Fazer amizades sendo autista pode ser uma experiência ruim, mas com o ambiente virtual pode ser mais fácil. Seja nos antigos fóruns, nas redes sociais, nos ambientes de jogos ou nas wikis, há autistas por toda parte e muitas vezes dedicados aos seus temas de interesse. Por isso, nossos podcasters relembram suas experiências digitais, a contribuição do hiperfoco nesses vínculos online e o impacto disso na vida fora da internet. Participam: Luca Nolasco, Michael Ulian, Thaís Mösken e Willian Chimura. Arte: Vin Lima.
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Transcrição do episódio
Luca: Sejam bem-vindos a mais um episódio do podcast Introvertendo, um podcast sobre autismo. Hoje sou eu, o Luca Nolasco que vou apresentar e o tema é sobre amizades virtuais.
Thaís: Olá pessoal, meu nome é Thais Mösken, eu sou administradora de sistemas, também sou autista, também participo aqui do Introvertendo, hoje eu moro em Florianópolis e eu sou da época dos fóruns de discussão na internet e eu não sei usar Instagram.
Willian: Olá, eu sou Willian Chimura, sou autista, sou youtuber, faço mestrado em informática na educação. Se não fosse a internet e as minhas amizades por meio dos ambientes online dos jogos, tenho certeza de que não teria habilidades sociais o suficiente para ser nenhuma dessas coisas que eu acabei de descrever.
Michael: E eu sou Michael Ulian, o Gaivota, e nessa época de pós-pandemia 90% das minhas amizades são no ciclo virtual.
Bloco geral de discussão
Luca: Às vezes o ouvinte já escutou outros episódios e essa pauta parece até adjacente a outros que já fizemos. Como o episódio 69 de amizades ou episódio 208 que é Amizade Entre Autistas. Mas e as amizades virtuais? Começando aqui pela Thais, eu já quero saber: quando você começou a ter relações pela internet mesmo?
Thaís: Bom, eu comecei a participar de alguns fóruns de discussão na época que eu estava no ensino médio. Antes eu não conhecia outras formas de me relacionar virtualmente com as pessoas. O primeiro fórum em que eu participei era sobre Cavaleiros do Zodíaco e eu comecei a conversar com muitas pessoas. O pessoal ali era um pouco mais velho e foi a época que eu aprendi a usar emojis e coisas assim. Pra mim era mais fácil naquela época, porque era tudo por escrito ou quase tudo, eram poucas imagens, então era mais fácil eu entender o que estava acontecendo. E pensando agora na data, isso foi lá pra 2005, algo assim.
Luca: E você Willian? Quando foi mais ou menos, em que ano e a sua experiência com isso?
Willian: É, no meu caso eu já disse isso em outros episódios também sobre o meu hiperfoco em interfaces digitais e isso me leva para jogos digitais, principalmente. É claro que de início os jogos que eu tinha acesso eram os consoles mesmo em casa, a época do Genesis, Megadrive, depois o Playstation e etc. E não demorou muito para eu descobrir que existia essa tal de lan house, que é o lugar onde o pessoal jogava Counter Strike, principalmente ali naquela época. Foi ali naquele contexto que eu descobri MMORPGs e eu achava muito curioso na verdade que no contexto da lan house em si, eu entendo que muita gente ia em grupos de amigos para ir para a lan house. Mas no meu caso, não, eu sempre ia sozinho, gostava de passar muito tempo lá e todas as amizades que eu tinha acabavam sendo feitas ali dentro do ambiente do jogo mesmo.
Então creio que a minha hipótese é por conta das interações sociais naquele meio digital, principalmente por texto, que simplificava muito, né? Essas interações, as complexidades. E até questões do estigma, trejeitos, na época eu tinha uma forma muito mais autística, vamos dizer assim de me expressar e também até a questão visual mesmo assim, questão estética. Eu tinha um pavor de cortar meu cabelo, por exemplo, eu não usava calças jeans. Então, parecia muito típico, estranho, assim. Outras pessoas da mesma idade que eu poderiam pensar que eu não seria uma pessoa muito legal de socializar, talvez alguém tivesse suas dúvidas, mas ali naquele ambiente online isso seria na minha adolescência principalmente os 15 anos, 16 anos de idade e aí que eu ganhei um computador com internet em casa, então ficou tudo mais acessível, né?
E aí os vínculos e a intensidade, a frequência com que eu fazia amizades só aumentou. Mas foi principalmente durante a adolescência que tudo começou e certamente foi ganhando aí bastante tração aí principalmente por conta do acesso à internet em casa e o computador.
Luca: E Michael, você já falou em alguns outros episódios sobre a dificuldade de ter relações pessoalmente, mas como você começou a construir relações pela internet?
Michael: Na minha época, fórum mesmo standalone já estava ficando mais “brega”, então os primeiros fóruns desse tipo que eu entrei já era quando você tinha o Orkut. O auge do Orkut, na verdade, eu creio que entre 2009 e 2010, por aí. Apesar que tem pelo menos um fórum que eu lembro bem que eu frequentava que era a comunidade Garry’s Mod do Brasil, que foi assim algo bem parecido com a Thaís. Eu entrava nesses fóruns, mais tropicais, mais de coisas que eram do meu interesse, o Orkut também foi pro saco, algumas das comunidades que eu participava tentaram até migrar pra fora pro standalone de novo essa geralmente não vingaram algumas foram pro Facebook. A maioria não vingou.
Atualmente daquela época eu imagino que apenas uma das comunidade que eu conheci lá naquela época no Orkut ainda está de pé no Facebook é Jurassic Park 4.4, geralmente eram meio que já com pessoas mais velhas estavam na internet há mais tempo que a gente que compartilhava desse mesmo interesse. Eu entrei ali naquele meio, comecei a interar e fui me virando ali. Foi mais ou menos nesse ritmo.
Luca: Já fazendo uma ponte sobre o que o Michael diz ter interesses que a internet é recíproca, isso já foi bastante abordado no episódio sobre hiperfoco como que às vezes o nosso hiperfoco não é tão recíproco assim pelas nossa volta, então elas não têm interesse em conversar ou escutar o que a gente quer falar. E na internet isso é diferente, a gente acha pessoas que querem falar sobre isso, pessoas que querem discutir sobre assuntos que a gente também quer. Como foi pra vocês isso de achar finalmente um lugar que as pessoas escutam o que vocês querem falar?
Thaís: Pra mim depende um pouco quando era simplesmente um assunto que eu tinha em comum com as pessoas. Então, por exemplo, astronomia, já falei sobre isso em outros episódios, né? Era mais fácil eu ler o que as pessoas falavam e ler artigos que as pessoas traziam, ver os comentários que as pessoas faziam sobre isso do que realmente entrar em uma conversa com as pessoas. Eu tinha muita dificuldade nisso, inclusive por estranho que possa parecer, eu nunca estive em uma comunidade de astronomia interagindo com as pessoas. Só lendo notícias mesmo. Mas se eu tenho que fazer alguma coisa, executar de fato… Então, por exemplo, quando eu trabalhei com tradução de Magic, quando eu participei de fan sub de anime, pra mim era mais fácil interagir, porque tinha uma tarefa da qual eu fazia parte e eu tinha que me comunicar com as pessoas pra que aquilo fosse entregue pra que eu entendesse o que eu precisava alterar e por aí vai.
Então, encontrar pessoas que tinham esse interesse era obviamente mais fácil na internet, mas pra mim também tinha o ponto de que eu precisava estar inserida em uma tarefa de verdade ali dentro e não só no assunto, o que torna um pouquinho mais restrito também eu consegui ter uma relação virtual com as pessoas, né? A partir disso eu acabei usando ferramentas bem diversas ao longo desse tempo, eu não sei se algum de vocês já usou, por exemplo, Mirc. Pra quem procurar aí no Google, vai ver que é uma ferramenta com uma cara bem antiga e ele é de 1995 e eu acho que nunca melhoraram o visual dele.
E apesar disso, apesar das ferramentas terem mudado, essas ferramentas de texto pra mim sempre ajudaram bastante na interação pra eu entender o que as pessoas estavam querendo dizer de fato. Não ter que depender de outras coisas que eu não era tão boa percebendo e também não depender de uma resposta assíncrona. Então outra coisa que me ajudava é ter esse tipo de amizade virtual via ferramentas como MSN, Mirc, WhatsApp e por aí vai, é que eu podia ler a mensagem, pensar sobre ela, às vezes até perguntar pra outras pessoas sobre aquilo antes de dar uma resposta, o que pra mim sempre facilitou bastante.
Willian: O meu caso foi realmente diferente da Thaís. Eu não conheci o Mirc, conhecia o ICQ na época, mas eu nunca realmente tive interesse de usá-lo. Até a época do MSN, Windows Live Messenger e tal, eu tinha, né, claro, uma conta e tal. Mas, certamente, quando eu estava na frente do computador, o MSN era apenas assim, caso eu realmente precisasse, senão eu realmente não utilizaria. As minhas interações sociais pela internet realmente se davam muito focadas em jogo. No caso joguei bastante Trickster Online, joguei Trickster, que é um jogo que foi pouco conhecido aqui no Brasil, mas ia ter uns gráficos parecidos com Ragnarok, um MMORPG que fez bastante sucesso aqui, Green Chase também.
Eu acho que o interessante de notar agora, olhando pra trás é que aquele ambiente pra mim era possível, me possibilitava ter tantas interações online porque estamos falando de objetivos em comum. As pessoas que estão ali imersas naquele ambiente, elas estão se submetendo às mesmas regras do mesmo jogo. Então, o meu interesse em, sei lá, fazer uma quest, matar os bichinhos, conseguir experiência, gold, etc, é o mesmo interesse ou interesses muitos pelo menos dos outros jogadores que estão ali.
Então, estamos unidos pelo mesmo propósito e que essas regras de interação e de companheirismo e de interação ali dentro daquele ambiente digital, elas são extremamente mais simples do que na vida real, numa festa e até num jogo de futebol presencialmente onde vários detalhes sutis, por mais que um jogo de futebol também tenha regras bem definidas, né? Mas são vários detalhes sutis de interações que podem acontecer durante o jogo e que é infinitamente mais complexo do que no MMORPG que você tem um personagem, um avatar ali para controlar e as interações são baseadas em textos ou em outras interações pré-determinadas pelas regras daquele jogo.
Então, eu creio olhando pra trás, né? Foi essa sistematização de interações que acontecem, que são simplificadas dos jogos online e que, principalmente, a possibilidade de conseguir falar sobre um assunto, sobre o jogo na intensidade que eu realmente queria, que me satisfazia, a minha peculiaridade de saber sobre os detalhes do jogo, ali naquele contexto era algo admirável, não era algo a ser considerado como estranho para aquelas pessoas que se interessavam pelo jogo.
Diferentemente de eu estar numa sala de aula, por exemplo, falando sobre jogo e até mesmo professor ou alguém poderia me punir de alguma maneira por não estar prestando atenção na aula ou tirando a atenção dos alunos, assumindo que os outros alunos queiram saber sobre os os jogos que eu quero falar sobre. Porque é claro os meus amigos gostavam de jogos, mas não necessariamente os que eu gostava. E se gostavam dos jogos que eu gostava, não necessariamente das peculiaridades dentro daquele jogo que eu gostava. Mas ali dentro do ambiente massivo, online, eu sempre encontrava alguém. E esse alguém, curiosamente, nem sempre era brasileiro, né?
No caso do Trickster Online, que foi um jogo que eu joguei muito tempo, eu fiz muitas amizades com filipinos principalmente, com canadenses, com americanos, enfim. E foi ali então que eu comecei a desenvolver o inglês também e isso acabou me ajudando hoje em dia depois em outros projetos, a me tornar programador e tal e até mesmo hoje estudando, lendo artigos científicos e etc. Esse contexto acabou me ajudando muito, mas eu vejo que foram principalmente esses pontos que me possibilitaram ter essas boas relações, vamos dizer assim, virtualmente.
Thaís: Bom, e do meu lado, assim como o Willian comentou em relação às questões de interesses em comum, uma coisa que eu percebi também e eu não sei se pra vocês ocorreu de forma similar é que uma vez que eu não tinha mais aquele interesse em comum com as outras pessoas com quem eu estava convivendo em comunidade, eu não conseguia manter esse relacionamento com elas. Não conseguia, não queria e por aí vai. Mesmo que eu quisesse em alguns momentos, não via muitos assuntos pra falar ali.
Então, se eu me juntava a um grupo de pessoas de um jogo, por exemplo, e depois eu deixava de jogar aquilo, mesmo que eu continuasse no grupo, eu tenho um grupo no qual eu estou até hoje e de vez em quando as pessoas postam alguma que estão indo viajar ou que estão bebendo alguma coisa, eu vejo essas mensagens e não tenho nenhum interesse em participar daquilo. Então parece que eu realmente encerrei este relacionamento por não estar mais naquela atividade.
Michael: Comigo essas primeiras relações na internet se deram de uma forma muito mais antagônicas. Tipo, do que eu lembro dessa época era muito muito muito debate muita muita muita briga é debate briga, debate briga, briga e debate (risos). Como meu interesse nesses tópicos era querer aprender mais sobre ele, eu tava tendo a oportunidade de falar com gente mais experiente na área, eu era criança chata lá que ficava importunando os outros (risos). E eu, modéstia à parte, era muito bom no meu trabalhinho de incomodar.
Também vou crescendo mais e deixo de ser a criança chata importunando e enchendo o saco pra ser mais uma das pessoas lá no meio. Até hoje eu ainda tenho um tico disso de tipo (risos)… eu tô ali mais interessado em informação mesmo, mas evoluí um pouquinho. Hoje em dia eu sou capaz de conversar pessoalmente com alguém e etc.
Luca: Pra continuar nessa sequência, a minha maneira foi por meio das redes sociais. Meu primeiro computador foi em 2009, mas eu só fui ter internet em 2011. Já era o predomínio do Facebook e o WhatsApp estava prestes a nascer também. Então, eu entrei em tanto grupo de crianças de 14 anos da minha idade, da época, sobre livros, sobre séries, sobre qualquer coisa, tive tanta briga, já tive tantas paixonites e amizades que duram até hoje algumas inclusive.
Uma coisa que talvez muitas pessoas saibam, mas talvez não, é que o Tiago Abreu do podcast eu conheci ele só pela internet, eu nunca tinha visto ele. Um dia eu conheci em um canto da internet, nem lembro onde, virou amizade que depois de alguns anos acabou com outras pessoas trazendo o Introvertendo. Eu acho isso super legal de pontuar.
Mas não são só flores, cada um de nós com certeza teve experiências até traumáticas na internet porque ela tem isso também. As pessoas se sentem mais confortáveis pra brigar, para expor coisas muito ruins. Como foi que vocês lidaram? Como foi que vocês sofreram com as pessoas na internet? Vocês já foram perseguidos, já tiveram discussões? Como foi?
Willian: É, ironicamente creio que as experiências mais desagradáveis com interações pela internet que eu tive foi depois justamente de criar o canal e ironicamente na comunidade do autismo mesmo (risos). Eu acho que também por conta desse clima de ativismo e tal, como a gente discutiu aqui no episódio 204 – Precisamos Falar Sobre Autistas Excludentes, onde ali eu, o Tiago, a Carol, a gente fala um pouco sobre as nossas experiências. E é claro, aquilo foi a ponta do iceberg, vamos dizer assim. Eu acho que o que eu revelei ali naquele momento foi mais o que tinha a ver com a comunidade em si, mas inevitavelmente aparece stalkers, enfim, mesmo sendo crime e tal.
Suponho eu que as pessoas elas têm essa proteção, essa falsa sensação de que estão protegidas pela internet e tal, etc e não necessariamente elas consideram também que possivelmente as ações delas e as coisas que elas estão dizendo ali podem ofender outras pessoas e pode acabar gerando várias situações desagradáveis, né?
Mas particularmente pensando agora no passado, eu não consigo me lembrar assim de ter experiências tão negativas e tão ruins na verdade quanto as poucas mas que foram infelizmente impactantes, mas poucas dessas interações mais desgastantes, mais tóxicas, vamos dizer assim, que eu acabei desenvolvendo, acabou surgindo sem eu querer depois ter criado o canal do YouTube.
Thaís: Eu tenho dificuldade de me introduzir em discussões de forma geral a não ser que elas surjam de outras formas. Então se é uma discussão do trabalho, se eu estou comentando com alguém alguma coisa que eu vi de forma mais específica, então eu acabo sendo uma pessoa bastante neutra nesse aspecto. Eu apareço muito pouco nas redes sociais desde a época que criaram o Orkut. O Orkut foi febre, eu não tive muito interesse em participar, o Facebook pra mim parecia muito bagunçado, um Instagram pra mim é um monte de imagem e me parece muito confuso. Então isso reduz a chance de eu me meter em confusões de forma geral. Mas nos jogos acontecia bastante de ter algum tipo de desentendimento.
E eu concordo muito com esse ponto que vocês falaram de as pessoas terem essa falsa sensação de estarem protegidas digamos assim pela internet e às vezes poderem fazer coisas que não fariam na vida ou que teriam mais receio. E essas coisas sempre me incomodaram bastante no sentido muito mais de às vezes eu me retirar de um ambiente virtual porque aquilo acontecia. E eu sei das muitas e muitas tretas que existem em outros ambientes de discussão virtuais, mas definitivamente não tenho interesse em trazer mais problemas pra mim mesmo.
Michael: No meu caso daria pra imaginar o quanto que eu sou proativo para entrar em briga e discussão, que eu tive bastante dor de cabeça com isso. Mas em contrapartida, principalmente nesses que eu estou mais acostumado, acaba que a minha tolerância pra se manter numa discussão quando ela começa a aquecer assim é tipo muito baixa. Quando eu vejo que vai entrar no ad hominem, que vai virar confusão, que vai virar estresse, eu já pulei fora dali faz tempo. E na época que eu era inocente demais pra entender isso, foi bom estar no contexto que eu estava porque eu aprendi muito rápido a debater corretamente, mesmo tipo.
Thaís: Mas eu acho que tudo isso tem a ver com ambientes sociais em geral, né? Acho que isso que o Michael falou também é muito verdade pra ambientes físicos, vamos dizer assim, em oposição aos virtuais, de saber como lidar com o grupo, saber quanto você pode abrir ou como você pode falar com o grupo, quanto que você talvez tenha que filtrar alguma informação ou dar uma informação de um jeito diferente. Esse tipo de coisa eu acho que ocorre tanto virtualmente quanto em ambientes físicos. E a minha sensação é que cada vez mais essas duas coisas se confundem.
Hoje em dia, por exemplo, o meu trabalho é home office. Então eu posso dizer que todos os meus colegas de trabalho atualmente são colegas virtuais, não apenas nos outros relacionamentos que nem a gente tava falando sobre jogos. Talvez seja a verdade para alguns de vocês e algumas pessoas que tão ouvindo também.
Então, no final, quando a gente fala de coisas virtuais hoje, acaba sendo muito mais pra perceber essa vastidão que o meio virtual oferece em termos de temas, de tipos de pessoas e de tretas se assim quiserem em relação ao meio físico que a gente tem um normalmente um acesso menor a pessoas.
Luca: Vocês podem me dizer se a experiência com amizades virtuais no geral que vocês descreveram agora, ela abriu mais possibilidades, abriu pontes pra que vocês criassem amizades permanentes e muitas vezes até fora da internet?
Michael: Primeiramente, muito obrigado, Thais, por explanar pros nossos ouvintes que eu não tenho vida social fora da internet.
Thaís: (Risos)
Michael: Mas brincadeiras à parte, teve coisas muito positivas pra mim ter essas interações sociais. Eu aprendi essa questão de debate, até porque muito disso aconteceu dentro da minha área, então eventualmente eu acabei indo trabalhar com paleontologia. Pra mim hoje não parece algo tão impressionante, mas pra mim na época não fazia ideia que eu ia entrar na faculdade muito menos que eu ia entrar já conseguindo interagir no meio, já começando a fazer pesquisa e grande parte disso foi porque tipo eu já tinha alguns anos nas costas de interação social nesse meio. Então tipo, eu já sabia um pouquinho de como as coisas funcionavam. Porque se eu contar puramente na minha habilidade social pra tentar me enfiar nesse meio, bem provável que eu não conseguiria.
Você tem muito esse blend hoje. Hoje não é tipo tanto quanto foi na época da Thaís e do Chimura de que a internet é uma coisa, o mundo real é outra. A gente tem hoje principalmente smartphones, celulares, a internet é muita essa extensão do mundo que a gente está aqui com o plus de poder ser um pouquinho a mais. Pra você poder falar com pessoas que não estão tão perto, que não são tão randômicas assim e também não tão no seu círculo social e etcétera, etc.
Willian: Eu vejo que teve extrema importância na verdade. Claro que também já falei isso em outros episódios que eu tive, tive a sorte de ter bons amigos durante o ensino fundamental, ensino médio, as atipicidades sempre estiveram presentes. Eu ia pro churrasco, ia pra um show junto com meus amigos e sempre tava falando de alguma coisa superespecífica, que não fazia muito sentido ali naquele contexto. Mas as habilidades que eu tive também em aprender na segunda língua, que foi o inglês.
Mas certamente não somente isso. Sobre até questões noções básicas de negociação, noções básicas de empatia, entender que algumas coisas podem incomodar outras pessoas mesmo no contexto do jogo, creio que justamente pelo fato de ser um contexto do jogo mais simples aquilo me deu oportunidades para conseguir entender. E assim, na minha perspectiva, na minha vivência, eu senti e senti e muito.
Alguém pode pensar assim: “poxa, mas interagir pela internet não é a mesma coisa”. É claro que a gente passou por um cenário de pandemia aí, né, que a gente sabe que pessoalmente é totalmente outra vibe, né, você tem um contágio emocional muito maior pessoalmente do que pela internet, pelo Zoom ou enfim. Mas no meu caso, na minha experiência, certamente eu senti por muitas pessoas, eu desenvolvi muitos vínculos, muitas amizades assim.
E eu tenho certeza de que eu não discrimino mais, tanto é que o Luca falou sobre a amizade dele com o Tiago, e minha amizade com o Tiago também se deu inicialmente pela internet. Na verdade, com todos os integrantes aqui do podcast. E eu tenho certeza que é plenamente possível e eu continuo fazendo isso até hoje, eu acho que eu vou continuar fazendo toda a minha vida que eu não discrimino amizades no contexto online do contexto presencial. É claro que habilidades e coisas que a gente fala no ambiente, piadas até ou enfim, qualquer outra coisa, o senso de humor, a intensidade é e ênfase para algum detalhe no contexto da internet, no contexto do jogo, no contexto do grupo de WhatsApp que seja, é totalmente diferente. O humor, a forma de se expressar que são, que fazem sentido que funcionam mais em um contexto do que em outro.
E justamente eu comecei a entender essa diferença principalmente porque eu que tive primeiramente pelo menos alguma oportunidade no ambiente online para depois transpor isso para o ambiente offline. E eu lembro muito bem quem me deu o meu primeiro computador foi meu irmão mais velho e eu era muito fascinado por computadores e tal, como eu sempre digo. E eu sempre ficava enchendo o saco do meu irmão na época que eu queria um computador. Não somente do meu irmão, né? Mas pra qualquer pessoa que pudesse me dar, pra minha mãe, pro meu pai, enfim. E o meu irmão tinha essa preocupação, né? De que possivelmente eu teria apenas uso um uso fútil mesmo do computador, só pra ficar jogando, tal e etc.
Mas na verdade o fato de ter tido o computador, não somente o videogame, né? O videogame é claro, me ensinou várias questões também, mas creio que o videogame serviu para habilidades mais cognitivas e até mesmo de paciência, tolerância, frustração, enfim. Mas a socialização certamente só foi possível por conta do computador, porque era o computador que possibilitava a interação pela internet naquela época. E assim, foi um um dos melhores investimentos que eu poderia ter tido na minha vida.
É claro que eu não posso generalizar e dizer: “ah, então a receita para os autistas se socializarem é só deixar eles na internet”. Pelo contrário, existem muitos ambientes tóxicos e não acolhedores para autistas. Mas no meu caso certamente foi um divisor de águas e eu devo muito das habilidades sociais que eu tenho hoje para esse contexto da internet, certamente.
Thaís: Eu concordo bastante com os pontos que o Willian trouxe, tanto com o fato de os ambientes virtuais poderem contribuir muito quanto por haver de fato muitos ambientes tóxicos. Então existe aí um um certo cuidado inclusive um aprendizado em lidar com frustração nesse sentido. Mas eu acho que ter a possibilidade dos ambientes virtuais e das interações virtuais acaba facilitando em alguns aspectos, da mesma forma que você ter por exemplo um conteúdo em diferentes formatos para pessoas que aprendem de formas diferentes poderem consumir. Então você poder se comunicar, seja pessoalmente, seja virtualmente, pra algumas pessoas um vai ser mais fácil pra outras vai ser o outro formato um pouco melhor.
E isso amplia as possibilidades de as pessoas se desenvolverem. Acho que vale sempre experimentar um pouco das duas coisas. Eu acho que vale também ressaltar que pessoas que a gente conhece virtualmente ainda são pessoas reais, em algum lugar, ou pelo menos é o que a gente acha. E por isso mesmo eu não vejo diferença nos relacionamentos em si, entre os físicos e os virtuais, embora eu concorde que a forma de comunicação muda.
Então, eu posso dizer que ao longo, principalmente dos últimos anos, várias formas de interação que eu tive virtualmente, não só os jogos do estilo MMO, que nem o Willian falou, mas também no estilo RPG, como eu já comentei em outros episódios, que foram situações que me ensinaram muito a lidar com pessoas de forma geral, a resolver conflitos, às vezes a passar um feedback pras pessoas, considerando que feedback pode ser algo positivo ou negativo. Então ver algo que alguém fez e que foi bom e explicar isso pra essa pessoa pra inclusive tentar fazer com que essa pessoa perceba que aquilo foi legal e continue fazendo quanto o oposto. Perceber que alguma coisa não foi legal, seja pra mim, seja pra outras pessoas. E tentar passar aquela informação de alguma forma, tentar melhorar aquela situação, melhorar o futuro de alguma forma. Eu acho que esse tipo de situação realmente faz com que a gente desenvolva algumas habilidades que nos ajudam de forma geral na nossa convivência.
Luca: E agora nós vamos escutar um áudio mandado pra nós por meio do WhatsApp do podcast.
Júlio: Oi Tiago, boa noite. Sou eu o Júlio aqui de Belo Horizonte. Eu sempre acompanho o seu podcast. Acho muito interessante. Tenho aprendido muito com você, com os integrantes e porque não os seus convidados. O episódio hoje eu achei interessante aquela parte que você fala que muitos autistas se formam, vão atrás de uma graduação e pelo fato do mercado não ser tão inclusivo acabam concorrendo a concursos ou processos seletivos da iniciativa privada de vagas que não precisam tanto de um diploma de nível superior. Porque precisam daquela vaga e é o que o mercado oferece. Outros já têm que concorrer com os neurotípicos para fazer valer o seu diploma. E isso está correto.
Eu vejo isso como algo que acontece normalmente. Apesar que entre aspas, né? Os neurotípicos também passam por isso. Muitos deles têm um diploma, uma formação. Mas acabam assim, de uma certa forma, pegando o que aparece por causa da situação do nosso país, né? Ninguém pode ficar sem trabalhar. Só que no caso dos autistas isso talvez traga um impacto maior. O país precisa mudar isso. Precisamos ter um país inclusivo em todos os setores, no mercado de trabalho principalmente. Isso é mais do que social, isso é algo de prioridade que precisa ser colocado em pauta como prioridade. No mais, parabenizar o seu programa, aprendo muito e mais uma vez incentivar vocês a continuar produzindo sim os áudios, os episódios porque isso enriquece muito a vida da gente. Mais uma vez parabéns e obrigado.
Luca: Bom, é isso. Muitíssimo obrigado por ter escutado e até a próxima semana.