Introvertendo 34 – O Que a Síndrome de Asperger não É

Dentre muitos mitos em torno da chamada Síndrome de Asperger (SA), hoje associada ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), cinco deles incomodam diretamente pessoas dentro do espectro. Neste episódio, discutimos um pouco destas desinformações e de que formas, até onde se sabe, a síndrome é. Afinal, para que se haja uma compreensão fiável sobre o autismo, é preciso combater noções incorretas.

Participam desse episódio Marcos Carnielo Neto e Tiago Abreu.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá pra você que escuta o podcast Introvertendo em 2019, nós somos uma produção para neurotípicos e neurodiversos e estamos nesse novo ano para discutir temas interessantes para o resto deste período. Meu nome é Tiago Abreu e hoje eu trago um tema muito importante que é O que a Síndrome de Asperger não é. Eu preciso falar antes de tudo que nós vamos usar o termo Síndrome de Asperger justamente para restringir a esse campo do autismo mais leve, certo? Mas nós temos o conhecimento de que esse termo está entrando em desuso e talvez se você tiver ouvindo isso em outro ano, até já entrou em desuso. Mas, estou com outra pessoa aqui, que é o Marcos e ele vai falar um pouco com vocês.

Marcos: Olá, eu sou o Marcos e hoje a gente vai falar da nossa perspectiva como Asperger’s porque, como a nossa forma de autismo é mais leve, a gente não vai poder falar por todos os autistas, porque é uma condição bem diversa. Então, a gente vai restringir o nosso tópico hoje precisamente pra pessoas na nossa faixa de autismo, especificamente, pessoal com Asperger’s. E é muito importante falar do que o autismo não é, porque a maioria das pessoas tem um monte de ideias pré feitas sobre o que é autismo e Aspergers e tem muita diferença, tem muita coisa que é mito na sociedade, é preconceito sobre a condição e até mesmo sobre autistas, sobre os próprios autistas, porque é uma condição diversa, bastante variada. Então, sempre vai ter ideias pré-concebidas sobre o que é o Asperger’s que, na verdade, não correspondem à realidade. Então, a gente vai discutir hoje sobre a nossa perspectiva sobre o que a gente acha que não é a nossa condição. Baseado no que a gente vê, o nosso grupo aqui, na nossa própria experiência de vida.

Tiago: Então, com vocês, mais um episódio do Introvertendo.

Bloco geral de discussão

Tiago: Eu queria começar esse episódio primeiro pensando na questão da noção que muitas pessoas tem, principalmente por causa dos graus mais elevados de autismo, acerca da ideia de inocência. Autistas não são tão inocentes quanto se pensam e por isso que a síndrome de Asperger não é a síndrome dos anjos azuis. Esse termo é muito utilizado na militância do autismo, principalmente por meio de pais e mães que definem os seus filhos como anjos azuis, como uma forma também de se retratar de uma forma muito romântica, de uma forma amorosa a eles. Só que essa romantização do autismo pega pesado pro lado dos adultos e pro lado dos idosos autistas, porque são pessoas que cresceram, conviveram socialmente, tiveram diagnósticos tardios e nem sempre viveram nesse mundo de inocências de fato. Além de que Asperger’s, considerando algumas de suas características, muitas vezes podem ter comportamentos violentos e podem ter também comportamentos sociais de ações com relação aos outros violentas. Ou seja, ao chamar um grupo de autistas de anjos azuis, você romantiza o autismo como se fosse algo infantil, como se fosse algo de crianças puras e sem maldade. E isso leva a um outro problema. Eu penso que quando a gente fala de infância, quando a gente fala de crianças e da forma como nós observamos as crianças e nós lidamos com elas e dialogamos com elas também, nós temos que tomar um certo cuidado com os perigos que existem na sociedade. Então uma das coisas que eu percebo que muitas vezes não são estimuladas pelas famílias com relação às pessoas autistas é com o cuidado que elas têm que ter com os perigos no relacionamento com outras pessoas. Existem pessoas más por aí, existem estupradores, existem aliciadores, existem pessoas que praticam bullying. Então, a partir do momento que você olha o seu filho com essa inocência, muitas vezes você não vai conseguir lidar com muita facilidade nessas situações de perigo. E como é que o autista lida com essas situações de perigo? É claro, isso é um tema muito mais complexo que vai ter um futuro episódio, mas fica aí essa mini reflexão de que esse termo anjos azuis ou, muitas vezes, até a própria questão de tudo ser azul, sabe? Eu já vi muitos autistas reclamarem. Então, é um ponto a começar a se pensar e ter uma mudança de pensamento com relação ao uso desse termo. Além de que muitas pessoas podem ter essa questão da inocência muito trabalhada a ponto de não saber lidar com perigo, nós temos autistas que, como pessoas comuns, eles desenvolvem maldades com relação a certas coisas. Então, não faz sentido chamá-los de anjos azuis. E aí que vai a segunda coisa que pra mim indica o que é a síndrome de Asperger não é. Síndrome de Asperger peguei não é justificativa, não é rótulo, não é para justificar que você seja um sujeito imbecil. Por quê? Porque nessa comunidade autista na internet, tanto pessoalmente quanto pela internet, eu já conheci muitas pessoas dentro do espectro. E já vi muitos comportamentos que a mim particularmente me chocaram. Eu já vi autista leve com síndrome de Asperger, funcionalmente bem socialmente, agir de forma machista, misógina e preconceituosa com mulheres. E isso talvez não é pra se pensar que poderia ser diferente, porque homens estão condicionados a fazer merda independentemente de suas condições, mas eu penso que em um meio de neurodiversos, de pessoas já excluídas socialmente, ver esse tipo de comportamento muito semelhante que acontece entre os neurotípicos, essa é mais uma prova de que a síndrome de Asperger não valida o sujeito como inocente e, além de tudo, não pode ser uma justificativa para que ele aja de forma arrogante e imbecil com as outras pessoas. Inclusive, essa questão do preconceito é um tema que eu quero trabalhar futuramente, outros outros temas/episódios do podcast, mas, por exemplo, eu também já vi muitos aspectos de homofobia quando o assunto questão do autismo, porque a leitura que as pessoas fazem externas com relação ao autismo é geralmente assim: autista é assexual e o autista que não é assexual é heterossexual, mas ele não sabe flertar com uma mulher e ele vai assediá-la não sabendo que é assédio. Tem inclusive, se não me engano, um filme ou outro, eu não lembro agora o nome, que usam um pouco desse discurso para gerar um argumento. E eu acho isso tão problemático…

Marcos: É aquele filme sueco que mostra uma descrição totalmente errada sobre o que é Asperger, eu esqueci o nome. Bom, enfim, o que ele retrata, na verdade, é um autista altamente não funcional. É totalmente diferente de um Asperger. Acho que é Simple Simon. É um filme sueco, sobre um cara que tem Asperger que na verdade é um cara com autismo não funcional. Não tem nada a ver com Asperger, de verdade. Mas enfim. Não sei o que que isso tem de relevante.

Tiago: Isso influencia a leituras erradas sobre o autismo. Então, de certa forma, eu acho que a comunidade autista, isso também é outro tema pra outro episódio. É que a comunidade autista ainda tem muita dificuldade de sair desses temas primários, que é diagnóstico, que já é um passo muito grande, mas também de compreender socialmente o nosso papel no espaço. Porque eu acho que os autistas não são diferentes de outras pessoas, de outras minorias que são muito mais bem organizadas nesse sentido de consciência do que eles são em sociedade. Então, eu acho que a partir do momento que a gente começar a pensar sobre essas questões de não tratar autistas como inocentes e nem validar os seus comportamentos com base no diagnóstico, tipo: “ah, ele agiu dessa forma, porque ele é autista”, sabe? Vai começar a gente entender um pouco de um sentido autocrítico do que nós somos nisso. E eu acho que a comunidade autista, como geral, os autistas, eles têm que começarem a não se ver simplesmente como vítimas de uma sociedade complicada, mas também se verem como culpados nessa relação entre os próprios autistas. Nesses últimos 4 anos, mais ou menos, que eu frequentei grupos de Facebook, WhatsApp, na área de autismo, eu vi autistas praticamente trocarem socos virtuais. Eu vi muita agressão verbal, eu vi muita coisa que não diferencia nem um pouco do comportamento entre neurotípicos. Eu acho que nós, pessoas, dentro do espectro, nós temos que começar a reprovar esse tipo de atitude.

Marcos: Bom, isso é uma questão complicada, porque nós, autistas, por natureza, a gente já não é muito sociável. Então, você exigir que a gente se una e criar grupos, significa que a gente precisa…

Tiago: Não.

Marcos: Foi, foi isso que deu de entender. Tipo, você queria porque a gente se organizasse como minoria, por exemplo, a comunidade LGBT, que é um pouco mais organizada.

Tiago: Não, não, não. O que eu estou falando é o seguinte: estou falando que nós, de forma individual mesmo, nós que temos essa consciência que muitas vezes nem todos têm desses tipos de atitudes socialmente entre grupos de autistas que já existem serem totalmente reprováveis, a gente começar a manifestar isso e combater, entendeu? E aí eu acho que a partir dessa consciência que vai ter entre algumas pessoas que a gente começa a se formar semelhantemente a outros grupos mais bem estruturados que já tem muitas décadas de união, que também tem os seus próprios problemas particulares, como os LGBTs. E lembrando que tem LGBTs entre autistas, que é a minoria da minoria.

Marcos: Assim, aspies autistas no geral são humanos, normais, só manifestam um comportamento de uma forma diferente. Então, realmente, de um ponto de vista ético, a gente não tem que necessariamente levar passe livre pra muitas coisas que o pessoal pode usar o autismo como justificativa para agir de uma certa forma. Um ponto importante que a gente tem que discutir é sobre a empatia. É que não tem como falar de Asperger e não trazer o tema de empatia no meio, porque é uma das características principais que é a manifestação diferente de empatia no autista, principalmente nos aspies. Acho que a gente está meio que num limbo que a gente não chega necessariamente a ser psicopatas, de ter zero de empatia. Mas, ao mesmo tempo, a gente não tem, realmente, a quantidade de empatia de um neurotípico. Não sei. É difícil dizer. Porque, às vezes, realmente, algumas coisas que geram uma rea um neurotípico não gera um uma reação na gente, então a gente tem um nível menor de empatia, mas não a ponto suficiente de ser tão diferente da população neurotípica, embora tenha sim uma quantidade menor de empatia, já que a gente não sente da mesma forma que os neurotípicos geralmente na mesma intensidade e de forma automática aos sentimentos das pessoas, a gente não reage com a mesma intensidade. Ao mesmo tempo, a gente tem empatia sim, mas a gente tem dificuldade de expressar. Um problema do aspie é que às vezes a gente sente empatia, mas a nossa inabilidade social acaba não deixando que a gente expresse a empatia da mesma forma que os neurotípicos.

Tiago: E eu acho que o ponto de queixa de muitas pessoas dentro do espectro é uma crítica, a visão estereotipada que algumas pessoas têm de que a síndrome de áspero é falta total de empatia, que aí já vai parte extremo diferente, inclusive o episódio de número 10 do do podcast, que é o episódio de empatia, vinha muito disso, de você ter certas atitudes sociais, seletivas, que não correspondem por exemplo, a atitudes gerais que os neurotípicos consideram, mas que são atitudes de empatia. Então, eu acho que a própria temática da empatia com relação ao autismo é um tema ainda muito incipiente, muito a ser trabalhado, porque eu tenho a leve impressão de que a própria ideia de empatia, ela varia muito entre certos grupos sociais. Então, por exemplo, já vi em palestras, de que uma característica, a característica de empatia, é uma característica geralmente associada ao feminino. Então, por exemplo, que é um, que é um tema muito mais trabalhado por autoras feministas do que necessariamente algo do campo masculino. E a Síndrome de Asperger, em sua grande maioria, tem diagnósticos entre homens, não que a prevalência seja exatamente entre homens e muito mais.

Marcos: Não, assim, só falando que essa questão do autismo ser mais prevalente no sexo masculino, na verdade é uma coisa sim bem visível nos dados estatísticos quando você vê. Inclusive há uma suspeita leve de que há uma correlação entre os cromossomos sexuais e o autismo. Principalmente na síndrome do cromossomo Y extra. É uma das formas mais comuns de manifestação de autismo não funcional, do mais pesado. É no sexo masculino. No Asperger segue o mesmo padrão. A maioria das pessoas diagnosticadas com Asperger projeção do sexo masculino. E as mulheres são minorias dentro da nossa comunidade. Porque tem uma correlação sim com sexo e autismo. Inclusive eles não sabem bem, mas o autismo ainda não é bem compreendido pela ciência, a gente não sabe exatamente a origem, porque a neurobiologia humana é muito complicada, então a gente ainda não entende completamente as questões, mas existem teorias que dizem que talvez autismo seja por desvios hormonais no útero da mulher. Então, isso com certeza estaria relacionado com o sexo. Mas, existem várias outras explicações para o autismo. Mas que existe essa diferença entre homem e mulheres diagnosticados com Asperger, isso é fato e é demonstrado estatisticamente.

Tiago: Então, a questão que eu já vi algumas pessoas discutirem, inclusive, isso tem que ser abordado de uma forma mais profunda depois, é que muitas mulheres dizem que a prevalência de Asperger entre homens e mulheres, talvez, pode ser muito parecida. A diferença é que o padrão diagnóstico feito nos consultórios, em toda a sociedade, ele é feito de uma forma a ser voltado para homens, entendeu? Que é algo que, possivelmente, pode ser factível, considerando que sempre o diagnóstico de Asperger em mulheres é considerado muito tênue e muito difícil, que elas passam despercebidas, será que elas passam despercebidas mesmo? Ou são os critérios que não estão muito afiados? Inclusive já vi artigos apontando diferenças comportamentais e até de vários aspectos entre as Asperger homens e mulheres, sabe? De que certas coisas tem efeitos muito específicos em mulheres que passam totalmente despercebidas no universo masculino. E como esse universo do autismo é trabalhado nessa perspectiva masculina, eu acho que pode ter algum tipo de efeito.

Marcos: A gente acabou saindo de linha aqui. Sobre a questão da empatia. Bom, é difícil dizer porque, assim, olhando pro típico aspie no nosso grupo, a gente vê que tem um um nível menor de empatia da nossa parte, em certos aspectos. Principalmente em situações que geram uma reação mais forte no neurotípico, às vezes não gera uma reação tão forte na gente. Tem essa tendência de ter uma dificuldade em se colocar no lugar das outras pessoas mesmo, por exemplo. A gente tem um jeito mais autocentrado de ser. Acho que isso é uma característica aspie. A gente tem a tendência de ser mais introspectivo e por causa disso a gente acaba se perdendo no nosso próprio mundo, que às vezes, geralmente, é bem complexo e acaba tendo dificuldade de se colocar no lugar da outra pessoa. Acho que isso é uma dificuldade, mas ao mesmo tempo a gente possui outros tipos de reações que não são encontradas nas outras pessoas. Às vezes a gente é mais sensível a outros tipos de estímulos sociais, se você está entre as pessoas. Então, é uma diferença de manifestação de empatia, né?

Tiago: O quarto tema é: a Síndrome de Asperger não é genialidade.

Marcos: Essa questão da correlação do autista com a genialidade realmente é um problema, eu acho que até na nossa própria comunidade a gente mesmo se cobra disso, não só as outras pessoas cobrando da gente, porque muitas vezes a gente acaba tendo um hiperfoco em alguns tópicos que são bastante estudados e a gente acaba criando ídolos que são considerados gênios pela sociedade. Eu, por exemplo, gostava de ciência, a gente acaba admirando cientistas como Newton, Einstein, Alan Turing, por exemplo, que a gente tem suspeita dos três estarem de alguma forma no espectro.

Tiago: Não se esqueçam agradecer a Alan Turing, ateu e homossexual, o pai da ciência da computação. Continue.

Marcos: Então, a gente tem a tendência de, às vezes, criar um ícone que, realmente, era um gênio, provavelmente estava no espectro autista, que às vezes a gente até se sente representado por eles às vezes. Mas isso gera um problema porque hoje em dia numa sociedade competitiva, a chance de fracasso não é pequena para todo mundo. Neurotípicos e neurodiversos a chance de fracasso do que é considerado fracasso na sociedade é muito alta para todo mundo. Então, assim, nem todo mundo vai ter sucesso na área acadêmica, na área criativa, geralmente tem essa correlação de que o autista é um supergênio, porque a gente geralmente tem esse hiperfoco em temas mais racionais que as outras pessoas geralmente não gostam muito e relacionam com pessoas que têm inteligência acima da média. Acaba que nem sempre, por causa das nossas dificuldades sociais, a gente acaba sendo bem sucedido na sociedade do que a sociedade considera como bem-sucedido. Inclusive, é um dos maiores causadores dos nossos transtornos mentais, né? Que é o fato da gente não se sentir bem sucedido na sociedade e muitas pessoas do nosso grupo cresceu também ouvindo que a gente era o próprio supergênio por ser diferente e por ter o hiperfoco as pessoas achavam que a gente era um mini gênio também, a gente cresceu nessa expectativa de ser extremamente bem sucedido e, muitas vezes, quando a gente cresce, a gente tem dificuldade em alcançar esse sucesso que a sociedade tem e isso acaba frustrando a gente sendo uma das maiores causadoras dos transtornos mentais, de depressão e ansiedade, principalmente nessa nossa idade de universitário, até os 30 anos, e acaba que isso é um problema porque essa associação do autismo com ser o mini gênio acaba gerando muita pressão sobre a gente. Às vezes da gente próprio sobre a gente mesmo e acaba que numa sociedade competitiva igual a gente vive hoje, esse sucesso do minigênio é raro e é muito difícil de ser alcançado. E isso é um problema, porque a gente tem que levar isso em consideração. Pra gente parar de se cobrar tanto e das outras pessoas também criarem expectativas demais em cima da gente, baseado em esteriótipos.

Tiago: Além de que essa ideia de genialidade é questionada teoricamente até pela ideia de altas habilidades. Altas habilidades não é genialidade. Aliás, nem o termo superdotação é muito utilizado, porque a alta habilidade é um potencial que você tem em uma ou algumas áreas que você desenvolve acima da média e isso não é genialidade. Então, tem muita gente que faz a correlação entre altas habilidades e síndrome de Asperger, mas vale acrescentar que genialidade é um ponto totalmente longe. Quando as pessoas falam genialidade, sabe o que eu penso? Eu penso naqueles casos de savantismo.

Marcos: É.

Tiago: Ou aquela síndromes muito raras em que a pessoa desenvolve extrema habilidade em fazer alguma coisa, como sei lá, tocar piano lindamente aos dois anos de idade e não ter habilidade nenhuma em mais nada. Então, isso que tá mais perto do que, pelo menos, eu penso de genialidade.

Marcos: Verdade, a maioria dos que são considerados gênios verdade são os pouquíssimos casos de pessoas que desenvolvem o savantismo, que é bem raro na sociedade e pessoas savants têm uma facilidade extrema, elas realmente são geniais no que elas fazem e realmente o savantismo tá associado ao autismo, nem todo savant é autista, mas muitos são, a maioria deles são, então, realmente tem essa correlação de todo autista ser savant. O que não é verdade, porque o savantismo é uma coisa presente numa minoria de uma minoria e o savantismo muito raro na nossa cidade, é coisa de um em dez milhões de pessoas, algo nesse nível de raridade. E essa questão de genialidade também meio que é um mito na sociedade, porque as pessoas tem uma ideia muito errada, do que que é um gênio de verdade e como a pessoa se torna um gênio. Porque muitas vezes existem os savants que são realmente pessoas extraordinárias, mas elas são minorias. Muitas vezes as pessoas são consideradas gênios, e na verdade são pessoas que realmente possuem um pouquinho de talento, um pouco de talento na área, mas que ninguém considera o fato de que elas tiveram que trabalhar muito pra chegar onde elas tiveram que chegar. E a gente tem esse problema que os aspies geralmente são muito perfeccionistas e têm uma autocobrança muito exagerada. E, muitas vezes, a gente tem, sim, uma alta habilidade em algum aspecto, principalmente nas áreas que a gente acaba desenvolvendo hiperfoco, mas a gente não é guiado a desenvolver esse talento de verdade, pra chegar num ponto que a gente seja bem sucedido, exatamente devido aos nossos problemas emocionais e da gente não ser guiado de uma forma mais mais saudável, uma forma mais correta para se chegar num sucesso acadêmico, por exemplo. A gente luta bastante com os nossos problemas emocionais, aspies tem um problema sério com ansiedade, com depressão e outros transtornos. Então também é importante notar que mesmo com altas habilidades a gente precisa de um acompanhamento para atingir um sucesso. Pra poder talvez alcançar o potencial que as outras pessoas associam com a gente? É uma questão interessante que a gente podia discutir depois, mas é um tema pra outro assunto. Eu acho que eu já discuti um pouco disso no episódio do perfeccionismo, né? Episódio 27, talvez aí é uma área que ainda dá pra discutir bastante, fazer vários episódios sobre isso.

Tiago: E para fechar, nosso quinto e último ponto: Síndrome de Asperger não é doença. Tem muitos artigos, tem muitas falas, tem de tudo na internet, principalmente conteúdo jornalístico. Alô, alô, jornalistas que compartilham da mesma profissão que eu. Síndrome de Asperger não é doença, não é uma patologia, não é algo a ser curado. Por quê? Porque, primeiro, é um ponto genético, um ponto que tem, sim, alguns fatores ambientais, mas nos acompanha desde que nascemos até a morte. E outra coisa, muito importante, que difere de muitas as condições que as pessoas adquirem, fazem parte da nossa identidade. Se nós não fossemos pessoas com síndrome de Asperger, nós teríamos pessoas com visões de mundo diferentes, com formas de agir diferentes, com trajetórias de vidas distintas. Então, não dá pra considerar uma condição psicológica, que é a síndrome de Asperger, como doença. Mas, também, por esse lado, a gente também não pode falar que síndrome de Asperger é mil maravilhas, que não tem seus dissabores, que não tem seus problemas e sim, tem as nossas complexidades, mas o termo doença deve ser evitado.

Marcos: A síndrome de Asperger, no geral, ela é bastante debilitante pra gente, pra maioria da gente, ela gera dificuldades. É importante também notar que a gente realmente tem dificuldades que pessoas neurotípicas não tem. Porque realmente dificulta bastante a nossa vida. Então, assim, é bom você não considerar ela como sendo uma doença, algo que vai te paralisar, mas também é importante notar que a Síndrome de Asperger torna a pessoa diferente do resto da população neurotípicas, porque a gente tem, sim, certas desvantagens. A gente tem dificuldades que afetam a nossa vida no geral, vida profissional, acadêmica, a nossa vida ela é bastante afetada pelas nossas debilidades que são associadas com a síndrome, então é importante notar que mesmo não sendo doença, a pessoa com Asperger ela é sim diferente e que assim, é necessário notar que ela não é exatamente uma pessoa com as mesmas vantagens de uma pessoa neurotípica e que mesmo ela possuindo talentos em algumas áreas específicas, geralmente nas áreas de hiperfoco, ela não é necessariamente, ela não tem necessariamente vantagem sobre neurotípicos, porque a gente tem outras dificuldades que tornam a nossa trajetória mais difícil, mais complicada. Eu acho que a gente tem sim que que reconhecer isso, apesar de que também é importante analisar cada indivíduo como sendo um só e não generalizar a síndrome de Asperger como sendo algo totalmente paralisante na vida. Cada indivíduo tem uma trajetória diferente e cada trajetória vai depender do apoio das pessoas ao redor, de como ele se vê, como se ele enxerga. E como ele lida com os problemas que vem associados com a síndrome também. Só tô dizendo que é importante você também notar os pontos fracos da síndrome. Muita gente tenta romantizar também a síndrome de Asperger a gente é uma forma mais funcional, então superficialmente a gente é mais “normal” do que os outros autistas e isso acaba gerando expectativas demais na gente, que às vezes a gente não consegue cumprir exatamente por causa das nossas debilidades sociais, que muitas vezes elas acabam impedindo a gente completar nossa trajetória como a gente queria, como as pessoas imaginam. Então, é sim, necessário e importante você perceber os pontos fracos da síndrome e também é importante você não generalizar de uma forma geral, porque cada indivíduo Asperger é um indivíduo mesmo, né, uma pessoa diferente e tem uma trajetória diferente. E não generalizar a síndrome, como sendo totalmente paralisante. Então, é bom encontrar um meio termo do pessoal e também é importante desconstruir preconceitos sobre que é a síndrome, pra gente poder entender melhor e poder representar a gente melhor na mídia, no mainstream, porque hoje em dia autismo é uma coisa que que vem crescendo bastante, os diagnósticos de autismo vem aumentando nos últimos tempos, porque as pessoas tão passando a perceber mais os sintomas, estão ficando mais alertas sobre, sobre o que é o autismo, então é importante você desmistificar muita coisa.

Tiago: Ao mesmo tempo também, esses pontos de desvantagem partem da ideia de que o neurotípico é a norma padrão, que também tem uma questão, aí, também, social, que vai uma discussão muito mais complexa e é por isso que seja importante pensar a síndrome de Asperger, não como algo simplesmente incapacitante ou como algo que produz superpoderes, é um indivíduo, todo indivíduo tem as suas potencialidades e tem as suas dificuldades e todo diagnóstico envolve também esses pontos. Eu disse uma vez no TEDx Goiânia que teve em dezembro de 2018 no final de que o autismo é uma forma de perceber o mundo. E eu, pelo menos, gosto dessa linha de raciocínio minha, porque quando você tem uma visão de mundo, você pode estar certo, você pode estar errado, mas mesmo estando correto ou equivocado, você tem uma trajetória a seguir. E eu acho que essa condição, por mais que ela tenha efeitos negativos e também efeitos positivos, produz esse norte pelo qual nós caminhamos.

Marcos: Entendi. É verdade, é importante você notar que o autismo não é necessariamente uma debilitação completa, transtorno, né? Algo que deve ser curado. É simplesmente um modo diferente de ser. É um modo diferente da pessoa agir que desvia do que é típico na sociedade comum. A gente é simplesmente um tipo de pessoa com uma neurobiologia ligeiramente diferente do que é comum na sociedade. Então, o que acaba gerando nossas debilidades é o fato da gente não conseguir se encaixar numa sociedade que a maioria das pessoas são parecidas umas com as outras e tem a gente, que é bastante diferente da norma. Então, eu acho que é importante a gente chegar num ponto em que a gente aceite as diferenças e veja a gente como sendo diferente, mas que não haja uma exclusão, que que se crie uma aceitação na sociedade de que o autismo é uma forma diferente de ser e que a gente não precisa ser curado dessa forma, a gente não precisa mudar o nosso jeito de ser simplesmente pra ser parecido com o resto da população, do que é considerado normal. Porque a evolução, na verdade, é exatamente isso, é criar diversidade entre populações e a reprodução sexual leva a isso, essa diversificação entre indivíduos, isso é normal. É importante a gente começar a ver o autismo como sendo simplesmente uma forma diferente de ser. E que merece tanto respeito quanto uma pessoa considerada normal. Ou seja, uma pessoa que simplesmente que é mais próxima da norma, mais típica, na verdade. E aí autismo não não torna a gente necessariamente anormal, é simplesmente uma forma diferente de você pensar, uma forma diferente do cérebro humano funcionar, mas no final das contas a gente ainda é da mesma espécie, só com uma diferente variação e a gente é capaz de bastante coisas pessoas não são também. Então a gente tem que analisar cada indivíduo especificamente e trabalhar para que cada indivíduo se aceite como sendo ligeiramente diferente da norma, mas não sendo uma pessoa normal, bizarra, simplesmente uma pessoa diferente e que ela vai ter, possuir tanto vantagens, quanto desvantagens, ela simplesmente vai preencher um nicho diferente na sociedade. Seria bom dissociar expectativas na gente que o pessoal põe nas pessoas neurotípicas. Esperar que a gente siga a mesma trajetória de uma pessoa neurotípica. Porque a gente tem um jeito diferente de ver o mundo. Então, seria bom a gente encontrar um nicho que a gente pudesse preencher da nossa própria forma diferente de ser. E buscar aceitação das outras pessoas, de que o mundo não é feito por pessoas homogêneas, que existem diferenças, existem minorias e é importante criar aceitações na minoria, autismo sendo mais uma delas.

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