Em memória ao Dia Internacional da Mulher, o Introvertendo traz mais um episódio só com e sobre mulheres autistas, semelhante ao que fizemos no 39º episódio, em março de 2019. Mas desta vez, Carol Cardoso e Thaís Mösken recebem Ana Rodrigues e Sabrina Nascimento para um debate sobre gênero, diagnóstico tardio, experiência autista na terceira idade, racismo, trabalho e carga horária e, também, maternidade autista. Arte: Vin Lima.
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Transcrição do episódio
Thaís: Um olá pra você que é ouvinte do Introvertendo, esse podcast feito por autistas pra toda a comunidade. O meu nome é Thaís, eu sou autista, hoje eu trabalho como analista de sistemas e tenho 31 anos e hoje eu vou ser host deste episódio em que nós vamos falar de toda a comunidade. O meu nome é Thaís, eu sou autista, hoje eu trabalho como analista de sistemas e tenho 31 anos e hoje eu vou ser host deste episódio em que nós vamos falar de novo sobre mulheres autistas, porque muitas pessoas pediram pra gente falar um pouquinho mais sobre isso, desde o nosso último episódio já há bastante tempo.
Carol: Eu sou a Carol Cardoso, sou integrante do Introvertendo, tenho 25 anos, sou autista também diagnosticada em 2018 e atualmente eu faço mestrado em arquitetura na UFMG.
Thaís: Então eu vou pedir que moças, meninas ou como quer que vocês prefiram ser chamadas, por favor se apresentem começando pela Ana.
Ana: Olá, eu sou Ana Maria, eu tenho 59 anos, vou fazer 60 agora em março, sou professora, casada, tenho uma filha autista, e eu gosto de ser autista.
Sabrina: Meu nome é Sabrina, eu sou autista, mãe de duas meninas gêmeas autistas também, sou professora, sou casada, meu diagnóstico de autismo é recente. Acho que é isso.
Thaís: O Introvertendo é um podcast feito por autistas com a produção da Superplayer & Co.
Bloco geral de discussão
Thaís: A Sabrina já inclusive comentou que o diagnóstico dela é recente e a gente sabe que tem muitas mulheres com diagnóstico recente. Antigamente nós tínhamos poucas mulheres diagnosticadas com autismo e eu gostaria que vocês falassem um pouco sobre como foi o processo de diagnóstico de vocês.
Sabrina: Bom, o meu processo diagnóstico surgiu após o diagnóstico das minhas filhas. Embora pela minha prática docente eu já conhecesse o que era autismo porque como eu disse, eu convivi primeiro com os autistas pra depois me aprofundar no autismo, primeiramente eu conheci as pessoas. Reconhecia em mim características que eu via nele. Mas como era uma pessoa mais distante, ficou só naquela coisa mesmo. Até porque as pessoas podem ter características incomuns, independente de diagnóstico. Mas quando veio o diagnóstico das minhas filhas, as características começaram a ficar mais evidentes por conta da convivência mais próxima. O meu diagnóstico é da leva da pandemia, que foi quando as pessoas puderam prestar atenção mais em si mesmas. O ritmo ficou um pouco mais devagar, a convivência familiar aumentou, logo até a minha própria convivência com as minhas filhas aumentou.
Eu já fazia um acompanhamento com psicoterapia, levei essa questão para a psicóloga que me atendia na época. Ela validou, porém ela disse que ela não era a mais indicada para fazer uma análise ou algum tipo de relatório. Então eu procurei uma neurologista que me indicaram como especialista em autismo em adultos. Só que quando eu cheguei na neurologista, não foi bem assim. Eu acho que ela esperava um outro tipo de pessoa autista. Ou que talvez viesse acompanhada, ou fosse um homem ou com característica mais evidente. Mesmo assim, acatou a minha suspeita e me encaminhou para uma neuroavaliação.
Então eu fiz uma neuroavaliação, umas sessões com a neuropsicóloga. Fiz alguns testes na neuroavaliação. Ela fez um relatório após a neuroavaliação, eu levei para o especialista em autismo, e digamos assim, ele me deu o papel, o que vale. Deu o laudo, foi assim que eu confirmei as minhas suspeitas. Na vida pessoal sempre fica um baque, feridas familiares reacendem, porque você olha pra si mesmo até com pena mesmo daquela pessoa que foi o tempo todo massacrada, às vezes por pessoas próximas, desencorajada, muito cobrada.
Por outro lado, também respondeu muitas respostas, preencheu muitas lacunas. Eu digo que meu diagnóstico foi o registro, o documento, o que assinalou perdão da Sabrina adulta para aquela garotinha nos anos 1980 que se cobrava tanto, que nem sabia o que era autismo. Se conviveu com uma pessoa autista, foi também com uma pessoa autista sem diagnóstico.
Ana: O meu processo de diagnóstico começou com uma hipótese minha em função de uma experiência pessoal. Eu também sou professora, assim como a Sabrina, também trabalho com crianças no espectro, mas em nenhum momento eu trazia essa situação para mim. Porém, quando estávamos em casa, eu e minha filha, assistindo a uma série, que é Atypical, começamos a observar muitas características semelhantes ao comportamento dela. Conversamos sobre fazer essa investigação. Por coincidência, uma conhecida nossa havia feito recentemente com o filho dela. Através dessa conhecida, conseguimos contato com uma profissional em Santos, fizemos o agendamento e ela começou a avaliação.
Quando participei do processo enquanto mãe, comecei a observar questões que apareciam na avaliação, no diagnóstico, que eram semelhantes a mim quando eu era criança. Também achei interessante estar investigando por conta do que a Sabrina falou, que, sem saber que somos autistas, somos massacrados principalmente socialmente e profissionalmente. Eu já tenho cinquenta e poucos anos e vivi tudo isso ao longo da minha vida. Senti necessidade de concluir essa etapa de autoconhecimento, e também estávamos na pandemia.
Fui buscar mais uma vez a profissional que fez avaliação da minha filha na esperança de que ela me acolhesse, porém, infelizmente, ela não foi receptiva e foi bastante crítica. Começou a trabalhar com a hipótese de demência por causa da minha idade. Tanto que os testes que ela trazia nas avaliações eram para identificar o meu nível de memória, capacidade de conservação, enfim. E os testes que a minha filha fez, ela não chegou a aplicar em mim. E eu já sabia disso, porque estava acompanhando o processo. Fiquei bastante revoltada, transtornada. Aquilo me abalou muito, me deixou com autoestima muito ruim.
E também acompanhando uma entrevista com o tio .faso com o pessoal do Più Abilità, vi que eles faziam uma avaliação online com adultos. Aí busquei a doutora Elaine, a psicóloga. Ela também me acolheu super bem, fizemos atendimento online, foram três encontros, e eu já tinha bastante elementos para trazer pra ela. Apresentei, também participei de avaliações, e ao final ela me trouxe o laudo com hipótese de autismo e também associado a depressão e ansiedade. Eu entendia que era importante estar buscando um profissional para fechar, porque no Brasil precisa ser médico, ter CRM, e também por uma indicação de outra pessoa no grupo encontrei a doutora Raquel Lourencini e em duas consultas a gente também fechou. E aí, finalmente, veio o meu laudo.
Fui entendendo muita coisa que aconteceu na minha vida, na minha infância, na minha juventude. E foi muito bom, e por isso que eu digo que eu gosto de ser autista, porque sou uma pessoa que tem as minhas características, mas também sou autista. Para as pessoas que conto, converso, que eu explico, vê aquela fala de que “você não tem cara de autista”, que “você não tem cara de autista”, que “você não parece autista”, enfim. E aí a gente vai explicando o que é ser autista na condição de mulher com quase 60 anos.
Carol: Uma coisa que eu achei recorrente nas falas de vocês é que ambas sofreram bastante com estigmas durante a vida e que posteriormente vocês associaram ao autismo. Então, eu queria saber se você poderia falar um pouco sobre quais eram esses estigmas e se você acredita que isso tem alguma relação com o fato de serem mulheres?
Sabrina: Em relação a esse marcador de gênero, eu preciso dizer que sou uma mulher preta. Quando vamos falar desse estigma, eu era chamada de amalucada, de mal educada e outros adjetivos até em impronunciáveis. E hoje, com essa leitura que tenho, não só o diagnóstico, mas a leitura que tenho, vejo que sim, tinha um sexismo junto com racismo. Porque quando pensamos em mulheres que o senso comum chamava de amalucadas, mas que o modelo biomédico vai chamar de transtornada, o lugar da mulher negra transtornada onde é que é? Na rua, despida, servindo de chacota, institucionalizada ou morta.
Se talvez meu autismo fosse num nível de maior comprometimento, de menos autonomia ou se eu tivesse uma deficiência intelectual associada, muito provavelmente, se não tivesse estrutura familiar que é o principal, esse seria meu lugar. Quando o autista nível um suporte, o autista celebrado, aquele autista que todas as famílias almejam que seus filhos sejam, já que autistas então que sejam nesse modelo, é um homem, é branco, é um gênio das ciências ditas duras, é um médico ou é o homem mais rico do mundo, e esse estereótipo não parece nem um pouco comigo. Eu acho que, no meu caso, perpassa muito pela questão de gênero, mas também a questão de raça e classe.
Ana: Eu também vivi, já na minha parte, a questão da mulher não ser bonita, né? Mulher que não está dentro do padrão, né? Porque eu já nasci gorda. Eu não era escolhida para ser amiga de ninguém, até porque eu também não buscava ninguém. Eu ficava à parte, eu ficava no recreio parada, olhando os outros brincarem e eu não brincava. Isso acaba também provocando dores na gente. Isso refletiu na minha fase adulta porque eu acabei criando justamente estruturas de relacionamento mais distantes.
No momento que eu estava vivendo ali com as pessoas que eu estava trabalhando, eu tinha um contato, um padrão de comunicação. Num momento que eu não estava convivendo com elas, eu não participava da vida social. Mas ao mesmo tempo, o fato de me interessar pelos estudos, eu já tenho hiperfoco na área da educação desde pequena, isso fez com que eu me tornasse uma pessoa não interessante para o restante dos colegas de convívio porque o meu assunto era só esse. Eu queria saber, falar coisas relacionadas à aprendizagem ou então relacionadas à matemática. Eu acho que é difícil uma pessoa autista que não tenha vivido ou não tenha sofrido estigma. Acho muito difícil porque são questões muito fortes, são comportamentos que a gente apresenta e falta de habilidades em outras questões, que interferem na relação.
Thaís: Tanto a Ana quanto a Sabrina falaram sobre suas vidas pessoais e mencionaram a importância que a maternidade teve no final desde o diagnóstico quando a gente fez a primeira pergunta. E agora também sobre a questão de estigma, vocês falaram da relação da família, né? De como a família às vezes ajuda e às vezes não tanto em como vocês conseguem se desenvolver e verem a si mesmos. Então eu queria que vocês comentassem um pouco sobre como é ser uma autista mãe de autistas, que é algo que a gente ouve pouco nos podcasts.
Sabrina: É uma montanha russa, realmente altos e baixos. Primeiramente, mãe de primeira viagem, já numa gravidez gêmea lá. Depois, diagnóstico das duas filhas. Crianças autistas com necessidade de muito suporte, de muito acompanhamento. E posteriormente, meu próprio diagnóstico. Pra mim, para minha realidade, ser mulher autista e mãe de autista, ao mesmo tempo que você é mais solidária e compreende mais algumas questões, ao mesmo tempo você tem que botar suas próprias questões no bolso e seguir. Eu, por exemplo, agora estou sem nenhum tipo de acompanhamento. Eu até tenho plano de saúde, mas eu tenho uma rotina de escola de duas crianças e depois arrumar para terapia de duas crianças que precisam de bastante horas de intervenção, e eu tenho que ser responsável pela alimentação, pelo lazer, e por todos os cuidados que qualquer criança necessita mais os cuidados que uma criança com a condição das minhas filhas necessita.
É difícil, porque às vezes você está com sua criança tendo uma crise e que vai desenrolar uma crise em você também. As pessoas autistas nível 1 suporte já têm uma predisposição, uma tendência a terem depressão, ansiedade, pânico, associadas e a própria condição, as especificidades do TEA podem potencializar essa condição porque a gente também tem uma maior dificuldade de lidar com as emoções e de identificar o que está sentindo. Eu já fui, como eu disse a vocês, tão violentada enquanto mulher negra que eu já cheguei numa crise de ansiedade e pânico antes do diagnóstico e o médico na emergência ousou me perguntar se eu usei cocaína. Se fosse uma outra pessoa, não faria a pergunta ou teria um pouco mais de cuidado. Foi assim.
Acho que necessitaria também de um acompanhamento com um terapeuta ocupacional e com fisioterapeuta por conta da minha coluna, que mantém a ver com autismo, mas que eu preciso, e também porque eu caio muito. E só depois vejam como o laudo é importante, eu já fiz inúmeros exames para ver se eu tinha alguma diferença entre o tamanho dos meus dedos inferiores. Depois que você vê que, por conta do TEA, você pode ter questões de coordenação motora fina e grossa, de propriocepção, uma marcha mesmo prejudicada, que é o meu caso (risos). A maternidade da mãe autista é altos e baixos. Principalmente se o filho ou a filha for também autista.
Ana: Também tive muitas questões difíceis, não tem como a gente não se emocionar quando ouve uma mãe falando de filhos autistas. Porque são desafios diários, muito mais de uma vez por dia, né? A minha filha tem 28 anos, mas questões como seletividade alimentar sempre foram muito importantes ao longo de todo esse tempo de vida e que me trouxeram muitas dores também, muitos questionamentos por não saber lidar com isso, por não entender que processo é esse e só recentemente descobri que existia além do restante que envolve as crianças quando estão tendo crises, a gente não entende porque que aquilo tá acontecendo. E a gente quer de alguma forma compensar, diminuir, a sensação que a gente tem é que a gente piora mais ainda.
Eu sempre fui uma mãe que coordenou junto com a maternidade o trabalho. Quando ela nasceu, por exemplo, eu trabalhava 14 horas por dia e aí logo depois eu me exonerei de um cargo porque eu era professora no município e no estado. E aí pra poder ter um pouquinho de tempo com ela, mas a minha sorte foi que eu tive suporte desta parte da minha família que ficavam com ela e o meu marido que intuitivamente fez todo um trabalho mesmo de formação, de estruturar ela para o dia a dia, o que seria um trabalho de TO, né? De se apropriar da rotina, de questões de higiene, isso tudo sem saber que eu era autista, né? Porque também a dificuldade esbarrava no meu modo de ser.
Hoje eu tenho essa facilidade de estar fazendo esses acompanhamentos. O fato dela ser adulta é evidente que facilitou bastante, porque ela não depende mais de mim, né? Ela tem autonomia, ela é uma adulta que hoje mora sozinha, que ela trabalha. Eu penso assim que eu sou privilegiada, apesar de tudo, apesar de todas essas dificuldades que eu vivi, que eu vivo até hoje, porque a gente sabe muito bem que existem muitas mulheres que são mães de crianças autistas que provavelmente são autistas e que jamais vão descobrir isso porque não têm acesso à saúde pública, é deficitário, e que muitas delas foram abandonadas pelos seus companheiros ou companheiras por conta da demanda que é ter um filho autista. Eu sou privilegiada porque eu não fui abandonada pelo meu companheiro, nem pela minha família e isso fez com que eu pudesse estar vivendo essa situação hoje de conforto.
Carol: Vocês comentaram que ambas são professoras. Eu achei muito interessante essa coincidência, então eu queria que vocês contassem um pouco sobre como é a rotina de trabalho de vocês, a relação com a docência sendo autistas e os desafios relacionados ao autismo que vocês observam na prática de vocês.
Sabrina: Quando eu entrei na rede municipal de Salvador, trabalhava 40 horas. Embora eu não percebesse o quanto essas 40 horas eram custosas, porque eu só relacionava que a jornada de trabalho era custosa para qualquer professor, principalmete eu que sou da educação pública. Porque realmente as condições de trabalho, salariais, tem afetado bastante a categoria e eu vi apenas a partir dessa perspectiva. Quando eu tive o diagnóstico das minhas filhas, eu solicitei uma redução da jornada de trabalho sem redução salarial. A prefeitura negou. Eu entrei por vias judiciais e consegui uma liminar que reduziu minha carga horária para 20 horas, ou seja, 50%. Posteriormente, consegui definitiva e isso foi convertido em lei municipal. Agora, depois de mim, servidores municipais têm direito a essa redução aqui da minha cidade.
Mas essa redução melhorou não só minha qualidade de vida em relação à correria e às minhas demandas, mas também enquanto pessoa autista. Eu não tenho assim, aparentemente, por exemplo, pânico de ter que me relacionar com meus os alunos. Mas, por exemplo, eu também não tenho, por exemplo, sensibilidade auditiva, que alguns professores autistas têm, devido ao barulho que toda escola tem. Mas, por exemplo, eu percebo que ao final do dia vem a sobrecarga sensorial. Então, assim, você chega e está aparentemente bem porque você está OK com os meninos, mas ao final do dia você paga esse preço. Nas questões também quando você está um pouco mais desorganizada e tem que enfrentar aquele dia de trabalho também são um pouco mais difíceis. Mas como o meu trabalho é algo que eu me identifique, ser professora é algo que eu gosto.
Eu tive o diagnóstico das minhas filhas de autismo, embora com todas as dificuldades que um diagnóstico traz a uma família, eu não achei uma coisa absurda. Porque eu já tenho essa convivência que a escola pública me propiciou. Hoje tento trazer para meus alunos informações e consciência para que isso seja transformado em respeito pelo outro, em respeito à condição do colega. Saber que às vezes o barulho que faço impede que meu colega aprenda e que, às vezes, aquela piada que faço de forma despretensiosa e achando que é ingênua vai ofender meu colega. De acolher meu aluno, de desmistificar coisas. Às vezes, não é o colega que é autista, mas é a professora. Fala-se muito de autismo na condição sempre dos meninos, dos alunos. O autismo na escola é sempre na perspectiva do aluno que a escola vai receber, nunca se pensa que pode receber um professor com deficiência. Se pensa, é aquele com deficiência física.
Ana: Por conta de eu não ter conhecimento, ao longo da minha vida, da minha condição, fui extremamente dedicada, um excesso de dedicação, sofri até processo administrativo por excesso (risos). Mais uma deturpação de gestor, da frente. Quando eu fui buscar o magistério, eu fui buscar por por acreditar na educação, na importância da educação, do trabalho do professor e de quanto que isso é importante pro dia a dia no caso do nosso público. E eu queria continuar estudando. Eu optei por ser orientadora educacional porque eu pensei que era melhor porque eu vou continuar mais ou menos fazendo aquilo que eu faço hoje na minha rotina de professora.
Só que não passou muito tempo depois que eu me formei, com 23 anos, eu fui convidada pra ser diretora pela primeira vez. Acabei aceitando porque eu achava que eu tinha que ir, que era uma responsabilidade minha e me trazia sobrecargas diárias. Já chegava em casa chorando, trabalhava além da carga horária que era exigida, porque eu ficava desde que abria a escola até que fechava. Me acabava, trazia coisa de casa, levava coisa dos meus pais pro trabalho porque não tinha certos recursos e aí acabei tendo essa experiência de ser diretora. Nisso, foi repetindo e acabei indo pra outras escolas. Foram várias escolas que eu fui diretora e acabei sendo qualificada como uma excelente diretora mesmo não gostando de fazer as coisas da forma como seria, que é conviver com pessoas, né? (risos). É meio irônico, mas é isso mesmo. Eu acho até que muitas vezes acabei vivendo muito mais em função do meu trabalho do que das minhas questões pessoais. Minha filha reclamava que eu era mais diretora do que mãe dela (risos).
Thaís: Ana, Sabrina, muito obrigada por estarem aqui conosco hoje e por trazerem diversas perspectivas que nem sempre ouvimos por aí. Agradeço sinceramente em nome de todo o podcast. Espero que no futuro esse tipo de discussão que tivemos hoje leve a uma melhoria não apenas de ter acolhimento, mas também nas estruturas disponíveis para atender pessoas que tenham algum tipo necessidade, embora tenhamos falado sobre autismo hoje, espero que no futuro essa mentalidade já esteja enraizada nas pessoas e que seja considerado algo normal, e não como um bando de loucos e esquisitos em algum canto. Por favor, apresentem agora os trabalhos que vocês realizam nas redes sociais e façam o seu jabá como quiserem. Vocês também podem acrescentar quaisquer comentários que não tenhamos feito em outras perguntas, mas que vocês não queiram deixar de falar.
Ana: Eu que agradeço o convite e tenho o maior carinho pelo podcast, que conheço desde quase o começo com esse trabalho dos meninos. Tenho uma admiração muito grande por vocês, pelas meninas, enfim, por divulgarem sobre autismo e sobre o que pensamos em relação a ele: seja na educação, na condição de mãe ou na condição de mulher. Eu utilizo o Instagram e também tenho um trabalho que faço junto com as meninas do nosso grupo, que denominamos “Elas Autistas”, se alguém quiser conhecer. Gosto de poesia e atualmente me intitulei poeta por ter participado de um livro chamado “43 Poetas Neurodivergentes”. Muito obrigada e fiquem bem. Um beijo.
Sabrina: Bom, eu também quero agradecer o convite. As pessoas me encontram no Instagram “Uma Autista Diferentona”, que na verdade nunca almejou ser uma página de ativismo, embora as pessoas reconheçam como tal, onde eu falo um pouco das minhas vivências. Isso começou a partir da minha experiência na maternidade atípica e foi tomando mais uma forma de discussão relacionada à deficiência e raça, deficiência, gênero, deficiência e classe, a partir do lugar de onde eu falo, e também porque mulheres e homens negros, oriundos da classe trabalhadora, começaram a me procurar e a se reconhecer a partir daquilo que eu falava. Meu diálogo tem que ser para as pessoas que ainda acessam menos serviços de saúde especializados, para as pessoas que não têm a cara de autista, para as pessoas que muitas vezes são até blindadas do capacitismo porque o racismo veio primeiro. O autista é chamado de anjo, embora seja uma forma de desumanizar a pessoa autista, porque anjo não precisa de direitos. Os humanos é que precisam de direitos. Mas nós negros nunca fomos chamados de anjos. É um tipo de capacitismo que não nos cabe. É o que eu digo, a nossa luta não é essa. Mais uma vez, muito obrigada. Um abraço.