Tema na boca do povo e de crescente interesse nas universidades, a neurodiversidade ainda é um assunto de muita confusão e pouco entendimento. Neste episódio estilo “aulão”, Tiago Abreu faz um retrospecto das origens da neurodiversidade, como isso se encontra com o movimento do autismo, os principais autores e perspectivas. Arte: Vin Lima.
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Notícias, artigos e materiais citados ou relacionados a este episódio:
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- Tiago Abreu no Instagram + edição física do livro
- Autistic Community and the Neurodiversity Movement: Stories from the Frontline
- Don’t Mourn for Us
- Neurodiversity: On the neurological underpinnings of geekdom
- NeuroDiversity: The Birth of an Idea
- Reflections on Neurodiversity
- Neuroqueer Heresies: Notes on the Neurodiversity Paradigm, Autistic Empowerment, and Postnormal Possibilities
- On the ontological status of autism: The ‘double empathy problem’
- Neurodiversity Studies: A New Critical Paradigm
- A Critique of Critical Psychiatry
- O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade
- Deficiência, autismo e neurodiversidade
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Transcrição do episódio
Tiago: Um olá pra você que ouve o podcast Introvertendo, que por enquanto ainda é o maior podcast sobre autismo do Brasil. Meu nome é Tiago Abreu, jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás, apresentador deste podcast e nas horas vagas escrevo também. Um dos meus escritos é um livro sobre neurodiversidade que foi lançado em 2022 e frequentemente aqui no Introvertendo a gente discute algumas questões mais teóricas e às vezes até práticas sobre a temática neurodiversidade.
E o Introvertendo não poderia acabar antes que eu pudesse fazer aqui um episódio diferente, um episódio especial, uma espécie de aulão para poder expandir algumas discussões sobre neurodiversidade, indicar material teórico para você que ouve a gente e que talvez esteja aí produzindo sobre neurodiversidade na academia, ou seja uma pessoa curiosa que quer saber mais sobre este assunto. Já adianto que esse episódio vai fazer referência a vários outros episódios, então se você está conhecendo e Introvertendo seja bem-vindo, seja bem-vinda, você pode ouvir os episódios anteriores também para se contextualizar melhor.
Se você já leu o meu livro, talvez algumas questões que eu vou falar aqui possam soar redundantes, mas eu vou fazer um aprofundamento delas. Agora, se você não conhece o livro e tem interesse, entre em contato comigo no meu Instagram, Tiago Abreu, que você pode adquirir diretamente comigo. Ele também está disponível em formato digital, é só você digitar O que é neurodiversidade no Google, o que você encontra, beleza?
E antes da gente partir pra discussão propriamente dita, eu só quero contar uma novidade muito importante pra você. Se você está ouvindo esse episódio pela data que ele saiu, você sabe que o Introvertendo está em uma fase de encerramento e que essa série de despedida tem um total de 11 episódios, ou seja, estamos chegando perto já do último episódio do podcast. Muitas pessoas nos ajudaram ao longo dos anos patrocinando no Padrim. Essas pessoas vão receber no dia do encerramento do Introvertendo vinte episódios extras do podcast de presente. Esses episódios incluem temas que a gente nunca gravou, episódios descartados que a gente recuperou utilizando inteligência artificial ou outro tipo de tecnologia, também versões estendidas de episódios que nas plataformas digitais saíram com duração mais curta, como por exemplo, um episódio recente que nós lançamos sobre o lado bom do autismo que a conversa original teve mais de uma hora de duração.
Mas se você não apoiou o Introvertendo no Padrim e quiser adquirir esses episódios como forma de ajudar a gente também a cobrir os custos e prejuízos financeiros que o Introvertendo rendeu, a gente também está entregando esses episódios pra quem contribuir pra gente pelo Picpay. Pra você saber mais informações sobre quais episódios estão sendo entregues e de que forma e os valores que você pode contribuir para receber esses episódios assim que o Introvertendo acabar, é só você clicar no primeiro link que vai estar aqui na descrição do episódio, que é um post no nosso site detalhando um pouco sobre esses 20 episódios extras e qual é a função deles dentro dessa despedida do Introvertendo, beleza? Vale lembrar que o Introvertendo é o podcast sobre autismo feito por autistas, com produção da Superplayer & Co.
Bloco geral de discussão
Tiago: Neste episódio, eu quero passar seis tópicos junto com vocês. No primeiro, a gente vai contextualizar as origens da neurodiversidade, como era a comunidade do autismo nesse momento e de que forma esse tema começa a adentrar. Depois, nós vamos falar sobre quatro vertentes da neurodiversidade. A neurodiversidade contextualizada ao autismo, a neurodiversidade ecológica, que é a primeira vertente da neurodiversidade realmente constituída teoricamente, a vertente neuroqueer e os estudos da neurodiversidade, que é uma discussão mais recente. E por fim, eu vou indicar uma série de livros e autores sobre neurodiversidade que são bastante importantes para você acompanhar, de você ler escritos, seja em língua portuguesa ou em outros idiomas.
Se você tem algum contato com a temática da neurodiversidade, você sabe que esse assunto surgiu mais ou menos na segunda metade da década de 1990. Só que a neurodiversidade tem um pé muito forte dentro da própria história do movimento autista no mundo. Quando o autismo se torna um diagnóstico independente na década de 1940, o autismo em si era uma questão muito rara e geralmente quem falava eram pouquíssimos pesquisadores que detiam o saber sobre o autismo que poderia ser visto tanto na pesquisa científica quanto nos pronunciamentos públicos e nas produções midiáticas.
Por exemplo, Leo Kanner era praticamente uma celebridade e provavelmente você deve saber que nesse início da história do autismo, ocorreu um grande problema que era a noção de mãe geladeira, um constructo que o que causava o autismo era a falta de afeto, um distanciamento dos pais e principalmente das mães. Isso teve um impacto extremamente negativo dentro da história do autismo, mas por outro lado isso incentivou para que as primeiras famílias que tinham filhos autistas diagnosticados pudessem se juntar para combater essa noção. E esse combate se deu tanto publicamente no sentido do ativismo, mas também na produção científica.
Eu gosto de falar que existem duas figuras que representam muito essa transição. Você tem nos Estados Unidos o Bernard Rimland, que era um pai de autista, que começa a escrever sobre autismo e tem até a própria chancela do Leo Kanner. E no Reino Unido você tem mais tarde a Lorna Wing, mãe de uma menina autista, e que como psiquiatra começa a estudar mais profundamente o autismo e nos leva a concepção mais moderna e atual de transtorno do espectro do autismo. Só que o que era entendido sobre autismo nos manuais médicos até a década de 1980 era algo muito restrito. O autismo, em termos de prevalência, era considerado algo muito raro.
É exatamente nesse período na década de 1980 que você tem os primeiros autistas escrevendo autobiografias e contando as suas histórias. Mas tem uma questão muito específica sobre essas autobiografias. Elas eram direcionadas para um público não autista, geralmente familiares, elas sempre estavam dentro desse campo da experiência e mesmo assim muitos desses autistas eram olhados com desconfiança. A Temple Grandin, por exemplo, que foi uma das pioneiras, precisou de um prefácio do Bernard Rimland pra que as pessoas realmente sentissem a confiança: “Ó, essa moça aqui é autista mesmo, tem um cara super-reconhecido do lado dela”. Outra pessoa que escreveu muitas coisas sobre o autismo, mas diferentemente da Temple começou a se incomodar com essa coisa somente voltada à experiência, foi a australiana Donna Williams. Só que o primeiro livro dela já se dá no início da década de 1990.
Fora do âmbito do autismo e mais no meio da deficiência você já tinha um movimento muito bem consolidado de direitos civis a partir de pessoas com deficiência, tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos, você já tinha discussões desde a década de 1960 e isso começa a adentrar a academia exatamente na década de 1980. Um livro muito marcante é o do Mike Oliver, publicado se não me falhe a memória, no início da década de 1980. E é nessa época em que é proposto aquilo que a gente conhece hoje como modelo social da deficiência ou pelo menos a primeira geração do modelo social.
E aqui é muito importante eu fazer esse contexto pra vocês porque uma das maiores bobagens que eu vejo sendo ditas por algumas pessoas aqui no Brasil é de uma noção de modelo social com uma definição única. O que a gente chama de modelo social da deficiência é uma construção teórica que tem várias gerações e várias tensões. É um constructo que sofreu várias transformações de acordo com a complexidade que a gente entende de deficiência hoje em dia e também com a maior participação de certos grupos ou não.
Essa primeira geração do modelo social da deficiência tinha um caráter sociológico de uma forma geral e principalmente tinha uma influência marxista muito forte. Tem uma coisa muito disseminada e que realmente é um fato que era aquela noção que, a partir do momento que todas as barreiras da sociedade deixassem de existir, logo a deficiência também deixaria de existir. Uma das características que mais tarde foi muito associada a essa primeira geração do modelo social da deficiência é que ela era formada principalmente por homens de classe média alta com deficiência. Isso não é necessariamente o maior problema porque a primeira geração do modelo social trouxe sim avanços à discussão sobre deficiência. Até a década de 1960, mais ou menos, a discussão sobre deficiência se inseria praticamente de forma exclusiva no cenário da saúde. E a gente sabe hoje, a partir de toda a influência que a gente sofreu do modelo social da deficiência, que existem vários outros aspectos que precisam ser observados.
O que ocorreu mais tarde até a década de 1990, que é o que a gente vai acabar falando sobre neurodiversidade, é que mulheres com deficiência e cuidadoras de pessoas com deficiência começaram a ver limitações nessa discussão no modelo social. Essas mulheres começavam a observar que, mesmo que as barreiras da sociedade fossem eliminadas, a deficiência continuaria a existir porque existem vários outros aspectos muito importantes sobre a experiência do corpo com deficiência. Existe, por exemplo, uma dimensão de cuidado. E quando a gente fala de cuidado, acabamos por ter uma aproximação maior até com as próprias discussões do âmbito do autismo. Essa geração do modelo social tem uma fluência em relação às próprias discussões dessa primeira geração que via na questão das barreiras um grande problema e dá uma continuidade a esses debates pensando então na dimensão do cuidado.
Essa geração mais tarde é conhecida por alguns teóricos e autores como geração feminista do modelo social da deficiência. E é essa geração que se consolidou principalmente na década de 1990 e nos anos 2000 e que influencia diretamente a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, a convenção de Nova Iorque, que aqui no Brasil tem status constitucional. Então sim, a convenção estabelece o modelo social da deficiência, mas uma noção de deficiência mais próxima dessa segunda geração, a geração feminista. E note, quando você fala sobre as deficiências a partir das barreiras, isso tem um certo eco na discussão do autismo para os primeiros ativistas autistas que estão ali as suas atividades na década de 1990.
E último ponto deste primeiro tópico de contexto da neurodiversidade, é que na década de 1990 nós temos aquilo que a gente chama de virada neural. Existe uma emergência da neurociência como autoridade quando a gente vai discutir sobre essas questões do funcionamento humano. Se você parar para pensar nas décadas anteriores em relação ao próprio autismo, você tinha uma explicação das causas do autismo que tinha uma grande influência da psicanálise. A psicanálise vai perdendo esse espaço dentro da história do autismo à medida que as explicações biológicas sobre o autismo começam a ganhar mais território com contribuições do próprio Bernard Rimland e de outros pesquisadores já mais externos à comunidade do autismo.
Se familiares e as próprias pessoas com deficiência já não se sentiam tão contempladas por essas outras explicações, a neurociência e a questão do cérebro como esse órgão tão complexo e tão importante acabou por ganhar um status não só científico, mas também no âmbito popular muito grande. Aí começou a se falar de neuro em tudo. Hoje em dia a gente fala até em neuromarketing, em outras questões aqui sem fazer juízo de valor. E é óbvio que isso ia bater na comunidade do autismo de alguma forma. Que é o que a gente vai falar já já.
Mas antes disso vamos contextualizar primeiro as origens da neurodiversidade no autismo. Eu tinha falado pra vocês um pouco sobre modelo social de deficiência, falei um pouco sobre esses primeiros ativistas que falavam um pouco mais da sua própria experiência como a Temple Grandin e a Donna Williams, e também falei um pouco sobre essa virada neural. Agora eu quero falar pra vocês sobre uma figura que talvez é umas cinco figuras autistas mais importantes na consolidação de um movimento autista na história que é Jim Sinclair, que começa a fazer parte da comunidade do autismo de forma mais explícita exatamente nessa virada dos anos 1980 pra década de 1990.
Nessa época, falar de autismo era falar de infância. E como você pode imaginar, uma pessoa autista na vida adulta era vista com desconfiança. Não era diferente com Jim Sinclair. Sinclair tinha uma qualidade narrativa ou de explicações sobre o autismo tão boa como a Temple, mas tinha um contraste entre os dois. A Temple era uma pessoa mais conciliadora, dialogava mais com a comunidade científica, com os familiares e com as próprias noções de déficit relacionados ao autismo. Jim Sinclair tinha experiências mais duras. É importante a gente lembrar que esse período é um momento em que principalmente nesses países anglófonos, talvez nem tanto aqui no Brasil, você começa a ter um desenvolvimento da internet, dos fóruns de discussão listas de email, e é exatamente por esses canais, fóruns e listas de emails que familiares de autistas começavam a trocar experiências.
Apesar de saberem que o autismo tinha uma questão biológica, não havia muita clareza e até hoje entre alguns familiares não existe, então eles falavam sobre absolutamente tudo, sobre experiências em relação aos filhos, às vezes tinham conversas longas sobre dietas e outras questões que, bom, são no mínimo polêmicas. E aí nesses espaços dominados por familiares chegam algumas das primeiras pessoas autistas. E aí você tem um cenário bastante interessante, porque existia que as pessoas poderiam ter. Uma dessas reações era ver as pessoas com desconfiança, achar que elas não eram autistas de verdade. Essas eram as reações mais hostis.
Mas também existia um certo tipo de reação que também é problemática, que era uma curiosidade desmedida. Então, já que essas pessoas são autistas, eu vou utilizá-las como repositório de informações para entender o autismo do meu filho. Era mais ou menos essa noção. E beleza, perguntar as pessoas sobre algumas questões, isso é super normal. Dependendo do contexto é saudável. Mas às vezes o interesse não era legal. Perguntavam sobre todos os tipos de assuntos privados. Às vezes chegando até a assuntos escatológicos. E quando esses primeiros autistas queriam discutir outros assuntos externos ao autismo, como por exemplo, direitos humanos, política ou fazer parte realmente do ativismo institucional, muitos desses familiares reagiam como: “ah, isso aqui não é o seu lugar”. Não tão explicitamente, mas com atitudes, entende?
Como esses primeiros autistas começavam a se verem excluídos desse cenário, eles começaram a fazer os seus próprios fóruns, os seus próprios espaços de discussão, o que de certa forma foi o início de um movimento autista. E Jim Sinclair teve um espaço de protagonismo, não que intencional. Foi Jim, por exemplo, que estabeleceu essa crítica a essa forma muito esquisita de curiosidade sobre a experiência autista. Eu até falo um pouco sobre isso, pensando talvez de uma forma um pouco mais contemporânea no episódio 216 – O Enquadramento da Experiência, que você pode ouvir. Jim frequentava congressos, observava esse cenário, conheceu a própria Donna Williams quando ela saiu da Austrália e é exatamente nesse cenário de efervescência de um movimento diferente que pautava questões diferentes.
Jim Sinclair escreveu um manifesto chamado Não Chore por Nós, um texto emblemático, goste dele ou não, que queixa várias questões sobre o autismo. É um texto que talvez hoje 30 anos depois, possa não parecer tão radical, mas a gente precisa olhar ele à luz daquele contexto. É um texto que questiona as bases e os pontos de vista de familiares que realmente desejavam a cura do autismo, o extermínio do autismo. E tanto Sinclair, Donna Williams e outras pessoas mais tarde consolidaram aquilo que a gente chama de ANI, que é Autism Network International, a primeira associação de autismo por autistas. Exatamente por causa do texto Não chore por nós e por essa função de consolidação de um movimento autista que também em parte estava muito ligado com deficiência inicialmente à primeira geração do modelo social, Jim é considerada quase uma figura precursora sobre a neurodiversidade.
E aí vem o desentendimento que as pessoas não compreendem muito bem: movimento da neurodiversidade não é um sinônimo de movimento autista. Quando a gente fala sobre o movimento social da neurodiversidade, isso vai ficar um mais claro um pouco depois, nós estamos falando sobre um movimento que reúne diversas neurominorias. Só que a neurodiversidade, querendo ou não, nasce a partir dos autistas. Então esse momento inicial é muito difícil fazer essa distinção, até hoje ainda é, mas no sentido ideal e a gente vai falar sobre as outras vertentes da neurodiversidade, essa discussão se expande.
Um ponto central para a criação dessa discussão sobre neurodiversidade foram os fóruns de discussão na internet. Você tinha uma mudança nas noções de autismo, porque já se tinha uma discussão sobre a emergência do espectro do autismo como categoria de definição do autismo. Lembrando que em 1992 nós também tivemos a CID-10 trazendo a definição de Síndrome de Asperger como um diagnóstico, o DSM pela mesma direção em 1994 na quarta edição, então a noção de autismo estava sendo muito mais flexibilizada do que se tinha por exemplo lá na década de 1980, em que falava sobre autismo infantil. E aí em meados de 1996, já complementando aqui esse contexto de neurodiversidade no autismo, um neerlandês criou um fórum chamado INLV que era um fórum que surgiu inicialmente com a pretensão de ser um movimento social mesmo de ativismo, mas a interação as pessoas acabou sendo mais por informações, por compartilhamento de vivências. O título era ligado à vida independente do espectro do autismo, mas o ambiente era amigável para outras minorias, como pessoas, por exemplo, como TDAH, dislexia e etc. Ativistas, pesquisadores, jornalistas, eram diferentes pessoas que tinham interesse nessa questão.
E agora que a gente entra de fato numa vertente da neurodiversidade como termo, como constructo teórico que é aquilo que eu vou chamar aqui de neurodiversidade ecológica. Bom, falei pra vocês sobre este fórum que é o Independent Living on the Autism Spectrum, e tinham duas pessoas que frequentavam esse fórum de discussão que mais tarde começaram a trocar mensagens entre si. Uma delas era o Harvey Blume, ele era jornalista e a outra pessoa era uma estudante de sociologia lá na Austrália chamada Judy Singer. Os dois em comum eram muito interessados nessa troca de pessoas com diferentes diagnósticos dentro desse fórum. Os dois compartilhavam, óbvio, dessa virada neural que existia sobre a época. O Blume pensava nisso com uma pluralidade neurológica. A Judy, por sua vez, achava que precisava de um termo mais “vendável”, não é exatamente essa palavra, mas eu acho que você entendeu. E ela sugeriu neurodiversidade. Afinal, de certa forma, nós estávamos falando sobre condições neurocognitivas, como autismo, TDAH, dislexia, TOC, enfim.
O Blume adota esse termo e escreve pela primeira vez publicamente sobre neurodiversidade no artigo do The Atlantic em 1998, se não me falha a memória. Inclusive um disclaimer: pra pessoas que adquiriram o meu livro, tem um erro de revisão que eu me sinto muito mal até hoje. Lá está New York Times. Não foi no New York Times, foi no The Atlantic. Se esse livro receber uma nova edição no futuro, eu vou fazer essa correção. Esse artigo assim como toda a tradição jornalística sobre neurodiversidade, vai relacionar muito essa emergência da neurodiversidade com a cultura nerd, a cultura geek, com um grupo de pessoas que na época não eram respeitadas e talvez justamente por essa questão da internet, tem muita influência nesse sentido.
A Judy Singer tinha uma leitura aprofundada sobre os estudos da deficiência. Ela é uma filha de uma sobrevivente do holocausto, ela tinha uma filha que estava recentemente diagnosticada com autismo. Então as influências teóricas que compuseram o trabalho dela foram muito da geração feminista do modelo social da deficiência, que é exatamente essa geração da década de 1990 com autoras, por exemplo, como a Susan Wendell. A Judy até se incomodava com essa ideia muito dura de deficiência que se tinha na primeira geração, que era uma coisa que as feministas começaram a questionar na década de 1990 e nos anos 2000. Sou eu, objetivamente que estou afirmando isso. Mas do que eu entendo, do que eu já li, do que eu próprio escrevi no livro O que é neurodiversidade, a ideia de neurodiversidade está diretamente relacionada à segunda geração do modelo social.
E ela desenvolve isso a partir do trabalho de conclusão de curso dela em Sociologia. E aqui eu preciso fazer outro alerta. Tem muita gente que não entende nada sobre neurodiversidade ou que fala um monte de bobagem que fala que a Judy escreveu sobre neurodiversidade no doutorado dela. A Judy Singer não tem doutorado. O trabalho dela sobre neurodiversidade na década de 1990 se dá no TCC dela que ela fez na Universidade de Tecnologia de Sydney. Então é um aspecto pra você ver quem realmente sabe do que está falando de quem não sabe. Ela faz uma descrição teórica sobre neurodiversidade que está muito ligada a ideia de biodiversidade. Assim como a biodiversidade é a diversidade biológica entre as espécies, a neurodiversidade seria a diversidade neurológica da população humana. A neurodiversidade não é só sobre os autistas, sobre TDAHs, sobre pessoas com dislexia, a neurodiversidade é sobre todas as configurações cerebrais humanas.
A virada de chave é que a discussão sobre neurodiversidade lança uma luz sobre certos grupos que, muitas vezes, não eram reconhecidos como pessoas com deficiência da mesma forma harmônica como por exemplo, as pessoas com deficiência física, e traziam elas para o debate de minorias. A neurodiversidade é um constructo muito importante justamente por isso. Ela cria um vínculo com outras condições que talvez antes não se tinha um diálogo e leva isso para uma discussão sociológica que a gente se beneficia até hoje. E eu sei que este ano a Judy fez coisas extremamente reprováveis, não vou aqui detalhar senão vou gastar muito tempo e esse episódio já vai ficar longo. Mas é aquilo: eu cito autores e pessoas não porque eu gosto delas, mas porque elas deixaram uma contribuição que deve ser utilizada. Mas aqui é importante deixar claro que a Judy não é a única autora sobre neurodiversidade. E aqui mais pra frente eu vou falar de outros nomes que estão levando essa discussão pra outros âmbitos e que a gente deve realmente prestar atenção em todo mundo.
Apesar do seu trabalho ser claramente pioneiro, imagina uma pessoa que fez um TCC e mesmo assim cunha um termo que ganha um espaço, uma força nesses próximos 30 anos que não se apagou, a Judy Singer não fez um trabalho tradicional de pesquisadora. Depois do TCC, ela chegou a escrever uma coisa ou outra, mas ela teve que abandonar a carreira acadêmica por causa dos compromissos de cuidado em relação a sua mãe e é claro também em relação a sua filha, porque a Judy também era uma mãe solo. Isso faz com que a Judy Singer, ao longo dos anos seguintes, não tenha tanto o seu trabalho reconhecido e assuma uma posição um tanto quanto amarga de reclamar que o seu trabalho não foi devidamente reconhecido.
E aí a gente vê um problema sobre a neurodiversidade, que é exatamente uma das razões pela qual essa temática é muito pouco compreendida pelas pessoas e que o seu debate fique muito mais centrado na mídia popular, no jornalismo, na comunidade do autismo do que uma discussão bem na academia. É que os principais nomes em relação à neurodiversidade não tiveram uma tradição de publicação em grandes revistas científicas. Quem assumiu esse lugar, principalmente nos anos 2000, foram críticos ou pessoas que tinham um entendimento um pouco mais raso sobre neurodiversidade. A neurodiversidade, mesmo com toda a dimensão popular que se tem hoje, com menções até em grandes filmes, ainda é um tema periférico na academia, porque a gente não tem tantos artigos e tantos textos seminais que realmente vão dar esse impacto e essa força.
Nos anos 2000, por exemplo, a Judy ficou muito mais tempo alimentando blogs e reclamando de noções erradas sobre neurodiversidade do que realmente trazer essas discussões teóricas pras grandes revistas científicas ou para esse espaço. Quem trouxe o nome dela de volta foi o jornalista Andrew Solomon num ótimo livro que eu recomendo demais que é Longe da Árvore. Em 2015, outro jornalista, o Steve Silberman, publicou o livro Neurotribes, que foi um dos primeiros livros a querer contar a história do autismo e estava lá o nome dela como uma parte muito importante nessa discussão central sobre neurodiversidade. Aí a neurodiversidade vira uma coisa pop de novo. Judy aproveita esse momento e aí ela volta a produzir de novo. Ela cria um blog chamado Neurodiversity 2.0, e lá ela faz algumas atualizações sobre a noção dela de neurodiversidade, se aproximando ainda mais desse movimento ambientalista, das questões ecológicas. Por isso que eu chamo aqui a neurodiversidade da Judy Singer de neurodiversidade ecológica. Ela inclusive publicou um livro, que eu vou falar no final do episódio.
Apesar de ter cunhado a neurodiversidade, a Judy como eu disse, não é a única autoridade sobre neurodiversidade. Aliás, uma das coisas mais complexas sobre o tema da neurodiversidade é que você não tem uma autoridade, uma liderança, uma figura única que realmente vai determinar o que é uma coisa ou outra. E quando a gente fala sobre um conceito, isso sempre passa por atualizações, por diferentes autores tensionando as questões e trazendo novas perspectivas. A discussão do autismo por autistas, como a gente tem observado até hoje, ela se consolida muito fortemente na internet. Nós estamos falando sobre grupo de pessoas que têm dificuldade de socialização, a pertencer a grupos e a internet facilita com que você se aproxime e crie vínculos com pessoas de diferentes lugares do mundo, tudo em torno de uma ideia. E é exatamente nesses espaços online que começam a surgir algumas das atualizações em relação a neurodiversidade.
Uma ativista chamada Kassiane Assumassu propõe a ideia de neurodivergente para substituir um termo que era muito utilizado, o neurodiverso. Porque isso tinha uma contradição técnica com a própria noção de neurodiversidade. Se todo mundo pertence à neurodiversidade, logo todos os seres humanos são neurodiversos. Não faz sentido você falar o autista como neurodiverso. Você não fala que uma onça é biodiversa, fala que um ecossistema, que um país, por exemplo, como o Brasil, é biodiverso. Ser biodiverso é uma característica de grupo, não individual. Logo, se você fala sobre minorias neurológicas, é muito mais adequado falar em neurodivergente. E ela também propõe um termo que é muito importante até hoje, que é neurodivergência. A neurodivergência pode ser inata como o próprio autismo, você nasce com autismo, você morre com o autismo. Mas também a neurodivergência pode ser adquirida, pode ser temporária, assim como a deficiência. Se você sofre um acidente automobilístico, você tem um tempo, por exemplo, de recuperação, talvez, de fisioterapia, até você recuperar os movimentos. Caso você, por exemplo, pegue Covid e tenha sintomas neurológicos relacionados a isso, dificuldade de memória, de concentração, você está experimentando também um contexto de neurodivergência.
Essa é uma questão muito importante que só ganhou o peso e a importância devida por causa de uma vertente da neurodiversidade e o principal nome dessa vertente da neurodiversidade é a pesquisadora Nick Walker. Qual é o principal mérito da Nick Walker? O poder de síntese dela talvez foi o melhor poder de síntese que os autores da neurodiversidade já tiveram ao longo desses anos. Ela tinha um blog que resumia a neurodiversidade, tanto a definição histórica ali da Judy Singer como também trazendo de volta essas definições que foram criadas por outros ativistas e que definitivamente ganharam reconhecimento como a própria noção de neurodivergência da Kassiane Assumassu. E essa vertente da neurodiversidade, chamada de neuroqueer, está muito ligada às discussões de gênero e sexualidade. E a tem uma influência direta da teoria crip, que é um outro debate no campo da deficiência que se liga muito a essas questões de gênero e sexualidade e renderiam um episódio inteiro sobre isso. Realmente eu não vou conseguir explicar todos os detalhes pra vocês.
Mas essa vertente da neurodiversidade, o que que ela vai propiciar dentro da discussão sobre neurodiversidade? Uma maior multiplicidade desses principais autores e figuras justamente pelo poder de síntese da Nick Walker, uma aproximação da discussão de neurodiversidade com as questões de gênero e sexualidade, afinal a própria questão do movimento da neurodiversidade e do movimento autista tem uma influência nesse sentido, como o orgulho autista, que é muito ligado a essas questões, uma crítica muito mais ferrenha a patologização do autismo. E aqui vale descrever que a Judy, por exemplo, falou muito pouco sobre tratamento, sobre intervenções de uma forma geral. Ela é uma pessoa, se você observar os posicionamentos dela, que não aborda sobre essas questões. Por outro lado, a Nick é bastante crítica a basicamente tudo.
E ela usa uma expressão que é muito utilizada pelas pessoas sobre neurodiversidade, que é paradigma da neurodiversidade. Ela vai fazer um contraste entre aquilo que ela chama de paradigma da patologia e paradigma da neurodiversidade. Paradigma da patologia, segundo ela, seria então tudo isso que consolidou o autismo, essa visão do autismo baseada em déficits, que é toda a tradição histórica que a gente tem de explicação do autismo muito bem representada pelos próprios manuais médicos. E o paradigma da neurodiversidade seria, então, na prática um rompimento total com esse modelo. No livro O que é a neurodiversidade eu falo em modelo da neurodiversidade, porque a palavra paradigma também tem um outro sentido na discussão sobre epistemologia da ciência, filosofia da ciência. Se você lê Thomas Kuhn por exemplo, você vai ter uma definição de paradigma totalmente diferente. E como o paradigma da neurodiversidade não representou ainda uma mudança total e radical sobre a forma como se faz pesquisa em autismo, não faz muito sentido usar a palavra paradigma.
Mas é um modelo pra gente entender os pontos de vista sobre autismo. Isso também implica algumas questões muito polêmicas como, por exemplo, a defender que o autismo deixe de ser considerado um transtorno tal como a homossexualidade saiu da Classificação Internacional de Doenças na década de 1990. E aí mais uma vez, o link com as questões de gênero e sexualidade. Goste ou não da Nick Walker, eu acho que o poder de síntese dela em relação aos autores da neurodiversidade é algo muito destacável. E é aquela coisa, você cita os autores porque você gosta deles, mas pela importância que eles tem. Então a vertente neuroqueer com certeza é um dos pontos mais importantes dessa discussão teórica sobre neurodiversidade.
E aí na década de 2010, considerando toda essa popularização sobre a neurodiversidade, há uma tentativa de deixar isso muito mais claro teoricamente e desassociar totalmente do autismo. Isso faz com que haja uma geração de pesquisadores, principalmente autistas, que fazem aquilo que a Judy e outras pessoas não puderam ou não conseguiram fazer nos anos 2000, que é de fato entrar com essas discussões na academia. Se pesquisadores não autistas ou pessoas que não necessariamente são simpáticas a neurodiversidade começam a escrever teoricamente sobre a neurodiversidade a partir dos seus pontos de vista ainda nos anos 2000, é nesse momento na década de 2010 que autistas não só começam a questionar mais modelos relacionados ao autismo como também a trazer uma interpretação mais autística e neurodivergente aos constructos da neurodiversidade. Eu posso citar aqui o nome por exemplo do Damian Milton, que é muito conhecido por propor aquela ideia de problema da dupla empatia, que a gente já falou do episódio sobre empatia e teoria da mente.
Na década de 2010, você tem o surgimento de um campo interdisciplinar que é chamado de estudos críticos do autismo. Os estudos críticos do autismo estariam dentro dos estudos de autismo, e o principal objetivo é de certa forma debater o status ontológico do autismo e questionar certas questões estabelecidas, pensar relações de poder e promover emancipação de grupos. A questão é que os estudos críticos do autismo começaram a ser desenvolvidos, em certa medida, sem participação de autistas. E aí esses autistas pesquisadores começaram a demarcar o seu lugar não como sujeitos alvo de pesquisa: “ou, responde aqui a sua experiência sobre tal assunto”, mas de realmente pensar teoricamente e trabalhar nesse campo da academia. Então tem o surgimento dos estudos do autismo, que já é essa literatura que já visa debater algumas questões sobre o autismo, e o desenvolvimento dos chamados estudos críticos do autismo.
Mais tarde, alguns autores começam a propor a importância de se ter estudos específicos sobre a neurodiversidade e de fato descolar dessa associação totalmente direta que se faz de neurodiversidade e autismo. E tem um nome que eu quero destacar aqui que pra mim com certeza vai se consolidar, anota isso nos próximos 5, 10 anos sobre neurodiversidade, se continuar nesse ritmo de produção, que é Robert Chapman. Robert Chapman trabalha principalmente no campo da filosofia da neurodiversidade, faz um ótimo estado da arte e contextualização histórica sobre essas questões da neurodiversidade, discute isso em relação aos modelos da deficiência, porque a gente não tem somente o modelo social, também tem outros modelos que visam explicar a deficiência, a experiência da deficiência e que produz muita coisa na academia, bons textos sobre neurodiversidade e sobre vários assuntos.
Robert Chapman vai lançar no final deste ano um livro que vai trazer uma abordagem marxista da neurodiversidade. Não que isso seja novo, várias pessoas já tentaram fazer isso, mas Robert realmente anos tem se proposto a fazer essa leitura de pensar a neurodiversidade de um ponto de vista econômico, porque o marxismo também vem dessa análise econômica. É um livro que parece prometer bastante, pelo menos considerando os artigos que eu considero muito bons, goste ou não das temáticas, as questões discutidas, é um livro que vai valer a pena de ser lido e ao que tudo indica vai representar também um avanço numa discussão mais teórica sobre neurodiversidade, muito além dessas questões da internet, do movimento social do autismo. Chapman escreveu um artigo que vai discutir sobre os modelos da deficiência e qual deles se encaixa mais com a neurodiversidade.
E pra fechar sobre essa parte dos estudos da neurodiversidade, um dos principais papéis que Robert Chapman tem desenvolvido nos últimos anos é uma crítica à literatura crítica sobre saúde mental. Porque uma das principais resistências à discussão sobre neurodiversidade é essa a ideia das pessoas assumirem um diagnóstico como uma identidade, como por exemplo o autismo. Existem vários autores principalmente ligados à crítica psiquiátrica que torcem muito o nariz pra questão da neurodiversidade. Você pode até ir no Twitter, por exemplo, que você sempre vai ver uma galera que se diz progressista da que vai ter uma crítica ferrenha a isso, justamente por esses pressupostos. E o que muitas pessoas com deficiência, incluindo Robert perceberam, é que muitas dessas que eles promovem, que eles acham que é progressista, na verdade reflete o capacitismo. Então se você se interessa por essa discussão, que é muito mais ampla, também renderia um outro episódio, recomendo que você leia um artigo de Robert sobre uma crítica à crítica psiquiátrica e é muito bom. Link vai estar aqui na descrição.
Note que eu acabei não aprofundando em várias e várias questões porque realmente a neurodiversidade dá um curso galera. E é por isso que atualmente, se tudo der certo, quando esse episódio estiver saindo eu vou estar fazendo lá no YouTube uma série de vídeos sobre neurodiversidade, que foi algo que eu prometi há muito tempo e eu não consegui cumprir enquanto o Introvertendo estava nessas datas anteriores de pleno funcionamento. Mas como eu gosto de cumprir as minhas promessas, eu vou entregar isso. Então vão ser cerca de nove ou dez vídeos em que eu vou explicar vários pontos sobre neurodiversidade trazendo algumas discussões que não foram exploradas nesse episódio, mas você também pode conversar comigo. Se você é um pesquisador, se você é alguém de um evento, se você, enfim, tem algum interesse nessa temática de neurodiversidade e quiser me convidar pra dar uma palestra para oferecer algum tipo de informação técnica sobre o assunto, você também pode entrar em contato comigo. Espero que esse episódio tenha de certa forma te auxiliado e se não te auxiliou, esses vídeos podem te auxiliar.
Só que antes desse episódio terminar, vamos entrar num último tópico, que é sobre livros e autores sobre neurodiversidade. Então, eu falei da Judy Singer, eu falei de Nick Walker, falei Robert Chapman, falei inclusive do próprio contexto histórico do autismo com Jim Sinclair e aqui eu quero indicar algumas referências sobre autismo e neurodiversidade que estejam em português e em outros idiomas que é fundamental para que você leia. A primeira recomendação é o livro Neurodiversity, que saiu se não me falha a memória em 2017 e que está disponível em formato físico e digital, você pode encontrar no site da Amazon por exemplo. É um livro que é importante porque ali ela descreve esse próprio contexto dos anos 1990 pelo qual os debates sobre neurociência permitiram ela até fazer esse link com as questões do autismo. E é um livro bem curto, direto, fornece esse link com as discussões do modelo social que é muito importante pra gente compreender. Então, recomendo.
A Nick Walker também tem um livro que se não me falha a memória, saiu em 2021 ou 2022 chamado Neuroqueer Heresies. Vocês também podem encontrar tanto em formato digital quanto em formato físico. Talvez o físico você só consegue encontrar de forma importada. Mas é um livro que tem uma coletânea desses vários textos da Nick que ela publicava online com esses links com e com um próprio movimento da neurodiversidade na internet. É um livro que é muito importante, muito válido, recomendo bastante. Agora um livro gratuito, de fácil acesso que você pode obter é o Autistic Community and the Neurodiversity Movement, que saiu em 2020. Ele é uma coletânea de vários artigos feitos por ativistas que participaram historicamente do movimento da neurodiversidade e outros teóricos autistas que vai realmente explorar esse aspecto mais histórico do movimento da neurodiversidade, como é que se liga ao movimento autista. É um livro que a qualidade dos textos tem certas variações, mas tem um artigo que é muito bom e que de certa forma explica principalmente essa questão histórica da neurodiversidade no autismo com Jim Sinclair que é um texto que vai analisar o contexto histórico pelo qual o texto Não chore por nós foi escrito. Então esse livro é fácil de você acessar, você consegue ter várias discussões, inclusive alguns debates por exemplo sobre a própria emergência do espectro autista no DSM também. Ali tem um papel que o Steven Kapp e o Ari Ne’eman desenvolveram e foram consultados e como a comunidade do autismo na época e as pessoas diagnosticadas pelo antigo Síndrome de Asperger receberam isso, então é um livro muito muito interessante.
O artigo de Robert Chapman que eu falei sobre os modelos da deficiência está no livro chamado Neurodiversity studies: A new critical paradigm, que saiu em 2020. É um livro que traz as discussões teóricas sobre a neurodiversidade considerando também outras minorias que também desenvolveram ali o seu corpo teórico, como por exemplo os estudos queer que eu já tinha mencionado, as discussões raciais e os estudos feministas, que tudo isso tá de certa forma influenciado também nessa discussão do autismo e lá tem alguns artigos bastante interessantes. Esse é um livro de preço meio salgado, mas se você se interessar também você pode comprar tanto em digital quanto em físico.
E talvez você pode dizer: poxa, Tiago, você está citando coisa em inglês. É isso mesmo? Não tem nada em português? E aí eu preciso fazer aqui um contexto bastante importante que é livros que citam a neurodiversidade existem. Mas até um certo período, não existia nenhum livro propriamente dito que definia a neurodiversidade e essa discussão centrada na questão da neurodiversidade. O nome pioneiro que se tinha nesse sentido era o Francisco Ortega, que publicou dois artigos bastante importantes e conhecidos sobre a questão da neurodiversidade em língua portuguesa em 2008 e em 2009: O sujeito cerebral e o movimento da neurodiversidade e o outro que é Deficiência, autismo e neurodiversidade. O Francisco Ortega utiliza a neurodiversidade para discutir essa virada neural e produzir uma crítica a essa ideia de que os seres humanos são seus cérebros. Goste ou não do Francisco Ortega ou das críticas que ele produz a neurodiversidade, o trabalho dele tem um impacto global. É muito frequente você encontrar em textos estrangeiros, inclusive escritos por autistas sobre neurodiversidade, a citação desse artigo em língua portuguesa. E é incrível você pensar que um artigo escrito em português sobre o tema da neurodiversidade é um dos mais citados do mundo. Então se você quer escrever alguma coisa sobre neurodiversidade e compreender, você lê Francisco Ortega, esses dois artigos. E ele também lançou um livro anos mais tarde chamado Somos Nossos Cérebros?, que você também pode encontrar tanto em formato físico quanto digital.
E em 2022 eu publiquei O que é neurodiversidade, que é essa ideia de um livro de bolso resumido que vem trazer os principais pontos da neurodiversidade não com o objetivo de falar: “olha galera, olha como eu sou incrível, eu lancei o primeiro livro sobre o assunto”, mas sim de certa forma incentivar com que a gente comece a ter uma tradição de discussão teórica sobre esse assunto no Brasil. Então, ele é um livro que tem essa função introdutória, você não vai encontrar nele talvez algumas discussões muito atuais, afinal, ele saiu realmente em 2022, mas eu fico muito feliz que muita gente tem utilizado ele como referência. E se tudo der certo, esse ano ainda ou no máximo ano que vem vai sair um artigo meu contextualizando historicamente a neurodiversidade no Brasil. Então vou falar um pouco como é que esse tema chegou no Brasil, as primeiras menções dele em jornais, só estou esperando ver se a revista que eu submeti vai aprovar ou não.
Então é isso pessoal, espero que esse episódio tenha auxiliado vocês, que ele realmente dê essas ferramentas pra que vocês consigam pesquisar melhor, identificar quem está falando coisas corretas e coisas não tão corretas sobre neurodiversidade. Se você quiser mais uma vez adquirir meu livro entre em contato comigo no Instagram, não entra em contato com o Instagram do Introvertendo porque no momento que o Introvertendo acabar a gente não vai mais responder mensagens, a gente não vai mais acompanhar as nossas próprias redes. Cada integrante vai cuidar do seu próprio projeto, então vocês falem diretamente comigo e eu vou estar com toda disposição pra vender o livro, pra vocês tirarem dúvidas e conversar sobre o assunto, beleza? Quer me chamar pra palestra também? Fiquem à vontade. Estou à disposição. Um abraço pra você e até a próxima semana com um novo episódio do Introvertendo.