Introvertendo 249 – Crises, Sobrecarga e Vida Adulta

A vida adulta é marcada pelas cobranças. E quando situações ruins parecem durar mais tempo, autistas se veem na necessidade de continuar “funcionando” mesmo quando isso parece impossível. Neste episódio, Carol Cardoso e Tiago Abreu conversam com Renata Simões sobre como as crises do autismo interagem com os desafios cotidianos e desoladores da vida adulta. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá pra você que ouve o podcast Introvertendo que é esse programa em que autistas se reúnem para falar de coisas boas e de coisas tensas. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, um dos integrantes deste projeto e hoje mais uma vez, depois de cinco anos, nós vamos falar novamente sobre crises, mas no contexto da vida adulta.

Carol: Eu sou a Carol Cardoso e hoje é um dia perfeito pra eu gravar esse tema porque eu estou justamente reprimindo uma crise.

Renata: Eu sou a Renata Simões, estou assim até olhando pra vocês dois pensando como é que a gente vai segurar esse episódio até o fim sem nenhuma crise acontecer depois desse testemunho da Carol.

Carol: (Risos)

Tiago: Verdade, verdade. O Introvertendo então é esse espaço em que a gente realmente se abre e dá os nossos sincericídios, às vezes perdendo um pouco da nossa…

Renata: Autoestima ou vergonha na cara, o que cê vai falar? (risos)

Tiago: (Risos) e também a nossa dignidade, um pouco de todas essas coisas. Mas Renata, é um prazer ter você aqui no podcast. A gente há muito tempo quis te trazer aqui no podcast. A gente pensou, pensou, pensou em vários temas. E sabe por que isso aconteceu? Vou revelar isso aqui. Uma ouvinte nossa, a Isa, que inclusive do episódio 178 – Autistas na arquitetura, mandou mensagem pra mim falando assim: “vocês já gravaram com a Renata Simões?” Eu falei: “ainda não, mas eu morro de vontade, só não tenho ainda ideia de tema”. E ela foi e deu o tema desse episódio que é o que a gente vai discutir hoje.

Renata: Nossa, primeiro Isa, muito obrigada. E obrigada Tiago e Carol por me receberem. Pra quem não sabe eu sou jornalista também e o Introvertendo durante muito tempo foi o meu principal canal de comunicação no sentido de vocês falarem comigo e falarem sobre mim porque acho que vocês talvez sejam os pioneiros disso dentro de toda a nossa esfera brasileira de comunicação sobre o autismo. Já me inspirei em temas e enfim, tive o prazer daí agora fazendo, jogando aquela já que a gente falou de crise, vamos antes da crise dar aquela amaciada, já tive o prazer de entrevistar o Tiago sobre o livro pro programa que eu trabalho que chama Metrópolis na TV Cultura.

Tiago: O Introvertendo é um podcast feito por autistas com produção da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Tiago: A Renata tem um texto chamado “Luta, foge, congela”, e esse texto fala sobre as formas que as pessoas podem reagir a uma situação estressante ou perigosa. Porque quando a gente fala sobre crises, a gente sempre tá falando sobre muitas vezes uma situação externa que causa algo na gente. E no contexto da vida adulta, a gente tem vários estímulos, várias coisas que ocorrem. Então, Renata, você pode contextualizar pra gente um pouco sobre esses fenômenos?

Renata: Quando a gente falou da primeira vez que eu tava fazendo uma pesquisa pra coluna que eu tenho no Estadão, que chama Dentro do Espectro, e eu tava pensando sobre essas respostas, né? E aí, eu sempre fico procurando, quando eu vou fazer a coluna, tentar explicar pra quem não está no espectro que a gente tem um cérebro muito parecido com o deles. A gente talvez amplifique algumas coisas, eu brinco às vezes, desliza mais nesse grande gelo que é a vida, mas tem muitas coisas que são muito parecidas e aí eu pesquisando achei que são as respostas típicas do cérebro ao trauma, a uma situação que a gente diria como ameaça. E como você falou, na vida hiperestimulada que a gente leva talvez a gente reaja mais, né? Existe flight, fight e freeze. Fight e flight seriam as coisas mais comuns, que é você brigar, ter uma reação agressiva, ou você fugir. O freeze é você congelar. Como eu já tive um episódio de congelamento numa dessas situações muito grande assim, que eu acho que até conto na coluna ou vou contar aqui que é uma vergonha abissal, eu consigo entender que às vezes você realmente para e trava, trava nas quatro rodas.

Hoje em dia tem uma resposta é mais recente, por isso que ela não tava, acho que eu só menciono ela rápido no texto que eles chamam em inglês de fawn, que é uma coisa meio, você tá numa situação ruim e de repente você tá se sentindo atacado ou oprimido e você começa a elogiar a pessoa que tá te atacando ou falar umas coisas meio suaves, sabe? Para evitar que ela chegue em você. Evitar falar o que você está sentindo para evitar uma briga, entra dentro desse fawn. Mas é que eu acho que na gente… eu não sei vocês, mas eu já tive essa reação, sabe?

Carol: Eu lembrei de uma situação muito específica que envolve uma série de questões, né? Mas basicamente foi uma situação que eu vivi numa sala de aula com uma professora que eu admirava muito porque eu já tinha ouvido falar muito bem do trabalho dela e etc. E acontece que essa professora foi racista comigo e eu tive uma crise silenciosa porque eu não sabia como reagir a essa situação. Então foi um acúmulo de coisas. Foi tanto pela situação vivida como pelas minhas características do autismo. E no final de tudo isso eu acabei no final cumprimentando a pessoa, cumprimentando essa professora, elogiando o trabalho dela, falando várias coisas que não faziam o menor sentido como se eu de alguma forma legitimasse esse comportamento dela de ter sido agressiva comigo a partir de uma reação totalmente contrária ao que eu estava sentindo. E eu acho que isso acentuou mais a sensação que eu tive depois de frustração, de crise, de desconforto. Porque eu estava me sentindo mal não só pela situação, mas também pela minha reação a ela.

Tiago: Então, eu estava pensando muito sobre essas reações e eu acho que eu sempre tive uma tendência maior a congelar ou fugir. Eu sempre fui uma pessoa que não partiu pro enfrentamento. Eu acho que isso também tem a ver com várias coisas com que eu passei, com o que eu vivi. Eu fui uma criança que sofreu muito bullying na escola e o bullying era muito violento, ele tinha uma base relacionada a deficiência, mas também uma base relacionada a sexualidade, eu falo isso no episódio 247 que saiu esse mês. Também sofri muita agressão física e eu sempre fui magro, nunca tive uma coordenação motora muito boa, então eu sempre fui a pessoa que em uma situação de conflito ou eu fugia ou eu travava sem saber o que fazer.

Mesmo depois de adulto, se eu me envolvo por exemplo num conflito de internet, sei lá, tô um grupo de Facebook. Isso aconteceu em 2015, 2016. Eu me envolvi num conflito verbal com as pessoas e a minha pressão caiu. Eu travei assim. Toda situação de tensão eu fico frio, a minha pressão cai, não sei o que acontece e eu não consigo reagir. Ou as coisas ficam na minha cabeça, eu fico pensando, planejando como eu vou reagir. Mas eu não consigo reagir de fato, sabe? Então acaba sendo uma coisa que me frustra também porque parece que eu não sei me defender.

Lembrei de uma situação no final do ensino médio. Fui pedir ajuda de um professor porque eu tinha um colega de turma que estava sendo muito violento comigo numa viagem. E aí ele falou que ele não podia interferir, que eu tinha que me impor. E aí eu comecei a me questionar como é que eu ia me impor naquela situação. E eu não sabia me impor, sabe? Então eu sempre lidei muito mais com essa coisa de congelar ou de me travar do que realmente reagir de forma que eu me defendesse das situações.

Renata: Ah, eu achei interessante isso né? Porque tenho 46 anos, você estava falando da idade adulta, deixa eu localizar um pouco né? Eu vou fazer 46, eu tenho 45 ainda gente, pelo amor de Deus! (risos) Eu tenho diagnóstico vão fazer 10 anos agora né? Depois do diagnóstico, depois de entender, eu comecei a perceber o quanto teve uma… eu não posso falar em uma evolução se a crise continua acontecendo. Não sei se é evolução, mas tem uma mudança. Eu quando eu acho que eu tenho esse pós adolescência, a minha briga é muito verbal, a minha primeira reação é agressiva. E foi uma coisa que com o tempo eu comecei a ter medo da minha agressividade, porque justamente como ela não é física, porque como eu sou… praticamente cê gabaritou aqui, a gente é irmão gêmeo separado no nascimento, sempre fui, desastrada, não tinha muito controle de músculo, não sabia muito se colocar fisicamente.

Eu acho que do jeito que a minha agressividade se colocava era muito verbal. E aí eu entrava numa coisa e eu não conseguia parar. Porque você entra num loop mental que você não tem fim. Às vezes você fala muito mais do que você precisa, nos dois lados, tanto na coisa de tentar apaziguar a situação, quanto na destruir o outro. E aí eu entendi que eu tava perdendo algumas pessoas porque eu era aquela que olhava e conseguia rapidamente com a sensibilidade saber qual que era a questão e enfiava o dedo na ferida e dava aquela torcidinha.

Ainda que hoje em dia eu perceba que às vezes eu brigo com o silêncio. Deu uma situação de crise que eu começo a sentir aquilo crescer e eu estou entendendo que eu não vou ter controle, né? Quando o colapso, a gente está vendo ele acontecer de alguma maneira, né? É um desespero você ser testemunha do seu próprio colapso. Então eu já sei o que eu faço, eu não falo com a pessoa assim. Tem gente que me procura e eu falo: “desculpa, nesse momento eu não consigo responder. Talvez eu não vá conseguir em uma semana, talvez quinze meses a gente se fale”. Não deixa de ser uma maneira de você brigar também, né?

Tiago: À medida que a gente vai envelhecendo, nós vamos criando estratégias para lidar e também isso envolve muito as exigências da vida adulta. A gente acaba sendo obrigado a “funcionar” em sociedade melhor a medida também que a gente vai tendo mais contato com o trabalho, com relacionamentos, com várias outras questões. E a gente sabe que tem algumas profissões e tem alguns campos e tem modos de vida que é exigido uma flexibilidade muito grande. Então você e eu nós somos jornalistas, a gente sabe o quanto nós temos que ser flexíveis em contextos em que há situações desafiadoras de longa duração que a gente não tem como evitar. Por exemplo, ah, estou desenvolvendo um trabalho que eu não gosto, que me faz mal, mas eu preciso desse salário, eu preciso sobreviver. Essas situações desafiadoras que a vida adulta nos impõe. Vocês acham que vocês hoje tem boas estratégias para lidar com isso ou vocês ainda patinando?

Carol: Depende. Tem situações em que eu acho que eu estou lidando bem, mas tem situações em que isso foge totalmente do meu controle. Na metade do ano passado eu vivi uma situação de capacitismo no meu trabalho e que claramente era uma situação de falha de comunicação e falha de acessibilidade das pessoas com quem lidando, né? E por eu estar numa posição que era de certa forma de gestão, eu tinha pessoas que eu precisava gerir, era muito complicado essa questão de eu ser uma gestora, precisar me dirigir a muitas pessoas e ao mesmo tempo manter dentro de mim essa calma e não surtar diante dessa demanda comunicativa muito extrema.

É muito difícil quando as pessoas demandam uma postura de liderança de pessoas que são autistas porque a gente não tem o arquétipo de uma liderança, de uma pessoa que sabe se portar nesse ambiente do que se espera, uma pessoa comunicativa, uma pessoa assertiva, uma pessoa que sabe lidar com várias pessoas ao mesmo tempo, uma pessoa que sabe falar em público e nada disso eu sabia fazer tão bem quanto as pessoas a minha volta ou pelo menos eu achava que não.

Várias vezes me deu vontade de desistir, várias vezes eu cheguei em casa chorando e chorei muito simplesmente porque eu não conseguia falar alto o suficiente. E eu sinto que hoje em dia eu talvez não tivesse essa vontade de desistir ou pelo menos não levaria adiante isso de desistência. Mas eu sempre penso em desistir das coisas justamente por essas questões que sempre aparecem de estar no espaço que eu não posso fugir porque a vida adulta cobra, mas ao mesmo tempo ficar me perguntando por que que eu estou fazendo isso e às vezes o porquê é uma coisa muito prática, né? Pra sobreviver.

Enfim, até porque quando a gente ultrapassa esses limites a gente fica se sentindo bem como se a gente tivesse ultrapassado mais obstáculos e ganhado uma habilidade com isso. Mas ao mesmo tempo isso causa um desgaste tão grande que muitas vezes vem da falta de acessibilidade dos lugares e às vezes nem é uma questão nossa.

Renata: Nossa, quase pulando ali pra falar com a Carol porque você de repente você trouxe tanta coisa né? Eu acho que assim, você falou Tiago, pra mim o trabalho é um lugar bem complexo que melhorou claro, agora que eu tenho vamos lá, 20 anos de vida profissional, mas ele é um lugar que eu tive muitas crises. Porque eu tenho um grau de envolvimento muito grande, porque o mundo realmente não é preparado pra gente, às vezes isso é difícil. Sabe aquela história que o nosso cérebro, a rigidez cognitiva, te bota verdades absolutas? Então pra mim assim, o campo do trabalho sempre foi um lugar em que muitas verdades eram colocadas, né? Então assim, era muito fácil eu entrar numa crise tanto que eu até vou falar uma das coisas que eu ia trazer depois. Hoje em dia uma coisa que a Carol falou que eu tento muito desconstruir é esse arquétipo da liderança. De entender que tem várias lideranças possíveis. Ao mesmo tempo eu acho que sim, essa imagem dessa liderança é opressora.

A última crise que eu tive no trabalho foi recente. Foi assim, há muito tempo que não acontecia, eu tinha tido, sei lá, há uns quatro, cinco anos, uma numa reunião de pauta, que é uma situação bem complexa, porque ela gera ansiedade, é muita gente na mesma sala, você tem a expectativa da sua ideia ser ou não aprovada. O meu sono regulador de sono é muito ruim, às vezes eu tomo um chá. Então, às vezes eu fico mais elétrica do que eu sou e aí alguma hora tentei falar e aí uma pessoa virou e me cortou e fez um comentário. Justamente esses comentários que te levam de volta, sei lá, pra infância né ou pra esses traumas.

Paralisei. Eu paralisei, ainda deu escorreu umas lagriminhas, eu consegui parar de chorar. Fica a dica gente, se você começar a chorar, você respira de boca aberta. O seu cérebro não entende o comando de respirar de boca aberta e escorrer lágrima. Ridículo, mas é verdade.

Carol: Nossa (risos). Bom saber (risos).

Renata: Vou começar a chorar no meio de uma reunião? Não posso, né? Tipo, então, fica assim. Quando você puder, Carol, faz o teste quando você tiver passando rímel, coisa no olho. A última foi recentemente que foi justamente o que você falou, de você seguir numa situação e de repente você percebe que está todo mundo com uma perspectiva, você outra. E aí tem um encontro desses dois mundos. Essa graças a Deus eu estava em casa, foi pelo telefone, mas assim, foi aquele colapso gabaritado, né? Balançar, tremer, não conseguir falar. E aí eu só consegui, assim, tipo, segurar pra levar pro meu chefe que já sabe e falar: “tá, entendi. olha, entende que eu tô nesse outro lugar, a gente precisa sim conversar, mas eu tô tendo uma crise e eu não vou conseguir levar essa conversa muito adiante. A gente vai ter que retomar esse assunto mais pra frente”.

Antes eu ficava com muita vergonha disso, todas as vezes em que eu não conseguia performar. Porque eu acho que talvez na sociedade da performance seja um dos estigmas que mais me afeta na vida profissional. Hoje em dia eu acho que isso é a melhor coisa que eu faço porque enfim, essa situação foi com uma pessoa que eu amo do trabalho. Depois a gente sentou pra conversar e eu agradeço que eu não entrei em nenhum dos outros modos e tive que falar: “olha, é isso. Está rolando uma crise, não vai dar pra gente seguir agora do jeito que vocês querem”.

E aí entrei no flight, que eles chamam, também que eu amo que é a fuga para evitar a dor. Pode ser também você entrar no modo “vou trabalhar, vou fingir que nada está acontecendo”. Eu lembrei quando eu estava fazendo essa pesquisa que eu já estava na beira terminar um namoro. A gente teve uma discussão, eu saí da casa dele e fui pra pra fila de uma balada.

Carol: (Risos)

Renata: Eu nem entrei na festa, tá? Eu fiquei na fila conversando com as pessoas para não lidar com aquilo (risos). Bom, eu acho que tem isso né? A gente vai aprendendo a ver as nossas reações. Com vocês acontece isso também?

Tiago: Bastante, bastante. Esse relato seu de fuga também me fez lembrar que eu tenho uma tendência de, em situações tensas ou complicadas, me afundar no trabalho pra tentar esquecer dos problemas. Eu fiz isso durante a pandemia com o Introvertendo. Então no Introvertendo a gente lançou 70 episódios em 2020. E mais uma coisa dos relatos de vocês, eu acho que também nos fazem lembrar que o contexto que as pessoas falam sobre crise no autismo nas redes sociais, pelo menos na nossa comunidade, são geralmente tipo: “estive num lugar e tinha muitos estímulos, aquilo me provocou crise”. E muitas vezes eu não me identifico com isso porque eu não tenho tanto problema assim com o estímulo do ambiente imediato. O principal motivo que causa crises em mim são exatamente questões da interação social, dificuldades da interação social que são coisas que vocês relataram.

Se eu revisitar o meu histórico, eu passei por uma situação muito chata no mês de maio agora porque eu jogo Pokémon Gol, sou viciado, participo de todos os eventos. Depois que eu me mudei para Porto Alegre, eu me vi num desafio de desenvolver habilidades sociais, de formar novos grupos sociais, já tinha amigos aqui que eu conhecia pela internet, ou conheci pessoalmente, mas nesses eventos eu queria formar novas pessoas. E foi um fracasso atrás do outro. Então, todo mês tinha um dia comunitário e toda vez eu voltava extremamente mal porque eu tinha uma tentativa ou as pessoas me tratavam com indiferença ou eu fazia alguma coisa que era em tese errada. Só que inicialmente eu tinha uma rede de apoio. E com o tempo, os meus pouquíssimos amigos que eu tinha feito há duras penas aqui estavam indo embora e eu me vi cada vez mais sozinho e cada vez mais numa sensação de abandono.

Tanto é que eu escolhi ir embora de Porto Alegre. No momento que a gente está gravando esse episódio, na semana seguinte eu vou pra Goiânia e pra mim também me veio uma sensação muito de fracasso de que eu tinha independência financeira, eu fiz um baita desafio que é sair de 1500 de distância né? De Goiânia para Porto Alegre, um estado que eu não tinha parente, consegui me estabelecer, consegui ser autônomo, mas não ter uma rede de apoio me fez muito mal.

No último dia comunitário eu fui, estava vendo um grupo de pessoas conversando e eu pensando: “essas pessoas parecem ser muito legais. Eu quero muito conversar com elas”. Mas eu estava ali travado. E uma hora eu fui aproximando e puxei um pouco de conversa, mas dava pra ver que eles estavam desinteressados em conversar comigo. Aquele momento que as pessoas têm uma rodinha, elas começam a fechar na sua frente, sabe? E aí quando o evento terminou, eu me senti como a criança que eu era quando tinha 7 anos de idade e fracassei, eu era o esquisitão e o pessoal julgava falando que eu que me achava e que não queria interagir com as outras pessoas.

E andei um quilômetro até chegar o apartamento. Eu sabia que eu ia chorar quando eu ia entrar no apartamento, mas eu segurei. Eu fiz as estratégias que a Renata citou. E aí quando eu entrei no apartamento, fechei a porta, aí eu chorei igual uma criança de sete anos. E o mais doloroso daquele dia é que naquele dia tinha uma gravação do Introvertendo, um episódio que vai sair agora daqui a algum tempo, chamado O lado bom do autismo. Como eu ia falar sobre o lado bom do autismo levando essa portada na cara? No final das contas deu certo, vocês vão ouvir o episódio, mas esse fracasso nas interações sociais, da falta de abertura das pessoas é algo que mexe muito comigo, é o é o principal gatilho para uma crise, essa dificuldade de interação social do autismo.

Carol: Isso que tu falou me chamou muita atenção porque eu ainda não tinha parado pra pensar que, nos últimos tempos, o maior gatinho pras minhas crises tem a ver com isso. Eu sinto que eu estou ficando menos sensível para essas questões sensoriais. Acho que parte dessa minha mudança pra uma cidade muito grande e essa gradual exposição a esses estímulos me ajudou a me treinar pra isso.

Quando eu me mudei pra cá pro sudeste foi um contraste muito grande. Sensorial, principalmente. Só que agora eu percebo que eu não enxergava como crise esses momentos que eu tinha de frustração, principalmente com as interações sociais e isso acontece com muita frequência. É isso que tu falou, é algo que aconteceu hoje comigo, inclusive. De ver a rodinha de pessoas se fechando e eu ficando de fora. E isso eu estou falando literalmente. A rodinha se fechando e eu ficando de fora e simplesmente porque eu não consigo falar enquanto várias outras pessoas estão falando. E eu gostaria de conseguir, porque são pessoas que eu admiro e gosto e que gostaria de ter uma interação maior. Mas eu simplesmente não é esse o meu jeito de interagir. E às vezes a gente não consegue aceitar que a gente chega no nível de autonomia da nossa vida e que essas barreiras continuam presentes pra sempre, eu acho.

Renata: Eu acho que é um pouco sim, sabe Carol? Eu me lembro muito da minha adolescência, exatamente Tiago o que que você falou. Até conseguir circular em todo mundo, mas eu não tinha nenhum grupinho. Os grupinhos que eu achava o máximo não me aceitavam. Essa coisa de eu trabalhar na televisão e ter topado ser apresentadora tem a ver com também com um obrigar as pessoas a me aceitarem. As pessoas às vezes falam: “ah, mas como é que você é apresentadora?”. Eu racho o bico.

Eu falo que primeiro, gente, eu não falo com as pessoas, eu falo com uma câmera, eu interajo com uma câmera, que é um objeto inanimado. Eu vou pra uma matéria extremamente preparada, eu sei tudo que eu vou falar, eu sei que eu vou perguntar, então eu tenho total controle desta interação. A gente vai aprendendo a lidar com o estímulo externo à medida que você vai andando, você vai lidando, então quando você chega num ambiente que é super histérico de som, e você já está num momento difícil, aí a crise vem.

Eu me lembro de uma vez que fui num show que já estava sensível, o show tinha luz pra caramba (risos). E aí eu vi um ex-namorado meu com a namorada nova. De novo, congelei. Até a hora que um amigo meu literalmente… o congelar que a gente está falando é congelar mesmo, tá? É assim você fica parado até a hora que alguém vem e te dá uma sacudida e fala: “wow! Deixa eu te falar, vida, oi! Está acontecendo um monte de coisa ao seu redor e você está aqui parada!”. Que nem eu falo, afogado em você mesmo, no que você está sentindo.

Então é difícil mesmo. E a interação social é sempre um desafio. Porque o que a Carol falou muito o que eu vivo, que é essa coisa de entender quando você está no grupo o tempo de conversa. As pessoas falam: “ah, mas você conhece um monte de gente” e tal. Mas eu sou uma pessoa muito melhor de interação um a um do que interação de grupo. A hora que está no grupo, eu estou lá participando, mas assim mais ou menos porque eu não vou saber a deixa, eu não vou saber a hora de rir. Eu vou falar alguma coisa que vai cortar o fluxo da conversa. Então pra que que eu vou tentar? Na verdade eu estou lá dando tchauzinho. Está ótimo. Deixa o povo aí. Eu deixo o talk show dos outros nessa hora.

Tiago: Inclusive Renata, você falou sobre a situação da reunião de pauta e eu lembrei exatamente disso. Eu também sou muito melhor para conversar com duas pessoas ou para determinar os meus pontos de vista conversando. E a gente tem também uma maior previsibilidade sobre o que vai acontecer e o que não vai acontecer. E o que ocorre mesmo em amigos de muitos anos é que eles estão conversando em grupo, aí eu tento entrar, eu sou interrompido. Aí vem aquela sensação horrível de ter sido cortado ou que é tão ruim quanto, que é o momento que eu tento falar e eu vejo que eu bloqueei alguém. Aí nossa, aquilo também é muito muito chato.

E aí já aconteceu uma vez, eu lembro, com os meus amigos. Inclusive eles apareceram no episódio 69 – Amizade, bem antigo. Uma vez a gente estava dentro do ônibus e aí o Paulo e o Fábio estavam conversando e eu estava tentando entrar e não estava rolando porque os dois estavam tendo meio que uma conversa um a um. Quando eu entrei, o Paulo riu e falou: “mas a gente estava falando sobre isso cinco minutos atrás”. E aquilo me frustrou muito. Eu fiquei muito triste naquele dia.

Carol: Eu lembrei de uma coisa que eu faço também nesses momentos que é hiper analisar. Não sei se vocês fazem isso também. Hiper analisar o comportamento comunicativo das pessoas. Ou seja, eu percebo que quando as pessoas estão nesses momentos elas começam a repetir o que a outra pessoa falou com outras palavras. Isso me irrita de um jeito que eu fico… gente! Primeiro que eu não sei fazer isso. A pessoa já falou isso. Pra que que eu vou falar a mesma coisa que ela disse?

Mas as pessoas dizem isso para estabelecer uma conexão porque elas vão ver: “Ah, essa pessoa concorda comigo”. Mas eu não faço isso. Eu só falo as coisas que eu estou pensando. Se eu não concordo, eu não concordo. Eu não vou falar a mesma coisa que a pessoa falou só pra isso. E aí é por isso que a gente parece que está cortando a conversa, porque a gente não faz primeiro essa barreira de comunicação que eu acho que é uma barreira. Pra mim é uma barreira. Porque o que as pessoas chamam de conexão pra mim é barreira. Porque se conectam entre si através dessa linguagem, mas ela é uma barreira pra mim porque ela impede que eu me conecte, que eu consiga interagir nessa conversa.

Então, quando eu percebo que eu já estou hiper analisando a conversa, eu já sei que acabou, minha voz morreu, eu vou pra minha casa, porque eu não vou conseguir falar mais nada (risos) e eu só vou ficar remoendo cada fala da noite na minha casa até outro dia.

Renata: Nossa Carol falou uma coisa, você falou dessa coisa do hiper analisando e tem coisas que você só entende que é do seu cérebro tentando passar a perna no autismo depois que você tem o diagnóstico. Então eu tinha uma coisa que era assim. Então vocês falavam alguma coisa. Eu falava: “realmente Carol, é isso”. Eu concordava, porque eu entendia que se eu falasse sim, meu cérebro tinha entendido que com o “sim” eu ia poder entrar na conversa. Eu concordei já com coisas absurdas, que não fazem o menor sentido pra mim (risos).

Tiago: Inclusive um amigo meu dizia isso assim, que em situações sociais eu falava coisas muito complexas.

Renata: (Risos)

Tiago: A mãe dele chegou pra mim e falou assim: “ah, o jornalista não precisa de estar formado pra exercer a profissão, né?”. E aí eu fiz uma longa digressão sobre a discussão sobre isso e aí um outro amigo meu falou assim: “a vida seria muito mais fácil pro Tiago se ele simplesmente concordasse com as pessoas. Você vai fazer muitos amigos concordando com as pessoas”.

Renata: (Risos)

Carol: Ai, que horror!

Tiago: “Você gosta de um monte de coisa, você se interessa por um monte de assunto, só concorda e está tudo bem”. E OK, a gente acha isso engraçado, mas ao mesmo tempo isso é um tico violento também, né? Que a gente deixa de ser nós mesmos nessas situações.

Renata: Eu acho que a autonomia pra mim já tem a ver com isso, sabe? A minha autonomia foi poder assumir que eu não entendi a graça, não vou entrar, não sei o que estão falando, não vou concordar.

Tiago: Uma parte da minha frustração nas interações sociais não tem a ver só com o meu repertório, mas também com o meu modo de vida. Eu tenho uma vontade de socialização muito alta. Eu vejo que eu tenho um uma iniciativa por interagir, por sair da zona de conforto até maior se muitos autistas porque eu quero aprender. Ao mesmo tempo, mesmo tendo essa motivação social muito grande, eu tenho uma energia social baixa. E eu não sou como jovens da minha geração, de certa forma.

Renata: Amo os “jovens”.

Tiago: Então assim, eu estou com 27 anos, já estou chegando no momento que eu não tenho o mesmo pico que eu tinha, sei lá, com 20, 21 anos que eu poderia ficar até quatro, cinco horas da manhã, virar o dia numa festa. Então, hoje em dia, qual é a minha rotina? Dá 10 horas da noite, eu estou indo deitar. Quando dá 6 horas da manhã eu estou de pé pra cuidar de outras coisas, porque a vida adulta chama. E aí eu tinha um amigo que foi embora pra Estônia que ele era muito baladeiro e ele tinha a mesma idade que eu. A diferença nossa era tipo alguns meses. E o rolê dele era ir para a Cidade Baixa, que é um bairro jovem daqui de Porto Alegre, pra festa. 11 horas da noite era cedo pra ele. Então me frustrava muito que eu não conseguia acompanhar o ritmo dele. Então eu tinha vontade por interagir, mas eu era o chatão que voltava cedo.

Uma estratégia que eu fiz uma vez quando ele chamou um grupo de amigos e era uma forma de eu conhecer novas pessoas, conhecer os amigos dele e tal. Ele marcou 8 horas da noite na casa dele e era pro pessoal meio que virar a noite. Que que eu fiz? De tarde eu deitei até seis horas da tarde, me arrumei e fui 8 horas. Quando eu cheguei lá, não tinha ninguém, só tinha ele. Porque o pessoal mentalizou que não era pra chegar no horário combinado às oito horas. Então o pessoal começou a chegar às dez da noite, a gente interagiu, eu bebi um pouco, fiquei um pouco bêbado e tal, né? Coisa normal. Só que aí quando deu 2 horas da madrugada, não estava aguentando mais, eu estava morrendo de sono de novo. E aí eu cheguei pra ele e falei assim: “ah vou embora, porque eu estou cansado e tal”. E ele ficou assim: “ah! Mas tem algum estímulo que está te incomodando, alguma coisa assim?”. Porque ele tinha essa preocupação, sabe? Falava: “não, eu só estou cansado mesmo, energia social baixa”.

E toda vez que a gente saía era assim, eu era o chato que voltava mais cedo. Ao mesmo tempo que eu preciso me respeitar e ser disciplinado é bom porque eu consigo levantar cedo e cumprir todos os meus compromissos, eu ficava naquela sensação do tipo: “não sou como os outros, eu não consigo desfrutar dos mesmos contextos que a minha geração vive e vai ter algum momento que eu vou estar em outra lógica da vida e não vou poder fazer isso que eu posso fazer agora”. Então fico frustrado.

Renata: Eu vou levantar a mão aqui, vários [pontos] anotei aqui, ó. Primeira coisa que eu acho: chato é você que está se denominando, porque eu também sou a que dorme mais cedo dos meus amigos que são infinitos, né. A minha família é infinita. As pessoas falam: “nossa você é animada”. Eu falo assim: “eu sou animada porque eu fui condicionada”. Cresci num ambiente muito barulhento, em que as pessoas todas duravam muito. Então, essa frustração que você fala, o normal é todo mundo ficar lá até às seis da manhã, eu sempre vivi. Eu nunca consegui isso.

Querer tá no grupo, pra mim também era um sinal de “sucesso”, porque eu entendia isso como sendo normal. A hora que eu comecei a entender que pro meu prazer na verdade era muito mais essa coisa de tá em pequenos grupos, foi ficando mais fácil. Eu faço as minhas medidas. Eu fui recentemente numa dessas minhas turmas infinitas num aniversário e foi isso assim. Eu entendo que a bebida tem um grande grande caráter social pra mim. Ela é uma das maneiras de eu conseguir interagir melhor numa festa, que é uma coisa que as pessoas falam, ah você vai tão bem, eu falo, não gente eu engano vocês, eu fico rodando a festa, eu falo boa noite, boa noite pra todo mundo, não falo com ninguém.

O legal da idade é você começar também a ficar mais tranquilo com o que você dá conta. Então assim, eu já me conformei que eu vou ser a pessoa que vai ser sempre a primeira a dormir. Comecei por exemplo, hoje em dia beber menos ou beber água. Eu falo de ter a água da maturidade entre as bebidas porque eu sei que se eu beber…

Carol: (Risos).

Renata: É verdade. A água da maturidade é que se eu beber, se você bebe mais, aí eu vou dormir mais cedo ainda, entendeu? Vou durar menos ainda (risos). Porque eu faço a que dorme, eu não faço a que passa mal. E de repente você vai ver que eu estou ali no cantinho dando um ronquinho, indo embora. Então como é que eu vou nivelar o que tá dentro com o que tá fora, entendendo as minhas expectativas e o que acontece de verdade. Eu já fui em festa que era assim, tipo, nossa, sonho. Finalmente eu fui convidada, fui aceita. Uhu! Cheguei lá, falei, chato pra caramba, quero ir embora pra minha casa.

Tiago: Exatamente (risos).

Renata: Não quero ficar aqui nem a pau.

Carol: No momento eu não passo mais por essa situação de me meter em lugares que eu não quero estar e de ser a chata do rolê que vai embora cedo por dois motivos. Um porque eu encontrei amigos que me aceitam desse jeito. Então isso é um fator muito importante porque quando a gente ainda não tem essa rede de apoio que o Tiago fala, a gente fica querendo a todo custo fazer amigos e a gente acaba indo pros lugares que são mais frequentes entre os jovens ou as pessoas da nossa idade e não nos lugares em que tem pessoas que são mais parecidas com a gente (risos). E aí a gente só fica com frustração atrás de frustração.

Outro segundo fator é que eu moro com uma pessoa, minha amiga que divide apartamento comigo, que é do mesmo jeito. Ela não é autista mas ela vai embora cedo. Ela está às onze horas da noite na casa dela no quarto dela deitadinha. E tipo assim, se eu quero ir embora cedo ela também quer ir, então ela vem junto comigo. Então eu não sou a chata do rolê sozinha e todo mundo já sabe que a gente é assim.

Isso é muito difícil falar no autismo, gente (risos). Dizer assim: se cerquem de pessoas que são parecidas com você. Não. Não é tão simples, mas eu digo que isso faz toda a diferença, você parar de procurar pessoas para você interagir em lugares em que você não suporta.

Tiago: Então assim, nós já vimos que nós três aqui nós temos a tendência de não sermos os inimigos do fim. Não sendo inimigos do fim, pra finalizar esse episódio, Renata, eu queria que você dissesse então se você concorda com o que a Carol falou também sobre se cercar das pessoas certas, porque é uma coisa que eu estou ainda apanhando pra aprender pelo fato de ter vindo numa cidade nova e ter que ter começado tudo do zero de novo.

Renata: Que mané não somos os inimigos do fim. Como assim você vai terminar esse episódio agora? Agora que a gente está aqui, animado esquentando. Agora que a gente está esquentando todo mundo! (risos). Eu acho assim, tem duas coisas, né? Eu acho que se cercar de pessoas, rede de apoio é importante para todo mundo e pra gente não tem como não ser diferente, né? E principalmente gente que você possa trocar não só como você é, mas como muitas vezes a sua expectativa se frustra com a sociedade. Não é chato ir embora cedo. Não é, assim, eu eu tenho até um grau de autonomia, assim, eu sempre fui muito dessa autonomia por conta da história da minha vida. A minha mãe morreu quando eu era criança, tal. Então, eu sempre quis ser, né, independentona ali.

Como a Carol falou, acho que a rede de apoio não significa você ter um milhão de amigos, gente. O Roberto Carlos não teve, o Orkut não teve, está tudo certo. Acho que assim, mas quem são as pessoas com quem você baixa a guarda e pode trocar, falar essas coisas. Porque daí isso é o que eu acho que às vezes a gente precisar. É claro que você não vai querer ter um amigo só porque também você não vai querer sobrecarregar ninguém e nem se sobrecarregar. Mas entender quem são esses pontos de apoio, né? Com quem às vezes talvez vão ter pessoas com quem você vai trocar uma coisa e tem gente que vai com você no show e a gente vai ficar em casa bordando. Tenho uma turma de bordado por exemplo.

E o tempo, gente. Eu acho que talvez a coisa que eu mais gostaria de falar é que ele melhora. Porque como a gente vai se conhecendo, a gente vai deixando de ficar tão bravo com as nossas reações. Recentemente eu fiz a transmissão do carnaval que você imagina. Imagina ao vivo no carnaval. Bateria, fantasia, gente andando. De repente você está com um negócio na sua orelha que alguém fala: “vai, entra!”. É óbvio que é um pedir pra dar ruim, entendeu?. Mas como você falou, a gente insiste. Rigidez cognitiva também pode ser chamada de teimosia no nosso caso.

E aí a última entrada que eu fiz… foi tudo lindo. As duas últimas entradas foram uma merda. E aí eu fiquei muito frustrada. Eu consegui segurar a raiva, cheguei na base na última entrada, as pessoas queriam vir falar comigo, só olhei pra uma pessoa que trabalhava comigo eu falei: “é o seguinte, eu preciso ir embora daqui”. Conseguiram, me arrumaram um carro, tinha mais gente indo embora, fui de carona com outras pessoas, não conseguindo lidar com a frustração, mas consciente de que às vezes eu falava: “olha, gente, desculpa, mas é que eu não sei lidar com frustração, eu não consigo”.

Aí falaram: “mas você acha que sua carreira vai ser colocada em cheque porque você entrou errado na décima quinta entrada ao vivo no meio do Carnaval?”. Falava, não mas eu não consigo lidar com o que está acontecendo. Às vezes é isso, às vezes a rede de apoio é alguém que está do seu lado que nem é seu amigo, mas é alguém que tenha um olhar um pouco sensível pra vida, isso às vezes eu acho, sabe? Como é que faz pra gente entender um pouco quem está no espectro da sensibilidade, isso talvez já ajude bastante. Não tenho fórmula, tá gente? Estou enrolando porque eu não quero que o programa acabe.

Tiago: (Risos) Então Renata, muito obrigado pela sua participação no Introvertendo, foi uma honra. A gente estava querendo te chamar há muito, muito tempo, mas não tinha aquele, sabe? Momento certo assim, aí depois veio essa sugestão da Isa e tudo rolou. Então eu queria que você falasse um pouco sobre o seu trabalho pra quem não te conhece, o que é pouco provável. Mas pro pessoal aí acompanhar seu trabalho, inclusive o que você já produz sobre o autismo.

Renata: Eu vou agradecer a Isa, você, a Carol, é muito importante o que vocês fazem. Vocês talvez nem saibam o quanto vocês já foram a minha rede de apoio e eu tenho certeza que são uma rede de apoio para muita gente, tá? Ainda que tenha a interface digital e ela faz as pessoas ficarem frias, eu tenho certeza que muita gente como eu já veio aqui pra se sentir acolhido.

Eu sou jornalista, trabalho como repórter de um programa de cultura e entretenimento e arte que se chama Metrópolis na TV Cultura que também está disponível no YouTube. Falo que é a nossa trincheira cultural porque nesses tempos estranhos que vivemos é o único que tem. Eu tenho uma coluna no Estadão especificamente que chama Dentro do Espectro que essa eu vou contar. Eu não posso falar isso, né? Pois não vou expor o meu chefe. Mas ela nasce justamente duma inquietude da própria redação de ver o como os casos estavam aumentando e entenderem que eles precisavam falar disso.

Eu acho que tem uma coisa engraçada que é ao contrário daqui que a gente fala que o público, enfim, tem tá aí nessa faixa dos 20, lá eu falo pra muita gente muito mais velha, mais velha que eu, inclusive, né? As interações e as respostas são muito interessantes no sentido das pessoas se questionarem, né? Do que elas tinham como o padrão de autismo. Então eu gosto bastante assim, né? Muito obrigada de novo pelo convite gente, eu fiquei muito honrada, cês nem imaginam o quanto significa pra mim estar aqui mesmo, brigada mesmo.

Tiago: Ah eu eu que agradeço. Significa muito pra mim também assim, então…

Renata: Fico muito feliz.

Tiago: Fico muito feliz.

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