Introvertendo 23 – Comportamento na Internet

Depois de tantas mudanças tecnológicas e redes sociais, o comportamento do brasileiro nesta década é algo incrível e, ao mesmo tempo, intragável. Na busca de saber um pouco do que vivemos nos últimos 15 anos na web, discutimos a morte e vida de muitas redes, as discussões políticas dos últimos anos e se seria possível estabelecer uma teoria da sociedade a partir da internet.

Participam desse episódio Michael Ulian e Tiago Abreu.

PS: Este episódio foi gravado no início de julho deste ano. Qualquer comentário sobre política que se tornou realidade deve ser considerado como mera coincidência.

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Transcrição do episódio

Tiago: Está gravando?

Michael: Aham.

Tiago: Três, dois, um.

(Vinheta de abertura)

Tiago: Um olá pra você que escuta o podcast Introvertendo, um podcast feito para neurotípicos e neurodiversos, e que é o primeiro podcast de autistas do mundo. Nós vamos falar sobre comportamento nas redes sociais e vamos falar de internet. Meu nome é Tiago Abreu e eu sinto falta do Orkut.

Michael: Meu nome é Michael Ulian e realmente o Orkut fazia parte da área de ouro da internet.

Bloco geral de discussão

Michael: É realmente impressionante como o e-mail conseguiu sobreviver em todos esses anos, desde a origem da internet com Arconet até hoje.

Tiago: É, digamos assim, alguma coisa não pode modificar, né? Porque, simplesmente, desapareceu da internet quase tudo daquilo que formou essa história, né? Ao longo de comunidades e tudo mais. Eu acho muito interessante que o email é muito usado ainda para a comunicacão em outros países, não é?

Michael: O meu orientador não possui redes sociais, nem telefone celular. Basicamente, o único meio de comunicar com ele é por email.

Tiago: Esse homem deve ter uma paz na vida dele tão grande…

Michael: Olho isso e só consigo imaginar aqueles caras que vivem no meio da montanha, tem a barba maior do que a minha quando eu deixava ela por dois anos sem cortar, mas não. É só uma pessoa normal que não usa celular.

Tiago: Pois é, mas se a gente pudesse colocar um ponto marcador com relação às redes sociais da Internet, seria mais ou menos quando?

Michael: Quando o Orkut morreu, quando todo mundo resolveu ir pro Facebook de uma vez.

Tiago: Mas o próprio Orkut já era uma rede social, não?

Michael: Sim, mas você pediu um ponto que marca a história das redes sociais.

Tiago: Não, um ponto que a gente pode considerar que as redes sociais modernas emergiram mesmo.

Michael: Eu diria que foi na época do IRC.

Tiago: Você acredita que o IRC ainda é utilizado, por exemplo, na Wikipedia?

Michael: Sim, tem aquela comunidade que não pode ser nomeada, que usa ainda o IRC constantemente.

Tiago: Os fóruns seriam uma forma de rede social também?

Michael: Sim, os fóruns são quase tão antigos quanto o IRC e derivados

Tiago: Sim, porque hoje em dia você tem alguns fóruns, é claro, alguns mais modernos, mas, por exemplo, você tem o fórum do do UOL jogos que aparecem em todos os resultados de busca para qualquer coisa que você busca.

Michael: Claro, tem as comodidades antissociais que, de uma certa forma, são comunidades sociais, são redes sociais.

Tiago: Seria o conceito de aldeia global do…

Michael: Não, estou falando do 4-chan, mesmo.

Tiago: Ah sim,

Michael: Você não tem nomes, mas ainda assim você está numa interação social com várias pessoas.

Tiago: E o Orkut ele surge mais ou menos quando mesmo?

Michael: 2000 e alguma coisa…

Tiago: 2004, não é? Alguma coisa assim. A questão que eu acho engraçado é porque o Orkut e o Facebook eles aparecem no mesmo período, mas no Brasil como uma espécie de zebra, é o Orkut que ganha a galera, faz parte da nossa história, basicamente.

Michael: o Orkut é algo brasileiro, você nunca vai ver um podcast gringo em que eles vão falar do Orkut.

Tiago: Sim! Só se for indiano, não é? Porque, lá na Índia, também era bastante sucesso.

Michael: Talvez um indiano mas, honestamente, eu nunca vi um indiano na minha vida no Orkut, eu vejo eles todos os dias no Facebook.

Tiago: É, adicionando mulheres e mandando mensagens estranhas. Iranianos também. Mas, enfim. Do Orkut, eu tenho uma memória afetiva muito legal. Eu lembro que eu criei minha conta lá, acho, que no início de 2006, com o e-mail djtesoura@gmail.com. A minha foto de perfil original era eu ao lado de um rádio em uma pose bastante autista, por assim dizer, achando que eu estava destruindo com relação ao meu gosto por eletrônicos.

Michael: Eu sempre tive a tradição de não usar fotos minha de perfil. O meu e-mail também era super chato (e continua até hoje): era só meu nome com um traço no meio.

Tiago: Pelo menos, você conseguiu manter o seu e-mail. Eu nunca conseguiria usar de novo aquele e-mail.

Michael: Eu usaria só pelo luxo.

Tiago: Imagina eu chegando em um evento acadêmico, e alguém pede: “me passa o seu e-mail para compartilhar esse artigo que você apresentou”, e eu digo aquele e-mail.

Michael: Eu penso que você vai e-mail pra todo o centro acadêmico, com mil e-mails diferentes, e aí é esse.

Tiago: É bom que fica tudo centralizado também, de certa forma. No Orkut das minhas memórias, eu me apaixonei muito rapidamente, primeiro, por duas ferramentas: a ferramenta de você incluir vídeos do YouTube, quando o Google ainda não havia comprado o Youtube, que eu não sabia usar porque eu não conhecia URLs e copiava os vídeos de outras pessoas, bem bizarros; e as comunidades. Eu lembro que, na época eu comecei a usar comunidades no Orkut, você podia comentar como anônimo. Aí, você tinha os “fakes” que atormentavam a galera, fazendo bullying, e eu acabava por usar anônimos para fazer endosso aos meus comentários e tudo mais. Mas como eu escrevia tão mal, eu acho que ficava na cara quem que estava por trás dos anônimos.

Michael: Mano! Você era um “semifag”, de uma comunidade que teoricamente nem era pra existir! Cara, isso é a prova que a cultura 4chan está enraizada no brasileiro.

Tiago: Infelizmente.

Michael Então! Naquela época, você tinha tanto a capacidade de mexer um pouco na HTML de um fórum quanto ter um fórum embutido. Havia também aqueles tópicos em quase toda página muito popular, aqueles softwares de ir mexendo com HTML, falando sobre HTML.

Tiago: Esses eram o protótipo das mensagens carinhosas do WhatsApp.

Michael: Aqueles também eram os precursores de algo que ficaria muito famoso: os blogs.

Tiago: Pior época da internet. 9GAG, maldito seja você.

Michael: Melhor época da internet, tenho que discordar de você. Naquela época, nada na internet era levado a sério, como deveria ser.

Tiago: Você chegou a criar conta no Orkut mais ou menos em que época?

Michael: 2008, 2010, eu peguei o finalzinho.

Tiago: Ah, é! Você é mais novo.

Michael: É. Eu pareço ter quarenta anos, mas eu tenho vinte.

Tiago: Digamos assim: eu lembro que o Orkut ainda era predominante até 2011, quando eu criei a minha conta no Facebook, que eu vi o início dessa migração. Eu senti muita falta porque, até hoje, os grupos do Facebook não se não chegam aos pés das comunidades.

Michael: Realmente.

Tiago: Em termos de organização, a indexação do Facebook é muito horrível.

Michael: Eu vou usar da minha experiência: a comunidade Jurassic Park 4.4, que era a maior comunidade brasileira sobre esse tema. Era tudo muito mais organizado, como um fórum mesmo, e não tópicos soltos. Eles tentam fazer essa comunidade hoje um um protótipo de centralização, conteúdo, tópicos, mas essa estrutura de comentários do Facebook é simplesmente ruim demais para isso. É uma porcaria.

Tiago: Você faz uma publicação, aí, dependendo do conteúdo e dos termos, você nunca mais consegue achar ele na busca. Aí você vai ter que abrir o grupo inteiro com a barra de rolagem. Se você tiver um grupo de cem pessoas isso funciona, se você tiver um grupo de quinze mil já fica impossível, né?

Michael: Cara, nem me fala. Tentar procurar alguma coisa no Facebook é, simplesmente, impossível.

Tiago: O volume de dados que eles produzem é astronômico, basicamente.

Michael: E o motor de pesquisa deles é uma porcaria. Sempre. Os caras já sabem da sua vida toda, mas continuam não conseguindo achar nada. Eles nem integram o conhecimento que eles têm pras pesquisas. Eles integram para as propagandas e esquecem que o motor de pesquisa também precisa desses dados.

Tiago: Sim, sim, com certeza. Mas o Facebook fez parte também da da minha memória afetiva, porque quando eu criei ele, eu estava em plena adolescência, no ensino médio em curso de TI. Diferentemente do Orkut, que não durou uma década basicamente, o Facebook está aí se modificando, e eu lembro do layout, da estrutura, e dos memes, né? Essa cultura dos memes ganhou muita força nessa década pra cá com relação a uma rede social que a gente não recebe nada pra produzir, que às vezes dá mais raiva do que alegria, mas que a gente continua usando mesmo assim.

Michael: Falando nisso, o Facebook traz a fase três dessa evolução das redes sociais. Você tem origem nos tópicos de HTML, dos fóruns vai para as comunidades do Orkut, que vai para os blogs de tirinhas que vai pras páginas de tirinha, e isso morre agora, porque você tem as páginas de tirinhas se transformando em páginas formadoras de opinião.

Tiago: Ou pior: páginas que sobrevivem a partir da produção alheia né? De graça, também.

Michael: Até que esses tipos de que tá morrendo, você ainda tem o quê? Fatos desconhecidos?
Tiago: Você está falando de fake news, então.

Michael: Não, só de quem, literalmente, só copia conteúdo.

Tiago: Ah, sim, mas, se você pegar, por exemplo, quem copia o conteúdo dos próprios fãs, né? Você tem a South America Memes e tudo mais.

Michael: Você tem as Sans e as derivadas, e pelo menos isso é uma vantagem, é você se ate ao conceito página de tirinha. Elas não tentam ser mais do que elas são e querer aproveitar essa onda de todo mundo ser politizado, todo mundo tem uma opinião, e não, todo mundo não tem uma opinião. Às vezes você é simplesmente burro.

Tiago: Você está falando sobre a questão de páginas políticas, fake news, e tudo mais, essa questão das partes desconhecidas. A gente pode dizer que foi a partir delas também que a gente tem um arrefecimento da política no Brasil, não é? Você, por exemplo, tem páginas que formam um espectro político. Você tem o MBL, que é uma instituição que representa o conservadorismo; você tem, por exemplo,o Quebrando o Tabu, que é uma esquerda liberal que às vezes parece uma direita liberal, não sabe o que é. Você tem a Socialista Morena, que é uma das coisas mais ridículas que eu já vi

Michael: Sabe qual desses é o único que realmente vale alguma coisa? O Joselito Muller, o sensacionalista original. Ele fazia postagens ao estilo sensacionalista antes de o Sensacionalista existir. Ele mantém essa alma do sentimento original, ele não foi comprado por nenhum grupo político.

Tiago: Eu me lembro que o Sensacionalista, em 2012, publicava notícias do tipo “Mister Catra grava com Aline Barros em estúdio. Cantora e Mister Catra ficam em espaços diferentes para ela não engravidar”. Era esse tipo de pauta que o Sensacionalista publicava em 2012. Hoje em dia, eles pegam muito mais questões da atualidade e fazem uma gracinha, um cutucada, o que é um negócio muito diferente.

Michael: o Sensacionalista atual é uma página politizada que tem uma agenda mais forte que o próprio Quebrou o Tabu.

Tiago: Sim, porque o Quebrando o Tabu claramente não sabe o que está fazendo, eles compartilham qualquer coisa que que eles acham legalzinho, divertidinho.

Michael: Qualquer coisa que dê lacre.

Tiago: A gente tem veículos de imprensa que entenderam essa questão do lacre. Por exemplo, o Catraca Livre, onde você tinha um jornalista até tecnicamente brilhante, que é o Gilberto Dimenstein, que partiu para um negócio de vale-tudo na internet que só faz o nome dele cair em credibilidade, né? Mas nem tudo está perdido também. Uma coisa que eu amo, não que o Facebook produza isso, mas ao que o Facebook é um agente de divulgação, que são os memes absurdos, tipo shitposting, vídeos bizarros. Com essa cultura da internet e com os smartphones, agora você tem de tudo o que há de mais do submundo do Brasil chegando na mão de todo mundo na tela do celular.

Michael: Antes, essa cultura 4chan ficava meio presa porque o pessoal das culturas mais superiores consideravam esse tipo de cultura muito pesada, muito suja, digamos, assim. E agora você tem uma pluralidade cultural tão alta que simplesmente há grupos de pessoas que estão pouco se fodendo se as coisas são ruins ou não. Elas simplesmente postam, não importa o quão “edgy” seja aquilo, e, com isso, a criação de conteúdo sai do 4chan e começa a ficar no meio termo: parte do conteúdo é criado pelo 4chan mas parte do conteúdo é criado nativamente no Facebook. Os memes não veem mais só do 4chan e faz aquela escalada.

Tiago: Agora, o Facebook divulga mas também produz e restringe dentro dele mesmo, não é? Isso cria uma uma ideia, talvez, até de exclusividade. Então você não vai no Facebook porque as pessoas estão lá, mas porque tudo que há de interessante está lá.

Michael: É claro. Têm coisas originais que vão além do Facebook.

Tiago: Tem uma página nacional específica que eu gosto bastante, porque ela é temática e ela às vezes coloca coisas nada a ver, como o legado da Copa. O legado da Copa é muito bom. Isso me lembra também a série de imagens absurdas, cada uma com o nome de um navegador. Então, uma é a Internet, tem outra que é o Explorer, tem uma que é o Safári. Eu não sei se tem o da Ópera, mas é muito engraçado, são várias páginas irmãs com nomes de navegadores.

Michael: Essa página brasileira, basicamente, é a mesma coisa que o Legado da Copa. Tem um pouco desse tom. É apenas uma imagem, você não precisa de texto, você não precisa de contexto, nada além do nome da página.

Tiago: O legado da copa é um pouco diferente porque, muitas vezes tem prints, tem um monte de coisas, mas são sobre o universo do futebol.

Michael: Sim, você não tem nenhum acompanhamento, não é? Apenas o print está lá, aquilo lá já diz tudo.

Tiago: Sim, sim.

Michael: Você não precisa de contexto para aquilo, que nem os membros mais antigos precisavam, não é? Elas também fazem sucesso em descrever o que o brasileiro é.

Tiago: Sim, sim. E eu acho bastante, eu fico pensando assim em como vão estudar a sociedade pelas redes sociais, pelos memes. Eu sei que já tem coisas atuais mas eu acho que ainda é muito cedo. Então eu fico pensando: de que forma os memes e o comportamento na internet vão explicar o nosso comportamento pelo volume de dados que a gente produz. A gente produz coisa demais. É muito difícil estudar aquilo que a gente produz já hoje. Imagine isso daqui a quarenta anos.

Michael: E é o mais interessante, né? Eles só não marcam o que acontece com a gente. Eles moldam o que acontece com a gente. Você vê: aquelas passeatas pelo aumento de vinte centavos nos ônibus foi em 2012, não foi?

Tiago: Não. Na verdade, as primeiras manifestações que eu vi usando a internet foi sobre aquela lei que acabou gerando um marco civil da internet em 2012. Em junho de 2013, você teve a questão dos vinte centavos, que era de um dos grupos políticos né? Que estavam organizando os estudantes.

Michael: Eu acho que aí marca o ponto, pelo menos aqui no Brasil, que a internet deixa de ser só pras piadas, só pras coisas engraçadas e passa a ter essa alma politizada que tem sido o maior câncer atual da internet. Foi uma mudança de pensamento numa população entre duzentos milhões de pessoas incrivelmente rápida. Eu lembro que uns 10% dos memes eram justamente verificando isso. O brasileiro só falava de futebol.

Tiago: Isso começou, mais ou menos ,em 2012, 2011.

Michael: E que política e religião não se discute. A internet mudou completamente a visão de um povo, e mesmo que tenha dado merda, ela mudou completamente essa visão do povo. Agora é política se discute, se discute em todo lugar.

Tiago: E se discute até quando ela não entra tanto, quero dizer, a política diversos campos da atividade humana, por exemplo, a vontade de lacração que as pessoas têm com relação a Copa do Mundo é absurda, sabe? De querer falar de como todos os governos são melhores que o governo brasileiro e, por isso, as outras seleções dão de dez a zero na gente. A única vontade que dá de falar é que eles não tem o Hexa, pede pra todos os seus professores darem o salário para o Coutinho, e pronto.

Michael: O brasileiro politizado consegue ser pior do que o brasileiro ignorante. A mudança está ali, não dá pra negar que a internet fez isso.

Tiago: Você acha que isso tem algum aspecto positivo em algum ponto?

Michael: O brasileiro em si, é pior, só que a gente estava precisando mesmo de uma mudança de pensamentos. Agora, a gente tem algumas chances de que, pelo menos uma parte dessa cultura politizada, realmente acabe entendendo de política de verdade algum dia, e acabe fazendo alguma diferença.

Tiago: Embora você tenha, também, muita crítica da movimentação política que trouxe políticos inexperientes, que não tenham nenhum tipo de formação para contribuir, e que tão aí em destaque por falar nada de útil também.

Michael: Não são só os brasileiros que são ignorantes, os brasileiros políticos também são bem ignorantes.

Tiago: Sim, Sim. Você tinha Jânio Quadros na década de 60, por exemplo,

Michael: Os dois presidenciáveis mais destacados: um cara que praticou terrorismo no quartel do exército e o outro que está preso.

Michael: Eu me pergunto: porque diabos eles chamaram Enéias de louco? Perto do que a gente tem hoje, o cara era lúcido.
Tiago: É um tema extremamente complexo. A gente até extrapolou a questão do comportamento na internet, mas é algo a se pensar. Quando a gente olha para algo social, fora do seu contexto, anos depois, a gente consegue, pelo menos, ter um uma visão mais mais detalhada, até do que mais importante, do que não é importante, e falar: essa década pode ser explicada por isso, mas agora, dentro do furacão… Os anos 2010 foram anos de loucura total, não é? A gente não teve tantos governos, a gente não teve tantas coisas, mas a internet transformou tudo num turbilhão imenso.

Michael: A gente não precisou de uma ditadura, nem de uma intervenção militar, para fazer a zorra nesse país.

Tiago: Nós mesmos fizemos.

Michael: A gente só precisou do Facebook, e ponto.

Tiago: Inclusive, o Facebook está pagando por isso, não é? Por causa daquela questão do marco, com relação aos governos, às eleições e tudo mais.

Michael: Eu só sei que eu acho que as eleições de 2014 foram bem visadas, mas as eleições de 2018, honestamente, vão ser, eu chutaria, o pico do da fase brasileira. Acho que esse vai ser o “apex”. Nunca a gente vai ver o brasileiro tão politizado e não no bom sentido quanto a gente vai ver agora.

Tiago: Em termos políticos, para mim, Michael, essas eleições de 2018 vão ser uma espécie não igual, mas semelhante, ao que aconteceu em 89: um monte de candidatos vão sair com 1%, você não tem a menor ideia de quem vai ser eleito. Você sabe que tem um candidato que é o líder das pesquisas, mas não tem garantia nenhuma de que ele vai ganhar Por exemplo, em 2014, Dilma Rousseff, e 2010, também, com o Lula, vinham de um governo bastante elogiado e tudo mais. Então todo mundo sabia que qualquer coisa que o Lula indicasse e com o marketing exato ia ganhar, que era a Dilma. 2014, do mesmo jeito. Agora, em 2018, ninguém sabe o que vai acontecer. Basicamente, está todo mundo correndo pelo poder.

Michael: Eu não sei porque não foi anunciado na E3 desse ano, mas essa eleição vai vir com o modo Battle Royale. Literalmente, vai ser isso: um Battle Royale político.

Tiago: Em termos de instância de poder, não duvido de nada.

Michael: A gente está falando de 2012 a 2014.

Tiago: Tem um coisa que você até mesmo teoriza, não é exatamente com a teoria, é muito mais uma observação sua que eu já vi você falar, que a internet potencializa, em uma escala de velocidade muito maior, coisas que dentro da sociedade levariam muito tempo pra acontecer, tanto com relação ao crescimento e a morte dos memes, que podem morrer em vinte horas, tanto pela questão da política, não é? Por que você acha que isso acontece, basicamente?

Michael: Na verdade, tem até algumas explicações mais técnicas, mas eu trabalho com dinossauros, então vou ficar devendo para vocês as fontes disso: A velocidade em que a informação pode ser trocada nunca foi tão rápida, nunca houve tanta velocidade e facilidade para compartilhar a informação. O smartphone colocou um computador na mão de todo mundo, basicamente, e agora todo mundo tem acesso a internet, todo mundo pode ver isso.

Tiago: Todo mundo produz também.

Michael: Exato, cada um pode produzir conteúdo. É algo exponencial a velocidade em que o conteúdo é criado e morre. E isso tem consequências diretas na sociedade. A sociedade vai passar a ter mudanças muito mais rápidas.

Tiago: Eu fico pensando também, Michael, com relação a vida social. Nós temos a limitação física para conviver com pessoas. Por exemplo, em Goiânia, que é uma cidade de um milhão e meio de pessoas, em média, você acaba meio que circunscrito a essa cena aqui, mesmo que o mundo tenha sete bilhões de pessoas. Agora, na internet, a quantidade de pessoas que se interagem entre si numa arena gigante, assim poderíamos dizer, desta forma, apesar de você ter um grupo de amigos e tudo mais, todo mundo ali está interagindo de forma que as barreiras físicas não existem, basicamente.

Michael: Cara, você vai dizer que você nunca tretou com indiano num post aleatório sobre aborto? Eu tenho certeza que já! Eu não sei se esse cara é indiano, mas com certeza eu já tratei com alguém.

Tiago: Ele escrevia em inglês?

Michael: Eu tive minha época, justamente nesses idos de 2012, 2014, em que geopolítica estava no auge, e que era uma opção pra quem queria entrar nessa vibe mais politizada, mas não ficar no nível “Quebrando O Tabu” de qualidade. Você tretava todo dia com meio mundo de gente diferente, fosse em grupos, fosse na página de State Balls ou Country Balls. Aquilo era vida na época. Aquela época que era boa porque naquela época não tinha fake news.

Tiago: Na verdade, existia. Ela só não era industrializada.

Michael: Não. Mas hoje eu faço que nem o senhor que fala que a época dele que era boa porque não tinha isso ou aquilo.

Tiago: É engraçado que, você tem instituições, não, você tem sites não é? Empresas de checagem que trabalham com isso já há muito tempo, mas só de uns anos para cá elas viraram temas em jornais como, por exemplo, o E-Farsas.

Michael: Falando nisso, se você não conhece o E-farsas, pára o que você está fazendo agora, pára com esse podcast, e acessa o e-farsas.com.br, simplesmente um dos projetos da internet brasileira com maior longevidade, com maior benefício já criado.

Tiago: E eles têm uma página no Facebook que atualmente já tem um número expressivo. Eu vejo também muito ódio dentro do próprio E-farsas. A galera fica: “ Ah! Você está desmentindo isso porque você é de direita; Ah! você está desmentindo isso porque você é de esquerda. A galera levou um negócio para um nível tão horrível. Mas tem uma notícia do E-farsas que eu acho muito engraçada, que saiu em junho, aquela notícia sobre uma uma brasileira chamada Marcela Pereira que era estudante da Universidade Federal, e que tirou o 2º lugar em Física Nuclear na Rússia. Engraçado que a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, pra quem não conhece, apesar dela ter uma estrutura grande, o câmpus ser grande, não é um lugar de muitos cursos, então só por isso você já viria que é mentira.

Michael: Na verdade, se você é do sexo masculino e tem por volta de vinte a quarenta anos, você já descobriria que essa notícia é mentira por um motivo muito óbvio, mas é. Tenho vergonha de assumir isso.

Tiago: É uma ex-atriz de filmes adultos, na verdade. Marcela Pereira não existe, mas um monte de gente saiu compartilhando. Se não me engano, até o ex-chefe de governo do México chamado Marcelo Ebrard falou que era extraordinário e tudo mais.

Michael: Essa notícia teve variantes em espanhol também.

Tiago: Exatamente, uma coisa muito engraçada das fake news é isso, não é? Você vai regionalizando a mentira.

Michael: Impressionante os trabalhos que esse cara faz, porque eu sou da época que o trabalho dele era desmentir UFOs e animais criptozoológicos achados que, na verdade, era só carcaças. Era o que tinha na época e hoje ele tem um trabalho que vai muito além disso, porque agora tudo é uma potencial mentira na internet.

Tiago: Exatamente. E com o WhatsApp ele ficou pior ainda, não é?

Michael: Nem vamos começar a falar dos “tiozão”, hein?

Tiago: Por isso que, talvez, o Instagram seja uma das menos piores redes sociais que existem, porque a galera só posta foto. Claro que tem umas propagandas e tal. Mas, pelo menos, esse negócio não chegou tão forte ainda lá.

Michael: A melhor rede social já criada no universo, no multiverso, era o MSN.

Tiago: Onde você poderia colocar musiquinhas na sua descrição.

Michael: Onde você podia chamar atenção das pessoas, literalmente, você não precisava fazer outras coisas. Você tinha um botão pra chamar atenção e isso vibrava.

Tiago: é engraçado que eu peguei o MSN só no final dele, 2010 e 2011, e mesmo assim eu não conversava com a galera no MSN, então não foi algo que fez parte da minha vida, eu usava só o Orkut mesmo.

Michael: Eu usei ele até a transição para o Skype, eu cheguei a usar os dois ao mesmo tempo.

Tiago: embora o Skype também já existisse na mesma época, só foi comprado pela Microsoft

Michael: e a Microsoft decidiu: “Vamos matar o MSN e usar só o Skype”.

Tiago: Em termos de recursos, o Skype é muito melhor, né?

Michael: Curiosidade: Entrando em uma área negra das sociais brasileiras, é interessante você ver que essa transição refletiu no bate-papo UOL. As pessoas pararam de usar MSN e transicionaram para o Skype, e você podia conferir isso ao vivo no bate-papo UOL, porque houve uma época que você tinha tanto MSN quanto Skype rolando. Não me pergunta como eu sei disso, eu apenas sei.

Michael: Eu tenho saudade da época que os memes eram apenas carinhas, não meios de vincular ideologias políticas toscas.

Tiago: Eu não tenho saudade de nenhuma das duas coisas. Eu prefiro shiposting, mesmo.

Michael: “Memes! Tipos de carinhas são. Memes! Uns são bons e outros não!”.

Tiago: A pior de todas as carinhas da época, pra mim, era do Freddie Mercury, que era baseado no show dele em Wembley, e eu achava muito forçado. Achava a referência cultural bem legal, mas achava forçado

Michael: Eu lembro que, na época, eu fiz um curso de programação e criação de jogos. Eu criei um jogo dessas porras.

Tiago: Ah, não!

Michael: Ah, sim!

Tiago: Você tem isso até hoje ainda?

Michael: Não, eu perdi o material em inúmeros HDs estragados no passado. Um dia, eu prometi para mim mesmo que eu vou refazer, quando ninguém mais saber o que foi isso e a memória do povo precisar ser relembrada dessa época mágica da internet.

Tiago: É engraçado que as mudanças na internet são tão grandes e tão dinâmicas que se alguém posta, por exemplo, um meme de 2012, todo mundo olha assim e fala, que merda, que vergonha da humanidade, sabe? E, na época, todo mundo compartilhava e ficava postando K K K K de três linhas.

Michael: Eu acho que foi o único meme assim. Mas o shitpost que sobreviveu foi do MC Zói de Gato.

Tiago: Que eu odeio também. Por quê? A ideia em si é boa. Mas o pessoal fez tanta piada com isso, mas tanta piada com isso que o negócio saturou. Esse é o problema da galera, a galera destrói os os memes.

Michael: Tá vivo até hoje. Ainda tem muito meme velho mas até os derivados já estão mudando para levas de meme mais novos e saturando eles de novo.

Tiago: Porque é o melhor que eles sabem fazer é saturar as coisas. Mas, enfim, se a gente pudesse resumir esse episódio com relação ao comportamento da galera, qual seria a sua frase?

Michael: Memes! Tipos de carinha são. Uns são bons, a maioria não. O mesmo vale pro brasileiro médio.

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Equipe Introvertendo Escrito por: