Introvertendo 232 – Lei Berenice Piana: 10 Anos

Desde dezembro de 2012, o Brasil passou a ter uma lei que reconhece autistas enquanto pessoas com deficiência. Uma conquista a partir de muitas mãos, principalmente de familiares de autistas, a Lei Berenice Piana tem uma história curiosa e de desdobramentos complexos. Nesta reportagem, os jornalistas Tiago Abreu e Francisco Paiva Junior contam o antes e o depois da lei com relatos de Berenice Piana, Claudia Moraes, Ulisses Batista, e também trazem as avaliações para o futuro feitas pelos podcasters Carol Cardoso e Willian Chimura. Arte: Vin Lima.

Links e informações úteis

Para nos enviar sugestões de temas, críticas, mensagens em geral, utilize o email ouvinte@introvertendo.com.br, nosso contato do WhatsApp, ou a seção de comentários deste post. Se você é de alguma organização e deseja ter o Introvertendo ou nossos membros como tema de alguma palestra ou na cobertura de eventos, utilize o email contato@introvertendo.com.br.

Apoie o Introvertendo no PicPay ou no Padrim: Agradecemos aos nossos patrões: Caio Sabadin, Francisco Paiva Junior, Gerson Souza, Luanda Queiroz, Luiz Anisio Vieira Batitucci, Marcelo Venturi, Marcelo Vitoriano, Nayara Alves, Otavio Pontes, Priscila Preard Andrade Maciel, Tito Aureliano, Vanessa Maciel Zeitouni e outras pessoas que optam por manter seus nomes privados.

Acompanhe-nos nas plataformas: O Introvertendo está nas seguintes plataformas: Spotify | Apple Podcasts | DeezerCastBox | Google Podcasts | Amazon Music | Podcast Addict e outras. Siga o nosso perfil no Spotify e acompanhe as nossas playlists com episódios de podcasts.

Notícias, artigos e materiais citados ou relacionados a este episódio:

*

Transcrição do episódio

Tiago: Olá, meu nome é Tiago Abreu.

Francisco: E eu sou o Francisco Paiva Junior.

Tiago: E esse episódio especial é um audiodocumentário produzido em parceria com a Revista Autismo. Então vamos lá…

[Vinheta do Introvertendo]

Francisco: A primeira legislação federal que garante direitos aos autistas e os considera pessoa com deficiência (PcD) no Brasil é a lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Portanto, neste fim de ano de 2022, a chamada “Lei Berenice Piana” completa seu décimo aniversário. Aqui juntamente com o pessoal do Introvertendo, quero reconstruir a história do “nascimento” dessa lei e provocar a reflexão para os próximos dez anos dos direitos dos autistas no país.

Berenice Piana de Piana — nascida em Dois Vizinhos, no interior do Paraná, a 419 km da capital, em 1958 e hoje moradora de Itaboraí (RJ) — é mãe de três filhos, sendo o caçula um rapaz autista, o Dayan, nascido em maio de 1994 (hoje, com 18 anos). A busca pelo diagnóstico, no início da infância do filho, e que só se concretizou entre seus 6 e 7 anos de idade, a levou a uma militância por direitos dos autistas, por diagnóstico e, principalmente, por tratamento na rede pública de saúde.

[Transição]

Francisco: Mas o que fez essa mãe lutar por direitos dos autistas? Ouve só.

Berenice: Havia um desconhecimento total sobre este assunto com qualquer pessoa que eu falava, principalmente por parte das autoridades. Ninguém sabia nem o que era autismo. Levei esse sentimento com meu pai, quando o visitei, no Paraná. Lá ele organizava uma reunião com várias mães locais para eu conversar com elas, orientá-las quando ia para lá. Aí me veio a ideia de que estávamos precisando de uma legislação federal.

A ação prática que ela tomou foi, ao voltar para o Itaboraí, parou na capital paranaense para fazer contato com um Senador curitibano. Quem a recebeu foi seu assessor, anotou sua demanda e colocou numa gaveta.

Berenice: Vi que não ia acontecer nada, pela forma que fui recebida. Então, decidi que tinha que procurar outros senadores e deputados federais. Foi quando decidi fazer um curso em Brasília, para me aproximar de quem pudesse conhecer um político que pudesse me ajudar. Fiz, então, um curso de uma semana na Embrapa. Conheci muitas pessoas que me indicaram vários parlamentares e ministros, entrei em contato com todos, alguns pessoalmente, fui no gabinete deles, outros por email, mas foi em vão. Ninguém me respondeu nada.

Mas Berenice não desanimou e, nessa época, já havia conhecido Ulisses da Costa Batista.

[Transição]

Ulisses: Em 2001 e 2002, vendo a dificuldade de muitos pais em tratar seus filhos autistas, tive a ideia de uma lei, pois o autista não era considerado pessoa com deficiência (PcD).

Francisco: Esse que você acabou de ouvir é o Ulisses da Costa Batista. Nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 1966, ele é pai do Rafael, um rapaz de 26 anos, diagnosticado com autismo em 1999, entre os 3 e 4 anos de idade.

Ulisses levou a sugestão à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro entre 2003 e 2004, o que resultou na lei, que foi a primeira legislação municipal reconhecendo autista como pessoa com deficiência no Brasil, a lei nº 4.709, de 2007. Mas o prefeito entrou com ação na Justiça, alegando que reconhecer um transtorno como uma deficiência caberia somente a uma legislação federal.

Determinado, enquanto lutava pela lei municipal, ainda em 2005, Ulisses Batista foi à Defensoria Pública para cobrar do Estado do Rio de Janeiro que disponibilizasse tratamento para autistas na rede pública, o que originou uma ação civil pública contra o Estado.

Esse movimento foi ganhando notoriedade e Ulisses foi conhecendo mais pais ativistas. Convencido de que era necessário termos uma lei federal em prol dos direitos dos autistas, ele fez contato com o senador Cristovam Buarque, do Distrito Federal, que era, então, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), e agendou uma audiência para novembro de 2009.

E foi aí que as vidas de Ulisses e Berenices se cruzaram.

Ulisses: Nessa época, fui conhecendo mais pessoas e amigos em comum, me disseram que havia uma mãe, de Itaboraí, que também luta pelos direitos dos autistas e que deveríamos nos conhecer. Assim, fomos estreitando laços, pois ela também estava em contato com o senado, com conversas bem adiantadas com o senador Paulo Paim (do Rio Grande do Sul), então vice-presidente da mesma comissão, a CDH, também pedindo uma audiência. Aí nos unimos.

Francisco: Nessa época, os dois conseguiram fazer uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) com a presença de mais de 100 pessoas, muitas delas, vindas de Volta Redonda (RJ), lideradas e incentivadas por Claudia Coelho Moraes. Ela era presidente da Associação de Pais de Autistas e Deficientes Mentais (Apadem), e lotou dois ônibus para levar famílias ao evento, num total de aproximadamente 40 pessoas daquela cidade.

A Claudia já apareceu aqui no Introvertendo, lá em 2020. Mas se você não se lembra, ela é mãe de dois garotos. O Gabriel, que hoje tem 33 anos, é autista e teve um diagnóstico tardio aos 12. Na época da audiência na Alerj, Claudia atuou muito nos bastidores, numa época em que mandar emails para todos os senadores e deputados federais era algo que demandava tempo e dinheiro, quando ainda se contava com internet discada.

Liderando um grande grupo de famílias e tendo uma rede de contatos em diversos estados, Claudia era uma das primeiras a atender as demandas de Berenice e seu grupo quando era preciso fazer pressão sobre as autoridades e divulgar informações para a comunidade em geral.

Claudia: E quando ela viu aquele ônibus chegando cheio de gente e tal ela já se espantou e veio conversar com a gente e viu que ali ela ia ter apoio.

Francisco: Vale destacar que, no ano passado, Claudia recebeu seu próprio diagnóstico de autismo. Ela era uma autista protagonizando aquele ativismo, mas ainda não sabia disso.

Não se pode deixar de citar Nilton Salvador, que foi outro pai ativista muito atuante, iniciando sua luta vários anos antes desses todos e contribuiu muito também nos bastidores. Infelizmente, Nilton faleceu em 2020 e não pode dar sua contribuição para esta reportagem.

[Transição]

Francisco: Voltemos, então, à tal audiência pública na Alerj onde se encontram Berenice, Ulisses, Claudia e Eloah. Mais um nome novo: Eloah Antunes é bióloga, outra mãe de autista, ativista da causa e amiga de Berenice, que atuou ao lado dela em muitas ações, principalmente ações locais, no Rio de Janeiro e Niterói. Elas também se conheceram por email.

Na audiência — que contou com a apresentação de Saulo Laucas, autista cego e cantor —, saíram todos de lá com a missão de escrever uma legislação federal. O ano era 2009 e iniciou-se um trabalho, liderado por Berenice e Ulisses de construir, à várias mãos, o que seria a proposta de iniciativa popular ao Senado Federal.

Berenice estava determinada a fazer contato com um senador que lhe desse ouvidos. A estratégia que ela escolheu foi, no mínimo, inusitada: ela começou a assistir ao canal TV Senado compulsivamente para identificar os mais sensíveis à causa.

Ela escolheu alguns poucos, bem poucos. E quem lhe respondeu e deu atenção foi o senador Paulo Paim, que conduziu toda a tramitação do projeto e orientou Berenice. Ela passou a ir diversas vezes para Brasília, em inúmeras reuniões. E no dia 24.nov.2009, eles se encontraram em Brasília, numa audiência na CDH.

Para redigir o anteprojeto da lei, muitas pessoas colaboraram. Berenice confessa nem lembrar o nome de todos. O texto foi sendo lapidado pouco a pouco até tomar forma de algo apresentável para ser protocolado como uma sugestão de projeto de lei de iniciativa popular. Na comunidade ligada ao autismo tinha também gente contrária à criação dessa lei, mas o trabalho seguiu em frente.

[Transição]

Francisco: Em maio de 2010, Berenice levou a Brasília o anteprojeto protocolado no CDH, no Senado Federal, em Brasília (DF), que recebeu o nome oficial de “Sugestão nº 1, de 2010”, para iniciar a tramitação do que se tornaria o projeto de lei (PL) nº 168 em 2011, uma da pouquíssimas sugestões de iniciativa popular para um lei.

Paulo Paim: Uma das pouquíssimas sugestões de iniciativa popular para uma lei. E aquela sugestão, felizmente, se transformou em projeto de lei que recebeu o número cento e sessenta e oito, designei lá na época…

Francisco: O senador Paulo Paim, nesse pronunciamento no Senado, citou esse momento em 27.jun.2011, após a aprovação.

Com aprovação das comissões e, depois, com a aprovação em plenário no Senado no dia 16.jun.2011, o projeto, enfim, seguiria em frente. Uma sessão pública foi realizada para comemorar essa primeira vitória, no próprio Senado Federal. Eu estive lá.

[Trecho: Inicio o meu pronunciamento pedindo desculpas a todos os senadores e autoridades aqui presentes. Meu nome é Paiva Júnior. Sou jornalista e editor chefe da Revista Autismo…]

Francisco: Fiz o pronunciamento logo após Ulisses Batista, quando recebemos o Prêmio Orgulho Autista do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), liderado por Fernando Cotta. Está aí outro nome que precisa ser lembrado. Pai de um rapaz autista, Cotta liderou um movimento que iniciou-se em Brasília e alastrou-se Brasil afora, o Moab. O Prêmio Orgulho Autista anualmente premiava as melhores iniciativas na comunidade e ajudava a divulgar informações sobre autismo, além de lutar pelos direitos dos autistas no Distrito Federal (com diversas conquistas de leis locais) e, depois, até mesmo leis federais. Em muitos momentos, em que Berenice precisava fazer algo em Brasília e não poderia viajar para lá, Fernando Cotta fez as vezes dela e a representou em algumas reuniões e demandas.

[Transição]

Francisco: A maioria dos projetos de lei vão da Câmara para o Senado e, depois, para a Presidência da República. Mas por ter sido uma iniciativa popular protocolada diretamente no Senado, o projeto foi para a Câmara dos Deputados — onde recebeu o nome de PL 1631/2011 — para depois seguir para sanção da presidente.

Lá houve mais diversos percalços. Para resumir, houve uma modificação, que fez o projeto ter que ser votado novamente no Senado e, então, aprovado na Câmara. Fácil dizer isso em um poucos segundos, mas foram mais 15 meses de idas e vindas de Berenice a Brasília, além de inúmeras articulações e “chuvas de emails”. O projeto foi, então, aprovado na Câmara em 4.set.2012. Foi, após três dias, enviado (mais uma vez!) ao Senado e, então, encaminhado para ao Poder Executivo em 7.dez.2012.

Ulisses: Recebi uma ligação do senador Paulo Paim, em meados de dezembro de 2012, me perguntando como deveria se chamar essa lei, pois um nome específico ajudaria muito para que a lei fosse divulgada e conhecida. Ele queria batizá-la, mas estava indeciso. Tive a ideia de sugerir que a lei se chamasse Berenice Piana, pois, após mais de 20 anos militando nessa causa, vi que grande maioria dos lares dos autistas tem somente sua mãe como referência para cuidar deles. Eu sei que conhecemos alguns casos de pais ativistas, mas a grande maioria são as mães que lutam e esse impacto seria grande. E as mães seriam as grandes propagadoras dessa lei.

Foi muito engraçado quando a Berenice ouviu que a lei teria seu nome. Ela me ligou e disse que não seria justo a lei ter o nome dela e não ter meu nome. Foi quando a tranquilizei e disse que a sugestão havia sido minha. E a garota propaganda dessa lei vai ser você. Ela cumpre com louvor esse papel.

Francisco: Vinte dias depois de chegar ao Executivo, o projeto foi sancionado pela, então presidente, Dilma Rousseff, no dia 27.dez.2012, com vetos em três trechos e publicado no dia seguinte no Diário Oficial, tornando-se, assim, efetivamente uma lei em prol do autismo.

[Transição]

Tiago: É claro que as coisas não pararam por aí. Pra começar, os vetos deram o que falar e geraram discussões que se estendem até hoje. Uma delas diz respeito ao tratamento de autistas nos Centros de Atenção Psicossocial, os CAPS. Isso não foi bem aceito por grande parte das famílias. O MOAB chegou a participar de uma audiência pública em 2014 sobre o tema. E Claudia, na ocasião, fez críticas a duas associações: a Associação Brasileira de Autismo, a Abra, e a Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo, a Abraça. Eu conversei com ela sobre essa polêmica no podcast Espectros, da Revista Autismo, e ela explicou o que estava por trás disso.

Claudia: E nós não achamos que as intervenções feitas em CAPS eram adequadas para autistas. Primeiro por serem com base psicanal e segundo porque não promoviam o trabalho individualizado que o autista necessita. Eram tratados todos em grupos, era uma coisa assim que não era adequada. Hoje a gente vê um ou outro ou capsi, que são os infantis, que trabalham de uma maneira bacana. Mas no geral, a própria política desses capsi já não é uma política acolhedora para autistas.

A gente achava que eles tinham que ser tratados em em centros de atendimento voltados para as suas necessidades, o que não eram contemplados em caps. Então, essa audiência foi pra mostrar que os nossos filhos não são melhores, como algumas pessoas da época disseram que a gente queria um centro de atendimento exclusivo para autistas. E o que nós fomos mostrar é que nossos filhos não eram o público do CAPS, o público do CAPS é um público de pessoas adictas a drogas e álcool e pessoas com doenças mentais. Os nossos filhos são deficientes, é diferente. Então, o tratamento para eles tinha que ser diferente, não somos melhores que ninguém, nós somos diferentes. Foi mais ou menos nesse contexto.

Tiago: A ideia de ter centros de referência dedicados ao autismo não deslanchou naquela época. Mas, hoje, cada estado brasileiro tem aprovado legislações específicas sobre o autismo. Mas não foi só isso que mudou de 2012 pra cá. A definição de autismo mudou, a comunidade do autismo se transformou, e diferentes legislações direta ou indiretamente relacionadas ao autismo e deficiência também. E, com tantas mudanças na comunidade, novas questões também surgem.

Claudia: Que nós saibamos construir e que, daqui para frente, as coisas se tornem mais fáceis pelo conhecimento que temos. Que esqueçam um pouco os egos e os ‘likes’ das redes sociais e que possamos pensar no autista lá da ponta, que não tem acesso, que a família não tem condições de bancar [o tratamento]. Espero que as mudanças venham, que sejam bem-vindas, mas que não esqueçamos a história desse movimento, que aprendamos com o passado e construamos um presente e um futuro melhores.

Tiago: E Ulisses Batista também nos disse sua visão de futuro.

Ulisses: Faço votos de que quando a  Lei Berenice Piana completar 20 anos, tenhamos uma sociedade em que: o diagnóstico precoce não seja mais uma surpresa  ou momento de grande dor para os pais e familiares; que o tratamento para o TEA seja de fácil acesso as famílias brasileiras; que nenhuma criança com autismo seja privada de um lar e de uma família. E, por fim, que as pessoas com autismo vivam em uma sociedade acolhedora.

Tiago: Quando a Lei se tornou real, eu sequer sabia que era autista. Mas essa não é uma exclusividade minha. Muitas pessoas na comunidade do autismo tiveram o primeiro contato com o diagnóstico exatamente nesses últimos dez anos. E é claro, como o Introvertendo é um podcast feito por autistas, não dava para encerrar esse audiodocumentário sem saber a perspectiva de algumas pessoas no espectro. Por isso, meus colegas Carol Cardoso e Willian Chimura, aqui do programa, deixam suas contribuições finais sobre o papel da Lei 12764.

Carol: Muitas pessoas ainda hoje, mesmo dez anos após a Lei Berenice Piana, ainda tem muita dificuldade pra entender o autismo como uma deficiência. Ainda é comum que as pessoas usem o termo autismo ou autista em tom pejorativo como um adjetivo e eu vejo que ter uma lei que nos respalda faz muita diferença porque há a quem recorrer em termos jurídicos para buscar suporte em caso de capacitismo.

E o capacitismo eu entendo como algo que vai além de ofensas, vai além de nomes e adjetivos, mas está no centro da privação de oportunidades e privação de acesso aos espaços por conta da nossa deficiência. E uma coisa que eu costumo pensar é que como as pessoas resistem a enxergar o autismo como uma deficiência, eu entendo que é porque se o autismo não é uma deficiência, logo ele não requer acessibilidade e com isso não recai o movimento da sociedade para que nós sejamos incluídos.

No sentido contrário, considerar o autismo uma deficiência nos respalda para que medidas de acessibilidade sejam garantidas em todos os espaços que nós desejamos acessar e que precisamos acessar. Isso obriga as autoridades e a sociedade civil a prover os meios pra que a nossa acessibilidade seja garantida. Eu entendo que a gente ainda tem grandes desafios pela frente, mas eu vejo que esses instrumentos legislativos são fundamentais na luta por inclusão e acessibilidade de pessoas autistas e eu desejo muito que nos próximos anos o autismo passe a ser visto com mais normalidade, que deixe de ser um tabu e que cada vez mais os passos sejam acessíveis para nós inclusive de decisão.

Willian: Na minha interpretação, existe um marco muito importante principalmente por parte dos autistas de nível 1 de suporte, aos autistas “leves” que frequentemente se veem desse limbo de não ter suas necessidades tão expressivas a tal ponto de serem legitimadas e não serem “leves” o suficiente para não ter prejuízos ao longo do dia a dia. Então desde a instituição dessa política, certamente eu vejo como uma um fundamental para garantia de que autistas como eu, como o Tiago, como outros autistas, que antes foram diagnosticados com a chamada síndrome de Asperger, sejam legitimados principalmente no âmbito jurídico, aos olhos da lei.

Além disso, tivemos outros direitos garantidos reforçados por conta da lei, por exemplo, como foi no caso das vacinas para Covid como também temos presenciado, ainda é claro, com alguma dificuldade, mas casos de autistas ingressando no mercado de trabalho por conta também da lei de cotas para pessoas com deficiência sendo amparados principalmente por conta da Lei Berenice Piana.

E também ela é um amparo fundamental para a batalha e eu acho que não há nenhum exagero em chamar de batalha aqui o que as famílias de crianças autistas passam ao tentar matricular seus filhos no no ensino regular, na escola pública, enfim, até particular na verdade. Sobre a garantia do direito do filho estar matriculado e frequentar regularmente a escola, assim como qualquer outra criança. Muitas conquistas relacionadas a esses pontos que citei até agora foram extremamente importantes e muito válidas até aqui.

É claro, novamente, temos sim muitos desafios ainda pela frente mesmo nesses pontos. Mas eu acho que um ponto em especial que merece atenção é justamente sobre a uma das diretrizes da Lei Berenice Piana que diz que diz sobre a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas no atendimento à pessoa com autismo. Ao meu ver isso ainda caminhou pouco e eu infelizmente ainda interpreto que a pouquíssima intersetorialidade para a elaboração dessas ações.

Eu vejo principalmente esse dilema entre saúde e educação e quando se trata de autismo estamos falando da vida de uma pessoa e que certamente para a vida desse indivíduo ela não é categorizada entre saúde ou educação. Então quando falamos sobre educação, quando falamos sobre saúde, quando falamos sobre bem-estar, viver bem, aprender, ter essas experiências legítimas de desenvolvimento, de autonomia, não necessariamente faz sentido categorizar as coisas entre um ou outro.

E o autismo na minha interpretação ele deixa muito claro de quão é necessário essa conversa, essa troca articulação entre múltiplos conhecimentos, entre múltiplos setores da sociedade. E eu espero verdadeiramente que em dez anos tenhamos mais essa articulação entre os múltiplos setores da sociedade, do poder público para melhor atender as pessoas com autismo.

Site amigo do surdo - Acessível em Libras - Hand Talk
Equipe Introvertendo Escrito por: