Em 2017, Tiago Abreu, juntamente com alguns colegas do curso de Jornalismo da UFG, produziram aquilo que se tornaria o embrião do Introvertendo. O radiodocumentário Autismo e Autonomia traz as vozes e experiências de Luca Nolasco, Michael Ulian e Otavio Crosara acerca do diagnóstico de Síndrome de Asperger, além das palavras de amigos e profissionais que atuam na área.
Participam desse episódio Luca Nolasco, Michael Ulian, Otavio Crosara e Tiago Abreu.
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Artigos relacionados ao episódio
- Autismo e Autonomia – produto radiofônico no Intercom Centro-Oeste 2018, em Campo Grande
- Apresentação em slides acerca do radiodocumentário
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Transcrição do episódio
Tiago: Um olá a você que escuta o podcast Introvertendo. Este podcast que é feito pra todos, tanto neurotípicos, quanto neurodiversos, apresenta pra você hoje mais um conteúdo especial. Meu nome é Tiago Abreu e eu sou estudante, como vocês sabem, do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás. Juntamente com outros estudantes, nós produzimos em dezembro de 2017 aquilo que era uma ideia e acabou se tornando o embrião para o Introvertendo. Nós produzimos um radiodocumentário chamado Autismo e Autonomia. Este trabalho discute um pouco a questão da inclusão do Asperger na universidade, com as palavras do Otávio, Luca e Michael e também da nossa psicóloga Tatiana Dunajew. O trabalho foi inscrito no Intercom Centro-Oeste 2018, que é um evento de comunicação, que tem etapas regionais e nacionais, em termos de produção jornalística, tanto teórica quanto prática e também em outras áreas do campo da comunicação, como a Publicidade e as Relações Públicas. Infelizmente o nosso trabalho não foi longe, mas ele é muito importante para nós justamente pela força que ele teve em discutir um tema tão negligenciado e também de servir como um parâmetro para criar o Introvertendo. Então, o conteúdo desse episódio de hoje é a íntegra deste radiodocumentário, que vão poder ouvir e pegar um pouco mais detalhadamente sobre as histórias do Otávio, do Luca e do Michael, sobre a trajetória escolar deles, até chegar na universidade. E além disso, da nossa psicóloga Tatiana acerca desses temas. Então, com vocês, mais um episódio especial do Introvertendo, que vocês vão conferir agora.
(Narração: Autismo e autonomia. Um documentário sobre ser autista e conviver com desafios. Uma produção de Aline Carleto, Gustavo Mota, Leticia Ribeiro e Tiago Abreu. Com supervisão do professor Ricardo Pavan).
Luca: O meu nome é Luca Nolasco e eu tenho 17 anos, fui diagnosticado com síndrome de Asperger já há quase um ano.
Michael: O meu nome é Michael, eu tenho 19 anos, né? Eu descobri aos quatorze anos numa consulta com neurologista. Já imaginava estar dentro do espectro autista ter várias características compartilhadas, então foi mais confirmação do que necessariamente uma descoberta.
Luca: No início do ano eu estava fazendo um tratamento de ansiedade e fui encaminhado a uma psiquiatra pra continuar esse tratamento. E ao final da primeira sessão, já disse, com quase certeza de que eu era aspie por diversas razões.
Otávio: Meu nome é Otávio Augusto, eu tenho 24 anos, eu fui diagnosticado com cirurgia em fevereiro de 2015, porque ao longo da minha infância e adolescência e começo da vida adulta, eu passei por muitas dificuldades sociais.
Luca: Eu tenho uma dificuldade enorme de manter amizades a ponto de que é difícil manter qualquer amizade por mais de dois anos.
Otávio: A dificuldade que mais pesa é a dificuldade social. É assim, eu tenho uma dificuldade em formar relações duradouras e sólidas.
Michael: Enquanto a dificuldade de interação social, isso que o meio educativo é um meio com muito contato com as pessoas diretos, indiretos, dificulta um tanto.
Otávio: Eu sempre soube como era ser diferente pros outros, é como se todo mundo falasse uma frequência e ouvisse ela, só que eu falasse uma frequência diferente e eles não me ouvissem.
Luca: Sempre foi uma coisa que todo mundo disse que era normal manter aquelas amizades que duram a vida inteira. Então, sempre foi muito difícil pra mim esse tema particularmente porque eu me achava estranho por causa disso.
Michael: É difícil pra impossível você tentar compreender a posição das outras pessoas diante de você mesmo.
Otávio: Você recebe uma informação, as pessoas veem o que ela representa, eu pego mais o significado cru da informação. Eu aprendi um pouco a pegar o que aquela informação representa, mas ainda assim eu tenho dificuldades.
Luca: A minha vontade de continuar estudando, de continuar frequentando o ambiente é extremamente dependente do meu convívio social, que era muito instável. Diversas horas entrava em atrito com colegas e com diversas outras pessoas e isso me fazia desistir totalmente de continuar estudando e foi complicado. Até hoje eu tenho muito problema com isso, mas nos últimos tempos eu consegui lidar de maneira mais fácil com isso tudo.
Otávio: Eu não sei se as pessoas me tratam diferente. Eu sei que eu ajo diferente, mas muitos amigos meus me tratam como outro.
Luca: Inicialmente, em qualquer amizade minha, sim, elas tratam. Também, porque elas têm medo de falar alguma coisa que eu não entenda, desconhecimento delas também. Então elas ficam um pouco cabreiras na hora de conversar comigo, mas com pouquíssimo convívio já desistem dessa ideia, começam a me tratar normalmente.
Otávio: Uma característica Asperger que eu tenho é a de foco em uma ideia. Se eu focar numa ideia, fortemente eu penso, repenso, eu acho que isso é a minha responsabilidade social. Essa é a habilidade avançada dos chamados autistas de alto desempenho. Eles são capazes de focar no nível maior ou muito maior.
Luca: Eu tenho uma fixação em temas bem considerados estranhos. Pra mim, obviamente, não são, mas pra muita gente é. Como um exemplo deles é fixação por física atômica, porque eu tinha muito gosto de estudar.
Michael: Hipersensibilidade e o hiperfoco é o conteúdo, é algo presente no espectro autista. No meu caso eu tenho isso desenvolvido para área da ciências da natureza, ciências da Terra. E a hipersensibilidade na questão dos sentidos, no caso da audição eu vejo isso em outros autistas também a grande sensibilidade para sons, às vezes mais voltados a um determinada frequência.
Luca: Eu, por exemplo, conseguia distinguir marcas de azeite pelo cheiro e gosto.
Michael: Eu conversei com a Tatiana que junto a doutora Maria Amélia reconfirmou o meu diagnóstico de Asperger e me encaminhou para o grupo.
Luca: Eu acredito que o grupo do Saudavelmente é capaz de gerar um senso de adesão entre os membros. Isso é algo muito positivo, porque ali nem todo mundo é familiarizado com isso ou tem isso rotineiramente na vida.
Otávio: Eu faço parte do grupo, é bom saber que outras pessoas enfrentam os mesmos problemas. Nos ajuda a superar.
Michael: As reuniões ocorrem todas as quintas no período das uma às duas e meia. Lá autistas conversam com os autistas sobre temas diversos, tentando entender várias coisas que podem ou não ser comuns entre os portadores do espectro.
(Pessoas que convivem com autistas)
Fábio: Meu nome é Fábio Fernando, eu tenho 18 anos, a pessoa que eu conheci que teve o diagnóstico de Asperger eu já conhecia há um bom tempo e quando ela falou, quando ela foi diagnosticada, pra mim foi indiferente, eu do mesmo jeito tratava antes, eu comecei a tratar do mesmo jeito. Algumas coisas que a gente fala pra essa pessoa que, pra mim, pode ser normal, mas alguma coisa que eu falo machuca essa pessoa. Tendo alguma orientação, alguma, algum conselho, eu acho que eu gostaria de ter recebido sim.
Paulo: O meu nome é Paulo Ricardo, eu tenho 21 anos, no começo tive um pouco mais de receio, de medo por ser uma situação um pouco mais delicada e tal, mas não era bem insegurança, era um pouco mais de receio mesmo de, às vezes, fazer alguma coisa que pudesse incomodar, chatear e tal, eu tive que controlar um pouco mais minhas brincadeiras, mas no fim deu tudo certo. Se a gente tivesse um contato mais direto com uma psicóloga ou algo ou alguém, algum profissional da área, seria bem mais conveniente, a gente ter uma orientação pra saber como lidar com as relações pessoais, interpessoais. Ah, eu acho que muitas pessoas não entendem, não, primeiro, por não saber o que que se passa com aquela pessoa, acham que a pessoa é simplesmente uma pessoa esquisita e acabam meio que ignorando e tal. Então, a relação, as relações acabam sendo meio prejudicadas, mas acaba não sendo uma relação muito agradável das outras pessoas que não têm muito conhecimento com o autista.
Fábio: Percebo que algumas pessoas tratam de forma diferente, uma pessoa Asperger e a pessoa não Asperger. Meu amigo que é eu sempre falo pra ele que ele é a pessoa mais inteligente que eu conheço, ele sabe tudo sobre qualquer coisa e sempre com essa inteligência ele conquistou renda fixa, ele é universitário, ele sempre tá um passo a frente.
Paulo: Acho que pela questão do hiperfoco, aquilo que ele gosta, ele consegue desenvolver com uma facilidade muito grande e isso vai gerando muitos resultados. Os empregos que ele já tinha antes também, projetos que ele desenvolve na faculdade, a vida acadêmica dele que vai de de 10 a 100, sempre 100%, ou seja, ele tá conseguindo alcançar as coisas que ele, que ele quer, que ele precisa.
Fábio: Os autistas ou as pessoas com Asperger tenhamo seu jeito, você deve travá-las de igual pra igual.
(Professores e especialistas)
Francineire: Eu me chamo Francineire, sou pedagoga e psicopedagoga, trabalho como professora há 13 anos e atualmente estou trabalhando com turmas de alfabetização na rede municipal de Goiânia. Tem uma aluna que apresenta transtorno do espectro autístico que conhecemos normalmente como autismo. O autismo é um transtorno muito complexo, então existe o grau moderado, leve e algumas crianças apresentam junto com o transtorno a hiperatividade e acaba prejudicando a concentração deles. Infelizmente, a maioria das escolas possui muitos alunos em sala de aula, o que faz com que a criança que sofre do transtorno do espectro autístico fique à parte. E ainda mais com a falta de um mediador para ajudar o professor, esse aluno ainda mais prejudicado em sua aprendizagem.
Tatiana: Meu nome é Tatiana Silva Dujanew Lemos Afonso, sou psicóloga formada pela Unesp e aí eu atuo aqui no Saudavelmente que é o Programa de Atenção em Saúde Mental aqui da UFG. A maioria dos alunos, não todos, têm muita dificuldade de acompanhar a grade, realizar as tarefas, não por alguma deficiência ou déficit cognitivo, mas pela dificuldade de se comunicar com o professor, de trabalhar de maneira individualizada, muitas vezes o aluno Asperger, ele não gosta de trabalhar em grupo. E o professor, muitas vezes, não tem informação para trabalhar a questão da docência e não aprendeu a lidar com as questões da sala de aula e muito menos com algo tão específico, que é a Síndrome de Asperger. Essa possibilidade, esse campo que se abre dentro da universidade, convivência entre essas pessoas, que muitas vezes se sentem excluídas. E também, como é um grupo terapêutico, ele é conduzido por mim, sou psicóloga, ele é um grupo que visa também desenvolver algumas habilidades e pensar sobre aquilo que normalmente se chama de deficiência, que a gente questiona bastante aqui no grupo, que não é necessariamente deficiência, mas diferença. Então, o nosso enfoque aqui é pensar a questão da neurodiversidade. O aluno Asperger não é um aluno deficiente, ele é uma pessoa que, do ponto de vista individual, ele é diferente. A principal meta é que esses alunos continuem se desenvolvendo, a maioria tá se saindo muito bem, tá se encontrando, tá conseguindo potencializar as habilidades e não focar nas dificuldades que nós temos e poder trazer, cada vez mais, alunos que cheguem à UFG ou que estejam na UFG para o trabalho em grupo e terapia individual também, afim de que todos possam se desenvolver e sair dessa dessa angústia, desse sofrimento que muitas vezes o aluno Asperger vivencia no cotidiano acadêmico.
Luca: Na minha visão, o que o Luca é, é uma pessoa normal, sendo Asperger ou não, ele é plenamente normal, às vezes é muito chato, mas não menos normal.
(Narrador: Autismo e autonomia. Um documentário sobre ser autista e conviver com desafios. Uma produção de Aline Carleto, Gustavo Mota, Leticia Ribeiro e Tiago Abreu. Participaram deste documentário, Fábio Fernando Leonel, Francineire dos Santos França, Luca Nolasco, Michael Ulian, Otávio Augusto Crosara, Paulo Ricardo Ramos, Simone Goerini, Tatiana Lemos Afonso. Com supervisão do professor Ricardo Pavan)