Introvertendo 236 – Como Você Está se Sentindo?

Muitos autistas podem ter alexitimia, que é a dificuldade de descrever e nomear suas emoções. Com base nisso, nossos podcasters falam sobre a complexidade nessas descrições, as dificuldades sociais que isso implica e as estratégias que utilizam no dia a dia. Participam: Michael Ulian, Paulo Alarcón e Thaís Mösken. Arte: Vin Lima. 

Links e informações úteis

Para nos enviar sugestões de temas, críticas, mensagens em geral, utilize o email ouvinte@introvertendo.com.br, nosso contato do WhatsApp, ou a seção de comentários deste post. Se você é de alguma organização e deseja ter o Introvertendo ou nossos membros como tema de alguma palestra ou na cobertura de eventos, utilize o email contato@introvertendo.com.br.

Apoie o Introvertendo no PicPay ou no Padrim: Agradecemos aos nossos patrões: Caio Sabadin, Francisco Paiva Junior, Gerson Souza, Luanda Queiroz, Luiz Anisio Vieira Batitucci, Marcelo Venturi, Marcelo Vitoriano, Nayara Alves, Otavio Pontes, Priscila Preard Andrade Maciel, Tito Aureliano, Vanessa Maciel Zeitouni e outras pessoas que optam por manter seus nomes privados.

Acompanhe-nos nas plataformas: O Introvertendo está nas seguintes plataformas: Spotify | Apple Podcasts | DeezerCastBox | Google Podcasts | Amazon Music | Podcast Addict e outras. Siga o nosso perfil no Spotify e acompanhe as nossas playlists com episódios de podcasts.

Notícias, artigos e materiais citados ou relacionados a este episódio:

*

Transcrição do episódio

Thaís: Um olá para você que é ouvinte do Introvertendo, esse podcast feito por autistas para toda a comunidade. Meu nome é Thais Mösken, sou autista, trabalho como desenvolvedora de sistemas, tenho 31 anos e hoje vou ser host desse episódio em que vamos falar sobre alexitimia, e eu não sei como me sinto em relação a gravar esse episódio.

Michael: E eu sou Michael, o Gaivota, a Thais já fez a primeira piada e eu estou pensando em outra.

Thaís: (Risos)

Michael: Mas também não sei como descrever como me sinto em relação a isso apesar de provar que sou um dos melhores aqui em descrever minhas emoções.

Paulo: Olá, pessoal, eu sou o Paulo Alarcón. Após cinco anos, finalmente estamos gravando esse episódio e também não sei como me sinto sobre isso.

Thaís: O Introvertendo é um podcast feito por autistas com a produção da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Thaís: A alexitimia é um termo que significa “sem palavras para as emoções”. Quando falamos que uma pessoa tem alexitimia, estamos nos referindo a pessoas que não conseguem perceber ou descrever suas próprias emoções. São coisas correlacionadas, porém diferentes, e não necessariamente isso significa que a pessoa não tem emoções, que é o termo usado, por exemplo, para a psicopatia. Existem estudos que dizem que há uma prevalência relativamente alta de alexitimia entre autistas, com quase 50% de autistas apresentando sinais de alexitimia.

Paulo: Como você disse, Thais, a alexitimia tem uma prevalência bem mais alta entre autistas em comparação com a população em geral. Enquanto a população geral tem em torno de 4% de pessoas com alexitimia, entre autistas esse número sobe para 49%, quase 50%, um número bem alto. As pessoas que têm somente a alexitimia podem tê-la por razões congênitas ou devido a algum acidente ou problema que tenha causado danos na comunicação entre os hemisférios do cérebro ou em algumas regiões do cérebro.

Os sinais dela são compostos por quatro fatores. O principal é a dificuldade em compreender os próprios sentimentos. Geralmente, a pessoa não consegue nomear o que sente e muitas vezes descreve como uma sensação física sem entender qual é aquele sentimento. Mas também pode estar associada à dificuldade em compreender os sentimentos de outras pessoas. A pessoa não consegue interpretar as expressões faciais e sinais que outra pessoa possa estar emitindo. Ou pouca reação a situações que deveriam causar uma resposta emocional alta. Em vários casos, isso inclui pessoas que parecem não reagir da forma esperada, como na perda de um ente querido ou em situações de estresse. Isso não significa que a pessoa não esteja sentindo, mas ela não consegue demonstrar isso adequadamente.

Alguns estudos sobre a alexitimia já estão removendo isso das escalas, mas é algo que também é bem comum a pessoa é pouco imaginativa na forma como pensa, não conseguindo imaginar coisas, principalmente aquelas que não sejam concretas.

Thaís: O que eu acho interessante, pelo menos do que eu vi até hoje, é que a alexitimia tem algo muito parecido com o autismo no aspecto de não se ter muita certeza de como rastrear o que levou a aquele quadro. Não é algo que a gente consiga muitas vezes fazer uma relação direta de analisar uma pessoa e saber se foi um acidente específico, se foi ao longo da vida que algum quadro social e as relações sociais da pessoa levaram à alexitimia ou mesmo se ela nasceu assim.

E um questionamento que eu vou colocar até antes da gente seguir com a parte mais científica, é até que ponto quando a gente fala da dificuldade de expressar emoções nos autistas, isso tem mais relação com realmente ser alexitimia ou será que isso tem mais relação com aquela característica que a gente tem de se importar muito com o significado literal das palavras?

Porque eu me lembro de em muitos momentos, principalmente na infância, mas também na adolescência e no início da vida adulta, perguntar em alguns casos o que significava exatamente alguns sentimentos. Então, o que exatamente significa amor? Como é que se sabe se você sente amor por alguém? E já me foi perguntado: “Ah, você ama tal pessoa? Você ama seu namorado? Você ama a sua mãe?” E eu já dei respostas: “Amo, acho.” Então, aquele “amo” e você para pra pensar… é, acho que é.

Porque eu não tenho uma definição clara do que são algumas das emoções que se sente. É uma definição muito frágil para que eu consiga expressar com certeza que aquele sentimento que estou tendo é traduzido por esta palavra. E como eu não consigo sentir exatamente o que as outras pessoas estão sentindo para saber se elas estão usando a mesma palavra que eu, eu tenho dificuldade em fazer a comunicação do que é que eu estou sentindo no momento. Queria saber se vocês, Paulo e Michael, também têm essa sensação ou se para vocês é diferente.

Paulo: É, o exemplo que a Thais deu é o sentimento mais complicado de todos. Se o amor não fosse complicado, não teríamos os poetas até hoje tentando explicá-lo.

Michael: No meu caso, como eu falei, eu geralmente tenho uma boa capacidade de pelo menos entender o que estou sentindo. Realmente, há uma grande dificuldade em explicar, mas no meu caso isso se deve mais ao fato de eu ser prolixo do que de ser pedante. Eu não tenho esse pedantismo que muitas vezes atrapalha. “Tá, mas o que significa isso?”, você pode estar se perguntando. Qual é exatamente o significado disso? Geralmente é nessa parte que eu fico quieto e tento descobrir por mim mesmo o que significa. E quando estou satisfeito com uma resposta, é isso e pronto.

Minha dificuldade é mais ter que explicar para a pessoa como cheguei nessa linha de pensamento, o que acho que esse sentimento significa, essas coisas. Como posso traduzir esse pensamento, o que ele quer dizer? Como posso explicar essas coisas para a pessoa? E aí eu só torço para que a pessoa entenda o que estou tentando comunicar, porque se eu tentar explicar de maneira direta, “olha, estou me sentindo assim porque disso e disso”, a chance de não ser entendido é maior.

Paulo: Bom, minha situação é muito parecida com a da Thaís mesmo em relação a ter sensações, muitas vezes físicas, que não consigo descrever. E no caso específico do amor, é engraçado que a Bela diz que eu ajo de forma bem diferente das outras pessoas, que eu demonstro muito mais estando presente e fazendo as coisas.

Michael: Esse é um sentimento que acho que consigo relatar bastante sobre isso, principalmente nessa questão de que sou muito mais de “vou e faço” do que de “vou e falo”. Provavelmente, vocês nunca vão me ouvir dizer “gosto de você”, “você é meu amigo”, mas é bem mais fácil eu tentar fazer alguma coisa. Nesse sentido, eu entendo bem o Paulo. Para mim, o ato tem que ser o ato, separado de qualquer conexão verbal.

Thaís: Eu concordo. Também há muitos casos em que me lembro de ter agido para ajudar alguém porque me preocupava com aquela pessoa e, arriscando dizer, gostava ou amava essa pessoa, e não necessariamente isso era percebido pela outra pessoa, justamente porque é uma forma um pouco diferente de se expressar um sentimento, digamos assim. E estamos falando sobre sentimentos positivos, né? Então, estamos fazendo algo por alguém porque há um sentimento positivo atrelado a isso.

Por outro lado, quando eu estou irritada, incomodada, estressada, em alguns casos eu consigo relacionar o que está acontecendo. Então, nossa, aconteceram muitas coisas no trabalho e por isso eu estou me sentindo estressada agora. Mas existem muitos momentos em que eu não sei o que está acontecendo e eu uso o termo “incomodada”. E isso serve, de certa forma, para tentar expressar um conjunto de coisas que são ruins e que eu não consigo direcionar muito bem a descrição. Para vocês tem algo similar também?

Paulo: Eu costumo associar muito a sensações físicas mesmo. Então, ah, eu estou com dor de cabeça, algumas coisas eu não tinha explicação melhor do que eu estou me sentindo sufocado. Em outros casos, também seguia nessa linha que eu estou incomodado, não conseguia trazer isso para uma sensação física também, nenhum sentimento específico, mas hoje eu consigo descrever melhor. Essas sensações já foram temas de terapia para mim entender o que significa cada uma dessas coisas.

Michael: Comentei mais cedo no episódio e na introdução em que eu considero que eu tenho uma capacidade muito boa de descrever como eu estou me sentindo. Mas isso é algo que, como o Paulo comentou, surgiu no meu caso por necessidade, surgiu também dentro da terapia, de uma necessidade de entender o que estava sentindo para poder lidar com aquela situação.

Essa explicação do Paulo foi perfeita para explicar o que eu queria dizer. Eu consigo explicar, mas normalmente eu tenho que atrelar as emoções a algo físico, a algo que seja fácil de transcrever um fenômeno. Por exemplo, eu sei que estou com ansiedade porque tem hora que o meu coração parece que vou infartar. Isso é simples, é fácil de entender. O peito está doendo, está dando falta de ar, está dando dor de cabeça. Eu não consigo dormir, apesar de dormir muito fácil. São coisas assim que é muito fácil atrelar esses aspectos físicos a algum estado de emoção quando você entende que eles geralmente estão relacionados.

Aí dá para fazer uma causa e efeito em cima disso. “Estou com ansiedade atacada, meu peito está doendo. Isso está para acontecer e isso está me preocupando”. Com isso, eu consigo explicar para outra pessoa, ainda que seja de forma meio artificial. Tipo, não estou explicando exatamente o que estou sentindo para a pessoa, estou listando os efeitos que estão me fazendo sentir assim ou, pelo menos, o que eu acho que estou sentindo porque eu também não tenho certeza disso, caramba (risos).

Thaís: Bom, vocês fizeram várias relações entre sensações físicas com os sentimentos e eu queria também saber se vocês às vezes confundem as coisas umas com as outras. Porque a gente parte do pressuposto de que se eu estou tendo tal sensação física logo isso expressa tal outro sentimento. Mas nem sempre é uma relação tão simples, tão direta. Por exemplo, em vários momentos, eu não tenho certeza se estou estressada, se estou com dor de barriga ou com cólica. As três coisas parecem iguais e eu demoro um tempo para descobrir qual delas está acontecendo (risos). Eu posso achar, nossa, eu estou muito estressada. E de repente, vou ver: não, eu só estou para ficar menstruada mesmo. Beleza, está tudo certo. Então, pra vocês isso ocorre também?

Paulo: Olha, isso ocorre bastante. Eu tenho algumas sensações em situações de estresse que se parecem muito com começar a ficar doente, começar a ter dor de cabeça ou uma sensação ruim no corpo, né? Ou um mal-estar que depois pode se desencadear em uma gripe ou ser só uma resposta ao estresse, né? Eu considero que estou doente quando aparece um sintoma um pouco mais grave, tipo febre.

Michael: Comigo ocorre de forma muito parecida com a do Paulo. Agora no comecinho de janeiro, passei metade do mês passando mal. Eu não consegui ligar o porquê eu fiquei ruim do nada. Até que eu percebi que, no comecinho do mês, eu tinha passado muito estresse por algo muito específico no trabalho. Mas como esse tipo de estresse não era no cunho pessoal, era algo totalmente ligado ao trabalho, era algo totalmente ligado às coisas que atacam a minha hipersensibilidade e então assim eu não consegui relacionar. Mesmo quando eu estava com o peito dentro pra caralho e eu sei que isso é um sintoma típico dos meus ataques de ansiedade, eu não consegui ligar isso a stress. Eu não consegui ligar que eu estava tendo um ataque de ansiedade no meio da noite porque eu simplesmente não consegui fazer essa ligação. “Espera, eu estou assim porque eu me estressei com o trabalho”.

Porque pra mim é algo que nunca tinha acontecido antes, também. Eu nunca tinha me estressado com algo de trabalhar e disso me levar a um ataque de ansiedade. Então é tipo, beleza? Eu não consegui ligar as duas coisas. Eu precisei de quase dois meses para descobrir isso, ou pelo menos tentar descobrir, chegar a essa conclusão que eu cheguei agora.

Thaís: Engraçado que você estava dizendo que estava ou está gostando bastante do seu trabalho e assim, isso traz incômodos, né?

Michael: Como tem essa questão que a Thaís comentou de eu estar gostando do meu trabalho, ser um ambiente no geral em que eu tenho uma relação positiva, pra mim isso crashou minha cabeça, não tinha como ligar a sensação negativa que eu estava tendo com a experiência positiva que estou tendo trabalhando lá. As duas coisas simplesmente não conectaram na hora na minha cabeça.

Thaís: Vocês acham que as reações que vocês têm costumam ser diferentes das reações que as outras pessoas têm em casos relacionados à alexitimia, por exemplo, quando falam do luto que uma pessoa com alexitimia muitas vezes não parece estar triste, não parece se importar com algo, sendo que no final nós estamos nos importando com aquilo, só que a expressão é diferente? Pra vocês isso acontece também?

Paulo: Isso também acontece comigo. A forma como eu lido com o luto é bem diferente da maioria das pessoas. Enquanto a pessoa está lá se debulhando em lágrimas, eu me isolo um pouco. Lembro do caso quando minha avó paterna morreu. Eu estava no trabalho e falei: “Nossa, minha vó morreu”, sem nenhum sentimento a mais, nenhuma entonação.

Michael: É interessante que quando são situações negativas, geralmente não fica tão fora assim, de quem convive comigo vai dizer que tendo a ter uma reação agressiva para as coisas que me frustram do que uma reação triste. Aí tipo, como é um sentimento parecido, consigo demonstrar minha frustração muito bem quando eu estou frustrado. É algo que acaba sendo similar o bastante para as pessoas entenderem que “ele não gostou disso, ele não está feliz com isso”. Então assim, mesmo nesses casos mais extremos, o jeito que eu reajo é parecido o bastante com o como a pessoa reagiria. “Ele não gostou, deu pra entender”.

É só um ponto do que o Paulo falou. Uma coisa que eu acho interessante é que eu estou sem expressão, sem reação para algo que seja ruim não porque eu não sei expressar, mas porque tenho um alto nível de dessensibilização. Tem coisas que afetam muitas pessoas que nem o bichinho morrendo, como aconteceu agora pouco com o meu avô que cortou o dedo. Eu cheguei aqui em casa e achei que alguém tinha morrido pela expressão de todo mundo quando cheguei e reagi: “Ah, eu quase perdi os meus também. Não sei o que você está achando demais nisso”. E geralmente não tenho um sentimento forte para demonstrar sobre isso.

Thaís: E aproveitando que estamos fazendo essas comparações, vocês também têm dificuldade para reconhecer os sentimentos das outras pessoas?

Paulo: Olha, eu tenho bastante. Isso muitas vezes gerou algumas gafes com a Bela, perguntando se ela está brava. E ela fica mais brava ainda.

Thaís: (Risos) A Bela me parece muito alguém que se você perguntou se ela está brava e ela está brava, ela fala “não, não estou, seu imbecil” (risos). Alguma coisa assim (risos).

Paulo: Isso já aconteceu e eu fiquei: “então está bom”.

Thaís: (Risos)

Michael: Tadinho do Paulo (risos).

Thaís: Eu me vejo muito na situação (risos). Ai ai, tipo cara, eu só estou te perguntando, é que eu não sei, né, senão não perguntava (risos). Bom, aproveitando para responder essa pergunta e já relacionando com o que a gente falou agora há pouco. Imaginem a Thaís criança aí com seus onze, doze anos, recebendo uma ligação. Minha avó estava muito, muito doente, tinha tido um derrame, estava de cama e a gente tinha que ajudar a cuidar. Alguém ligou para falar: “Ah, fala para sua vó que eu gosto muito dela. Eu sinto muito a falta dela”. E aí, minha resposta foi: “Mas se você gosta tanto dela, por que você não veio aqui ajudar e dar pelo menos um copo d’água para ela, ao invés de só falar que gosta dela?”

(Risos)

Thaís: Essa é a minha reação em relação às pessoas. Tipo, “por que você não vem ser útil ao invés de só falar coisas que não ajudam?” (risos). E isso eu acho que reflete bem a minha dificuldade, às vezes, de reconhecer o sentimento das outras pessoas. Mas por outro lado, eu tenho também alguns mecanismos para tentar prestar atenção.

Se eu percebo, por exemplo, que a pessoa está avermelhada e fungando, eu imagino que ela esteja prestes a chorar. Já aconteceu de eu me preocupar com uma pessoa e achar que essa pessoa estava triste, estava quase chorando e, na verdade, ela só estava com rinite.

(Risos)

Thaís: Mas assim, é um mecanismo que tem a sua eficácia razoável, melhor do que eu não tentar alguma coisa. Mas eu acho que eu consigo lidar razoavelmente com isso no dia a dia, porque o meu trabalho não exige que eu tenha uma leitura muito boa das pessoas, e eu consigo pedir ajuda para outras pessoas às vezes pra entender o que está acontecendo. Será que alguém ficou irritado? Não tenho problema em depois de perguntar. Tipo, “ah, eu falei tal coisa pra você. Isso te incomodou?”. E aí, se a pessoa não me responder com sinceridade, bom problema dela, né? Porque aí eu já fiz minha parte.

E também, as pessoas que interagem mais comigo atualmente, elas já me conhecem o suficiente pra saber como eu sou nesse aspecto. Então, que provavelmente se eu falei alguma coisa de forma mais dura pra essa pessoa, não quer dizer necessariamente que eu esteja irritada com ela, que eu não goste dela, etc. Eu lido com isso do meu lado tentando encontrar algumas formas de perceber os outros, mas eu também lido com isso explicando pra quem está ao meu redor pra não levar tanto em consideração coisas que levariam para outras pessoas.

E o outro ponto que a gente tinha falado lá no início sobre a alexitimia, ela também é relacionado a pessoas que são pouco imaginativas, e nós três somos jogadores de RPG, jogamos juntos todas as semanas, mais de uma vez por semana normalmente, e eu gostaria de saber o que vocês acham sobre a imaginação de vocês. Vocês são muito imaginativos, pouco imaginativos, o que vocês pensam a respeito?

Michael: A minha imaginação é muito ativa, eu consigo pensar e virtualizar as coisas com muita facilidade. Mas ao mesmo tempo, eu não consigo compreender o oposto. Tipo, como que as pessoas conseguem ter pensamentos complexos se elas não conseguem nem visualizar, nem interpretar? Tipo, no sentido de ter uma vocalização interna, uma voz interna na cabeça. Por favor, não me leve a mal, não sou esquizofrênico. Eu tenho certeza que todo mundo tem isso na cabeça.

Paulo: Eu também sou uma pessoa com a imaginação extremamente ativa. Inclusive, tem momentos em que eu consigo imaginar situações, imagens na minha cabeça. Agora, essa dificuldade de imaginação que eu também não consigo refletir como é que pode ser você não conseguir pensar, você não ter a vozinha na sua cabeça, não ver a imagem vívida. Mas se isso é algo que é definitivo pra alexitimia, então é um ponto que eu estou bem longe. Porém, eu também tenho dificuldade para pensar sem ver ou vir algo, né? Imaginar uma voz ou uma imagem, pensamento abstrato mesmo. Quando eu estou falando, é como se eu estivesse vendo um texto na minha mente.

Michael: Eu definitivamente sei como é isso aí? Eu consigo falar no automático. Não é sempre, você pode ver muitas vezes, eu estou com dificuldade de falar, porque assim, isso é um dos poucos tipos de pensamento abstrato que eu tenho que na hora eu não consigo passar o que eu estou pensando para palavra. Tipo, eu tenho esse textinho que Paulo tipo que é jornal da Globo ali, a TVzinha para você ler, só que eu não consigo traduzir o que eu estou pensando para palavras, ou pelo menos na mesma velocidade que eu estou lendo na minha cabeça, às vezes eu não consigo interpretar o que eu estou lendo para falar em palavras. As palavras não saem da mesma forma que eu estou pensando.

Isso é algo que eu também tenho desenhando. Tem vezes que eu tento desenhar algo, sai às vezes ao contrário do que eu estou tentando fazer, mas não sai do jeito que eu estou tentando fazer na minha mente, o que é bem frustrante. Um dos motivos por que eu ainda não aprendi a desenhar direito é que é extremamente frustrante ter que lutar contra a sua cabeça quando você está tentando fazer algo.

Mas outra coisa que o Paulo me lembrou na questão disso e é algo mais que vai ficar aqui com uma anedota: eu sou uma pessoa que, tipo assim, eu tenho uma facilidade enorme pra, bem literalmente, sonhar acordado. Então não é comum, tipo assim, eu simplesmente estar fazendo algo, desligar a cabeça, focar na minha imaginação, focar, por exemplo, em alguma história que eu estou trabalhando em cima. Focar nisso, às vezes é em um personagem específico até e tipo, está tão focado nisso, está tão focado nisso, que às vezes eu tenho a minha movimentação fica involuntária. Tipo, eu reajo como o personagem reagiria naquela situação, os meus sentimentos ironicamente, sai tipo, se eu estou numa cena muito triste focado nisso, num momento de muita dor, tipo, eu involuntariamente vou ficar triste também, tipo, e às vezes eu estou lá sério trabalhando em algo muito focado, ao mesmo tempo tipo no trabalho e do nada parece que eu estou ficando triste. Tipo, “fa história está muito boa, pessoal, eu recomendo se um dia eu conseguir escrever isso, eu recomendo vocês lerem, tá? Muito bom.” Mas fica com anedota.

Thaís: Eu percebo que no meu caso, a minha imaginação ela não é disruptiva e eu sou muito ruim em improvisar, comparado a outras pessoas que eu percebo, pelo menos. Mas eu sou muito imaginativa, então, se eu tiver uma base a partir da qual eu possa construir outras ideias, então construir uma história, acontecimentos ali dentro, construir personagens, pensar em como uma coisa se relaciona a outra, isso eu consigo fazer muito bem e é algo também muito prolífico. Eu posso passar muitas e muitas horas fazendo aquilo se eu tiver em alguma atividade que não seja do meu interesse. Então, sei lá, tô lavando a louça, eu começo a pensar em várias dessas possibilidades dentro dessas histórias, mas eu preciso ter uma base na qual me apoiar. Eu já percebi que se eu tento criar alguma coisa do zero, eu não consigo gerar nada também. Ainda assim, de forma alguma diria que sou uma pessoa pouco imaginativa.

Michael: Acho que você tocou em um ponto interessante, Thaís. Eu também tenho facilidade para criar algo a partir do zero, tanto é que uma das minhas coisas favoritas geralmente envolve ficção, seja alternativa, biologia ou história, porque é muito mais fácil para mim criar algo com base em algo que já conheço previamente, apesar de concordar na questão em que tenho dificuldade em inovar, só que é algo extremamente involuntário. Tipo, se tentar voluntariamente inovar em algo, não consigo.

Se eu sentar agora e pensar: “O que quero fazer para o meu TCC, que tem que ser algo que ninguém nunca fez antes e vai revolucionar a paleontologia?”. Puta que pariu, estou nessa pergunta faz o quê? Uns seis anos já. Todas as respostas que cheguei foram coisas tipo: “Ah, nossa, isso aqui é interessante, né? Deixa eu anotar isso aqui para pensar nisso depois, tá?”. “Ninguém nunca pensou nisso. Nossa, será que essa criatura era assim? Será que isso daqui funcionava desse jeito?”. Eu deixo para depois. Depois vejo que peraí, isso aqui realmente ninguém nunca trabalhou nisso. Espera, como ninguém nunca percebeu isso? É óbvio.

Thaís: A gente falou bastante no episódio sobre a nossa relação com as nossas emoções, então o que a gente consegue descrever melhor ou pior, o que a gente sente ou que a gente consegue expressar. Então, pensando na pessoa que tá ouvindo esse episódio e que talvez tenha essas mesmas dificuldades, eu acho que seria legal a gente resumir aqui como é que a gente hoje em dia lida com as emoções e quais são as técnicas que a gente foi criando para tentar ter relações sociais melhores, dado que essa dificuldade acaba afetando a relação com as outras pessoas.

Michael: Do meu lado, acho que eu posso resumir a forma com que eu lido com isso em máscara, autoconhecimento e aceitação. Máscara, para lidar com quando as coisas podem ser automáticas, como eu falei de sempre estar rindo; autoconhecimento, de tentar entender melhor o que eu estou sentindo, ainda que seja só uma aproximação; e aí vem o que eu acho que é a chave, que é aceitar que, tipo, eu tenho um limite do quão bem eu consigo interpretar essas coisas. E isso vai ter que bastar, tipo, isso tem que ser bom bastante. Eu tenho que me virar com o que eu sei. Não adianta ficar ponderando: “o que é o amor?”. Então eu prefiro me focar no quão bem eu consigo entender essas coisas, quais são os proxys que eu posso achar pra essas coisas, quais são as relações que eu posso e tentar chegar na melhor aproximação que eu consigo. Porque é o negócio: Não dá pra fugir de muitas interações sociais que a gente tem no dia e quando dá pra fugir a gente foge.

Então, assim, eu entendo que esse bom o bastante já é o suficiente pra eu ir me virando, cara. Beleza, nem sempre é o suficiente, nem sempre dá certo, às vezes dá errado, às vezes dá muito errado, às vezes eu estou rindo da morte de um cachorrinho sem nem prestar atenção. Na medida do possível, eu vou tentando evitar essas coisas e com o aprendizado que a gente vai ter aí pelo tempo, corrigir as coisas que dão errado.

Paulo: Eu acho que essas dicas do Michael são muito boas e outra que eu acrescentaria é que, se você tem a oportunidade de fazer uma terapia com o psicólogo, acho que esse é um bom tema pra você levar pra terapia. E  vai te ajudar, ou deveria te ajudar pelo menos, tá? Inclusive, nessa semana de gravação desse episódio, esse foi o principal tópico da minha terapia (risos).

Thaís: Eu concordo com os pontos trazidos, então eu vou só acrescentar, não vou repetir. Então, uma das coisas que eu tento fazer pra me onerar menos é informar as pessoas que têm relações mais próximas comigo, seja no trabalho, seja na vida pessoal, desse tipo de dificuldade que eu tenho e que eu vou ter algumas reações diferentes, eu vou, em alguns momentos, precisar perguntar o que está acontecendo porque eu não vou entender.

E assim, eu evito ter que usar a máscara o tempo todo, apesar de que às vezes já está no automático, digamos assim. Eu acabo reproduzindo um comportamento que, pra mim, não está sendo benéfico. Mas tentando melhorar o meu dia a dia, eu tento trazer essa informação para as pessoas. São poucas pessoas, então é relativamente fácil de conseguir comunicar pra elas que elas têm que esperar algo diferente de mim quando se trata de emoções (risos).

Michael: Muito obrigado a todos, esse foi mais um episódio do Introvertendo, podcast onde os autistas riem da desgraça alheia. Sem querer.

Site amigo do surdo - Acessível em Libras - Hand Talk