Introvertendo 29 – Crises e Estresse

Os chamados meltdown e slowdown são expressões bastante conhecidas por pessoas dentro do espectro do autismo. As crises, sintomas de estresse e sobrecarga, podem se manifestar na explosão, mas também na implosão. Neste episódio, discutimos estes conceitos num sentido prático e nos questionamos: O que fazer em situações de crise?

Participam desse episódio Paulo AlarcónThaís Mösken e Tiago Abreu.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá para você que escuta o podcast introvertendo, esta produção feita por pessoas dentro do espectro autista. Meu nome é Tiago Abreu e hoje estou novamente com Thais e com o Paulo para falar sobre meltdown, slowdown e outras crises que ocorrem entre pessoas do espectro. 

Paulo: Meu nome é Paulo falando diretamente de Caçapava. Eu tenho uma vida constante de estresse e é isso. 

Thais: Oi pessoal, meu nome é Thais e eu estou em Florianópolis, apesar de ser de São Paulo. Eu nunca tive um meltdown em si, mas meu estômago antes do que acontece no dia a dia. 

Bloco geral de discussão

Paulo: Uma das coisas que me levou ao diagnóstico foi a questão do meltdown. Em que passei por um período ali de estresse bem forte quando eu fazia mestrado e ainda por cima trabalhava. Fiz meu mestrado em computação aplicada enquanto trabalhava e basicamente trabalhava no meu mestrado da meia-noite às seis, na maioria das dos e-mails meu orientador para corrigir a minha dissertação terminava num meltdown. 

Thais: Você separava um tempo pra dormir aos finais de semana pelo menos? 

Paulo: Já aos finais de semana eu dormia oito horas. 

Tiago: Às vezes nem dormir é o que acaba sendo suficiente diante de uma situação de estresse. Então quando você tem uma rotina muito pesada em que parece que tudo foge do controle, controle parece ser uma coisa muito relevante pra nós, não há como fugir de alguma crise, seja o meltdown que é primeiro definindo, né? Essa explosão, essa coisa de você explodir e o slowdown que se o implodir, né? Que é você ter uma crise que não se manifesta muito externamente e parte mais pro isolamento. 

Thais: Bom, então conforme a gente estava falando no no episódio de mercado de trabalho e tudo mais, né? E eu tinha comentado que ia ter lá o team building. E pra mim esse é o tipo de situação assim que leva a bastante stress né? Então no final foi pros, neurotípicos, eu imagino que esse algo muito legal todo mundo saiu elogiando. Depois até mandaram aquele formulário de feedback que eu ainda não preenchi. Tenho que pensar muito bem o que como eu vou abordar o meu feedback. Mas basicamente o nosso team building foi assim e eram cerca de cem pessoas entre vendedores e para vendedores. E a ideia do pessoal foi levar a gente para um clube e chamaram uma equipe de circo para ensinar o pessoal a fazer malabarismo então tinha cinco tipos de malabarismo diferentes, tinha aquele de jogar a bolinha tipo malabares mesmo tinha de se pendurar em corda, em tecido, não sei o quê. Tinha aquele trapézio, de jogos de pés pra frente, dando cambalhota no trapézio. Arco e flecha e guia as pessoas subirem uma em cima da outra nas costas das outras. Era um circo tipo circo de soleil. E aí a ideia final era que a gente iria na manhã inteira e até a metade da tarde treinar esses malabarismos com o pessoal do circo e no final da tarde chegaria uma van cheia de crianças de uma creche que tinham disso para elas que elas iam assistir circo de verdade e a gente ia se apresentar. Então vocês imaginam que eu fiquei assim muito feliz em saber da atividade do dia. Não, eu não fiquei, isso foi ironia. 

Tiago: Foi o caos e o sofrimento, literalmente. 

Thais: Na hora que inclusive assim no dia anterior eu perguntei para você que estava organizando, eu falei, “ah, que que vai acontecer?”. Ela falou, “ah, é surpresa, você vai saber amanhã”. Eu olhei pra ela e falei, não. Porque não, não dava pra eu descobrir o dia seguinte, já que já tinham me falado que podia ser complicado. E aí, à noite, aí são uma das vantagens, do pessoal do meu trabalho saber que eu sou asperger. Ela me mandou mensagem falou “ah Thaís desculpa eu não podia te falar que ele aquela hora no meio de todo mundo porque é para ser surpresa mas eu vou te dar o spoiler que é tal coisa que vai acontecer” aí eu já olhei aquela mensagem pensei “ah eu acho que eu nem vou né”? Que que eu vou fazer? Ela falou “ah você pode participar do staff, se você quiser ajudar a gente”. Então foi o que eu fiz. Se o pessoal não soubesse da minha condição, provavelmente iam esperar que eu estivesse lá no meio e ainda ia esperar que eu me divertisse com aquilo. E eu não sei se eu ia surtar, mas seria um dia terrível. Então mesmo participando só do staff, mesmo não envolvendo de verdade nas atividades. Eu fiquei fora, era um galpão grande né? E eu fiquei meio que na porta e às vezes o som ficava muito e eu saia, metia o dedo no ouvido para abafar um pouco. E mesmo assim chegou no final do dia e eu estava muito cansada. Para todo mundo foi um cansaço físico né? Todo mundo com o corpo dolorido de atividade física e para mim, meu cérebro tinha derretido. Eu inclusive acho a expressão meltdown muito boa, apesar dela querer dizer algo mais específico, né? Mas eu a vida toda eu falei, “ah, eu acho que meu cérebro derreteu”. E eu acho que essa palavra acaba funcionando muito bem pra isso. Quando a gente parece que derreteu mesmo. 

Tiago: Eu acho muito legal isso que você falou porque isso cria uma relação de que o desgaste faz parte de todos esses processos, não só do convívio social. Que é aquele aquele cansaço que você sente depois de uma rotina e de interações. Quando o próprio Meltdown quer a crise.

Thais: Uhum.

Tiago: Achei muito legal isso que você falou. 

Thais: É se você for pensar, isso permeia vários aspectos. Não só no momento em que surta mesmo, explode. Mas o cansaço às vezes, menor, também é característico nosso como asperger. E é uma coisa que muitas vezes as outras pessoas não percebem que a gente está sentindo. A gente acaba tendo que aguentar isso, achando que é normal, que muita gente vai achar que nós estamos de frescura. Até falar “ah todos estamos passando por isso e está normal”  e não é. É uma característica nossa. Não sei para vocês, mas para mim, quando eu tenho um desgaste psicológico desses. As vezes eu demoro dias pra me recuperar. Por exemplo, mesmo no team building, que não foi tão terrível quanto poderia ser. Isso foi na terça né? E eu fui me senti bem mesmo na sexta à noite. Até então eu ainda estava cansada.

Paulo: É no meu caso o que dispara muito essas crises são mais situações de me sentir que não fui bom o suficiente para fazer alguma coisa. Num sentido que eu fiz besteira, basicamente. Então eu cheguei a passar um período ali de slowdown em meados do mestrado. No período que é bem comum chamar de síndrome de burnout. Que afeta, aliás, a grande maioria das pessoas. Quando eu fiz minha defesa, eu fiquei num estado de esgotamento mental tão absurdo que não toquei mais nada nas correções da banca até o início do ano seguinte. Eu fiz minha defesa no dia catorze de dezembro e até virar o ano não mexi em mais nada disso.

Thais: Você não aguentava nem olhar pro negócio, né? 

Paulo: Não. Aí depois só quando começou o ano seguinte eu fui mexer na da banca. E pra mim a situação de estresse para mim é perceber que eu não estou sendo bom o suficiente. Perceber que eu fiz alguma coisa que eu considero imperdoável. Então isso foi uma das coisas que fez minha esposa me incentivar muito a procurar um psiquiatra.

Tiago: É interessante que eu nunca tive um episódio muito claro de meltdown, pelo menos não que eu me lembre. O que chegou mais perto foi em uma festa de aniversário de dois mil e quinze. E é o seguinte, era de colegas de trabalho, a gente foi num restaurante de comida mexicana, aí imagina um ambiente super festeiro, super alegre. Cheio de chapéus aquela coisa toda latina. E eu estava literalmente odiando aquele lugar e todo o barulho, todos os estímulos e tudo mais e aí chegou uma hora que era como se eu tivesse morrido ali. E aí a única vontade que eu tinha era de pegar minhas coisas e sair de lá correndo. Eu acho que isso está muito mais perto de um slowdown, mas eu acho qualquer outro acirramento um pouco maior, porque meus amigos não mexeram comigo naquele momento, mas qualquer tipo de acirramento um pouco maior poderia levar a uma explosão. 

Thais: É interessante que eu tenho um grau bem menor nesse tipo de atitude. Tipo de festa, de bagunça, então de ficar no canto e tentar fugir, mas acaba sendo mais um cansaço mesmo do que eu me pressionar naquilo, ainda mais hoje em dia, hoje em dia eu nem tento muito. Conforme for eu já vou embora, já saio dali e eu acho muito bom a gente poder fugir hoje em dia, nesse sentido, sabe? 

Tiago: Sim, sim. Eu concordo, inclusive a partir do momento que eu também fui fazer um processo terapêutico e de medicação. Eu comecei a me tornar mais tolerante e me importar muito menos com esses mínimos detalhes. Só quando a medicação não fica em dia, as coisas fogem um pouco do controle. Situações desagradáveis, principalmente no que se refere às relações sociais, são um ponto que acabam também levando esse tipo de não só do estresse, mas dependendo da gravidade é um caos. Então toda vez que eu tenho um conflito seja em termos de trabalho ou de relações sociais ao longo dos últimos tempos. São sempre meio que nesse caminho de pisar em ovos para evitar algum tipo de estresse e ou de deixar as coisas pra lá pra evitar o conflito. E aí quando não ocorre o conflito e do jeito que eu ando também cansado, aí as coisas acabam sendo levadas de outro jeito. Mas a própria forma das pessoas encararem às vezes as coisas, uma atividade, uma forma de executar uma ação me leva às vezes a um a um estresse, uma raiva. 

Thais: Então, uma coisa que eu penso assim, tudo bem se a gente conseguir mesmo fazer com que alguns desses detalhes não incomodem a gente, ótimo. Mas é muito difícil fazer isso de forma consciente né? De falar propositalmente, e uma coisa que eu percebo é que muitas vezes a gente acaba deixando pra lá, fingindo que está tudo bem por um momento e sofrendo depois consequências. Pelo menos pra mim é muito claro que o depois é sempre refletido no meu estômago. Então aquela dor, aquela, eu não sei se eu tenho gastrite e deveria ir ao médico pra ver isso, até agora eu não fui, porque a ideia de ter que sair de casa é sempre ruim, né? Então, tem que marcar consulta e é um saco. Mas eu deveria ver. Então, sempre que eu acabo fingindo que, “ah, não, tudo bem, eu aguento isso, deixa, eu tenho certeza de que eu vou ter aquela dor terrível de sono no mínimo”. 

Paulo: Hoje para mim esses problemas no meltdown, eles estão sempre sob controle com o tratamento, né? Que eu estou passando. 

Thais: Uma coisa que me ajuda hoje em dia é justamente o poder da gente se fechar na bolha. Então “aí cansei do mundo, deixa eu me fechar aqui e eu não quero ver mais nada, eu não quero falar com mais ninguém”. Hoje eu posso me dar esse luxo de vez em quando. Eu sei que nem todo mundo pode, especialmente quem tem irmão, divide quarto, tudo mais. Ou vive com a família, a família não entende. Então, eu acho que ter esses momentos de poder se isolar, de poder relaxar mesmo, ajudam também a conseguir levar melhor o dia a dia. Por mais que tenha aquela situação de estresse, você conseguiu descarregar bem antes, ela é menos pior, ela não é boa porque também já é querer demais. Mas eu tenho a impressão de que eu consigo me controlar melhor nesse sentido. Não tem sido feito mas a sensação acaba não sendo tão ruim no final. E eu digo que eu posso me dar esse luxo também no sentido de que quando uma pessoa mais nova eu até acho bom que ela se force um pouco a aprender a lidar com isso de outras formas, né? Mas nunca se esforce ao ponto de dizer que está fazendo mal mesmo para ela mesma. 

Paulo: Tem que haver uma certa tolerância a isso, né? As situações que te incomodam não, todo estresse em um nível controlado vai te fortalecer, vai te fazer melhorar. Quando é que são casos mais extremos, é que isso é problemático. O estresse constante também.

Thais: Parece que é uma soma mesmo, né? Que nem um copo que você vai enchendo, vai enchendo até ele transbordar, então dificilmente soa uma coisa que faz a gente se explodir. 

Paulo: E às vezes o que provoca a explosão no final é uma coisa extremamente banal, mas que somado com tudo aquilo que leva toda essa situação. 

Thais: E muitas vezes as pessoas não percebem que essa soma então parece que você explodiu só por causa daquilo. Ai “mas nossa só por causa disso você ficou desse jeito?”. E na verdade não foi só aquilo né? Foi uma soma muito grande, às vezes você está arrastando por meses, várias situações estressantes que vão se acumulando. 

Tiago: A partir dessa discussão, a gente falou tanto sobre a questão do meltdown, slowdown e também do conceito da crise em si e do estresse. Mas existe um ponto que provavelmente interesse a quem ouve também ,acerca de como lidar com isso. É o meu caso, por exemplo, eu só comecei a lidar com isso a partir de terapia. E vocês? 

Paulo: Da minha parte uma das grandes coisas que tem me ajudado foi o tratamento, inclusive medicamentoso. Desde que começou, nunca mais tinha um episódio de explodir tá mas outra coisa também que tem me dado uma ajudinha aí é se eu comprei um saco de pancada um tempo atrás, então é local que eu desconto a raiva e também.

Thais: Na área de lazer do meu trabalho tem o que eles chamam de Bob, né? Que é tipo um um manequim pras pessoas socarem lá. Eu nunca fui lá socar porque parece duro, eu acho que eu vou machucar minha mão se eu fosse lá socar. Mas é pra mim, eu não faço terapia né? Eu tenho uma certa dificuldade, porque é de terapia você está ali lidando com outra pessoa, acho que eu ia ficar cansada só de fazer a terapia. Então o que ajuda é focar nas coisas que eu gosto. Entrar na minha bolha por um tempo e, por exemplo, eu gosto muito de traduzir alguns contos, né? Hoje em dia uma das coisas que me animam muito. Então agora eu não vou falar com ninguém do celular, que está no grupo do WhatsApp está fechado no computador e eu vou só ficar fazendo isso e descarregar. Então eu acabo relaxando um pouco nisso e depois eu sinto que eu volto mais… Revigorada mesmo, mais centrada e que eu consigo me focar nas outras coisas, não sem estresse. Mas pelo menos de uma num nível controlado. Uma coisa que eu estou tentando fazer ultimamente é que tinham me sugerido, várias pessoas sugeriram, é a questão da meditação, mas até agora eu não sei, até que ponto eu não tive resultados. Acaba sendo um momento bom, relaxante, mas acho que eu nunca consegui meditar ou então uma outra teoria que eu tenho. Eu não sei se pelo próprio asperger, eu sempre quando estou ouvindo alguma música parece que eu me conecto muito aquilo e eu saio parece que eu saí do lugar né? Então eu não sei se eu acabo já meditando de forma natural e aí que a prática da meditação em si acaba não fazendo muita diferença, né? Porque já estava no dia a dia. Não sei se vocês já passaram por isso aí. 

Paulo: Essa questão da música é bem comum comigo. Na verdade, até o que eu escuto está ligado ao meu sentimento no momento. Então às vezes quando eu quero simplesmente viajar eu começo ouvir rock progressivo quando estou bravo começo a ouvir Death Metal então eu mudo de estilo de acordo com meu sentimento naquele momento. Vou falar que eu meio que demonstra o meu sentimento. Se você estiver com um amigo no Spotify e vê o que eu estou ouvindo, já vai ter uma noção do que eu estou sentindo ali. 

Tiago: Achei muito interessante a questão que vocês falaram tanto sobre a bolha e eu acho que a atividade solitária no geral ajuda muito. Então quando eu era adolescente no início da adolescência eu tinha o costume de sair pelo bairro, andar mais de um, dois quilômetros distante e ficar em algum lugar bem re e eu nem tinha pensado que era uma atividade nesse sentido, entendeu? De recarregar as energias e manter longe das interações e sempre ajudou pra caramba e agora por exemplo nos últimos tempos em que as atividades de trabalho atividades universidades sempre acabam sendo mais constantes não há muito tempo pra esse desestressar então o máximo que geralmente eu faço é dormir. 

Thais: E e o que que você falou agora de sair andando e me lembrou uma coisa que eu faço que pra mim é natural mas para quem observa é uma coisa muito bizarra e eu faço isso há muito tempo, acho que desde que eu ganhei o meu primeiro MP3, que é colocar uma música ali, colocar o fone de ouvido e começar a andar ahm então por exemplo, no meu quarto, o quarto era pequeno, mas eu ficava dando voltas e voltas e voltas do quarto, às vezes por uma hora ou até mais. ouvindo música, às vezes ouvindo a mesma música, repetindo ali e aí eu faço isso até hoje. Então, hoje em dia pelo menos a casa é só minha e eu tenho aqui a sala e a cozinha, eu posso andar no dado mais fácil, né? E é algo que me relaxa bastante. Então faz parte quase que daquele transe que eu estava falando, né? Que a gente quer que eu saia, né? Que dá aquela realidade e acabo relaxando também ou então não necessariamente ela achando que eu estou com raiva, eu estou ouvindo uma música mais forte assim. Parece que eu libero um pouco da raiva ali e me sinto melhor depois, mesmo que não relaxada de fato.

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