No segundo episódio da série sobre autismo e mercado de trabalho, Tiago Abreu e Caio Bogos conversam sobre as possíveis adaptações e ações de acessibilidade que podem ser feitas para autistas, os processos de trabalho, as características aparentemente opostas entre autistas e o diálogo sobre acessibilidade com os gestores. Arte: Vin Lima.
Links e informações úteis
Para nos enviar sugestões de temas, críticas, mensagens em geral, utilize o email ouvinte@introvertendo.com.br, nosso contato do WhatsApp, ou a seção de comentários deste post. Se você é de alguma organização e deseja ter o Introvertendo ou nossos membros como tema de alguma palestra ou na cobertura de eventos, utilize o email contato@introvertendo.com.br.
Apoie o Introvertendo no PicPay ou no Padrim: Agradecemos aos nossos patrões: Caio Sabadin, Francisco Paiva Junior, Gerson Souza, Luanda Queiroz, Luiz Anisio Vieira Batitucci, Marcelo Venturi, Marcelo Vitoriano, Nayara Alves, Otavio Pontes, Priscila Preard Andrade Maciel, Tito Aureliano, Vanessa Maciel Zeitouni e outras pessoas que optam por manter seus nomes privados.
Acompanhe-nos nas plataformas: O Introvertendo está nas seguintes plataformas: Spotify | Apple Podcasts | Deezer | CastBox | Google Podcasts | Amazon Music | Podcast Addict e outras. Siga o nosso perfil no Spotify e acompanhe as nossas playlists com episódios de podcasts.
Notícias, artigos e materiais citados ou relacionados a este episódio:
*
Transcrição do episódio
Tiago: Um olá pra você que ouve o podcast Introvertendo, que é o principal programa sobre autismo do Brasil e que frequentemente fala sobre autismo na vida adulta, incluindo o mercado de trabalho. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, um dos integrantes deste projeto e mais uma vez estou aqui com o Caio pra falar um pouco mais sobre autismo e mercado de trabalho.
Caio: Opa, Tiago, e audiência, obrigado aí pelo convite, vamos falar desse tema aí que a gente começou já nesta série e bora falar.
Tiago: No mês passado a gente falou de forma introdutória principalmente sobre algumas coisas relacionadas a formação e agora a gente vai adentrar um pouco mais essa seara que é bem complexa relacionada a trabalho e empregabilidade. Hoje o nosso foco é sobre acessibilidade e ações práticas de adaptações dentro do ambiente corporativo. Vale lembrar que o Introvertendo é um podcast feito por autistas e essa série de autismo no mercado de trabalho é uma parceria entre o introvertendo e a aTip.
Bloco geral de discussão
Tiago: Caio, as pessoas tendem a pensar apenas em pessoas com deficiência física quando se aborda a acessibilidade arquitetônica, aquela mesmo que pensa na estrutura do ambiente. No contexto do autismo e do trabalho, quais são geralmente as ações de acessibilidade arquitetônicas voltadas para os autistas e no contexto do autismo?
Caio: Bom, acho que é um termo tópico superinteressante de a gente abordar. Quando a gente fala de inclusão no ambiente de trabalho, a gente está falando de inclusão de pessoas com deficiência. Então geralmente quando a gente pensa em inclusão de pessoas com deficiência a gente vai muito pra parte arquitetônica. Então a questão de rampa, acesso mais facilitado e etc. Mas acho que quando a gente fala de pessoas autistas, é algo muito mais abrangente do que “apenas” a parte arquitetônica. Mas quando a gente fala exclusivamente da parte arquitetônica a gente tem pra pessoas autistas a questão de luminosidade, a questão de barulhos.
Então uma empresa que se propõe a ser inclusiva pra pessoas autistas precisa entender se essas pessoas que ela está contratando, que ela já tem no seu corpo ali de de funcionários e pessoas colaboradoras, se elas tem alguma hipersensibilidade, por exemplo, a luz, a barulhos, a cheiros. Porque caso elas tenham, isso demanda algumas mudanças aí tanto de espaço quanto de processo. Então, quando a gente vai pro lado de acessibilidade arquitetônica, eu acredito que o quando a gente fala de inclusão de pessoas autistas, eu iria mais por esse lado de ter um ambiente mais tranquilo e calmo possível no sentido de pessoas que tem aí questão de hipersensibilidade, muito barulhos, muitas pessoas falando ao mesmo tempo e também a questão de cheiros e também de sons.
Então tentar, nesse sentido, ter um lugar mais tranquilo, ter um lugar sem muitas interferências sensoriais. E isso geralmente a gente observa, nos períodos de adaptação aí das pessoas que a gente auxilia na contratação, que trazem benefícios bem claros aí pra nossa comunidade. É claro que, né, como a gente inclusive ressaltou, Tiago, no episódio anterior, cada pessoa autista é uma pessoa autista, né. Então é importante a gente entender de fato se aquela pessoa precisa daquilo, se ela se sente confortável da forma que o escritório está ou se ela precisa de alguma adaptação. Então é um processo muito mais um a um ali, entendendo a necessidade, tentando, claro, ser o mais acessível e adaptativo possível.
Tiago: Sim, tem um episódio anterior aqui no Introvertendo, que é o 178 – Autistas na Arquitetura, que há uma discussão um pouco sobre o papel da arquitetura na questão da acessibilidade do autismo e tem até alguns estudos nessa área. Há uma discussão maior sobre como a acessibilidade arquitetônica também pode contribuir na questão dos autistas não só no ambiente de trabalho, então quem nunca ouviu esse episódio ouça lá também que também tem uma discussão mais voltada nesse sentido. E em relação ao ambiente do trabalho, além dessas mudanças que podem e devem ser promovidas, a gente também tem uma questão sobre o perfil da empresa que está contratando.
Então, por exemplo, o ambiente de trabalho, ainda mais nesses contextos, por exemplo, de startups e empresas mais dinâmicas, envolvem algumas ações e algumas formas de estrutura do ambiente que podem ser complicadas para alguns autistas, como a troca frequente dos espaços, mesas, equipamentos eletrônicos e ferramentas digitais. Por exemplo, existem algumas empresas que é muito comum as pessoas mudarem de mesa, ter uma rotatividade do espaço, o espaço compartilhado e sem falar de que está testando uma ferramenta e deu certo, aí pouco tempo depois já muda pra outra porque acha que é mais conveniente ou mais interessante.
E a gente sabe que autistas podem ter um apego à rotina, uma dificuldade maior com as mudanças e com essas questões. Puxando um pouco, eu queria saber se você já passou por essa situação. Eu tenho umas histórias também.
Caio: É, pois é, acho que eu vivo numa situação meio até meio dúbia. Porque a aTip é uma startup. Então, no sentido da gente não ter, por exemplo, posição fixa, a gente ter essa questão de mudanças, por exemplo de ferramentas que a gente utiliza. Então às vezes a gente está testando uma ferramenta, por exemplo, de controle de processo e documentação e depois disso a gente vê que talvez não é a ferramenta ideal pra gente e a gente troca. E ao mesmo tempo eu entendo porque a gente faz esse processo justamente de inclusão e que isso pode ser desconfortável para nossa comunidade. Isso é desconfortável pra mim, como autista.
Eu tento equilibrar esse dinamismo que, no caso, a minha empresa exige até por ser uma startup. Então eu tento equilibrar isso com as minhas características. Geralmente eu sou uma pessoa apegada a processo, apegada a rotina, então é difícil até pra mim (risos). Acho que essa é a questão. E quando a gente vê o mercado de trabalho, a gente tem empresas nos mais diversos perfis. Então dentro nas empresas conectadas com aTip, a gente tem desde escolas de programação, escolas de inovação, até empresas, bancos digitais e etc. Então são empresas com perfis muito distintos entre si.
E o que a gente tem percebido com muita força é essa tendência de grande parte das empresas se voltarem pra essa questão da agilidade. Então de metodologias ágeis, de um ambiente mais dinâmico, e isso acaba entrando em grande parte às vezes em contrapartida às nossas próprias características. Mas é justamente o que a gente tenta aqui, eu pelo menos como CEO da aTip, a gente tenta equilibrar essa visão de uma empresa um pouco mais dinâmica que a gente tá vendo o mercado muito se voltar pra essa questão de mais ágil, de mudança constante e etc e ao mesmo tempo e ser uma empresa que tenha esse acolhimento.
Mesmo que a empresa seja dinâmica, essa empresa pode ter processos mais definidos. “Olha, em casos de mudança isso acontece”. Isso é acho que me deixa um pouco mais tranquilo, como pessoa autista. A gente tá estruturando, por exemplo, agora dentro da aTip. E quando eu vejo que uma empresa, né, um potencial cliente ou um nosso cliente não tem esses processos definidos e se define como uma empresa ágil, eu levanto uma bandeira vermelha. Eu falo, “putz, pode ter algum problema nesse sentido”, porque se a empresa é uma empresa ágil, só que ao mesmo tempo ela não tem processo definido de mudança, processos documentados onde a gente possa consultar… E mudança nesse sentido no mercado de trabalho sempre vai ocorrer. É como que a gente lida com essas mudanças e tentar ser o mais previsível possível.
Tiago: Com certeza, com certeza. Eu, particularmente, já passei por diferentes perfis de empresas. Eu trabalhei uma época nos Correios, que é uma empresa pública que tem um outro perfil, uma outra forma de operar. E mesmo nesse ambiente mais rígido às vezes eu sentia que as coisas mudavam com uma velocidade que era um pouco difícil de acompanhar. Eu imagino que hoje com a idade que eu tenho, com a maturidade que eu tenho, talvez eu lidaria melhor com algumas questões do que eu lidaria há quase dez anos atrás, que foi a época que eu trabalhei lá.
E hoje em dia eu vivo nesse contexto também de startup. E o que eu percebo muitas vezes há uma dificuldade por parte das empresas de colher os feedbacks e talvez entender a especificidade da demanda da pessoa com deficiência, no caso aqui a gente focando do autismo. Isso me faz lembrar por exemplo de algumas histórias que o Willian Chimura que faz parte aqui da equipe do Introvertendo já contou sobre a experiência dele no de trabalho de tecnologia. Que às vezes o que incomodava ele num ambiente de trabalho eram coisas que as pessoas olhavam e pensavam que não tinha problema nenhum. E por isso mesmo as pessoas tendiam a subestimar o quanto aquilo incomodava pra ele.
Então era a troca de um teclado de computador, um teclado que para ele era o perfil exato que ele estava acostumado a usar, às vezes tinha a ver com a iluminação, com a acústica de um ambiente, com a estrutura de como as coisas eram e ele passou por várias situações em que ele pediu demissão. Ele já contou isso num episódio aqui que a gente tem mais antigo de que ele pediu demissão de várias empresas num período de seis meses. E a conclusão que ele acabou chegando foi de que era melhor ele trabalhar sozinho. Então acaba sendo uma questão muito excludente pra muitas pessoas do espectro do autismo.
Há uma dificuldade de identificar qual é essa demanda e quando essa demanda é identificada, eu acho que muitas vezes as pessoas podem pensar que não é algo relevante o suficiente. Ou: “ah, todo mundo consegue lidar com isso, por que você não consegue?”.
Caio: Exatamente. Eu acho que pelo que a gente tem notado nas empresas, independentemente do perfil, é essa questão. Primeiro essa dificuldade de entender essa pessoa neuroatípica, neurodivergente que ela contratou, que ela já tenha ali no seu quadro. E no segundo momento às vezes até desacreditar que aquela pequena mudança que pode ser pequena pra empresa, que não representa as vezes nenhum custo a nível financeiro, a nível emocional, a nível de processo, mas para aquela pessoa faz uma diferença gigantesca. E por ser pouco pra empresa, as organizações tendem a ignorar isso. Então, tentar estabelecer uma régua neurotípica para um comportamento atípico. Isso é muito problemático porque coisas simples como a questão de um teclado, a questão de uma mesa fixa, um lugar confortável ali pra trabalhar. Isso pra uma pessoa no espectro que tem essas demandas, faz total diferença.
E pra empresa, quando a gente fala: “empresa tenta não trocar o teclado por exemplo, tenta não trocar essa pessoa de lugar, tenta trabalhar com uma posição fixa e não com uma posição móvel. Isso pra empresa, na minha visão, talvez não traga ônus nenhum. Mas pra pessoa vai fazer uma diferença gigantesca. Às vezes a empresa ignora isso. Falta muito a empresa ter um uma uma certa “humildade” de perguntar pra gente como é que a gente se sente. Claro que vai ter algumas pessoas na nossa comunidade que não tem essa resposta. A questão do autoconhecimento é algo às vezes bastante complicada pra algumas pessoas neuroatípicas, mas acho que é válido sem se perguntar: “olha, como é que você se sente melhor? Como é que eu posso fazer o seu ambiente de trabalho mais acessível?”. Eu acho que tudo passa por essa pergunta.
Claro que tem outros dispositivos que a gente pode usar. Aqui na aTip tem alguns processos de entendimento de perfil de pessoas. Mas de qualquer forma, acho que é muito, é muito mais simples nesse sentido, que é perguntar pra pessoa: “olha, como é que você se sente melhor?”. E caso a pessoa não tenha resposta, tentar trabalhar junto com ela essa questão e tentar descobrir isso em conjunto, né. Acho que passa por um pouco também de vontade e às vezes novamente, isso não tem neste investimento financeiro e de esforço quase que nenhum, é quase zero.
Tiago: E existem características do autismo que, de acordo com cada caso, podem até parecer opostas, como a hiper e a hipo reatividade a estímulos. A gente até já falou isso no episódio 119 lá em 2020. E nesse caso, por exemplo, o uso de abafadores pode ajudar alguns autistas. Até virou quase um clichê nas produções de autismo. A gente vê uma série: “ah, tem um personagem autista” e está usando fone. Acho que já está quase exagerado já (risos).
Caio: Né (risos).
Tiago: Mas pra mim é um estereótipo, já está quase virando isso, porque para alguns autistas é uma ação que não faz o menor sentido. Principalmente para aqueles que são hipo reativos a esses estímulos sonoros. Você acha que identificar essa variedade que é quase uma contradição dentro do próprio espectro do autismo acaba sendo desafiador para as empresas? Não ter aquela concepção do autista padrão?
Caio: Acho super desafiador. Quando a gente geralmente chega nas empresas e fala: olha cada autista é um autista, tá? Então geralmente a gente vai precisar trabalhar em conjunto e se você tá contratando cinco pessoas, quase que com certeza 100% de chances as cinco pessoas serem diferentes, podem ter algumas características aí mais gerais, em comum, mas tem graus de apresentação dessas características e desses estímulos, enfim. Então isso assusta as empresas e isso a gente percebe com muita força assim. Quando a gente fala: “olha, você quer trabalhar com a contratação e com a neurodiversidade, você quer trabalhar com a contratação de pessoas atípicas, beleza. Primeiro passo você precisa entender que cada pessoa é diferente uma da outra”. E aí quando a gente comunica isso pra empresa e claro que a gente auxilia nesse processo de conhecimento desse perfil, mas ainda assim a gente vê algumas resistências.
Então as próprias empresas têm pessoas autistas trabalhando com elas, grande parte das empresas eu acredito que tem pessoas autistas. Claro que essas pessoas autistas às vezes nem falam que são, que mascaram suas características e etc. E por elas às vezes dizem: “a gente tem pessoas autistas aqui trabalhando e dá super certo”. Mas isso pode dar super certo para aquelas pessoas que estão nesse momento e segundo ponto não quer dizer que vai dar certo pras demais pessoas que você contratar. Então, a gente tem que deixar isso muito muito claro.
E essa questão de cada pessoa ser diferente, às vezes dentro da nossa comunidade tem características que são opostas. Você comentou da questão dos abafadores, pra mim isso não faz a menor diferença. Eu tenho uma certa hipersensibilidade auditiva, mas não tenho uma boa impressão daqueles abafadores clássicos que a gente vê muito por aí, eles mais me atrapalham do que me ajudam.
Tiago: Eu também (risos).
Caio: Porque me incomoda ter aquela coisa no ouvido, sabe? Cobrindo o ouvido inteiro, ele deixa abafado, sabe? Então, essa solução mais clássica de abafadores de ouvido mais tradicionais, isso não funciona pra mim. Mas eu percebo que para outras pessoas pode fazer a diferença. Mas eu acho que também é importante, acho que como a gente sempre pontuando, essa empresa, pelo menos se interessar de conhecer essa pessoa, perguntar pra essa pessoa, porque senão ela nunca vai saber, ela vai entrar num lugar muito comum do estereótipo daquela pessoa autista como você comentou que virou já padrão. “Ah, toda pessoa autista precisa usar um fone de ouvido e ouvir música só pra se desconectar do mundo”. Não é bem assim.
Às vezes isso não faz melhor diferença, já conheci pessoas que não não usam fones de ouvido no dia a dia e não sentem essa necessidade. Tem pessoas que usa. Eu não tenho essa questão de sensibilidade muito alta a cheiros, mas eu tenho pessoas próximas que tem. Então por exemplo, quando a gente vai incluir essa pessoa dentro de um ambiente corporativo, o ideal é que ela não se sente parte da copa. Porque a copa vai ter cheiros de comida. Então o ideal é pensar numa adaptação nesse sentido que é simples. É tirar aquela pessoa daquele lugar e mover para outro espaço.
Então assim, eu acho que nesse sentido passa muito, novamente, perguntar pra pessoa. E de fato é real. Muito complicado quando a gente chega nas empresas e as empresas dão conta de: “olha, eu vou ter um investimento às vezes de esforço” e a gente tenta ao mesmo tempo aliar essa questão de investimento de tempo e esforço com os benefícios que isso traz. Acho que primeiro ponto: você tá deixando essas pessoas colaboradoras mais confortáveis, independentemente das suas características. Acho que isso precisa ficar muito claro e acho que ter essa essa humildade de perguntar pra gente como é que a gente sente e aí a partir disso fazer mudanças e não assumir que todo mundo é igual e vamos distribuir abafadores de ouvido pra todo mundo, vamos colocar numa sala isolada e deixar as pessoas ali. Porque na verdade a gente está praticando até uma exclusão e não acho que seja o objetivo de ninguém fazer isso, pelo menos a gente espera.
Tiago: Exatamente, exatamente. E você falou muito sobre uma postura de sensibilidade, eu poderia até dizer assim, das empresas em relação a entender as demandas das pessoas no espectro do autismo que estão adentrando o mercado de trabalho, mas a gente sabe também que nós também podemos ter essa postura ativa de descrever e de pontuar as adaptações que a gente precisa. É claro que muitas vezes isso é um pouco mais difícil de ser feito porque o autismo também é uma deficiência diretamente ligada à interação social e à leitura do ambiente. Então tem muitos autistas que teriam essa dificuldade. Mas na prática, partindo do pressuposto que a gente pode também fazer isso e colocar os nossos pontos em perspectiva, como que a gente pode sistematizar essas adaptações que a gente precisa e dialogar com a liderança?
Caio: É uma questão primordial. E acho que esse passo de empoderamento da nossa comunidade, das pessoas que estão dentro de ambientes corporativos que não estão fazendo bem pra elas, é um processo que demanda tempo. Porque a gente vive no Brasil. Então, basicamente todo mundo precisa trabalhar. Então, quando essa pessoa neuroatípica, neurodivergente, autista já está num ambiente corporativo, bem ou mal empregada (porque a gente sabe que não é uma realidade tão forte assim na nossa comunidade, a grande parte tá fora do mercado), no primeiro momento ela tem medo de falar. Ela tem medo de se colocar, porque “putz, se eu me colocar, se eu falar que eu preciso de alguma adaptação, isso vai pegar mal e aí eu vou ter que explicar o porquê que eu preciso dessa adaptação e aí uma coisa vai levar a outra”.
E no final pode ter o medo aí de uma demissão ou desligamento. Então acho que um primeiro ponto é: isso parte da empresa deixar explícito, na nossa visão, isso parte da empresa, deixar explícito que aquilo é um ambiente seguro para a pessoa autista, para a pessoa com deficiência em geral falar sobre as necessidades e ser ouvida pelo menos. Claro que a gente sabe e entende que nem tudo às vezes é possível de ser feito, mas é importante que a empresa pelo menos esteja com a sua escuta ativa de ouvir as pessoas colaboradoras independentemente da sua deficiência.
Mas eu acho que o primeiro passo pra gente chegar nessa questão da própria pessoa autista chegar pra toda sua liderança, pras próprias pessoas e falar: “olha, eu preciso disso, eu preciso de um espaço mais fixo, eu preciso até de um abafador, preciso trabalhar mais dias de home office”. O home office é uma possibilidade. Mas eu acho novamente que para a pessoa, pra gente chegar nesse ponto de ter essa confiança, de falar, precisa ser feito um movimento anterior da empresa de deixar explícito pras pessoas colaboradoras que aquilo ali é um ambiente seguro e que há procedimento para lidar com esse tipo de demanda.
E uma vez feito isso, claro as pessoas precisam procurar suas lideranças porque provavelmente elas vão estar mais sensíveis, então expor isso e tentar chegar num denominador comum. E novamente, às vezes a gente sabe que nem tudo vai dar pra ser feito. Então, por exemplo, eu acho um pouco complicado, mas por exemplo, tem empresas que não aceitam fazer home office todos os dias. Isso é um pouco complicado? Com certeza, ainda mais como a gente viu aí nos últimos anos. Mas às vezes é adaptar, olha, tem como fazer três dias de home office e vir dois dias presenciais, então é tentar chegar nesse denominador.
Mas a empresa antes precisa estar sensibilizada e com a escuta ativa em relação a isso, caso contrário eu não acho que vai dar muito certo a gente se levantar e falar: “olha, eu preciso disso” porque provavelmente essa empresa ela não vai estar sensibilizada em relação ao tema na verdade, não vai nem conhecer o tema, ela vai ter muito senso comum dos estereótipos que a mídia coloca. Então eu acho que isso passa por um momento anterior aí de sensibilizações e depois disso a gente ganha um pouco mais de confiança em relação a quais são as adaptações necessárias.
Tiago: Com certeza, Caio muito obrigado mais uma vez pela sua participação aqui no Introvertendo nessa série que está debruçando várias questões sobre o mercado de trabalho mensalmente. Queria que você desse uma mensagem final aí pro pessoal e também falar sobre a comunidade da aTip e pro pessoal também saber como é que faz pra entrar.
Caio: Agradeço bastante a parceria nessa série que está sendo superbacana. Acho que esse conteúdo a gente tá conseguindo abordar temas aí que são pertinentes, não só para nossa comunidade, mas também pras pessoas aliadas, pras pessoas que tão aí a nossa volta. Acho que o primeiro ponto em relação a mensagem eu de fato deixo a questão para as organizações. De um lado, começarem a ouvir a nossa comunidade. Eu acho que perguntar. Perguntar não mata ninguém. Então perguntar o que a gente precisa já de adaptação, de acessibilidade e tentar estar o mais aberto e sensível nesse sentido. Acho que essa é a mensagem para as empresas e também procurar conhecer minimamente a neurodiversidade, de conhecer as características mais gerais aí do autismo e tem formas. A própria aTip tem uma série de conteúdos nesse sentido, tem uma série de soluções, mas assim, vivemos num mundo muito conectado, então a informação é que não falta. E no segundo momento convido aí a todas as pessoas da comunidade autista a entrar na nossa comunidade.
Tiago: E o próximo episódio da série sai mês que vem na última sexta-feira de novembro, certo? Um abraço pra você e até breve. Abraço.
Caio: Tchau.