questão muito importante, assim, como se adaptar às normas sociais, sem se afetar tanto e sem teoricamente magoar pessoas.
Thais: Eu acho que vem muito aquilo que a gente comentou de ter que pensar qual é a consequência do que você vai fazer e aceitar ou não essa consequência. Então, se se eu agir como as pessoas querem, qual é a consequência que eu vou ter com elas, qual é a consequência pra mim, no meu emprego, na minha vida e se eu agir do jeito que eu quero da minha a mesma coisa, porque às vezes a gente tá disposto a algumas pessoas ficarem com raiva da gente pra gente se sentir bem e às vezes não, às vezes a gente prefere se sentir um pouco mais irritado, com uma situação, mas ficar melhor com a com as pessoas, vai depender de cada caso.
Paulo: É, é bem uma coisa que eu que eu tento fazer é ter alguém que possa me explicitar as regras que eu preciso seguir, que são razoáveis de seguir no em certas situações e a minha esposa, em certas situações, sou colegas que eu simplesmente pergunto o que deveria fazer numa situação.
Thaís: É, isso de ter alguém pra perguntar é bem legal, hoje em dia tem internet também pra se você não quer perguntar pra uma pessoa fisicamente na sua frente, dá pra perguntar pra muitas pessoas e fóruns e profissionais até que ajudam isso, tem também livros sobre isso, então dá pra gente aprendendo. Aspergers são muito bons em aprender o que eles querem aprender, né?
Tiago: Sim sim, inclusive tem um livro chamado Manual de Sobrevivência Asperger se não me engano este é o nome que inclusive recebeu uma edição pirateada, mas também com o capítulo especial pra questões brasileiras, que foi escrito por uma pessoa dentro do e fala de muitas questões das relações sociais, de como você deve se comportar em certos espaços em situações novas. É um negócio que foi bastante útil pra mim, na época que eu estava lendo sobre o diagnóstico, porque eu fui desse livro pra confirmar se tinha alguma coisa que eu não sabia e aí quando eu li o livro eu percebi de uma série de minúcias que eram relevantes saber.
Thaís: E sentar e conversar assim, com quem é mais próximo de você, também pra deixar claro assim, ah, eu não tô seguindo essa regra por tal motivo e ver como a pessoa se ela entende, se ela vai aceitar aquilo, acha que a gente precisa ter essa liberdade também, como a gente falou em um outro episódio, tem que ter as pessoas para quem a gente tira a máscara e relaxa.
Michael: Nesse sentido, quanto a consequência é isolamento, às vezes eu já cheguei a usar isso pra minha vantagem, é. Que eu acho que eu já trouxe os seus episódios, mas eu nunca tive problemas com bullying na infância ou nada parecido, porque simplesmente as outras crianças tinham medo de mim, que eu era muito estranho. Simplesmente me deixavam quieto. Sim se não deu certo assim, tão estranho é que ela não tinha coragem de zoar com isso. É interessante isso, né? Que a gente se livra do bullying com as pessoas tendo medo da gente, é bem bem funcional. Só que geralmente eu prefiro tá longe das pessoas a perto delas, então muita por cento do tempo eu acabo que isolado por causa disso, é uma vantagem pra mim eu pelo menos é algo neutro, o problema mesmo pra mim é quando isso gera conflito, que nem familiar, é o que acontece o tempo todo, eu simplesmente não consigo me adaptar a eles e eles não conseguem se adaptar a mim. Isso já dá conflito. Porque não tem aceitação de nenhum dos dois lados, porque tipo, acontece que daí acaba sendo bem pior, porque você passando por esse estresse gigantesco estúpido.
Thaís: É uma coisa de que me lembrou agora é que às vezes se as pessoas sabem que você tá chateado, por exemplo, vamos dizer que que elas saibam que algo ruim aconteceu e aí você está no seu quarto, muitas vezes querendo te animar, as pessoas tentam te fazer sair de lá, irem em algum lugar, ah vão numa festa, vamos num parque e, na verdade, tudo que você quer é ficar lá dentro, isolado e tipo, não, não falem comigo, não olhem pra mim e eu vou ficar bem melhor. Então, é outra coisa que é difícil das pessoas entenderem as vezes.
Yara: E é muito comum, né? Às vezes o que a gente mais precisa é ficar tipo dois, três dias no quarto, na eu eu particularmente gosto de ficar na minha cama, aí eu me cubro, eu chego contato, parece que o contato com o edredom e com o colchão me deixa segura. E aí eu quero ficar em silêncio. E gente, eu tenho quatro filhos tipo silêncio na minha casa, é uma coisa que não existe. E daí é muito complicado em relação a isso porque eu fico altamente introspectiva e eu começo a ficar muito irritada assim se não é respeitado.
Thaís: Não que eu acho me ache capaz de me defender se algo tentar me atacar em situação qualquer assim. Eu eu pra mim tem mais a ver também eu num tenho irmãos, né? Então o meu quarto era meio que a minha zona, era a parte em que que ninguém ia cruzar ali, alguém podia, claro, minha mãe podia entrar e tudo mais, mas era um lugar onde eu podia realmente me isolar. Hoje, por exemplo, morando sozinha, eu sinto isso em qualquer lugar da minha casa. Eu entrei passei a porta, fechei a porta, aqui dentro, eu tô em qualquer lugar, mas porque eu sei que eu tô sozinha aqui e se um dia eu for morar com alguém, coisa do tipo, eu faço muita questão de ter um quarto só meu, mesmo que que eu tenha tipo, ah, o quarto do casal e o quarto só meu. Vai, eu não ia ter tipo o quarto dividido com outra pessoa, ah não sei uma situação de guerra, que aí cê não tem opção.
Paulo: Na minha segunda casa eu exatamente essa mesma situação, né? É um lugar que tinha bastante movimentação na frente, só que a janela tinha aquela janela de metal e deixava todo fechadinho bonitinho. E mesmo no calor de quarenta graus de Goiânia, praticamente nunca breta aquela janela, porque eu ficava dentro de casa, quietinho, aconchegado sem ninguém. Por perto. A janela estava fechada.
Thaís: Eu eu não sei se cê passou por isso, mas quando eu ficava enfiada no meu quarto, às vezes a minha mãe perguntava, mas afinal, o que cê fica lá dentro. E sem se parecia uma acusação nesse sentido, como se eu tivesse fazendo alguma coisa horrível lá dentro. Fabricando uma bomba? É, pense em qualquer coisa que você acha muito ruim e pra mim nunca fez sentido, porque que eu não posso só estar dentro do meu quarto mesma coisa que eu estaria fazendo aqui fora. Eles têm a ideia de que se a gente tá no quarto e ter um computador no quarto e aí tem a internet você deve tá vendo horrores na internet, por isso você está de porta fechada.
Yara: Sabe, eu não passei por isso porque era engraçado. Quando eu morei com, né? quando eu cresci no meio da minha família, eu não tinha um quarto só meu. Então, e o meu computador ficava na sala e todo mundo via que eu só trabalhava. Eu simplesmente não assistia nada, eu não fazia nada, eu só trabalhava, literalmente, eu fui durante muitos anos. E quando eu fui morar sozinha, morei fazia durante um tempo também. Eu também entrei nessa vibe de só trabalhar, eu trabalhava mais ou menos umas quatorze horas por dia e eu adorava e era muito engraçado, porque eu me tornei totalmente ao contrário da regra social. Tipo, eu trabalhava mais ou menos; catorze horas eu acordava, comia alguma coisa rapidinho e sentava no computador pra trabalhar e eu parava às seis da manhã, às seis da manhã eu pegava minha cachorra e ia caminhar no parque, voltar, tomar um banho e dormir até as quatorze horas, era tudo invertido. E a sensação de liberdade que eu tinha era fantástica.
Thaís: É, eu na época que tava desempregada, era bem comum, eu ir dormir, assim, por volta das dez da manhã e acordar por volta cinco da tarde e achava isso uma coisa muito boa, porque eu tava dormindo durante o horário mais quente e mais barulhento do dia e eu ficava acordada dos melhores horários e pra mim sempre ter, eu tive essa relação, assim, de que de noite tá mais tranquilo, as pessoas estão dormindo só que tem muitos serviços que eu não conseguia a noite, né? Ou lugares que eram perigosos de se ir à noite que eu precisasse ir pra algum lugar. Então, infelizmente a gente ainda não tenho uma sociedade que funcione totalmente pra quem tem um horário invertido.
Paulo: Eu sempre tive que dividir quarto com meus irmãos, morava na casa dos meus pais, depois fui morar em República onde ele também dividia quarta e eu só vim ter só vim morar sozinho, depois na minha casa eu comprei e depois veio minha esposa, então eu já tenho eu já divido também o quarto com ela, então por mais que não pareça é o lugar pra ir pra ninguém, pra me isolar das pessoas, ela sempre foi o banheiro, tá na hora de tomar banho, era a hora que entrar num momento introspectivo ali.
Thaís: Cê precisaria ter um banheiro do tamanho do banheiro da minha mãe, da casa atual dela, que daria pra colocar uma mesa com computador lá dentro e tudo, cê passa o dia dentro do banheiro.