Introvertendo 245 – Altas Habilidades e Autismo

Apesar de não ser um diagnóstico, é comum falar de altas habilidades para certa faixa do espectro do autismo. Essa forma, que costumamos chamar de dupla excepcionalidade, pode ser difícil de ser identificada por professores, familiares e os próprios autistas. Neste episódio, Tiago Abreu recebe Alexandre Kurth e Aline Provensi para um papo sobre altas habilidades, características, processo de avaliação e as suas experiências pessoais com o tema. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Tiago: Olá pra você que ouve o podcast Introvertendo, que é esse programa que traz autistas que são especialistas ou não são especialistas em suas áreas. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, um dos integrantes deste projeto. Vocês frequentemente ficam pedindo pra gente falar sobre outro diagnóstico, as condições coexistentes e coisas adjacentes sobre autismo. E agora a gente vai falar sobre altas habilidades. Estou com dois convidados mais que gabaritados para falar sobre isso.

Aline: Oi, meu nome é Aline, eu sou psicóloga, sou especialista em autismo. Estou fazendo pós-graduação em neurociência também e psicologia aplicada. E eu sou autista, tenho altas habilidades e também tenho TDAH. Então tem um pacote completo.

Alexandre: Olá a todos, eu sou Alexandre, estou cursando licenciatura em matemática no Instituto Federal do Espírito Santo e assim como a Aline eu também tenho o pacote completo, ou seja, estou no espectro autista, tenho altas habilidades e também tenho o TDAH da manifestação hiperativa.

Tiago: E mais uma vez muito obrigado por vocês toparem desafio aqui de falar sobre esse tema que com certeza muita gente da comunidade do autismo se identifica. O Introvertendo é um podcast feito por autistas com produção da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Tiago: Acho que em temas como esse as pessoas sempre querem saber os fundamentos, os conceitos. Então Aline, o que são altas habilidades?

Aline: Olha, a definição de altas habilidades ainda não tem um consenso muito concreto por não ser um diagnóstico, na verdade são um padrão de identificação, um conjunto de características. Não é um diagnóstico porque não se prevê déficits no neurodesenvolvimento, então você prevê mais avanços do que o contrário e aí os déficits eles podem vir se você não tiver suporte ao longo do desenvolvimento. Então altas habilidades tem alguns eixos que são: engajamento com a tarefa, criatividade e alguma habilidade acima da média. Então é essa a base de identificação.

E aí pra isso pra gente identificar, a gente usa diversos testes para diversas áreas de tanto inteligência, como assimilação, interpretação, tanto na parte mais qualitativa como as características mais isoladas. Antes as pessoas pensavam que era só pelo número de QI e muitas pessoas ainda pensam, mas isso não é o critério de inclusão ou exclusão de altas habilidades. Então você não precisa ter um QI acima de 130 para ter altas habilidades e não é só pelos testes de QI que a gente faz essa análise você também precisa ter todo o desenvolvimento marcado por todas essas características das altas habilidades.

Tiago: Isso me lembra um pouco o autismo, que as pessoas ficam sempre em dúvida assim: “ah, como é que eu me enquadro no autismo?”. Aí a gente verifica todo o histórico da pessoa, como era o desenvolvimento dela, como isso se relacionava na própria história da família, da escola e etc. E foi bom você ter falado sobre essa questão do QI porque eu acho que talvez popularmente as pessoas associam muito a ideia das altas habilidades também com as pessoas que são por exemplo das exatas. Existe todo aquele estereótipo, aí as pessoas falam assim: “ah, mas eu sou autista, tenho altas habilidades, mas eu sou de humanas” e aí algumas pessoas ficam assim… Eu sei que o Alexandre que está aqui com a gente ele é das exatas, então ele está mais perto desse estereótipo, mas eu queria perguntar pra você Alexandre: na infância, como você percebia que você era diferente? Isso tinha a ver mais com só o autismo ou você também percebia algo relativo às altas habilidades desde pequeno?

Alexandre: Eu diria o seguinte: no quesito do autismo, as pessoas sempre percebiam que eu tinha comportamentos diferentes, ou seja, comportamentos repetitivos, uma tendência mais ao isolamento, só que no quesito de aprendizagem escolar, eu conseguia ser uma criança muito mais criativa e ter um raciocínio mais desenvolvido e uma capacidade maior de abstrair  conceitos. Essa foi uma das primeiras coisas que puderam ser percebidas e desde as séries iniciais, talvez a partir da quarta série, eu comecei a interessar muito por algumas áreas científicas, como astronomia. Foi uma das primeiras paixões que eu tive na área científica. Quando eu brincava, eu tinha o costume de ter umas brincadeiras um pouco incomuns.

Isso pode ser tanto por causa do autismo quanto pelas altas habilidades porque eu gostava de mexer na energia e tudo mais e os adultos não gostavam disso porque era perigoso e realmente era. Só que eu gostava de entender como a energia funcionava, tanto que quando eu era criança eu queria até aquele globo não sei como você fala, que você coloca a mão e sai os raios. Esqueci o nome daquilo, é porque eu nem lembro mais, só tenho lembrança da infância.

Eu diria também que o fato de eu ter altas habilidades e ter uma capacidade cognitiva um pouco mais acima da média, talvez tenha mascarado o meu autismo porque quando eu era criança, os adultos ao redor percebiam que eu tinha algo diferente mas acharam que não eram nada só porque eu não tinha déficit cognitivos. Porque eu sempre tive esse problema de comunicação, interação social, os padrões repetitivos, só que isso não me causava tanto prejuízo.

Outra coisa que eu mencionaria ainda sobre astronomia que foi uma das primeiras áreas que eu comecei a me interessar que eu só pensava naquilo e eu só queria ficar sabendo daquilo. Isso também tem muito a ver com o próprio autismo. Aquele interesse muito especial em alguma coisa. Eu diria que quando você tem altas habilidades, parece que as duas condições se mesclam, que é até difícil diferenciar o que é uma condição, o que é a outra.

Tiago: Aliás, essa questão é muito interessante porque nós podemos ter vários diagnósticos, mas nós somos uma só pessoa. Então, às vezes fazer essa separação entre o que que o que que é do autismo, o que é da minha personalidade, o que é de outro diagnóstico pode ser bem complexo. E Aline, você que também é uma pessoa que tem altas habilidades, provavelmente na sua vivência também algumas dessas questões foram se relacionando. Então quais são as relações que a gente faz entre autismo e altas habilidades?

Aline: Eu vejo as pessoas se confundindo muito, as vezes achando que não, é altas habilidades só porque vai bem na escola, é uma pessoa que fala muito bem sobre os interesses dela, tem uma fala, uma ideia muito articulada sobre as coisas, se expressa muito bem, mas quando é sobre um tema específico. Uma coisa realmente como o Alexandre disse, acaba camuflando ou compensando a outra. Até porque as pessoas pensam que pra você passar pelas etapas da vida, se você passou pela escola, tranquilo, está tudo certo na sua vida. Se passou na faculdade, está tudo certo também e acabam não considerando essa parte que é mais de avaliar os pormenores das relações sociais, os padrões de comportamento.

E então as pessoas às vezes por ilhas de interesse do autismo acham que pode ser uma questão de altas habilidades. Então hiperfoco, por exemplo, mas não necessariamente, porque também precisa de todas essas outras características para ser altas habilidades. Assim como as pessoas acham que a assincronia do desenvolvimento que uma pessoa com altas habilidades tem então de não se identificar muito com as pessoas da mesma idade e ter dificuldade de fazer amigos que têm a mesma idade, acham que isso é uma característica do espectro e não necessariamente. Ou enfim, acabam negligenciando às vezes uma coisa ou a outra também por conta disso. Uma coisa acaba se confundindo se você não faz uma análise mais aprofundada também.

Tiago: Sim, com certeza. Inclusive tem um episódio antigo do Introvertendo que foi lançado em 2019, que é o episódio 46 – Um papo com Enzo Grechi. O Enzo na época já tinha essa identificação das altas habilidades e a experiência de ter conhecido ele também me fez pensar o tanto que exatamente em contextos como esse, quando a já está validada como uma pessoa com altas habilidades, ela pode ter o seu processo de mudar de turma, de fazer parte de grupos com pessoas mais velhas e isso traz desafios de interação social quando você se relaciona com pessoas que estão numa faixa etária diferente da sua.

Eu não tenho nada formal de altas habilidades, mas quando eu era criança, eu fui pulado de uma série pra outra porque teve um ano específico na terceira série que eu fechei todas as disciplinas e os professores queriam fazer esse teste e aí eu fiz todo o ensino fundamental com pessoas mais velhas. E aí eu já tinha dificuldade de interação social do autismo, aí tinha essa coisa de estudar com o pessoal mais velho, então era uma criança muito imatura, muito diferente e que tinha essa dificuldade de pertencer aos grupos. Aí eu fico imaginando no caso de pessoas por exemplo que estão muito mais avançadas do que só um ano, dois, três. Então acaba sendo uma questão bastante desafiadora.

Aline: O complicado assim é que pelas altas habilidades, por você saber que as pessoas esperam muito de você, você também se cobra muito para atingir esses padrões. Então você passa dos seus limites o tempo inteiro. Você tenta se encaixar de qualquer jeito porque você acha que tudo é uma mera questão de esforço. Se eu me esforçar, eu vou conseguir. Se eu não estou sendo aceita, é porque eu não estou me esforçando. Então sem acompanhamento, se você é autista também, isso é uma tragédia sem fim.

Tiago: Ah, bem interessante. Então eu imagino que na trajetória de muitas pessoas autistas que eu vejo na internet, são pessoas que muitas vezes descobrem terem altas habilidades no processo de avaliação do autismo ou posteriormente. A pessoa já sabe que é autista mas ela começa a ver que não é só autismo, tem mais alguma coisa aí no meio. Então eu queria saber de você Alexandre: como é que foi esse processo de identificação das altas habilidades? Quando foi mais ou menos?

Alexandre: Então a minha primeira suspeita na verdade que me levou a buscar avaliação diagnóstica foi por causa da suspeita de autismo. E também da primeira vez que alguma pessoa suspeitou disso e realmente teve o nome foi a minha tia que muito antes de mim de ter acesso a canais por assinatura e tudo mais, começou a assistir um um seriado chamado The Big Bang Theory, Big Bang: A Teoria, que tem um personagem chamado Sheldon e ela percebeu que eu apresentava muitas características semelhantes a dele, tanto na questão de capacidade cognitiva, quanto na questão de comportamentos repetitivos e dificuldades na socialização.

Só que a minha primeira suspeita mesmo foi por conta do espectro porque eu comecei a pesquisar sobre o assunto graças a algumas pessoas e a uma colega da faculdade que levantou a hipótese pra mim e eu fui pesquisar e cada vez me identificar mais. Pesquisando eu encontrei a psicóloga, que é a Alice, marquei uma avaliação com ela. E na avaliação ela avaliou as três áreas que foram de maior suspeita: o espectro autista, o TDAH e as alta habilidades e deu positivo para os três. Ou seja, a minha maior suspeita era o autismo, só que também deu essas outras condições.

Tiago: Interessante, você falou do processo de avaliação e, Aline, como é que é esse processo de avaliação de altas habilidades? Quais são os testes que podem ser feitos pra identificação?

Aline: Os testes são os mais variados. Tem uns testes mais clássicos, que são testes de inteligência. Mas hoje em dia a gente tem uma série de outros testes também que avaliam áreas a depender do que for interessante naquele momento. Então a área principalmente verbal, que seria mais de estímulos escritos ou falados, área numérica, identificação de padrão, resolução de problemas, também área visual, visoespacial, de criatividade e também a gente faz um checklist de todo o processo de neurodesenvolvimento da pessoa. Porque quando a gente revisa todo o passo, todos os marcos, geralmente são pessoas que desenvolveram antes do que é esperado alguma habilidade.

Então geralmente aprenderam a falar antes, andar antes, aprenderam a ler antes, a escrever antes e também se teve não só a parte escolar, acadêmica. Mas também pode ser de desenho, de criatividade, outros tipos de potenciais. Então, realmente as pessoas ficam muito focadas nessa área matemática, mas como também é o caso do Alexandre, a gente acaba deixando essa criatividade toda de lado que muitas vezes o pessoal pode não ter essa característica matemática, inclusive ter discalculia, e ao mesmo tempo ter uma hipercriatividade e conseguir criar histórias, conseguir criar desenhos, enfim, e isso pode ser negligenciado inclusive então tem que ser um processo bem cuidadoso nessa hora de avaliar altas habilidades.

Inclusive as pessoas também acham que pessoas com altas habilidades têm que ter tido algum alcance muito grande na área acadêmica, por exemplo, ter tido destaques, passado em concursos, mas isso depende muito de vários fatores sociais também, não só do potencial da pessoa e das habilidades da pessoa. A gente tem que analisar qual que é o contexto dela, se ela tem alguma outra condição junto, qual que é a condição socioeconômica dela. Então tudo isso tem que ser bem cuidadoso pra gente não negligenciar nada.

Tiago: É, eu acho que essa questão social é muito importante e realmente muito negligenciada até quando a gente fala sobre o autismo, a diferença de uma pessoa autista com uma rede de apoio, com acesso cultural a cidade, com várias coisas que a gente precisa entender mais como direitos que autistas precisam acessar, o efeito sobre a qualidade de vida é totalmente diferente de uma pessoa que não tem. Então a gente percebe o quanto que não ter esses direitos ao longo da vida, o quanto isso também traz prejuízo pra autonomia, para vários outros aspectos que a gente considera importantes no nosso dia a dia.

E em relação a esse processo de avaliação as pessoas geralmente têm dúvidas muito básicas assim, até no processo diagnóstico do autismo. As pessoas às vezes mandam mensagem pra gente assim: “ah, mas qual é o profissional que faz o diagnóstico? É o neurologista, é o psiquiatra?”. Então eu trago a mesma pergunta para esse âmbito das altas habilidades. Quais são os profissionais mais indicados para uma avaliação de altas habilidades?

Aline: São profissionais da psicologia que fazem esse tipo de avaliação. O neurologista pode até te ajudar a identificar, mas ele não vai ter acesso aos instrumentos que são instrumentos de avaliação psicológica que só o psicólogo tem, no caso. Então geralmente é psicólogo, neuropsicólogo, que é outra especialização. Então qualquer um desses profissionais vai poder identificar.

Alexandre: Sobre a avaliação que eu fiz com a Aline, talvez é de se imaginar por eu estar cursando matemática que minha alta habilidade é na área de matemática. Só que de acordo com o resultado, não é. É na visoespacial, identificação de padrões e abstração de conceitos. E também são dos motivos porque eu gosto de teorias da filosofia e sociologia porque eu não sou totalmente de exatas, eu flerto muito com as humanas também.

Tiago: E saindo um pouco desse território conceitual, eu queria perguntar pra vocês dois qual foi o impacto da descoberta das altas habilidades. Porque eu imagino que houve algum impacto positivo talvez provavelmente. Eu quero saber um pouco disso na vida de vocês.

Aline: Pra mim o que mudou foi que eu consegui achar caminhos para me estimular melhor. Porque eu insistia muito em seguir o mesmo ritmo das outras pessoas, em me forçar a estar em contextos que eu realmente não conseguia aproveitar e eu acabava também me escondendo muito das pessoas, então eu procurava não me destoar. Tanto que eu achava que saber mais ou me aprofundar mais nas coisas era errado e isso fazia com que as pessoas não gostassem de mim. E depois eu comecei a me sentir mais livre, depois entendi que… nossa, é uma condição. Não é que eu sou metida ou que eu quero me aparecer ou que eu quero ser melhor do que as outras pessoas. É o meu cérebro, ele age assim independente se eu ficar tentando tolir isso, se eu vou ficar tentando ser outra pessoa. Então eu me senti mais confiante pra ser eu mesma, em fazer coisas que faziam mais sentido pra mim.

Alexandre: Eu diria que tanto receber o diagnóstico do espectro autista quanto a identificação de altas habilidades trouxe grande impacto pra mim. Eu percebi que tinha algo de diferente comigo. Eu me sentia uma pessoa inteligente, eu não gosto muito dessa expressão porque faço ideia de uma vaidade. Meus professores falavam que eu era inteligente, só tinha alguns prejuízos em outras áreas, como um pouco de dificuldade na concentração, de socialização, mas boa criatividade e capacidade cognitiva. Só que eu não me achava superdotado porque eu tinha muito aquele estereótipo pra ser uma pessoa com a tuas habilidades com 10 anos já tinha que estar no ensino superior. Aquele estereótipo bem forçado. E realmente existe, mas pra minoria dos casos de altas habilidades.

E o fato de eu receber identificação tardia me trouxe também um sentimento de revolta porque eu nunca passei por um atendimento educacional especializado. Algumas matérias na escola eu achava muito superficiais. E se eu tivesse sido identificado com altas habilidades eu teria recebido um atendimento especializado nessas disciplinas, algo que eu nunca tive. Nem em relação ao autismo também.

Tiago: Acho que o seu relato faz a gente pensar sobre uma coisa muito importante que a gente já falou no Introvertendo várias vezes que é sobre essa coisa de não se culpar. Ou de alguma forma conseguir lidar com essa sensação de culpa, principalmente quando a gente lida com uma descoberta tardia e a gente volta ao nosso passado e começa a lembrar de todas as coisas que poderiam ter sido diferentes, todo o apoio que a gente poderia ter recebido ou não. E infelizmente muitas coisas do passado não tem como ajustar, mas a gente tem como melhorar o nosso futuro, otimizar essas coisas e ter essa previsibilidade sobre o que virá depois. E por isso que uma descoberta mesmo tardia, seja do autismo, seja do TDAH, ou seja de qualquer outra questão como as altas habilidades, é bem importante.

Aline: Queria falar sobre a dupla excepcionalidade, que tem tudo a ver com o que o Alexandre estava falando de não receber suporte na infância. Porque pras pessoas é muito contraditório a gente ser muito bom em algumas coisas e ter tanta dificuldade em coisas que são consideradas básicas pras pessoas. Então elas pensam assim: “não, ou é preguiçoso porque ele só quer fazer o que ele quer e daí as coisas que ele não tem tanto interesse, deixa pra lá e por isso que ele tem dificuldade”, por exemplo, e aí negligencia. E aí acaba que os destaques são negligenciados e as dificuldades também são negligenciadas. Porque horas estão dando mais enfoque para um e horas estão dando mais enfoque para outro. Então você é inteligente demais pra ser autista, mas tem dificuldade demais pra ter altas habilidades. Isso no imaginário das pessoas.

Então, na dupla excepcionalidade, as pessoas também acham que são duas condições ao mesmo tempo, mas não necessariamente. Se você tiver autismo, TDAH e altas habilidades, ainda vai ser dupla excepcionalidade.  E aí seria essa condição de ter déficits no neurodesenvolvimento ao mesmo tempo você tem avanços no neurodesenvolvimento. Então é uma dupla condição de déficits e avanços.

Tiago: Isso me fez lembrar de coisas que eu já ouvi autistas falarem e que eu já vivi também, que é por exemplo às vezes a família não entende. Pensa assim, nossa mas você é tão inteligente nisso e você é tão burro nisso, por exemplo. Até hoje eu tenho muita dificuldade de descascar frutas. Qualquer questão que envolve essa coordenação motora fina é muito complicada pra mim. Eu chupo laranja cortando ela, mas eu não consigo descascar. E isso nunca assim computou na cabeça da minha mãe. “Ah, você tira boas notas, você é isso, é aquilo, mas você não sabe carregar o negócio, um peso direito, não sabe descascar uma fruta e etc”. Hoje ela não me julga depois da descoberta do autismo. Mas são coisas que eu acho que autistas ouviram a vida inteira (risos).

Aline: Sim. Eu não sei amarrar sapato (risos). Estou formada, pós-graduada, não sei o que lá e não sei amarrar meu sapato (risos).

Tiago: (Risos)

Aline: Complicado.

Tiago: Aline e Alexandre, muito obrigado pela participação de vocês aqui no Introvertendo, acho que foi uma conversa rápida, mas ao mesmo tempo bastante profunda, deu pra gente passear sobre vários aspectos, com certeza tirar dúvidas, e talvez tem gente que tá aí com a pulga atrás da orelha (sendo muito metafórico) pensando assim: será que eu posso ter altas habilidades? Então espero que esse episódio também seja um incentivo para que as pessoas procurem um profissional que vai talvez investigar essa possibilidade.

E eu queria que vocês falassem sobre o trabalho de vocês na comunidade do autismo. Eu sei que vocês dois em conteúdo já tem um tempinho então fiquem à vontade pra falar o trabalho de vocês, divulgar, aqui é o momento, o espaço.

Aline: Bom, acho que faz uns 7 anos já que eu produzo conteúdo na internet, eu faço histórias em quadrinhos, desenhos pra explicar conceitos e experiências dentro do espectro e faço vídeos também, informativos e um pouco escrachados também e todos com base em umas explicações ao mesmo tempo mais informais e também mais técnicas sobre o espectro.

Eu tenho um Instagram, que é O Neurodivergente, que eu trago conteúdos relacionados a neurodiversidade, eu falo mais sobre autismo, um pouco sobre TDAH e também mais sobre altas habilidades. TDAH é o que eu menos topo. Outras vezes eu também trago sobre discalculia, dislexia, embora não sejam os meus diagnósticos. E aquele perfil vai mesmo nessa perspectiva da neurodiversidade. Também trago a questão clínica, que eu acho que é importante a gente compreender as condições com a visão clínica, mas também com a questão social. Por isso, outra coisa que eu abordo também é o modelo social da deficiência, que é o que eu tô pensando pesquisar no mestrado em educação, futuramente se eu conseguir.

Tiago: Então mais uma vez muito obrigado Aline, muito obrigado Alexandre, obrigado a você que ouve o Introvertendo dessa semana e o nosso próximo episódio sai na próxima sexta. Um abraço pra você e até mais.

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