Agora que sabemos que autistas não são anjos azuis, mais uma informação bombástica: autistas transam! (pelo menos uma grande parte, claro). Falar de sexo é um tabu na maioria dos contextos, quando se trata de deficiência, mais ainda. Por isso, Otávio Crosara e Tiago Abreu resolveram conversar com Fábio Sousa, o tio .faso, e Newton Jr., sobre tudo o que rola entre quatro paredes. Feche a porta do seu quarto e aprecie! Arte: Vin Lima.
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Transcrição do episódio
Tiago: 3, 2, 1: (Voz suave) Um olá para você que ouve… (risos).
Otávio: (Risos)
Tiago: Não, não, vamos começar sério.
(Vinheta de introdução)
Tiago: Um olá para você que ouve o podcast Introvertendo, que é o principal podcast sobre autismo do Brasil e provavelmente um dos mais sedutores da podosfera. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, um dos apresentadores aqui do Introvertendo que é um podcast sobre autismo feito por autistas.
Otávio: Eu sou o doutor Otávio Crosara, cofundador do Introvertendo, médico nas horas vagas e amante em horário integral. E eu me chamo de doutor sem ter um doutorado.
Tiago: E hoje nós temos dois convidados para discutir esse assunto tão pessoal, mas ao mesmo tempo tão quente, que é o Fábio e o Newton, então fiquem à vontade, podem se apresentar.
Fábio: Olá gente bonita, aqui quem fala tio .faso e ora bolas, eu sou autista. E vim aqui especialmente para bater o meu chicote no seu stim.
Newton: Eu realmente não vou ter a mesma maestria pra brincar com as palavras (risos), mas eu sou o Newton, eu tenho 27 anos, sou autista e TDAH, sou músico e também sou um dos fundadores do projeto Não-Mono em Foco, que fala sobre sistemas de relacionamento nas redes.
Tiago: Muito obrigado por vocês toparem participar desse episódio. E antes da gente seguir pra discussão, é muito importante enfatizar que o episódio vai rondar um pouco da experiência e da fala de quatro homens. Infelizmente não conseguimos trazer mulheres pra esse episódio, algumas não toparam e a gente está ciente disso, mas a gente espera que seja um episódio legal, seja divertido e que estimule também futuros debates na comunidade do autismo sobre sexo. Vale lembrar que o Introvertendo é um podcast feito por autistas com assinatura da Superplayer & Co.
Bloco geral de discussão
Tiago: Eu acho que já é de conhecimento geral de que autistas não são anjos azuis. E também eu acho que está começando a ser um conhecimento dentro do âmbito da comunidade do autismo que autistas transam sim. Mas quando a gente fala sobre sexo, tem elementos que não necessariamente conflitam mas se relacionam de forma diferente talvez entre o público autista. O sexo é uma coisa por exemplo que tem muitos elementos de comunicação não verbal e eu acho que é bom a gente começar por esse elemento. Como é que vocês encaram essa questão do sexo? Pra vocês é uma coisa mais literal, verbalizada socialmente ou vocês conseguem se adaptar muito bem nessas questões não verbais que envolvem o sexo?
Fábio: Então meninos, sexo pra mim assim tem duas etapas: o pré-sexo e o sexo. No pré-sexo eu realmente sou mais “autista” que eu que a comunicação seja muito clara e literal. Porque se eu depender de pegar sinais da parceira pra poder fazer alguma coisa, não acontece. Porque preciso de algo bem claro, a pessoa falar: “eu quero transar com você. Vamos tentar fazer alguma coisa no quarto. Vamos namorar”. Sei lá. Porque senão eu não compreendo que é pra fazer algo. Aí na hora do rala e rola é diferente, que geralmente eu tenho sempre papel de dominador na situação, né? Me frustra um pouco, eu queria ser de vez em quando dominado e não apenas a pessoa que vai ditar todas as regras do jogo.
Tiago: Ui!
Fábio: (Fazendo som de chicote)
Otávio: A questão da comunicação não verbal, eu tenho muita sorte. Porque no meu relacionamento a comunicação é basicamente verbal. A gente está fazendo quatro anos de namoro daqui alguns dias e eu tenho me esforçado pra que 100% da comunicação seja o máximo possível, verbal. Não porque eu tenho dificuldade com comunicação não verbal, eu tenho, mas não é por isso. É porque eu não gosto de coisas subentendidas e implícitas e entendidas pelo meio. Porque isso vai acumulando e aí isso pode acabar ruindo o relacionamento.
Newton: Eu fui diagnosticado bem mais tarde. Eu fui ter alguma resposta sobre diversas questões minhas bem mais tarde. E quando eu traço assim um olhar para essa vida antes dessas respostas, eu consigo perceber o quanto a situação com as pessoas que eu estava me relacionando ali, seja encontro casual ou fosse uma relação mais duradoura, causava uma frustração pra ela e pra mim, pra pessoa, muito por conta de uma falha na comunicação. Eu não sabia como explicar pra pessoa como as coisas precisavam ser pra poder funcionar pra mim e as pessoas esperam muito toda uma performance, toda uma forma de agir que que não tem nada ver comigo assim (risos).
Então tenho uma relação agora que está com cinco anos e a gente já mora junto, e aí é muito diferente porque a intimidade abre as portas pra você conseguir desenvolver essa linguagem mesmo que seja não verbal. Mas no começo, por exemplo, da primeira vez que a gente se viu, o meu companheiro ficou muito assustado porque ele dizia que eu ficava com um olhar muito perdido e que ele ficava se perguntando: “será se ele está gostando? Será que ele não está gostando?”. E não é que eu não estava gostando, eu tava (risos). O problema era aquela situação nova, um ambiente novo e receio, muito receio, de fazer uma coisa errada de estragar.
Pra mim pensar sexo casual é complicado porque a falta da intimidade me dá muito receio. Muita gente tem muito um olhar romantizado e tal e eu entendo o porquê. Mas pra mim o sexo é muito mais físico. E aí às vezes essa minha leitura do sexo meio que frustra a outra pessoa. Por exemplo, “você é muito seco”, “você é muito gelado”, “você é muito frio”, nesse sentido. Mas nem é. É que pra mim é uma coisa física que nem outras coisas físicas que fazem parte. Só que aí é aquela coisa, né? Tem que ajustar ali as expectativas pra poder funcionar.
Tiago: Achei legal as observações de vocês e relacionando também com episódios anteriores do Introvertendo, porque a gente já falou sobre interações em aplicativos, a gente fez um episódio ano passado que foi bem importante que foi o Precisamos Falar Sobre Autistas que não Transam, que envolve todo um processo até a relação sexual propriamente dita. Uma interação, uma interpretação das expectativas do outro, mas também tem essa etapa posterior que é o momento do vamos ver e que muitas vezes há um julgamento alheio. Porque muitas vezes a outra pessoa que está se relacionando também tem as suas inseguranças, também tem a sua forma de viver, de experimentar as coisas.
E muitas vezes essa questão do sexo também acaba acompanhando modelos de relacionamento e isso perguntando principalmente pro Nilton, porque eu sei que ele estuda e é bastante focado nessa discussão sobre a questão da monogamia e da não monogamia, eu queria saber: existe uma visão talvez na comunidade do autismo, eu não sei se é uma impressão minha, mas eu tenho a impressão que algumas pessoas que autistas se encaixariam em relacionamentos mais normativos, mais cheios de regras ou coisas do tipo. Como é que você observa a discussão sobre monogamia, não monogamia no contexto do autismo? Você acha que isso é um pré-conceito das pessoas?
Newton: Então, inclusive eu estou produzindo agora uma entrevista que é com pessoas autistas e TDAH que são não-monogâmicas pra falar justamente sobre essas experiências porque eu acredito que trazendo as experiências de pessoas variadas, a maioria das pessoas vai conseguir se relacionar de forma mais interessante do que só uma teoria por exemplo. E aí uma questão é que existe um preconceito geral com certeza em relação a relações que não são monogâmicas porque a monogamia é o dado inclusive muitas vezes como um fato natural.
Só que aí, a partir de diversas análises que partem de lugares diferentes, existe uma crítica que é estrutural à monogamia. Se procura visar que não é sobre a quantidade de relações que a pessoa está tendo ali. É sobre um modelo. E aí isso aí você vai ver a Alexandra Kollontai em 1917, lá na Revolução Russa, e aí a Emma Goldman uma anarquista e o Engels falando sobre isso — tem um livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado —, vai relacionar essa construção da monogamia enquanto uma estrutura aqui que se liga, por exemplo, ao patriarcado, ao estado, atualmente ao capitalismo.
Então, quando a gente fala de uma crítica, a partir de um pensamento político em relação a isso, é uma crítica a essa organização, essa estrutura. Mas não em relação as relações pessoais. Porque… bateria social (risos). Cada pessoa vai ter uma interação diferente com a outra e uma pessoa neurodivergente vai ter também uma interação diferente a partir das particularidades dela.
E aí se eu disser assim: “ah, porque a não-monogamia” e aí as pessoas encaram porque elas vão ter que ter 35 namorados. E não é sobre isso (risos). Penso, vivo e estudo a não-monogamia há quatro anos. Mas eu já tive momentos em que eu me relacionei apenas com uma pessoa, sobretudo porque eu não tinha energia pra gastar com ninguém. Então é sobre toda uma construção de um pensamento político. E aí eu acredito que exista muito preconceito, mas é porque falta informação.
Fábio: Eu nunca tive nenhuma relação fora da monogamia no sentido de com mais de uma pessoa. Justamente porque eu tenho muita dificuldade de focar em mais de um objeto de paixão ao mesmo tempo. Então acabaria deixando a pessoa de lado. Eu já tentei ter relações sexuais sem ter um relacionamento amoroso com a pessoa e foi desastroso pra mim, porque me apeguei a pessoa.
Eu noto que pras pessoas que não são autistas, a monogamia, o sexo e o amor parecem estar interligados. Mas com algumas pessoas que eu já conversei comigo fica bem claro pra mim o que que é uma relação amorosa e o que é sexo.
Eu sou uma pessoa que, por exemplo, vou lá fazer as coisas, só que eu tenho que depois ter todo um cuidado após o término para preencher a parte emocional da outra pessoa. Porque senão por mim tipo podia pegar levantar e ir embora (risos). Mentira, não levantar e ir embora. Mas nesse caso não ia ficar de chameguinho. Eu não sei se isso é só uma característica de pessoas que não são autistas ou é relação monogâmica que provoca isso, não sei, eu sou totalmente leigo nessa parte.
Tiago: A gente não pode nem preencher uma planilha depois do sexo (risos).
Fábio: (Risos)
Newton: (Risos)
Tiago: Mas falando seriamente mesmo, eu acho que isso tá muito relacionado também a questão das regras sociais, que acaba sendo uma questão complicada pra autistas. Eu não sei se todas as pessoas pensam de acordo com essa lógica, mas talvez exista uma convenção tão grande socialmente de que precisa ter um certo carinho, etc, e isso acaba sendo uma coisa bem complicada.
Newton: Eu, particularmente, eu sou muito que nem o Fábio falou, eu sou muito pragmático em relação a isso. Por isso que eu estava dizendo, pra mim é um exercício físico muito menos ligado a toda uma coisa assim: “ah, tem que ser a pessoa que eu mais amo do mundo”. Mas a gente acaba tendo que aprender a fazer certas coisas no sentido de acolher o que essa pessoa espera porque a gente fica tentando preencher aquelas expectativas.
Por isso que eu digo que uma relação mais íntima pra mim é interessante, íntimo no sentido de tempo. Porque acaba que é mais fácil conversar sobre essas expectativas. E aí a pessoa não pensa que eu odeio ela só porque eu me levantei pra ir jogar um joguinho (risos).
Tiago: Sim, sim. E tem várias outras questões relacionadas ao autismo que também me fazem pensar nesse contexto do sexo e uma delas é a discussão que a gente tem sobre hiperreatividade, hiporeatividade, a estímulos, que alguns também interpretam como ser mais ou menos sensíveis sensorialmente. E o sexo é uma explosão de questões sensoriais. Tanto em relação ao corpo, suor, barulho, movimento…
Fábio: Muito movimento!
Tiago: É uma situação que eu acho que todas essas coisas ficam um pouco extremas. E aí eu fico pensando muito, também existem certos tipos de questões dentro do sexo que levam isso pra outros patamares, como a questão do BDSM. E aí eu queria perguntar pra vocês, como é que vocês encaram essas questões?
Otávio: Eu não faço essas coisas porque eu tenho preguiça.
Tiago: Não, não é porque você é um hétero top.
Otávio: Pode ser. Pode ser, mas eu tenho preguiça. Não, assim eu tenho preguiça. certo? Eu já tentei, foi bom. Aí ao pensar e… tem que planejar de novo, não. Obrigado. Chega.
Fábio: (Risos)
Otávio: Eu estou muito fora de forma pra isso. Talvez daqui a quatro meses. Eu voltei pra academia esses dias.
Fábio: Às vezes eu já comentei em live que uma ex-namorada minha que curtia BDSM ficava extremamente frustrada comigo porque como eu sou uma pessoa hipossensível, ela estava lá jogando cera quente em cima de mim, eu tipo com aquela cara de paisagem né? O que você está fazendo? Já acabou? É a mesma coisa com apertar mamilo, apertar as partes do corpo, gelo e tudo mais. Eu não manifestava nenhuma reação esperada por ela. Então foi uma coisa que brochou muito ela de fazer isso comigo porque parecia que era um ser sem alma.
Só que depois do diagnóstico do autismo e com a minha esposa entendendo toda essa minha diferença sensorial, a gente passou explorar o meu corpito pra ver aonde que eu sinto coisas diferentes. Então, por exemplo, se você toca a minha perna e toca a minha barriga, a sensação é a mesma. OK, você está tocando meu corpo. Agora se você toca essa região assim abaixo da nuca entre as costas é tipo: “opa, o que você está tentando fazer aí de diferente que está muito bom?”. E aí se descobriu que a minha área erógena é justamente abaixo da nuca entre os os ombros. Então se fosse fazer alguma coisa de BDSM, porque essa é uma reação da minha pessoa, ia ter que ser lá. Porque o resto do meu corpo não reage.
Eu posso me cortar e não sinto direito. Agora se me cortar aqui atrás, eu acho que eu vou sentir, sei lá, dor muito grande, eu não sei. Então pro autista e quem se relaciona com autista, eu acho de suma importância a pessoa aprender como o corpo neurodivergente funciona. Porque aquilo que a sociedade diz que pode ser bom, que é o esperado, às vezes pode ser uma tortura horrorosa pra gente ou ser algo completamente indiferente.
Então volta naquele comecinho. A comunicação e ser direto conosco é importante pra justamente descobrir o que vale a pena ou não fazer conosco. Entender como é que funciona o nosso corpo, onde é que estão nossas zonas de prazer, onde estão nossas zonas de perigo que não pode se tocadas. A minha esposa gosta de morder, ela não pode morder meu queixo, porque senão eu fico desesperado porque ela tá mordendo meu queixo. Porque eu não sinto prazer, sinto uma outra agonia quando ela morde no queixo. Então a gente vai aprendendo como que o parceiro funciona.
Newton: E mesmo, por exemplo, entre dois homens existe isso também uma expectativa de uma dominação e uma pessoa que vai ser que vai ser dominada ou uma questão cis heteronormativa. Por exemplo, na minha experiência com mulheres pra mim é muito frustrante a expectativa de que eu vá dominar ela de uma forma que não é como eu acho que o sexo deve funcionar. Porque não é como funciona pra mim. E eu só fui entender isso muito tempo depois o que é que não estava dando cola ali.
Enquanto que com esse meu parceiro que mora comigo, por exemplo, a minha experiência com ele foi no começo de uma compatibilidade muito grande que era muito fruto da paixão. Sabe aquele fogo muito grande? Que com o tempo a gente foi vendo que a gente tinha muita incompatibilidade no sexo. Só que essas incompatibilidades não se tornaram um problema por diversos fatores, sobretudo porque também a gente não precisa fazer só entre a gente.
E aí eu sou totalmente como o pessoal do BDSM sempre fala, baunilha. Eu sou totalmente de baunilha. Eu tenho problema com música, eu tenho problema com fala, eu não consigo falar durante, a pessoa fala comigo, ela me deixa meio constrangida. Por exemplo, a pessoa bota a língua no meu ouvido, teve uma vez que eu reagi, eu taquei um tapão na pessoa, porque foi uma angústia tão grande e eu só me mexi assim. E aí qualquer outra experiência dessa BDSM eu vou pensando, eu não. O Fábio falando de cera, Deus o livre. Não! (risos)
Fábio: (Risos)
Newton: Só que o meu parceiro gosta muito disso de BDSM. E aí a gente chegou no impasse nesse sentido dessa incompatibilidade e aí eu disse: então, você fica com alguém que você consiga viver isso e a gente continua fazendo como a gente faz também. Tudo bem? Tudo bem! Ao mesmo tempo que eu sigo na proposta de explorar meu corpo mais dentro do que me é confortável também.
Por exemplo, essa coisa de amarrar ou então me vendar, eu não vou conseguir jamais. Eu fico nervoso só de pensar! (risos). E aí eu acho que é muito nessa coisa assim de também tentativa, erro, dar experiência de quem quer se propor também. Ninguém é obrigado a nada. Se você força o outro já está num lugar muito chato, né?
Fábio: Eu fiquei imaginando tocando “Slave to Love”, aí a pessoa subindo assim com beijinhos pelo corpo. Aí vai na orelha dele e pá na cara! (risos)
Newton: (Risos) Não funciona pra mim não, Deus me livre!
Fábio: (Risos) Ai, que horror!
Tiago: Vocês estavam falando até agora pouco sobre a questão de inventividade, de de ter ideias novas e investir isso realmente e eu também me peguei pensando de que sexo é uma questão que as vezes demanda de uma espontaneidade que às vezes falta a autistas que são mais apegados a questão da rotina. E às vezes tem uma questão de rigidez de pensamento. E muitas vezes o sexo ele ocorre em momentos inesperados e o fator de novidade, de ser legal, e de ser bom e intenso o sexo é justamente por esse fator de surpresa né?
Tem gente que até sente prazer em transar em lugares não convencionais e aí tem até um problema de atentado ao pudor que as pessoas podem discutir e tal, mas como é que vocês se relacionam em relação a isso? Pra vocês o sexo tem que ocorrer dentro de uma rotina vocês tentam flexibilizar o pensamento de vocês nesse sentido?
Otávio: É interessante você falar isso pra mim porque no meu caso assim eu vejo minha namorada só de fim de semana em fim de semana, certo?
Newton: Eu sou uma pessoa bem sexual, mas eu não tenho uma expectativa de uma variação muito grande ou então de toda uma exploração de uma certa fantasia ou então todo: “ah, muda muitas vezes de posição, muitas vezes de lugares, no quintal, na praia…”. Não, eu não tenho isso. Pra mim é uma coisa se for muitas vezes da mesma forma não é um problema. Só que pra outras pessoas às vezes frustra e aí então é sempre muito ou eu deixo de me relacionar com as pessoas assim porque elas não estão afim e assim eu também não vou obrigar ninguém a se relacionar comigo. Eu não vou fazer uma mágica, não vou tomar uma injeção e vou deixar de ser como sou. Então tem que lidar com isso mesmo (risos).
Fábio: Eu acho muito fofo vocês porque (risos) vocês não tem filho (risos).
Newton: É, aí realmente… (risos)
Fábio: Então o sexo vira uma coisa muito aleatória porque você tem que fazer quando a criança não está por perto, se tá dormindo no outro quarto, ou tá na escola. Eu sou bem aleatório mesmo. E como eu sou hipersexual, também tenho fogo na tarraqueta, então…
Otávio: (Risos)
Fábio: Qualquer hora é hora (risos).
Newton: Tem um pessoal que é muito assim, “ah, só de noite, luz apagada”. Eu nunca entendi, não.
Fábio: Gente, a minha primeira vez foi na escada do prédio da minha mãe perto da lata de lixo.
Tiago: (Risos)
Fábio: Porque era o único lugar que podia. Romantismo é o meu bumbum. Não tem essas coisas não.
Tiago: Imagina sentido o cheiro do lixo.
Fábio: O pior que teve uma vez que estava ela sentada no meu colo, aí vai um vizinho colocar lixo no latão de lixo. A gente ficou quietinho assim pra ver se não aparecia nada. Eu fiquei imaginando: “imagina se esse vizinho olha de canto e vê duas mãos pretas segurando uma bunda branca, o que a gente ia falar?”. Ainda bem que não aconteceu nada.
Mas voltando, então a rotina nesse ponto pra mim não influi não. Pode ser que pra outros autistas isso seja importante, mas pra mim não. Justamente porque ainda mais agora tendo filho, as coisas de casal se tornam mais complexas né? Então pensa, a gente está no meio da pandemia, estou com uma criança de quase quatro anos, então coisas de casal que a gente poderia fazer… “ah, vamos deixar o bichinho com os avós ou com o tio por umas duas horas e sair pra jantar”. Não existe isso.
Quando tem oportunidade e tiver com energia, que também é outra coisa importante… vocês que são jovenzinhos energéticos cheios de testosterona e tudo mais, é fácil. Quando você é um cara com quase 40, cheio de dores e com sono desregulado e autista às vezes fala assim: “eu só quero dormir”.
Otávio: É, eu sou um cara de 29 anos, cheio de dores, cansado e gordo.
Fábio: Eu venho do futuro te trazer péssimas notícias, viu? (risos).
Otávio: Não, mas eu vou, eu vou melhorar.
Tiago: E eu estava me pegando também pensando em uma última coisa aqui, que é sobre a reação das pessoas com a informação de que você é autista pensando o sexo. Porque eu já conheci pessoas próximas que são autistas e que tinham algumas pessoas que tinham curiosidades um pouco fora do limite, sabe? De saber como era o sexo daquelas pessoas e tal. Então queria saber se vocês já se sentiram sexualmente objetificados por serem autistas?
Otávio: Olha, por ser autista, se eu fui objetificado eu não percebi.
Fábio: (Risos) Ainda bem né? Se não você não seria autista.
Otávio: Esse é o paradoxo da sua pergunta, Tiago.
Fábio: (Risos)
Newton: (Risos)
Fábio: Como autista nunca fui objetificado. Mas como negro, sim. E tem gente que acha ruim, eu não acho ruim não. Alguém fala: “nossa, qual que é o tamanho do seu pé?”. “Ah, calço 47!”. Ui! Deixa a fantasia rolar, gente! Porque não me socializo. Né? Vamos pensar como se fosse solteiro. Mal me socializo. Eu sou um negão de um 1,94 gigante. Eu quero que pense besteira de mim mesmo! Eu quero que me queiram!
Otávio: (Risos)
Fábio: Quando eu penso em sexo e autismo, parece que as coisas não computam. Eles acham que a gente é muito inocente e puro. Mal sabem os terrores que nós tacamos por aí fora.
Otávio: (Risos)
Fábio: Ou pode ser também por causa do stim. “Qual que é o seu stim?”. “Ah, eu balanço a mão?”. “Hum, balança a mão, é? Esse dedinho aí de DJ, vamos brincar?” (risos). Eu não sei.
Otávio: (Risos)
Tiago: Meu Deus.
Newton: Eu imaginava a pessoa pensando: “ah, você é autista? Suas asas”, né? “Essas pernas de anjo azul…”. Acho que esperam que haja umas asas, todo um negócio. Quando você vai ler toda a produção que tem acadêmica mesmo sobre sexualidade e autismo e é bem grande, sempre tem muito a relação de como a família infantiliza e que quer tratar aquela pessoa como uma pessoa assexuada. Não é nem assexual, é assexuada, no sentido de que ela não vai ter desejo.
Só que a construção da sexualidade humana começa desde muito cedo, é uma coisa que atravessa a própria infância, a adolescência, não surge magicamente na puberdade. Ela é uma construção, assim como diversas coisas do nosso funcionamento. Tem pais que não vão querer que a criança, que o adolescente, faça isso. Por exemplo, eu li um artigo sobre adolescentes autistas e aí pega o pessoal que tem 16, 17, 18 anos e aí tem homem, mulher, de sexualidades diferentes. Eles falam muito sobre como os pais não querem conversar sobre. E é aquela coisa, os pais já não gostam de conversar com quem não é autista. E aí tem todo esse lance do anjo azul e todo moralismo que já é típico aqui desse território, então é muita coisa, né?
Eu tive a sorte de ter uma mãe que sempre me criou de forma muito aberta em relação a tudo. Então eu tive muita informação em relação a sexualidade. A minha mãe é pedagoga também. Então ela teve todo um cuidado em relação a isso que de certa forma me preparou melhor. Mas eu mesmo, enquanto professor, já tive que lidar com o caso por exemplo de gente mais velha, menino de 17 anos do terceiro ano que tem pouco conhecimento sobre camisinha. E aí se a gente transporta essa realidade pra pessoas autistas e toda dificuldade que as pessoas já tem de falar de sexo, eu imagino que cria todo um problema muito maior.
E aí eu não não considero ter sido hipersexualizado por ser autista, não tive essa experiência e se aconteceu eu não percebi, mas por ser negro e gordo, sim, já.
Fábio: A educação sexual para nós autistas é de suma importância. Porque eu já vi vários casos de autistas com 20, 30 anos, que não sabem como funciona uma camisinha, sobre o ciclo menstrual, reprodução humana. Então, essa ideia do anjo azul, que a gente tanto fala pra evitar, é pra justamente chegar nesse ponto de que você vai ter adultos que não sabem o básico do básico da reprodução humana. A gente precisa bater nessa tecla com os pais.
É muito bonitinho você chamar o seu filho de anjinho porque ele é um anjinho realmente. Uma criança é um anjinho, uma coisa pura. Só que você não pode pensar que seu filho não vai crescer. E mesmo crescendo, sendo um grau 2 ou 3, essa pessoa vai ter desejos. É um ser humano. Tem casos de gente que castra quimicamente os “seus” autistas para reduzir a zerar a libido pra esse ser humano não ter as vontades próprias que um qualquer outro tem só porque é deficiente.
Tiago: Ela beira a eugenia, né?
Fábio: Exatamente, você está tirando a chance dessa pessoa de se proteger e entender o mundo, e não ser aproveitada por outras pessoas. Porque uma pessoa com educação sexual não quer dizer que ela vai transar mais. Uma pessoa com educação sexual vai conseguir identificar um abusador, um abusadora.
Newton: Isso.
Fábio: Vai ver o comportamento errado.
Otávio: É.
Fábio: Vai entender o que pode ser feito com o corpo dela. Né? Então tudo mais. Pode falar.
Newton: Educação sexual é essencial pra todas as pessoas sobretudo obviamente para o recorte que estamos fazendo aqui, pessoas autistas. E é muito importante conscientizar os pais nesse sentido que eles não tratem a pessoa com deficiência como a pessoa assexuada, que eles não procuram castrar e que eles encarem a realidade ali do desejo que é presente porque a sexualidade faz parte da constituição… Mano, inclusive isso é a pessoa autista for assexual também, é uma possibilidade também, mas aí é uma coisa que ela vai ter que descobrir.
Tiago: Então pessoal, indo para os finalmentes, eu queria inicialmente agradecer Fábio pela sua participação aqui mais uma vez no Introvertendo e Newton pela sua estreia aqui também no podcast. Só que antes de vocês falarem das redes de vocês e etc, eu tenho um questionário rápido aqui e vocês precisam responder rapidamente. Primeira pergunta: Domir agarrado depois do sexo ou cada um pro seu lado?
Newton: É, dormir agarrado nunca porque eu sou do Ceará e aqui só tem calor. Então não dá não (risos).
Fábio: Se estiver muito quente, não. Se estiver frio, tudo bem.
Otávio: Mesmo se estiver quente.
Tiago: Transar ao som de Barões da Pisadinha ou Ratos de Porão?
Newton: Não transar (risos). Não, Barões da Pisadinha é mais hardcore.
Otávio: Levantar, mudar a música e voltar pra cama.
Fábio: Bem, eu tenho um histórico muito grande de transar ouvindo death metal e heavy metal. Então, eu não posso opinar sobre Barões (risos).
Newton: (Risos)
Tiago: É isso, pessoal. Muito obrigado. Fiquem à vontade pra poder falar sobre o trabalho de vocês.
Newton: Agradeço o convite, é sempre muito legal e sobretudo falar dessa perspectiva, desse lugar, muito legal ouvir as experiências e tal e me relacionar ou não, me relacionando com a vivência e não me relacionando pensando essas outras possibilidades, é uma coisa que eu gosto muito. Conversar, inclusive, eu sou muito conversador. E conversar sobre sexo também, o pessoal é muito travado e eu sou muito não travado (risos).
Agradeço o convite, foi muito legal conversar sobre, espero que o debate seja muito útil pra mais pessoas e que que converse mais sobre. O meu projeto é o NM em Foco, a gente tem um site, a gente tá nas redes sociais, nas redes sociais é @naomonoemfoco. A gente tem artigo, tem podcast, tem entrevista, tem tradução sobre toda essa construção histórica, sociológica, uma pesquisa bem séria, que é feita por pessoas racializadas. O NM em Foco é feito por pessoas negras e indígenas, todas LGBT, então a nossa perspectiva parte desse lugar. E nesses casos tudo que eu produzo sempre também está nesse lugar do meu lugar como autista no mundo, né? Então pra quem quiser conhecer, e foi ótimo estar com vocês aqui neste momento.
Fábio: Novamente obrigado pelo convite. Espero que minhas barbaridades e as coisas que eu falei não sejam levadas pro lado errado. Ou leve pro lado errado, mas me convide. Brincadeira (risos).
Otávio: (Risos)
Fábio: Então visitem minhas redes sociais no Se eu falar, não sai direito. Eu só quero reforçar o que a gente agora disse no final, que pais e mães entendam que os seus filhos, por mais que eles sejam autistas, são pessoas como vocês. E muitos deles vão querer transar e muito. Então se preparem! Eduquem eles direitinho pra que o futuro, quando vocês não estiveram por perto, tudo ocorra da melhor forma possível. E usem camisinha.
Tiago: Com certeza, com certeza. E o próximo episódio do Introvertendo vai sair excepcionalmente em 11 de maio, que é o nosso aniversário, então aguarde que vai sair coisa legal por aí. Até mais, pessoal!