Apesar de existir o estereótipo de que autistas tendem a ser melhores em exatas, há autistas em todas as áreas. Neste episódio que estreia uma nova série sobre mercado de trabalho com o apoio e co-produção da aTip, Tiago Abreu recebe Caio Bogos, que aborda as múltiplas áreas e habilidades autistas no ambiente empresarial e os entraves que ainda existem no acesso e na permanência de pessoas neurodivergentes nas corporações. Arte: Vin Lima.
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Transcrição do episódio
Tiago: Um olá pra você que ouve o podcast Introvertendo, que é o principal programa sobre autismo do Brasil. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, um dos integrantes aqui do Introvertendo e desta vez nós estamos iniciando uma nova série aqui no Introvertendo sobre autismo e mercado de trabalho, que é um tema que a gente já tocou em alguns momentos ou outros mas agora de uma forma diferente.
Caio: Obrigado aí Tiago e pessoal do Introvertendo pela abertura pra gente começar essa série em conjunto. Meu nome é Caio Bogos, tenho 27 anos, sou uma pessoa autista, sou um dos fundadores da aTip, que é uma startup que busca conectar empresas incríveis com a nossa comunidade e é um prazer tá nesse episódio falando, enfim, de formação, de mercado de trabalho, só bora.
Tiago: E para dar início a essa série, nós vamos abordar então as formações e o que os autistas têm a ver com isso. O Introvertendo é o podcast feito por autistas e a série sobre autismo e mercado de trabalho é uma parceria entre o Introvertendo e a aTip.
Bloco geral de discussão
Tiago: No final desse mês de agosto, acabou rolando uma polêmica com o filósofo Luiz Felipe Pondé que escreveu pra Folha de São Paulo um texto baseado no sucesso da série Uma Advogada Extraordinária, que inclusive a gente ainda vai falar futuramente aqui no Introvertendo.
E muitos autistas, não só autistas, mas profissionais e pessoas de várias áreas, ficaram irritados com o texto principalmente pelos estereótipos do autista gênio no mercado de trabalho. Porque o próprio Pondé ali fala um pouco sobre habilidades do mercado de trabalho muito procuradas, mas ao mesmo tempo muitos autistas desempregados. E este episódio é uma forma da gente tentar fazer uma abordagem diferente sobre as habilidades e as dificuldades autistas nesse contexto saindo desses estereótipos.
Pensando na perspectiva de quem é autista e precisa ingressar no mercado de trabalho, quais são as primeiras questões que essa pessoa autista deve levar em consideração?
Caio: Acho que é um ponto interessante trazer essa discussão desse artigo que foi e está sendo na verdade uma polêmica dentro da nossa comunidade porque de fato na minha visão é um artigo bastante complicado que reforça bastante esse estereótipo de que pessoas autistas de alguma forma são pessoas geniais, que tem aptidões incríveis. Só que quando a gente olha na nossa realidade, a gente tem mais de 85% por cento das pessoas autistas fora do mercado de trabalho. Então, a gente precisa se questionar de fato o porquê que a gente tem essa barreira, essas barreiras gigantescas em relação ao mercado e como que de fato a gente consegue tentar minimizar essa esse problemas, né?
Então, eu acho que o primeiro ponto é entender. Dentro da nossa comunidade a gente já tem essa clareza, mas as pessoas neurotípicas acho que não tem. Que não é um problema necessariamente nosso, essas questões de adentrar o mercado de trabalho. É mais uma questão, pelo menos a minha visão e depois eu queria ouvir aí o que que você acha, mas na minha visão é como a sociedade nos enxerga e nos interpreta.
Então, geralmente ou a sociedade, pelo menos a minha visão e nas conversas que eu tenho com empresas e outras organizações. Ou esperam que as pessoas autistas sejam geniais, que vão criar coisas disruptivas, incríveis, que vão pro Vale do Silício ou criar startups e mudar o mundo ou as pessoas esperam que as pessoas tenham um grau de suporte alto, que elas vão ter “muito trabalho” lidando com a gente. Então acho que isso geralmente.
Trazendo de volta essa questão do artigo, esses estereótipos são extremamente negativos dentro da nossa comunidade, né? Porque isso só reforça essa questão de que ou as empresas vão esperar muito de pessoas da nossa comunidade ou elas vão subjugar as nossas capacidades. Então é isso. A gente precisa ter na minha visão… O primeiro passo é ter essa consciência, acho que a nossa comunidade tem essa consciência de forma mais abrangente que a gente vivencia isso. Mas no geral a sociedade precisa entender que ela precisa estar aberta e acolher pessoas que pensam de forma diferente, pessoas que tem outras maneiras de funcionamento.
Acho que esse é o primeiro passo, a gente tentar de alguma forma sensibilizar essa sociedade, sensibilizar o mercado de trabalho pra conseguir um grau de informação de forma mais abrangente. Pelo menos eu acredito que isso seja aí o primeiro passo para as pessoas autistas de fato terem um protagonismo dentro do mercado de trabalho. Mas queria saber um pouco de você, o que você acha? Faz sentido isso que eu falei?
Tiago: Com certeza. Eu acho que existe um desconhecimento do conceito de autismo mesmo, é uma coisa bem inicial. É claro, hoje em dia a gente fala cada vez mais sobre autismo, mas a imagem pública que as pessoas têm sobre o autismo geralmente é algo muito estereotipado. E isso é claro, tem uma influência das produções culturais, têm uma influência muitas vezes até da própria experiência da pessoa.
Então por exemplo, se teve uma criança autista na família ou o sobrinho ou um conhecido, então acaba que a percepção das pessoas pro espectro do autismo como um todo, para todos os autistas, é baseada naquela única experiência. E aí a gente acaba caindo nessas simplificações tanto da ideia do autista gênio que acaba sendo muito útil nessas produções culturais quanto do autista muito dependente. O problema é que, como você mesmo disse, a gente lida com a vida real todos os dias e isso acaba tendo um impacto no nosso cotidiano.
Acho que a gente pode até relacionar a dificuldade que alguns autistas, por exemplo, com formação superior, tendem a ter no acesso a certas vagas de trabalho. Isso, quando a gente fala, por exemplo, sobre concurso ou até mesmo sobre vagas PCD. Muitas vezes essas vagas que são abertas e direcionadas para pessoas com deficiência são em atividades que não demandam um conhecimento técnico tão aprofundado. São atividades que muitas vezes não exigem nem ensino superior. Então essas pessoas acabam tendo que fazer atividades que não estão dentro da sua formação ou então tentar mesmo realmente brigar de igual pra igual com pessoas sem deficiência. Isso acaba sendo uma coisa bastante complicada, né?
Caio: Exatamente. A gente, dentro da nossa vivência aqui, tem que a questão da formação é algo bastante complexo dentro da nossa comunidade. Porque pelo menos a nossa base é cerca de 45% das pessoas tem ensino superior, é um percentual grande quando a gente pensa principalmente em diversidade, inclusão e recortes minoritários. Essa é uma questão muito estressante que eu trouxe de que pessoas autistas têm geralmente algumas barreiras em relação à formação, né? Então ou seja, são pessoas que geralmente tem uma formação elevada, às vezes um currículo mais elevado. Mas encontra aí dado até mesmo o capacitismo das empresas e da sociedade em geral, acaba tendo que ir pra vagas que não deveriam ser destinadas para elas, pelo menos não naquele momento. Então de fato isso é uma questão bastante complicada.
Mas eu acho que a gente acabou se complementando nesse sentido que tudo começa por entender e acolher características de pessoas diferentes. Eu acho que essa no final é a beleza da gente viver e ter seres humanos que pensam de maneira diferente, sendo neurotípicos ou neuroatípicos, mas no caso dos agente que é neuroatípico ou neurodivergente, a gente tem um funcionamento diferente do que é esperado. Eu costumo falar que não é melhor, nem pior, é diferente. Então isso é uma questão muito importante é entender.
Não é porque eu, por exemplo, sou autista que eu preciso necessariamente ser genial. Isso até traz um mal de um grau de ansiedade muito alto, que se espera-se muito para quem tem esse estereótipo do autista gênio e isso leva um grau de ansiedade para aquela pessoa autista. Então acho que a gente precisa pra a gente tentar se questionar e problematizar essa questão e de fato colocar em prática algumas ações é a gente entender que a sociedade não está preparada pra gente. Isso é um fato. Se tivesse, a gente não teria um percentual aí de 85% das pessoas fora do mercado de trabalho. Então beleza, entendemos isso? Como que a gente consegue, com base nesse entendimento, começar a quebrar esses estereótipos que infelizmente só prejudicam? Então como é que a gente se mostra mesmo não como uma persona ou como algo como a mídia coloca, enfim, como pessoas mesmo, pessoas com características diferentes, com vivências diferentes e de fato levar em conta que o autismo é um espectro, né?
Então, você não consegue encontrar uma pessoa autista igual a outra, né? Por exemplo, eu com certeza tenho as minhas características e você tem as suas e você é completamente diferente de mim. Então, eu acho que o primeiro passo é entender que há uma dificuldade de acolhimento e empatia dentro da sociedade com pessoas neuroatípicas, neurodivergentes. Uma vez entendido isso, como é que a gente se mobiliza, se organiza seja nas nossas próprias comunidades ou com outras pessoas, criando conexões para tentar quebrar um pouco esse preconceito, levar informação e claro mesmo se capacitar também, pra adentrar esse mercado de trabalho.
Tiago: Você tocou em dois pontos muito importantes que é sobre essa questão da cobrança, da exigência que as próprias pessoas que muitas vezes estão dentro dessa lógica de serem consideradas excepcionais, gênios. E isso me fez lembrar o episódio 94 – Autocrítica, que a gente já comentou sobre isso e também relacionando aqui a gente tem aqui no próprio Introvertendo representados assim, pessoas de todas as áreas, de humanas, saúde e exatas, assim como a gente tem na comunidade do autismo tem gente em todas as profissões.
E aí eu queria saber de você, eu sei que você está dentro de um recorte principalmente da tecnologia, mas lida com autistas de muitas áreas com frequência, quais são as habilidades de autistas que as empresas procuram num processo de contratação?
Caio: Geralmente o que eu tenho de vivência, que de fato é o mercado de tecnologia e estudar fazendo, abrindo parênteses é um outro estereótipo também que todo autista tem uma aptidão nata para trabalhar como desenvolvedoras, programador, tester, entre outras profissões que a gente sabe que está bastante em alta ultimamente, até porque hoje em dia na sociedade nada se faz sem tecnologia. Mas isso também é um outro estereótipo, né? Que claro, a como organização a gente foca muito nesse mercado porque até por causa da minha informação mesmo, sou formado em Sistemas de Informação. Mas a gente sempre reforça que o autista pode ser o que ele bem entender, né? Ele pode ser de humanas, pode ser de exatas, pode ser da área saúde, enfim. Então isso é uma questão que até fechando esse parênteses, eu achei interessante você ter comentado.
Mas bom, em relação às habilidades, nas conversas que eu tenho com as empresas, muito se fala da questão do nosso hiperfoco. Então, sempre é trazido essa questão, principalmente por quem já teve algum contato com a comunidade ou com uma neurodiversidade de alguma forma ou tem um conhecimento mínimo sobre o tema. A questão de atenção aos detalhes que algumas pessoas têm em graus diferentes, né? A gente sabe que como a gente disse há pouco, nenhuma pessoa autista é igual a outra, então por exemplo, hiperfocos são diferentes, as nossas vivências são diferentes, os nossos interesses são diferentes e consequentemente a nossa atenção aos detalhes, por exemplo, é diferente, né?
Então eu, por exemplo, geralmente tenho atenção e em outras eu passa totalmente despercebido. Então por exemplo eu gostava pelo menos na época da faculdade, pelo menos até o segundo ano antes de ficar mais complicado, vamos colocar assim, da parte de programação. Então eu gostava e enxergava alguns padrões, eu tinha uma certa aptidão para executar e colocar a lógica em execução. Mas tem pessoas autistas que não tem essa atenção a detalhes nesse sentido, mas vai até pra outras coisas. Então pra enxergar padrões em imagens, etc. Então eh tem essa questão né?
Retomando, tem a questão do hiperfoco, tem a questão de atenção aos detalhes e de fato trazer outras ideias, então isso é muito destacado, né? E a gente da própria aTip destaca isso nos nossos materiais, o potencial de pessoas que tem vivências diferentes, que tem contextos diferentes e que pensam de maneira diferente. Novamente, não melhor, nem pior, apenas o diferente, trazer isso pros times, tá?
Então a gente geralmente fala no mercado de trabalho que a diversidade e inclusão tem um potencial inovador. Então claro que tem o seu o seu lado de impacto social que na minha visão, eu sempre repito isso em todos os lugares que eu vou que toda empresa na minha opinião tem uma função social, tem que gerar impacto social para trazer de volta o que a sociedade investe nela de alguma forma. Mas do lado prático e pragmático, como toda empresa gosta, a gente sabe que diversidade e inclusão traz um poder de inovação e de receita.
Então, geralmente quando eu converso com as empresas, esses três pontos são muito destacados. Atenção a detalhes e a parte de trazer vivências diferentes e uma forma diferente de pensar para isso trazer a inovação, seja em qualquer área, não só no mercado de tecnologia, mas também em outras áreas possíveis aí.
Tiago: Essa parte da vivência é muito interessante porque a gente observa isso na comunidade do autismo, a própria forma de pensar e sistematizar o pensamento que muitos autistas têm e eu particularmente vejo isso assim com alguns pares e isso chama realmente a atenção das pessoas. E aí mistura com várias outras características do autismo como por exemplo a fala formal e o interesse restrito também que você falou, o hiperfoco.
E aí pegando principalmente esse gancho do hiperfoco, o último episódio que saiu no podcast no dia 16 de setembro foi o Hiperfocos Estranhos e Bizarros 2, o episódio 223. E lá a gente falou muito sobre a habilidade de autistas em sistematizar as coisas que tem interesse, né? Por exemplo, a Thaís falou sobre a vontade dela de ficar falando sobre objetos astronômicos e guardar isso na cabeça de uma certa forma, eu da minha forma enciclopédica de organizar música, a gente tocou muito nesse assunto.
E como você Caio também já falou um pouco no hiperfoco, como é que autistas podem usar essa essa forma de sistematização, de catalogação das coisas ao seu favor no ambiente do trabalho?
Caio: Essa questão é muito interessante, porque eu tenho essa sistematização também. Eu sou difícil só pra documentar isso, confesso assim, eu tenho uma dificuldade de gerar documentação da da minha forma de raciocinar, mas tudo isso eu tenho, eu tenho um passo a passo, que é até difícil quando geralmente eu interajo com com o meu time, com o time da aTip, eu até falo: “Olha, pessoal, tem muita coisa na minha cabeça, mas se você me fala, olha, eu quero que cê fale disso, por exemplo, sei lá, é uma solução nova ou algo que que a gente vai, vai, vai lançar. Eu consigo fazer o passo a passo e catalogar, onde cada coisa entra, onde deve entrar, cada artefato, onde que eu quero que determinada coisa aconteça”.
Enfim, então eu tenho também essa essa questão bastante forte e eu só tenho um problema sério com a documentação disso que de fato as vezes falta falta tempo e às vezes me gera um certo grau de ansiedade, mas essa questão é muito interessante. E aí trazendo pro ambiente das empresas, eu acho que essa questão de gerar fluxo, de sistematizar, essa forma diferente de pensar que geralmente a gente tem dentro da nossa comunidade é super valiosa pras empresas, né? Seja pessoas autistas por exemplo trabalhando em processos, então numa área de processos é isso seria super interessante.
Por exemplo, a gente tem uma vivência dentro da própria aTip, que recentemente contratou uma pessoa neuroatípica pra trabalhar como pessoa de processo e projeto. E tem sido incrível assim, porque geralmente essa pessoa pega o que eu tenho na minha cabeça, que às vezes tá sistematizado, mas não de forma documental e ele consegue traduzir isso. E não só ele, mas as outras pessoas que a gente tem no time, que a gente também contratou uma outra pessoa de customer experience. Então são as duas pessoas que estão me ajudando justamente nesse processo de enxergar coisas que eu não consigo ver no processo tradicional.
Então quando eu tô com alguma dúvida, eu sempre procuro essas pessoas pra me ajudar a geralmente ter esse olhar de quem tá de fora. E pessoas autistas têm também essa questão de catalogação que eu acho que isso é muito importante.
Tiago: A gente tá tocando em alguns aspectos bons, positivos, e que geralmente chamam atenção também das empresas. Mas a gente sabe que existem vários percalços, infelizmente. A gente sabe que o mercado de trabalho não está no mesmo nível em relação não só a abraçar o autismo como a gente falou no início do episódio mas também em relação ao seu próprio processo dentro da tecnologia e da sociedade que a gente está hoje. Seguindo esse raciocínio, quais seriam essas barreiras principalmente no mercado de trabalho em relação mesmo a autistas que cumprem alguns pré-requisitos de currículo?
Caio: Tem uma barreira de conhecimento geral da sociedade sobre a gente. Eu acho que isso a gente não vai conseguir resolver agora, tem um tempo ainda para resolução, né? Isso vai ser bastante árduo, mas quando a pessoa tá no mercado de trabalho principalmente que eu consigo visualizar de barreiras que que são aí mais chamativas, tem a questão de relacionamento e interação. Porque pessoas neurotípicas esperam, dentro principalmente de ambientes corporativos, comportamentos que geralmente pessoas autistas ou não tem no grau esperado ou nem querem ter, né?
Por exemplo, eu costumo trazer, hoje em dia eu entendo muito isso como uma questão de eu ser uma pessoa autista, mas antigamente eu não entendia isso porque eu não estava ainda diagnosticado. Mas a questão, por exemplo, de happy hour. Eu entendo o motivo de ter happy hour, aquela questão de você interagir com as pessoas após o trabalho, a gente estreitar laços e etc. Mas assim sempre quando alguém me convidava pra algum momento nesse sentido eu ia por uma questão social, porque eu entendia o porquê disso, mas ao mesmo tempo era uma violência comigo mesmo. Porque eu não estava afim de ir.
Eu estava super cansado. Hoje em dia eu sei que eu estava em exaustão, até pelo pelo dia a dia. Eu não queria ir e aquilo ali era meio como se fosse uma tortura mesmo pelas minhas barreiras de comunicação e sociabilidade. E quando você geralmente fala: “ah, não tô afim, não quero”, pessoas neurotípicas interpretam isso de maneira muito negativa e não como uma questão de escolha. Você quer, você pode ir num por exemplo ou não, né? Isso deveria na minha visão ser aceito de maneira tranquila, é uma questão de escolha. Mas as pessoas neurotípicas geralmente interpretam como algo sensível.
E tem também o outro lado de que ela de alguma forma quer te incluir. E a forma de pessoas neurotípicas, acho que é pensar nesse sentido é: “porque eu vou chamar pra happy hour, eu vou colocar ele na roda, eu vou fazer tudo possível pra ele se integrar”, mas nem sempre a gente mesmo quer isso. A gente quer, na minha visão, ser respeitado, ser acolhido dentro do nosso ambiente de trabalho, que respeitem as nossas características. Se eu quero ou não ir pra um happy hour, se eu quero ou não abrir a câmera durante uma reunião, se eu quero ou não me comunicar de uma maneira alternativa, por exemplo, por texto ou por áudio só. Enfim, eu acho que as principais barreiras dentro do mercado de trabalho passa pela comunicação com outras pessoas e pela parte do nosso comportamental também, né? Porque às vezes gera um grau de sobrecarga muito alto, né? Não sei se você concorda comigo.
Tiago: Ah, concordo totalmente. E eu acho que nesse contexto pós-pandemia isso ficou forte principalmente pra quem entrou num regime totalmente remoto ou híbrido e que alguns desses pequenos detalhes se tornaram muito centrais, né? A comunicação por vídeo e isso acaba sendo uma coisa bem complicada, porque além de parecer uma grosseria ou um desrespeito, é como se você não estivesse integrado na cultura da empresa e no seu próprio desenvolvimento. A gente vai falar isso em futuros episódios e acaba sendo uma coisa bem difícil.
Caio: Exato. É como se você não fizesse parte da empresa, né. Por você não de alguma forma não querer abrir a câmera naquele momento ou nunca querer abrir a câmera. E é uma opção de cada pessoa, né? Poxa, abrir a câmera não vai piorar ou melhorar seu trabalho, na minha visão. Mas é mais uma barreira de comportamento, de como as pessoas esperam que outras se comportem em situações sociais. E isso, geralmente, a gente quebra bastante, esse comportamento esperado a gente não tem. E é isso que eu acho que é uma barreira. Por isso que a gente tem um percentual alto de pessoas autistas fora do mercado de trabalho.
E aí até puxando um um gancho, a gente tem também claro barreiras na parte de formação. E essas barreiras na parte de formação, elas vão muito na minha visão ao encontro com essas barreiras do mercado de trabalho. Porque atualmente por exemplo, o que é muito comum no mercado de tecnologia principalmente, né? Bootcamp gratuito sendo organizados para pessoas com deficiência que no final as vezes não são pensados para pessoas com deficiência e principalmente pessoas com deficiência no caso o autismo que é considerado legalmente com a deficiência.
Então são muitos que você tem que abrir a câmera quando você está apresentando ou você tem que obrigatoriamente apresentar ao vivo, você não pode achar uma outra forma de apresentar um um projeto, um trabalho, por exemplo, gravar, isso gera um grau, pelo menos pra mim, de ansiedade gigantesco, né? Eu geralmente lido bem com a questão do ao vivo, mas eu prefiro de fato fazer tudo do que o que eu tenho noção do que vai acontecer, né? Porque esse grau de incerteza ele me deixa bastante ansioso.
Então, isso reverbera numa questão de falta de autonomia. A pessoa vai depender mais da sua rede de apoio, ela vai ter algumas questões em relação a processos, em relação à saúde mental, por exemplo, porque a gente sabe que na sociedade atual que a gente vive se você trabalhar, você tem uma função, isso mexe com a nossa saúde mental. Então, a gente no final tem que ser muito perseverante para de fato concluir essa formação e tentar aí ter adicional de adentrar ao mercado de trabalho.
Tiago: E Caio, pra fechar, então, essa discussão, quais seriam cursos e atividades ou ações que você acha que pessoas autistas que ouvem o Introvertendo e acompanham também o material da aTip podem procurar para valorizar o currículo e ter algumas dessas habilidades?
Caio: Tem dois termos que a gente usa bastante no mercado corporativo que são soft skills e hard skills. Traduzindo hard skills é toda parte técnica. Então toda parte que depende do ensino técnico mesmo, do assistente, determinada função. Soft skills é basicamente a parte comportamental da coisa, parte de relacionamento, relacionamento intrapessoal, interpessoal. Então, tudo isso entraria em soft skills.
Na minha visão, pra gente conseguir de alguma forma ter essas valorizações assim em relação aos currículo e consequentemente tentar adentrar o mercado de trabalho e permanecer nesse mercado de trabalho, acho que o primeiro ponto é encontrar uma boa rede de apoio, né? Então, acho que é muito importante ter uma uma boa rede de apoio nesse sentido. Então, pessoas próximas, amigos, familiares, entre outras pessoas nesse sentido que a nossa rede de apoio. Então acho que esse é o primeiro ponto. Comunidade de amigos, por exemplo, dentro da internet a gente tem uma comunidade para pessoas com autismo, então tive que buscar esses espaços.
Segundo ponto, quando a gente fala de hardskills por exemplo, ou seja, eh questões mais técnicas, algumas plataformas oferecem gratuitamente cursos, geralmente são cursos rápidos de curta duração, então só citando alguns exemplos que são empresas que estão diretamente conectadas com a gente. A gente tem a própria FIAP oferecendo cursos que é um é um centro universitário bastante grande no sentido eles oferecem cursos gratuitos para formação, todos os cursos tem certificação e a gente depois tem outras outras empresas aí que oferecem esses mesmos cursos.
Quando a gente vai pra soft skills, a gente tem algumas plataformas também que tem alguns cursos de comportamental, relacionamento, etc. Eu só indico tomar um pouco de cuidado assim. Quando a gente olha pra esses cursos, geralmente, quando a gente faz comportamento, relações e etc, é muito pensado em pessoas neurotípicas. Então, eu só teria esse discernimento em relação ao que levar em conta e o que não levar em conta. Mas a gente tem algumas plataformas nesse sentido, por exemplo, a Betta tem toda uma plataforma no sentido de aprendizado, então acho que ele interessa isso também as pessoas acessarem esses recursos para de fato agregar ao nosso currículo e tentar ao máximo se destacar e adentrar de fato ao mercado de trabalho, seja esse mercado qualquer, seja na área de tecnologia ou em áreas afins.
Tiago: Então, Caio, muito obrigado por estar aqui com a gente no Introvertendo. Eu acho que foi uma discussão bastante produtiva, apesar de ser só 30 minutos, a gente conseguiu entrar em vários temas. É claro, isso faz parte de uma série que a gente vai destrinchar várias outras questões ao mercado de trabalho, mas fique à vontade aí pra poder falar algo pro nosso público e voltar aqui também no próximo episódio.
Caio: Que legal, obrigado aí pela pela abertura, Tiago, obrigado pelo bate-papo. Acho que foi super bacana, né? Como você comentou, a gente conseguiu abrir diversas discussões, seja em relação a preconceito da sociedade seja em adaptações no próprio mercado de trabalho, pensando em formações, então acho que foi super bacana e aí eu faço um convite pra quem tá nos ouvindo de entrar na nossa comunidade que atualmente a gente tá num formato beta ainda e que tá funcionando atualmente no Telegram. E pra entrar na comunidade é só preencher um cadastro que está disponível ali no nosso site. Aguardo vocês lá e tô super disponível aí pra qualquer dúvida, enfim, podem me acionar nas redes sociais, LinkedIn, Instagram.
Tiago: Então, pessoal, é só acessar o link que está na descrição, a gente aguarda vocês aí no próximo episódio da série que vai sair em outubro e nesse mês de outubro tem episódio do Introvertendo toda sexta-feira, certo? Então, até semana que vem.