Introvertendo 219 – Autistas da Região Nordeste

Uma das regiões mais populosas do Brasil, o Nordeste é cercado de muitas questões culturais, sociais, econômicas e, claro, relacionadas ao autismo. Neste episódio, Luca Nolasco e Tiago Abreu recebem a potiguar Ana Beatriz, o sergipano Kelvin Luís e o piauiense Jefferson Carvalho sobre biomas, identidade nordestina, alimentação, estereótipos e acesso ao diagnóstico de autismo na região nordeste. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Luca: Sejam bem-vindos ao podcast Introvertendo, um podcast sobre autismo. Dessa vez novamente sou eu, Luca Nolasco, que vou apresentar e o tema hoje é autistas da região Nordeste.

Tiago: Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, um dos integrantes aqui do Introvertendo. Eu estou de infiltrado nesse episódio porque eu não nasci na região Nordeste, mas os meus pais, meus avós, meus bisavós, tataravós e etc, tem origem na região Nordeste, mais especificamente em estados como Bahia e Pernambuco.

Luca: E também temos três grandes convidados.

Kelvin: Oi gente, meu nome é Kelvin, atualmente eu estou estudando Letras-Libras, sou professor de português e trabalho como monitor educacional e moro em Itabaiana, Sergipe. É uma cidade que as pessoas tem o costume de sair com os amigos no final de semana pra comer coxinha. E como é que essas pessoas vão? Elas vão bem arrumadas com calça jeans e camiseta.

Ana: Oi pessoal, eu me chamo Ana Beatriz, mas muita gente me chama de Anatriz, eu sou de Natal lá no Rio Grande do Norte, atualmente eu moro aqui em São Paulo, eu sou designer e ilustradora lá na Nubank, o banco, e acho que é isso gente.

Jefferson: Meu nome é Jefferson, sou de Parnaíba no Piauí e nesse exato momento eu tô coincidentemente eu tô em Natal, no Rio Grande do Norte, eu trabalho para uma empresa daqui, a Evolut, sou desenvolvedor web e é isso.

Luca: O Introvertendo é um podcast produzido pela Superplayer & Co e feito por autistas.

Bloco geral de discussão

Tiago: Quando a gente fala sobre regiões do Brasil, até no último episódio da semana passada sobre região Norte, o pessoal fala muito da região nordeste e da região sul como aquelas que tem uma cultura muito forte, como se fossem quase unidades. E no autismo, a gente também tem aquela questão de ser autista como identidade. Aí eu queria saber de vocês o seguinte: vocês se sentem contemplados pela imagem que a gente tem culturalmente do nordestino? Vocês se veem dessa forma ou vocês acham que é uma coisa mais heterogênea?

Ana: A gente tem toda uma problemática em relação a esse estereótipo que nos é dado como nordestinos e tudo mais. Não é porque você é nordestino que você vai andar com chapéu de cangaceiro (risos) ou sei lá, porque você vai gostar de cactos, ou coisa assim.

Tiago: Juliette! (risos)

Ana: Sim, a Juliette (risos). Mas sim, eu me sinto contemplada porque eu entendo a minha identidade nordestina muito como uma coisa particular e de cada um, sabe? Assim como, sei lá, todos nós aqui somos autistas e somos diferentes, é possível ser nordestino e ter sua personalidade, suas coisas próprias assim, sabe? Isso é uma coisa que varia muito também de estado pra estado, de cidade pra cidade, essa identidade, essa cultura e etc.

Kelvin: Bem, eu moro aqui na região de Sergipe, por esse fato eu sou nordestino. Mas pelo fato de eu não ter muito contato social com as pessoas e também com contatos pela internet, pelo mundo, pra entender sobre a cultura, eu acabo tendo poucos conceitos sobre a região nordeste. Eu acabo tendo mais estereótipos.

Por exemplo, o que que eu sei da Bahia? A Bahia tem acarajé, tem a cultura afro-brasileira, questões de capoeira, a cultura negra muito prevalente. O que eu sei de Pernambuco? Tem frevo, Alagoas tem o cangaço, o que é que é mais proeminente aqui no Nordeste? Tem a seca e a caatinga, as praias, o meu conhecimento sobre o nordeste, eu vou absorvendo aos pedaços e eu acabo não me sentindo tão nordestino porque eu não conheço essas coisas.

Por exemplo, mais coisas aí. Quais são os povos que influenciaram a cultura dos estados? Porque pra eu me sentir fazendo parte da região, eu tenho que conhecer a cultura. E também tem a questão, quais são as tribos indígenas? Porque os indígenas estão há mais de 500 anos aqui no Brasil e é fácil fingir que eles não são nordestinos, mas talvez eles tenham sua opinião própria sobre isso. Mas por questões regionais de localização tem muitas tribos e comunidades aqui dentro do nordeste e eles também são pessoas da comunidade.

E tem outras coisas também que eu não me sinto como nordestino, porque eu não conheço a variação regional de cada um, ou eu não uso porque eu quero ter um vocabulário diferente, isso já é de criança meu, eu tenho um vocabulário próprio falando, eu falo de maneira formal, meu jeito é esse e tem muitas expressões, regionalismos, manias, gírias que evito.

Na questão de, por exemplo, que tipos de comida, aí é que a coisa é pra eu não conhecer mesmo. As comidas como mandioca, inhame, chamado também de macaxeira, elas têm origens indígenas. Mas e as origens nordestinas? Por exemplo, acarajé. Acarajé eu sei que é da Bahia que tem essa sua origem. E o cuscuz? E o sururu? E o mocotó? E quais são os principais rios do nordeste? Ah tem o rio São Francisco, eu conheço.

Então eu vou juntando essa junção de fatores e eu vou vendo que eu não sei de nada do que está acontecendo aqui no Nordeste. Eu só sei apenas conceitos genéricos. E tem uma música da Elba Ramalho chamada Nordeste Independente, é uma música que ela faz uma crítica a determinadas coisas. E aí me leva a pensar: quais são fatores positivos que a nordeste? Se em caso de talvez o nordeste ser um próprio país independente. Eu não sei responder essa pergunta também, eu não sei dizer quais são os pontos positivos que existem no Nordeste. Por exemplo, como é que tá a questão do PIB? O barril do petróleo, a carga tributária, as indústrias, a produção de comida? O Nordeste tem condição de se sustentar?

Então assim pra eu ter meu orgulho de que sou nordestino, eu na minha concepção gostaria de entender todas essas coisas. Então em resumo a pergunta, não me sinto tão nordestino. Eu moro aqui, mas eu não sou daqui (risos).

Jefferson: Eu acho assim que definitivamente até um certo ponto existe assim uma cultura nordestina, mas não é tanto quanto geralmente se acredita. Eu estou podendo verificar isso em primeira mão porque é a primeira vez que eu estou passando tempo em um outro estado do Nordeste. Eu sou do Piauí, agora eu estou passando uma semana aqui em Natal no Rio Grande do Norte. Estou vendo que apesar de existirem algumas coisas em comum, também algumas coisas diferem, como por exemplo, como já foi falado, algumas questões de vocabulário, algumas palavras, os regionalismos, as palavras que você usa aqui, que eu não reconhecia lá em Parnaíba algumas expressões e vice e versa, né?

Eu já conversei com colegas meus a respeito disso, mas com relação a coisas em comum, eu diria que tem, por exemplo, o São João, que é uma tradição relativamente forte e eu acho que no nordeste inteiro. O São João eu já vi que tem várias comidas aqui que eu participei de um aqui da da empresa que eu reconheci, entendeu? Então até um certo ponto existe sim uma identidade nordestina, mas é como eu já disse antes: eu acredito que não é tão forte quanto parece.

(Áudio do WhatsApp)

Gabriel: Olá boa noite pessoal do Introvertendo, meu nome é Gabriel, eu tenho 24 anos, fui diagnosticado neste ano de 2022 com autismo mas tenho suspeitas por conta da terapia desde o ano de 2020. Eu sou de Salvador e eu morei lá até aos 17 anos, depois morei um ano na cidade de Fortaleza, no Ceará e estou há 6 anos na cidade de Campinas em São Paulo. E o que eu posso dizer é que morar nas três cidades foi bem diferente assim, principalmente em relação a minha sensibilidade ao clima. Eu tenho uma sensibilidade muito grande ao calor que me incomoda bastante. E ao mudar pro Fortaleza eu achei mais quente do que Salvador e ao voltar pra Campinas, eu achei o clima um pouco mais ameno em relação às outras duas cidades e é isso que eu posso contribuir, obrigado boa noite.

Irene: Olá meu nome é Irene, eu sou de João Pessoa Paraíba e eu queria reclamar que eu acho o clima daqui muito capacitista, cara! Porque não dá. Uma hora está chovendo, uma hora faz calor. Eu não consigo me planejar pra saber com que roupa eu uso pra me preparar pro frio, pra me preparar pro calor e aí eu vivo tendo crises sensoriais também por causa do frio e do calor. Então é isso. Gostaria de reclamar com a prefeitura pra mudar o clima de João Pessoa.

(Fim do áudio do WhatsApp)

Luca: Como vocês já já trouxeram aqui que cada estado tem sua cultura local e existe diferença enorme se você atravessar a linha de dois, três estados você está em um lugar irreconhecível, também existe a questão de que é sempre reforçado a diferença entre a região do sertão e a região litorânea. Como vocês veem essa diferença? Vocês consideram mais de um, mais do outro, como é que é?

Ana: Então, a minha experiência, ela é muito mais de litoral do que de sertão. Natal é uma cidade litorânea, assim, cê sai de casa, pega um ônibus cinco minutos, cês já tão na praia, mas eu também tive muita experiência do sertão, porque grande parte da minha família vem da parte do sertão do Rio Grande do Norte e até puxando também aquele gancho do que eu tava falando sobre essa problemática de estereótipos e tudo mais, eu vejo que no Brasil é muito mais difundida como “cultura nordestina” a cultura do sertão. E às vezes o pessoal faz até piada com isso.

Tipo, eu lembro que na época do Big Brother da Juliette e tudo, o pessoal usava muito do fato de que ela pegava esses esteriótipos pra se promover pra ver ali uma oportunidade de ser xenofóbico, sabe? Foi uma coisa que me pegou muito por uns meses, até porque eu tenho muitos amigos e conheço muitas pessoas que estão no eixo sul-sudeste, assim. Então, isso foi uma coisa que me pegou muito na época e eu vejo que as pessoas acham que às vezes esses estereótipos do cangaceiro e etc não representam as pessoas do Nordeste.

Eu acho que esses estereótipos eles não representam as pessoas num todo, mas existem aquelas pessoas ali que estão representadas por aquilo, sabe? Eu tenho muitos familiares que quando eles viam essas coisas da Juliette e tals, eles vibravam muito porque querendo ou não é uma parte da cultura do nordeste.

Kelvin: Eu moro na região agreste, que é um meio termo entre sertão e litoral. Então eu pego um pouquinho de cada. Só que aqui eu não consigo perceber tantas características assim que fica bem diferente que a região daqui ela se destaque tanto, o agreste. Mas quando eu vou por exemplo para o sertão ou para o liitoral, eu fico muito impressionado e aí nesse momento as minhas características do autismo ficam em evidência. No agreste eu não vejo tanta coisa assim, pelo menos não que eu esteja percebendo.

Mas vamos lá, por exemplo no sertão a cor vermelha do solo eu acho muito bonita. E o engraçado é que eu começava a falar com os meus amigos sobre a cor vermelha do solo com hiperfoco, com muita intensidade. Só que meus amigos começavam a dar risadas e falar “que assunto mais aleatório é esse pra estar conversando”. Só que eu achava interessante isso, a cor vermelha bem forte e bonita. Era dessa forma que a cultura daqui estava ligada com o meu hiperfoco.

Mas tem outras coisas. “Ah o sertão só tinha então Mandacaru?”. Não, lá não só tinha isso. Dependendo da época do ano lá tinha milho. Tem uma produção muito grande de milho aqui. Mas no geral, eu não sou muito amante do sertão. Prefiro mais a região litoral. Por causa do ar fresco, muitas coisas, é uma região mais agradável de temperatura. Na região litoral também tem mais mangaba, coqueiros, tem vários tons de verdes diferentes e essas coisas eu gosto de pesquisar, faz parte do meu hiperfoco também.

O turismo é uma coisa que é muito proeminente lá, existe muito a questão de bonecos artesanais, é um ambiente totalmente diferente do sertão. O sertão é uma coisa mais isolada pela maneira como funciona aqui em Sergipe.

E outra coisa que está envolvida com meu hiperfoco também é a cor da areia da praia que ela é uma cor bem específica, a textura também é bem agradável. Também o barulho das ondas do mar, é bem relaxante. Se fosse pra preferir, eu preferia morar no litoral. Mas a minha experiência no geral é na região agreste.

Ana: Isso me lembrou de algumas experiências que eu já tive com a minha família que é lá do sertão também porque realmente tem isso do solo, essa diferença do solo. Eu acho que pra pessoas neurotípicas não é uma coisa que elas percebem muito, mas pra gente é uma coisa que chama bastante atenção. Porque eu lembro que no sítio, quando eu ia, o chão de lá é todo de barro assim, né? E tinha muito, muito formigueiro, assim, lá no local e aí nisso eu comecei a ter hiperfoco em formigas e formigueiros. E era um sonho assim pra mim ter um formigueiro artificial em casa. Infelizmente até hoje eu nunca consegui fazer, mas eu queria muito ter isso um dia.

E aí a minha família costumava dizer muito que as formigas eram minhas melhores amigas na época, porque toda vez que eu ia no sítio eu não queria falar com ninguém, eu só queria ficar ali brincando com as formigas. E chegou num ponto que todo formigueiro que eu via na rua até tipo lá em Natal mesmo eu começava a cavar o formigueiro porque eu queria muito encontrar uma formiga rainha pra capturar ela e fazer o meu formigueiro artificial em casa.

Jefferson: A minha experiência é 100% litoral porque Parnaíba, pra quem não sabe, está no litoral do Piauí. E é um negócio até engraçado porque tem muita gente que não sabe que o Piauí tem um litoral. Eu lembro que uma época que eu morei quase um ano lá no Rio Grande do Sul e aí as vezes eu falava pras pessoas. As pessoas perguntavam de onde eu era e eu dizia: “não, eu sou de Parnaíba, fica no litoral do Piauí”. E eles respondiam: “mas Piauí tem litoral?”.

E realmente, acho até compreensível porque quando você olha no mapa você vê que o litoral do Piauí, parece que o Piauí teve que se esforçar muito pra ter um litoral, entendeu? Porque ele fica bem espremidinho ali entre o Maranhão e o Ceará, né? O litoral acho que tem uns 60 e poucos quilômetros de extensão, 63 quilômetros de extensão se eu não me engano. Mas tem, ele existe, ele é bem bacana, tem várias praias aqui e tal, eu não gosto muito de praia, eu acho que não, tanto pelas praias em si, mas pelas pessoas que vão pras praias, geralmente são muito barulhentas, né?

Mas a minha experiência é 100% de litoral, eu nunca morei assim no interior assim de nenhum lugar do nordeste nem mesmo do Piauí. Então não não sei muito assim das diferenças, mas eu noto muito isso que já foi falado de que a referência que se tem quando se fala em “cultura nordestina” é realmente essa coisa mais do sertão. Muitas dessas coisas assim do sertão a gente não se identifica tanto.

Tiago: Vocês falaram coisas bastante interessantes e me fez lembrar de várias e várias coisas. Quando vocês falaram sobre a questão do solo, é engraçado que em Paratinga que é a cidade natal da minha mãe que fica no Vale do São Francisco, na Bahia, a terra é branca mesmo. E até quem quiser saber mais um pouco, eu falo um pouco sobre autismo e cidades de interior e especificamente Paratinga, na Bahia, no episódio 125, lançado lá em 2020. E também, essa questão das pessoas acharem que o Piauí não tem litoral, acho que vem da ideia que Teresina é a única capital do nordeste que não está no litoral, né?

Jefferson: Exatamente.

Tiago: Isso dá um nó na cabeça das pessoas. Eu só sei que o Piauí tem um litoral porque eu tenho um amigo de internet que é de Parnaíba. Então eu meio que sei só por causa disso. Senão eu imaginava do mesmo jeito também.

E vocês falaram sobre várias questões culturais que são muito ligadas ao que as pessoas entendem como “cultura nordestina” e também as questões de música também, que a gente não pode esquecer, né? Por exemplo, Fortaleza tem sempre aquela imagem da capital do forró, que exporta artistas pro Brasil inteiro, e outra coisa muito importante que vocês já falaram sobre as comidas, que é algo que muitas vezes marcam as pessoas, não só os alimentos, mas também as frutas típicas. Então, quando eu viajava pra Paratinga, eu tinha contato com frutas ali naquela região do Vale do São Francisco que eu não via em nenhum outro lugar no Brasil como umbu, por exemplo.

E aí eu queria saber de vocês o seguinte: tem algum tipo de alimento, comida e etc que seja muito típico do lugar onde vocês vivem ou de lugar que vocês já visitaram na região nordeste que talvez entre em choque com as questões do autismo? Tipo sensorial, tátil? Porque eu particularmente tinha algumas coisas muito peculiares assim com certas coisas que eu não estava acostumado e sem falar que também tinha muito aquela questão das pessoas terem certas gírias e certas piadinhas que eu que vinha, por exemplo, da parte urbana, de outro estado, não conseguia pegar muito. Como é que é isso pra vocês?

Kelvin: Aqui no meu caso, na questão da comida, tem vários tipos de comida que a aparência não me dá apetite. Na verdade, apesar de eu gostar do gosto, eu não gosto da aparência da comida. Por exemplo, tem o sururu. Ah, o gosto é bom, mas eu não gosto muito da aparência das cores. Não só isso, mas tem outras comidas como vatapá, mocotó e pirão que eu eu não gosto muito dessas comidas aí. Eu não sei, parece que a pessoa fez com desgosto a comida, assim, brincadeira, claro. Mas a aparência não colabora nesse momento.

Não sei se vocês têm esse mesmo problema, mas tem outra questão, por exemplo, no acarajé, eu gosto do acarajé, eu gosto do acarajé. Mas quando eu vou comer ele, é a única comida que eu como todo sujo, parece que eu sou uma criança. Porque eu sujo as mãos todas, eu sujo a boca e não é só a boca pouca coisa não, é quase de chegar o nariz. Porque o jeito como ele é feito, preparado já é pra você se sujar mesmo. Eu gosto de comer essas comidas, mas nesse momento eu acabo tendo aquele desconforto sensorial.

Mas tem outros costumes aqui também, por exemplo, aqui só na minha cidade tem uma chamada Festa dos Caminhoneiros. Pra quem não sabe, essa festa possui a mistura do fator religioso, a imagem do Santo Antônio e tem a outra junção que são os caminhoneiros. Porque aqui é conhecida como a capital nacional do caminhão. Eles vão estar saindo viajando de caminhão, buzinando pela cidade durante um dia específico. Agora imagine lembrando que aqui é a capital nacional do caminhão, aqui na minha cidade. É cheio de caminhão buzinando pra tudo que é lado. Eu já não gosto de pessoas falando alto quanto mais o caminhão buzinando.

E no caso de outras questões regionais como expressões populares, eu fiquei pensando nisso e eu não tenho nenhuma dificuldade, pelo menos não que eu perceba entender as expressões populares. Por exemplo, quando as pessoas usam uma expressão de “você está muito avexado”, por exemplo, essa expressão eu não sei o que é que significa a palavra, mas eu consigo entender o sentido. “Você está muito apressado”, pelas minhas contas eu acho que significa isso nesse contexto, mas eu não sei o que é isso que significa. Eu não sei o significado específico da palavra, mas da frase do contexto, o sentido dá pra entender.

Ana: No meu caso, eu acho que eu nunca tive muita questão com desconforto visual, com comidas e essas coisas. Eu acho que é mais sobre cheiro e sobre textura também. E eu percebo que na região Nordeste tem muita variação de comida com carne. Carne é uma coisa que as pessoas gostam muito de comer e tem muitas variações. Tem, por exemplo, prato buchada, que é são as vísceras do bode e é uma coisa que eu nunca comer porque primeiro o cheiro e segundo porque eu imagino muito borrachudo assim. Eu sinto que eu não conseguiria comer, inclusive eu tô até tentando diminuir o meu consumo de carne porque eu percebi depois do meu diagnóstico todo desconforto que eu tenho em carne ou coisas do tipo.

Jefferson: Eu não tenho, assim, não tenho muito problema com questões sensoriais, então acho que eu vou falar é mais coisa de gosto mesmo. Tem um prato que o meu pai gosta muito de comer. É a panelada, que é bem parecido com o que a Ana falou com relação a buchada tem um cheiro muito ruim. Panelada tem cheiro de esgoto e eu não sei como é que alguém consegue comer aquilo ali (risos). Eu já comi uma vez e por algum motivo o gosto não é tão ruim assim. Mas o cheiro tipo eu não consigo pensar assim: “nossa que vontade de comer uma panelada” toda vez que eu sinto o cheiro. É muito contraintuitivo pra mim.

Questão de fruta também eu não gosto de fruta, eu não costumo comer fruta. Porque a maioria delas eu acho que tem uma textura assim que eu simplesmente não gosto, acho desagradável. E também porque a fruta geralmente traz surpresa desagradável, né? Cê nunca sabe se ela tá boa por dentro, se ela não está, ela não é um negócio consistente, né? Então, tem várias frutas assim que o pessoal gosta de comer que são bem típicas e que acho que uma que é bem comum no nordeste todo que também é comum em Parnaíba é o caju, né? O pessoal gosta de fazer doce também, doce de caju e tal. Eu não gosto também de comer essas coisas porque acho que por causa da textura.

Mas é basicamente isso, não tenho muitos relatos assim com relação a comida não e nem com expressões. Expressões acho que é meio que o que o Kelvin falou. A gente pela convivência vai aprendendo meio que por osmose. A gente sabe assim pelo contexto a gente consegue entender o que que elas significam e aplica mesmo também no dia a dia, mas não é assim tão difícil pra gente que nasceu e foi criado aqui entender não.

Luca: Eu sou de Tocantins. Mas boa parte da cultura tocantinense vem do Maranhão e da Bahia. Tanto cultura regional de dança, música, como cultura gastronômica. Tendo dito isso, eu sou extremamente sensível a cheiros, então boa parte das comidas eu não consigo comer. Todas essas que você mencionou minha família gosta e faz e tudo mais. Eu não consigo comer nenhuma (risos). Então eu espero que vocês não se sintam mal por não gostar de buchada por conta do cheiro porque bom eu também não gosto (risos).

(Áudio do WhatsApp)

Luana: Olá pessoal do Introvertendo, aqui é Luana Silva, sou jornalista da Paraíba, de Cajazeiras, no sertão da Paraíba, mas moro em João Pessoa. Amo o podcast de vocês, me ajuda muito muito mesmo. Vocês não fazem ideia. Me sinto em casa, vocês contam as histórias eu fico: “ah, eu também, eu também”. Eu moro em João Pessoa que é uma cidade muito legal, muita gente vem pra cá e passa férias porque é uma cidade tem muita praia, mas ao mesmo tempo tem um clima tranquilo comparado a outras capitais, mas também convido todo mundo que quiser conhecer a Paraíba inteira, né?

A gente tem Cabaceiras, que é o Hollywood Nordestina, temos a Pedra do Ingá, temos Campina Grande que é uma cidade que tem a tradição de São João mas que também tem todo um histórico com tecnologia e Cajazeiras, que é a minha terra natal, que é uma cidade apesar de pequena mas que respira cultura. Vários atores saíram de lá. E a Paraíba inteira tem muita coisa, tem praia, gastronomia, arte, cultura, muito lugar pra fazer trilha, muitos picos. Então convido vocês do podcast e também os ouvintes a conhecer esse estado. E é isso um cheiro pra todo mundo.

Bear: Olá, eu sou o Bear, tenho 30 anos, sou artista e autista. Eu moro aqui na região da grande Natal, no Rio Grande do Norte. Curiosidades? Aqui é sempre muito quente e às vezes úmido e aparentemente não tem nenhum dia frio no pelo que eu pesquisei e eu odeio calor.

(Fim do áudio do WhatsApp)

Luca: Tendo tudo isso sido posto sobre a questão cultural, sobre relacionamento disso com autismo e tudo mais, como foi pra cada um de vocês conseguir o diagnóstico? Vocês tiveram que ir atrás disso, conseguiram por coincidência? Como que isso surgiu na vida de vocês?

Kelvin: Aqui, pra conseguir o diagnóstico, tem a sua facilidade dependendo de onde você mora. Se você mora em regiões de cidades grandes e em especial Aracaju, você vai ter mais facilidade para conseguir o diagnóstico. Só que é aquela mesma luta. Você tem que estar indo aos médicos, têm que estar marcando ficha, tem que estar fazendo várias sessões. É aquele mesmo procedimento e é um pouquinho desgastante estar fazendo essas consultas principalmente se você não conseguir. Eu não sei responder em questão de comparando com outras regiões, mas eu diria que aqui até que dá pra conseguir mesmo assim. Aqui tem várias formas de conseguir, tanto nas próprias cidades grandes e na capital.

Jefferson: É mais ou menos isso que o Kevin falou mesmo. Depende acho que muito do tamanho da cidade que você está. Em cidades maiores acaba sendo bem semelhante, pelo menos o que eu já ouvi falar também das dificuldade que autistas tem em outros lugares do Brasil, o que foi exatamente isso que ele falou também, de você encontrar os profissionais certos, pessoas que realmente estudaram e tem experiência com isso. Eu acredito que não tem tanta diferença assim não no fim das contas.

Ana: Eu reitero tudo que vocês falaram assim. Eu acho que depende muito da região também. Eu não sei falar sobre outros lugares sem ser Natal, mas eu lembro que na época da minha procura pelo diagnóstico e tudo foi muito difícil. As experiências que eu tive com os médicos de lá sempre eram meio traumatizantes nesse sentido porque ninguém tinha preparo ou estudo sobre autismo de um jeito mais especializado, pelo menos. Então, foi muito complicado mesmo, nesse sentido.

Eu acho até que a discussão do autismo em Natal, especificamente, às vezes é muito complicada porque não sai da bolha… como eu posso dizer? Não sai daquela discussão que é até capacitista, sabe? De que o autista é aquela pessoa que vai superar as dificuldades dele e ser inspiração pras outras pessoas. Então eu acho que ainda tem muito trabalho a fazer por lá.

Tiago: E eu queria aproveitar pra agradecer vocês pela participação do episódio aqui do Introvertendo e que vocês mandassem uma mensagem final, se vocês quiserem simplesmente mandar um recado pro pessoal ou falar sobre alguma coisa, algum projeto, algum trabalho de vocês, esse é o momento, tá? E mais uma vez muito obrigado.

Kelvin: Primeiro eu deixo o meu agradecimento pro Introvertendo. Meu diagnóstico veio justamente por causa do podcast. E como é que isso aconteceu? Anos atrás eu pesquisei a palavra autismo no Google, só que eu não conseguia entender direito as informações. Era muito complicado. E depois disso eu pesquisei a palavra “síndrome de Asperger”. Aí sim melhorou um pouco os resultados pra eu entender. Dava pra me identificar. Mas depois eu fui no Introvertendo eu vi as informações do episódio 1 e eu fiquei impressionado com o episódio com tanta coisa que eu tinha de parecido e também pelo fato de que “olha que interessante, tanto autista autista junto assim, uma coisa que eu nunca vi, interessante”.

E meu diagnóstico acabou vindo por causa do podcast. Eu acabei pesquisando mais a respeito da comunidade e depois fui às consultas médicas. Então eu já deixo o meu agradecimento não só por estar aqui pela entrevista mas também porque vocês ajudaram no meu diagnóstico.

Um detalhe interessante é que quando eu vou fazer parte de alguma palestra, eu não falo do meu canal. Eu falo do podcast do Introvertendo. Porque ele atende muito o critério de como é que um autista é? Aliás, como os autistas são? Cada um é diferente e vai tendo a sua própria impressão de “olha ali interessante, eu tenho essa característica” dali “olha eu já não tenho aquela”. Eu gosto disso por causa do podcast.

Agora falando sobre divulgação de projetos, eu tenho trabalhado no canal no YouTube no perfil no TikTok. No YouTube se chama Professor Kelvin. E no TikTok prof.kelvin. Lá eu falo sobre autismo usando Minecraft e o canal também é estilo vlog. Eu também apareço. Além disso, lá também tem a interpretação pra língua brasileira de sinais. Então se você conhece alguém que é surdo, pode passar também o canal pra ele porque ele pode achar interessante já que está disponível na língua de sinais.

Eu tenho trabalhado num projeto dando aula de português através do jogo Minecraft. Esse projeto se chama Craft Sapiens. Não fui eu o dono, claro. É outro professor, professor Elton. Ele organizou um projeto com diversos professores aqui do Brasil pra dar aulas online pra alunos do ensino fundamental, do ensino superior, curso preparatório para concurso, ENEM, cursinhos, cursos livres, entre diversas coisas, tudo que está envolvido com a educação. A gente tem trabalhado lá de maneira gratuita nas nossas aulas. Aí pra quem quiser conferir como é uma dessas aulas pra poder quem sabe ter o contato direto com o professor vai falar de alguma parceria quem sabe, é só entrar no nosso site. Pessoal do Introvertendo, agradeço muito pelo convite e até a próxima.

Ana: Queria agradecer ao Introvertendo também primeiramente por existirem. Porque a minha experiência foi muito parecida. No início da minha busca pelo diagnóstico e tudo, o Introvertendo foi um canal que eu consegui ter esse acesso à vida e a vivência de outras pessoas autistas. Então foi algo que me guiou muito assim e me tranquilizou saber que existem outras pessoas como eu por aí.

E eu queria convidar vocês a lerem o livro que eu lancei recentemente com a Maria Luiza Magalhães que chama Autistas Podem Voar? É um livro infantil pra crianças que fala sobre autismo. Ela escreveu e eu ilustrei. A gente lançou recentemente, vocês encontram ele no site da editora Ampla e queria convidar vocês também a conhecerem o meu trabalho de ilustração no Instagram. E queria agradecer pelo convite, fiquei muito feliz mesmo. Muito obrigada.

Jefferson: Eu também queria agradecer aí pelo convite. Fiquei surpreso de ser convidado e queria agradecer também a Lili do Lógica Autista, foi ela que fez a ponte. Eu sei que ele não não está aqui, mas eu sei que ele sempre aparece aqui. É o Willian Chimura, que ele criou não só o conteúdo dele, mas o servidor do Discord sobre autismo. Ele também foi muito muito importante não só no período quando eu ainda estava no processo de diagnóstico, mas também depois, que eu tive a oportunidade de conhecer até a gente legal lá. E enfim, acho que foi por isso que eu acabei vim parando aqui hoje. Então é isso, queria agradecer a todos vocês.

Luca: Eu quero agradecer os agradecimentos (risos). Eu adorei a participação de vocês, obrigado de verdade por ter topado participar e de falar da sua vida e tudo mais. Obrigado por gostar do podcast, eu fico lisonjeado com isso. Semana que vem é o terceiro episódio da série de autistas das regiões do Brasil e vai ser sobre Centro-Oeste.

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