Muitos autistas tem TDAH, e a relação dos dois diagnósticos nem sempre é tão fácil de se entender, já que há características semelhantes e outras características opostas. Neste episódio, Luca Nolasco recebe Suzana Cardoso, autista e TDAH, e Thata Finotto, podcaster da Tribo TDAH, para um papo sobre tudo o que aproxima e distancia essas neurodivergências tão conhecidas. Arte: Vin Lima.
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Notícias, artigos e materiais citados ou relacionados a este episódio:
- Tribo TDAH
- Criatividade Atípica
- The co-occurrence of autistic and ADHD dimensions in adults: an etiological study in 17 770 twins
- The hidden links between mental disorders
- Evidence for overlapping genetic influences on autistic and ADHD behaviours in a community twin sample
- Shared heritability of attention-deficit/hyperactivity disorder and autism spectrum disorder
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Transcrição do episódio
Luca: Sejam bem-vindos ao podcast Introvertendo, um podcast sobre autismo. Hoje sou eu, Luca Nolasco, que vou apresentar. E vamos falar hoje sobre TDAH e autismo.
Thata: Oi galera, tudo bem? Aqui é a Thata Finotto, brigada de coração pelo convite, sou formada em publicidade e propaganda e marketing, tenho uma segunda graduação em jornalismo, eu também fiz letras, mas essa eu larguei e eu também cursei uma pós-graduação em semiótica psicanalítica. E é isso. E eu sou da Tribo TDAH, podcast de TDAH (risos).
Luca: Meu Deus, eu mal tenho uma graduação, eu estou aqui morrendo de inveja (risos).
Thata: A gente vai falar sobre diferenças do hiperfoco do autismo e do TDAH, certo? (risos)
Luca: (Risos). Então já tem spoiler do resto do episódio. Temos também a Suzana Cardoso.
Suzana: Olá, meu nome é Suzana Cardoso, eu tenho 29 anos. Eu sou autista e TDAH e é um prazer tá aqui com a galera do Introvertendo.
Luca: Sempre lembrando que o Introvertendo é um podcast feito por autistas e produzido pelo Superplayer & Co.
Bloco geral de discussão
Luca: Eu quero começar aqui perguntando especificamente pra Suzana. Você comentou durante a sua introdução que você é autista e também é TDAH. Você pode falar pra gente como que foi esse processo até descobrir, quanto tempo levou?
Suzana: Desde quando meus pais estavam ali na minha gestação que eles se preocupavam com isso, porque eles me tiveram já na velhice, mas sem muita delonga, porque foi todo um processo, o meu primeiro contato que eu tive com com a psicóloga foi aos dois anos porque minha mãe percebia bastante coisa. Se passaram anos, depois eu tive diversos diagnósticos errados. Devido a esses diagnósticos errados, eu já não estava mais assim acreditando muito, não estava muito fazendo sentido, porque nunca funcionava. O diagnóstico que estava errado, então o tratamento estava errado, a intervenção estava errada. Mas foi graças ao diagnóstico de meu pai com mais de 90 anos que realmente eu fui buscar porque eu vi que meu pai melhorou bastante a qualidade de vida dele e foi onde eu recebi o primeiro diagnóstico em 2018 de TDAH.
Durante as sessões com a psicóloga, ela ficava dizendo que eu tinha traços de autismo, né? Ficava comentando, foram várias sessões. E na época começou a me incomodar. Porque eu já tinha tido vários diagnósticos errados e aí seria mais um, no meu pensamento. Eu saí, larguei tudo, parei na época, tava fazendo uso dos medicamentos pro TDAH e desisti. Mas assim, é que nem a questão do óculos de grau, quem usa. Uma vez que você tá ali usando, quando você tira você não vai enxergar bem, então você vai ver que tem uma coisa diferente.
Foi quando uma amiga me indicou uma profissional. Ela já já me conhecia e eu fui pesquisar sobre essa profissional pra ver se era qualificada, achei lá os arquivos dela, vi que ela tinha um conhecimento, só que eu fui pra lá e não falei nada, não falei que essa psicóloga tinha dito isso pra mim e tal, porque na minha cabeça eu queria ir pra lá pra provar que na verdade todos os diagnósticos estavam errados e aquela ideia era infundada, né?
Passei pela avaliação e ela fechou o meu diagnóstico e ela me explicou no fundo do meu laudo veio um papel a mais assim porque ela sabia que eu ia debater. E a gente ficou um tempão eu falando com ela que ela não tinha acertado no diagnóstico. Eu tinha uma certa negação por conta desse trauma dos diagnósticos errados. Ela me explicou direitinho, respeitou todos os meus questionamentos e com isso eu tive bastante qualidade de vida.
Luca: Mas Suzana, até onde eu sei, é bem comum isso da gente mesmo depois do diagnóstico ficar questionando e duvidando isso. Eu mesmo senti isso por muitos anos hoje. Até hoje, uma vez ou outra eu fico: “e se eu não for autista e na verdade só estiver enganado todo mundo por muitos anos?” (risos). Mas com quantos anos mesmo você foi diagnosticada com cada um deles? Você falou o ano cronológico, mas eu não fiz a conta matemática na minha cabeça pra saber quantos anos eram.
Suzana: Em 2018 eu tive o diagnóstico de TDAH e um ano depois em 2019 veio o do autismo. Eu acho que a questão das redes sociais, dessa conexão com a internet foi fundamental porque foi depois que eu comecei a pesquisar, eu encontrei inclusive aqui a galera do Introvertendo, o Will Chimura, e outros produtores de conteúdos… a Tribo mesmo fez parte quando eu estava ali quando eu tive o meu primeiro diagnóstico de TDAH eu pesquisei bastante e isso contribuiu muito. Os conteúdos de vocês contribuiu pra que eu pudesse entender.
Thata: Own, obrigada (risos)!
Suzana: É, foi muito importante. Porque se eu tivesse só o diagnóstico da terapeuta ali com certeza eu ia sair dali, ia voltar e falar assim: “ah, velho, é mentira!”. Ia continuar vivendo porque foram muitos diagnósticos errados, né?
Luca: Sempre muito feliz com isso (risos). Mas agora eu vou puxar pra Thata. Como seu próprio trabalho diz, o Tribo TDAH, como foi que você foi diagnosticada pro TDAH?
Thata: Na verdade eu sei que o meu caso é um pouco diferente da grande maioria dos TDAHs, até porque ele tem bastante privilégio quando eu era pequena, quando eu nasci. A minha mãe é neurologista. Começa aí. E eu não era uma criança típica. Eu odeio a palavra “normal”. Eu não era uma criança típica. Já era extremamente agitada em um nível que a minha agitação superava todas as outras crianças da mesma faixa etária a minha volta. Do tipo: eu não conseguia fazer um exame pediátrico e às vezes eu demorava horas e horas a mais pra colher um exame infantil, uma coisa rápida às vezes. Por causa da minha agitação, porque eu não parava quieta. Então antes do 1 ano de idade a minha mãe já ficou com aquela pulga atrás da orelha, ela já desconfiou do meu TDAH.
E eu sei que por ser mulher, isso é muito raro no sentido de as pessoas não acreditam em mulheres hiperativas. Essa suspeita da minha mãe só acabou tendo frutos quando eu entrei em idade escolar, na primeira série, eu tinha uns 7 aninhos e a professora da escola chamou minha mãe e falou: “olha ela não presta atenção na aula, ela é muito inteligente, ela entende tudo que a gente está ensinando, mas ela se distrai muito fácil”. E eu era muito agitada, eu não conseguia parar nas aulas de educação física, porque pra mim era uma tortura, 30 crianças, um gol, uma fila de 30 crianças pra chutar uma bola e voltar no fim da fila e na sala de aula eu não prestava atenção, entendia a matéria e não prestava atenção no resto nas explicações da professora a partir do momento que eu entendia.
Então a professora chamou a atenção da minha mãe, falou com com os meus pais e falou: “olha, ela não está se adaptando muito bem”. Aí obviamente crianças dos anos 90, isso foi já no começo de 1991, eu estava na… bom, enfim, vai denunciar a minha idade, mas estava na primeira série em 1991. Eu fui proibida de levar todos os lápis e estojos coloridos, estojos com brinquedinho e naquela época tinha lapiseira que soltava bolinha de sabão e tinha estojo que era um um quebra-cabeça. Enfim, eu fui proibida de usar tudo isso e eu precisei ficar na primeira fileira na frente da professora, na frente da lousa, longe da janela pra prestar atenção. E eu fui pra psicóloga, comecei o meu trabalho psicológico de acompanhamento, enfim, e foi aí que a psicóloga descobriu que eu realmente tinha TDAH.
Só que entra o plot twist da história, ninguém me contou e eu nunca soube o que que era TDAH até 2005, 2006 quando eu tava com 22 anos por aí, no meio de uma crise de depressão, no meio do meu TCC, aí aconteceu que de repente no Orkut, meu irmão tava vendo uma página do Orkut e aí ele encontrou uma página de TDAH, chamou minha mãe e falou: “mãe, eu que eu tenho isso daqui!”. Minha mãe, com a maior calma do universo: “não, sua irmã que tem”, voltou a fazer as coisas dela. Eu arranquei meu irmão do computador, eu fui pesquisar absolutamente tudo sobre TDAH, mas naquela época pesquisar tudo sobre TDAH significa blogs caseiros, cursores de glitter que deixam um rastro na tela. Então o material era escasso, as fontes de referência eram muito escassas e boa parte das informações que você tinha você encontrava pelo Orkut e muitos anos depois pelo Facebook.
Mas eu descobri o meu TDAH no susto. Eu nunca suspeitei de TDAH antes de 2005, 2006. Eu nunca tinha ouvido falar de TDAH. Pra mim foi um choque, mas ao mesmo tempo sabe aquela sensação de “agora tudo faz sentido na minha vida”? Foi meio que o oposto da Suzana, que não se identificava. Finalmente na minha vida as peças começaram a se encaixar.
Aquela frase que as mães sempre falam: “você não é todo mundo, você não é igual a todo mundo”, finalmente eu senti que eu realmente não era igual a todo mundo. E todas as vezes que eu tentei ser igual a todo mundo não deram certo, tinha um motivo porque eu nunca ia conseguir. Ser diferente é único e ser único pode ser legal também.
Luca: Até agora eu estou chocado com a história de ter descoberto o TDAH na mais absoluta coincidência. Eu achei isso incrível. Assim, óbvio, aterrorizante você passar tantos anos sem saber o que tem do nada descobrir por um susto. Mas é uma história muito anedótica, muito curiosa. E o que você tinha comentado sobre existir certo preconceito do TDAH ser mais coisa de garoto, “menina não tem isso de hiperatividade”, ocorre muito com autismo também. Há um subdiagnóstico gigantesco entre qualquer pessoa que não é um homem cis.
Thata: Eu acho que talvez eu vá um passo além de você. Não é só um homem cis. É um homem cis padrão. É um homem cis, por exemplo, que é magro. Qualquer coisa que vá além disso… se você, por exemplo, está acima do peso, se você for gordo ou qualquer coisa, as pessoas não vão te diagnosticar porque vão falar que: “mas se você emagrecer, você vai melhorar sua atenção”. As pessoas usam as maiores desculpas do universo pra não dar diagnósticos de transtorno mental. Eu acho que tanto pra TDAH, quanto pra autismo.
No TDAH eu já ouvi umas coisas tão absurdas… especialista negando o diagnóstico porque uma pessoa tem um diploma de ensino médio, sabe? Você se formou no ensino médio ou você tem faculdade e você nunca pode ser TDAH porque “TDAH não se forma”. E é a coisa mais absurda. As pessoas falam: “ah, você tá acima do peso, então você tem que primeiro emagrecer pra depois a gente tentar descobrir alguma coisa”. Uma pessoa trans pode ser feliz sendo trans e tendo TDAH e uma coisa não interfere na outra por exemplo, sabe?
Luca: E agora a gente vai pra parte que mais confunde os profissionais que são responsáveis por diagnosticar qualquer uma dessas condições que é: quais são as diferenças e semelhanças entre o TDAH e autismo?
Thata: Eu começaria falando que tanto o autismo quanto o TDAH as vezes eles se intercalam e é uma ocorrência bem comum. Os dois tem bases em hereditariedade, então existe uma base genética tanto pra autismo quanto o TDAH. E em um estudo da Nature de 2014 que eu achei, a hereditariedade tanto pra TDAH e autismo é 75%. É muito grande. E aí tem um outro estudo que fala sobre as ligações, sobre TDAH e autismo e a prevalência dos dois é alta. No CID-11, os dois estão como transtorno do neurodesenvolvimento. Significa que o nosso cérebro amadurece e se desenvolve em um outro passo comparado com o resto da população neurotípica.
E tem algumas coisas na nossa bioquímica cerebral que vão ser similares. Por exemplo, o hiperfoco, TDAHs tem hipersensibilidade, podem ter hipersensibilidade que vão nos afetar em outras maneiras, TDAHs podem ter uma certa rigidez de pensamento também, mas tem algumas coisas que as pessoas só falam relacionadas ao autismo por exemplo, elas não citam tanto com TDAH.
Suzana: Mas tem alguns critérios que têm essa diferenciação, né? Justamente da questão por exemplo, a dificuldade marcante do autismo em interagir. Geralmente no TDAH quando tem algumas barreiras sociais, não é pelo simples fato de as mesmas características. Por exemplo, o autista tem a dificuldade mais na ironia, as vezes de compreender ali, já o TDAH, as vezes por conta da impulsividade, né, da desatenção, acaba gerando essa dificuldade na interação. Então, às vezes por isso que é tão difícil às vezes ter essa questão do diagnóstico e precisa sim de mais estudos para poder analisar realmente esses critérios.
A questão da imperatividade motora. Porque geralmente tem ali a questão do processamento sensorial que vai acontecer em ambos, mas o TDAH vai tá em constantemente se mexendo não por estar ali precisando processar a parte sensorial como acontece no autismo, o hiperfoco do autista geralmente tende a ficar mais tempo no hiperfoco, tem vários hiperfocos diferentes, mas são duradouros. Já no TDAH quando você olha o perfil do TDAHs às vezes muda, fica no hiperfoco mas é diferente também essa característica, né?
Thata: Pelo menos a impressão que eu tenho é que vocês tem um hiperfoco, por exemplo, pode ser aquele foco de vocês da vida.
Suzana: Isso!
Thata: Uma coisa que vocês passam anos e anos e anos. E o TDAH ele tem os dois: o hiperfoco curto e momentâneo do tipo: entrei na internet, hoje vou dormir cedo, pisquei são seis horas da manhã e você literalmente não viu o tempo passar. Porque no TDAH, o hiperfoco está muito ligado com o nosso déficit de dopamina de neurotransmissores de dopamina no cérebro, que ele está ligado com o tempo. A gente não vê o tempo passando, a gente às vezes tá tão imerso em uma coisa que a gente não se levanta pra ir ao banheiro, não toma água, não come, perde refeição e você literalmente não vê 5 minutos, passaram 5 horas, você piscou, você não viu o tempo passar. Isso pode ser um hiperfoco momentâneo, mas a gente tem o hiperfoco longo também, hiperfoco que você fica anos.
Eu tinha um hiperfoco em mangás e cultura japonesa, eu fui fazer uma faculdade de japonês e eu trabalhei numa editora de mangás durante uns 2 anos porque eu lia absolutamente tudo, via todos os animes e eu estava sendo paga pra ler mangás. E aí hoje um dia eu estou fazendo podcast há uns 8 anos e eu trabalho como produtora de podcast depois de fazer vários anos o meu podcast. Então às vezes o TDAH também pode levar o hiperfoco às últimas consequências, do tipo de trabalhar com isso e aquilo se tornar a sua vida inteira.
Suzana: E tem a questão também da impulsividade do TDAH que acaba também fazendo com que você esteja frequentemente nessa questão. Você não para. Você quer terminar por conta disso também desse excesso. A questão por exemplo de desorganização, porque tem a questão das funções executivas que acaba tanto o autista quanto o TDAH. Só que eu mesmo parece que assim às vezes eu estou numa montanha russa no sentido dessa organização porque eu gosto das coisas organizadas e parece que as coisas se embolam, né?
E quando eu vejo, por exemplo, meu pai e o seu guarda roupa… porque geralmente o guarda-roupa de homem, as pessoas falam que é tudo bagunçado. [O dele] é tudo dobrado assim, milimetricamente e eu gosto de organização, mas fico me bagunçando o tempo todo, né? Como se fosse duas características assim, que às vezes eu não vejo em quem tem só o TDAH ou só autismo.
É que eu vejo uma diferença. Por exemplo, o autista que tem predominantemente desatento. Eu vejo que na parte social, por exemplo, que já tem uma dificuldade do autismo parece que é mais acentuado. Eu percebo essa dificuldade às vezes.
Thata: Eu vejo muito o TDAH mais como o caos enquanto pra mim autismo parece mais uma coisa organizada. E talvez uma pessoa que seja autista e TDAH ao mesmo tempo… eu posso estar falando muita besteira aqui, mas é impressão que eu tenho. Quem olha só de fora pelo ângulo do TDAH. E pessoa que tem a comorbidade dos dois é uma pessoa que constantemente está lutando entre entre o caos e a ordem e tentando se encontrar naquele meio de caminho.
Suzana: É!
Thata: Eu acho talvez assim… a gente esqueceu de falar que pra você ter diagnóstico de TDAH são três critérios. Você tem que ser desatento, hiperativo e aí a hiperatividade, como Suzana falou, pode ser física, mas ela também pode ser uma hiperatividade que ela é só mental e você tem que ser também impulsivo, são os três critérios. Só que o que acontece são essas três divisões que você pode ser mais predominantemente desatento e a impulsividade e hiperatividade elas ficam num segundo plano, você pode ser mais hiperativo e impulsivo e aí desatenção fica no segundo plano ou o tipo misto ou combinado que é o nosso tipo, aparentemente Suzana e eu somos desse tipo (risos), que ele tem tudo junto ao mesmo tempo e muito exacerbado. Tem momentos que você tá mais distraído, mas tem momentos que está mais hiperativo, acontece de estar distraído por causa de uma hiperatividade. Só que a diferença, por exemplo, entre a gente TDAH e uma pessoa neurotípica é que os nossos níveis basais, os nossos níveis de hiperatividade, impulsividade e distração são muito acima do que qualquer outra pessoa.
Então autistas, vocês ouvem exatamente a mesma coisa que a gente. “Ai, todo mundo é um pouco autista. Ai, todo mundo é um pouco TDAH”. Não! O que faz com que a gente tenha um transtorno mental significa que tem um impacto, um prejuízo na nossa vida. Existe um nível que é muito acima do que as outras pessoas esperam e aceitam na sociedade.
Suzana: Uma questão também que eu vejo muito na questão do TDAH porque o autista quando ele tem um assunto, um hiperfoco ali, você fica. Mas o TDAH, mesmo no assunto de interesse, às vezes quando alguém está ali precisa prestar atenção, existe a dificuldade justamente por conta da dopamina. E aí que vem que a pessoa às vezes fala: “não, está ali desatento, não está prestando atenção”.
E às vezes eu gosto de comentar quando alguém fala assim: “ah, eu também sou esquecido!”, que você falou: “ah, sou um pouco TDAH”. Eu costumo perguntar assim pras pessoas: “Me responde uma coisa: como é que foi sua manhã? Você acordou como?”. “Não, é porque eu acordei atrasado pra ir pro trabalho”. Sempre tem alguma situação que vai levar essa questão da desatenção, da hiperatividade e no TDAH é justamente isso, a questão dos prejuízos. Isso vai acontecer mesmo que tudo esteja calmo, mesmo que esteja tudo acontecendo normal, vai ter essa dificuldade, diferente das pessoas neurotípicas.
Thata: Meu, eu esqueço de almoçar pelo menos uma vez por semana, uma ou duas vezes, às vezes eu começo a fazer as coisas que eu preciso fazer, mas eu vou olhar no relógio, são 6 horas da tarde e eu: “acho que eu não almocei e nem tomei café da manhã hoje, não sei como eu não desmaiei ainda” e aí eu vou comer. Eu já tive uma infecção renal porque eu esquecia de ir ao banheiro e tomar água num estágio. Porque eu tinha tanta coisa pra fazer que eu chegava no trabalho, sentava na minha mesa, levantava pra almoçar porque todo mundo levantava pra almoçar no escritório, voltava pra minha mesa e levantava na hora de ir embora de novo. E eu esquecia de tomar água, não levantava pra ir ao banheiro e eu tive uma infecção renal por isso.
Tem coisas que são absurdas e as pessoas não entendem como alguém pode esquecer de fazer funções básicas da vida, por exemplo, dormir. Mas Suzana, eu imagino que você tem histórias iguais porque isso pra gente é meio que é comum, pra quem é TDAH é meio que dia a dia a dia.
Luca: Desculpa eu interromper, só uma dúvida que surgiu. Porque você estava falando de dificuldades atuais, na introdução do episódio tanto a Thata quanto a Suzana falaram sobre a dificuldade antes de ter o diagnóstico, principalmente a Thata falou sobre a questão de simplesmente não saber o que era e estar num quadro depressivo e tudo o mais. A Suzana falou de outra perspectiva, mas essencialmente a mesma coisa.
Isso parece ser algo recorrente entre pessoas antes do diagnóstico. E quais foram os impactos negativos antes do diagnóstico que vocês tiveram? Isso realmente ficou no canto da minha cabeça, sabe? O tempo todo.
Suzana: Não ter o diagnóstico precoce é muito complicado porque o autista já tem essa dificuldade. Eu sempre tive essa dificuldade com as pessoas, porque ninguém vai te orientar em nada, então a dificuldade de você não ter o diagnóstico me fez com que no ensino médio eu tivesse a evasão escolar, que é muito comum tanto no autismo quanto no TDAH acontecer justamente porque você tem bastante dificuldade, não está compreendendo, você sofre bullying, então você acaba se achando estranho.
Então eu saí da escola porque achava que eu não tinha capacidade de aprender. E foi depois de muito tempo que conheci o meu esposo, meu esposo me deu muito crédito e falou: “olha, volta!”. E foi bem complicado porque ele acreditava mais em mim que eu em mim. Então eu comecei a alavancar os estudos muito tempo depois. Eu fiquei, não sei… foram seis anos fora da escola ou oito e hoje eu estou indo pra minha segunda graduação e justamente por conta até do próprio diagnóstico, minha segunda graduação está sendo com as questões de adaptação que eu posso ver claramente que sem essas adaptações como é difícil. Percebi que na verdade eu tenho capacidade depois disso. Eu passei a vida toda achando que eu não tinha capacidade, que qualquer pessoa fosse melhor do que eu, porque eu não estava desenvolvendo, eu não sabia, então foi o que me possibilitou, né? É bem discrepante quando você olha assim.
Thata: É isso que o Suzana falou, você cresce se achando diferente não sabendo o porquê. Eu acredito realmente que o TDAH tem um um déficit social diferente do autismo. Talvez não seja por exemplo em perceber ironias, mas saber por exemplo a hora de falar, a hora de parar de falar e como demonstrar empatia de uma maneira que as pessoas entendem que você está tentando ser empático com a outra pessoa, são coisas que são um pouco difíceis pra TDAHs. E por exemplo, redes sociais. Atualmente, redes sociais você não entende necessariamente o que as pessoas estão falando. As pessoas falam uma frase solta, por exemplo, um tweet que tem pouquíssimos caracteres, você não entende. Eu tenho muita dificuldade às vezes quando falam comigo de entender se a pessoa está tentando tirar sarro de mim, se ela está concordando comigo ou criticando alguma outra terceira situação que eu não sei qual é por causa dela. Então existem essas dificuldades até em comum também.
Eu acho que todo diagnóstico é uma ferramenta. Não ter essa ferramenta faz com que você se arrisque muito mais, entre em situações às vezes que você poderia ter evitado se você talvez se conhecesse melhor, se você tivesse uma autoestima melhor, porque a falta de diagnóstico faz com que a gente tenha uma autoestima baixíssima. Porque nós somos a criança problema. Mesmo que você tente sempre fazer tudo certo, alguém alguma hora vai te falar que você é uma criança problema por alguma coisa, ou você é uma criança bagunceira, ou você é uma criança que não estuda direito, você é uma criança que: “ah, pras coisas que você gosta você tem atenção, mas você fala que é TDAH porque não consegue fazer a lição de casa”. Então isso são frases que a gente é bombardeado o tempo inteiro.
Tem um fator por exemplo no TDAH que ele é um pouco diferente do autismo. Na parte de autismo, eu admiro muito a luta autista porque vocês conseguiram reconhecimento perante a lei para entrar com leis de acessibilidade e deficiência, por exemplo. O TDAH não tem isso. Então a gente não pode entrar numa vaga de deficiente. E quando uma pessoa TDAH fala no trabalho que ele é TDAH, muitas vezes ela é demitida justamente pelos sintomas do TDAH ou às vezes porque a pessoa começa a te olhar diferente e ter preconceito de um transtorno que ela não entendeu, ela não sabe neurotípica, mas vai achar que você é desajustado na turma e você vai ser demitido por isso.
Luca: Seu podcast, a Tribo TDAH, é um podcast com bastante relevância nacional por ter muita audiência, o que a gente queria saber: existe mesmo essa intersecção entre TDAHs e autistas ou simplesmente outras pessoas neurodivergentes no público do seu podcast? Porque o introvertendo é mais direcionado só para autistas, mas também tem muitas pessoas que são neurodivergentes com outras questões, então como que é no seu podcast?
Thata: Eu acho que a maioria, assim, pegando, por exemplo, pelo meu grupo de apoiadores, nesse grupo tem um monte de gente que é TDAH, mas também tem comorbidade com autismo. É um perfil um pouco diferente nas redes sociais dos ouvintes de podcast de quem apoia porque eu cheguei a fazer pesquisas de público e tudo. A maioria dos meus ouvintes do podcast é TDAH ou são pais e mães ou são pessoas que tem alguma especialidade profissional que tem alguma relação: professores ou neurologistas e psicólogos, por exemplo, mas essa essa parcela é muito menor. A grande maioria dos meus ouvintes é TDAH adulto ou adolescente e existe um segundo grupo que ele é bem menor, assim, que são pais e depois vem os profissionais.
Já nas redes sociais, principalmente no Twitter, tem muita gente autista que me segue, que eu interajo e não necessariamente são autistas que tem um diagnóstico de TDAH também. Obviamente o público TDAH é muito maior. Mas existe uma intersecção entre o nosso público de pessoas que ouvem vocês, pessoas que me ouvem, que tem as duas comorbidades, que tem os dois juntos e tem gente autista que interage muito comigo nas redes sociais por causa das similaridades e até das diferenças do TDAH mas não necessariamente tem TDAH. Mas é um grupo menor, é um grupo significativamente menor se eu comparar com as pessoas com o que tem TDAH.
Mas eu acho muito interessante isso porque querendo ou não a gente tem a pauta da neurodiversidade em comum. A gente tem a pauta de tentar lutar por mais acessibilidade de uma maneira geral que tanto pro autismo quanto pro TDAH eu me inspiro muito em pessoas autistas e nas lutas autistas que vocês conseguiram. Pra mim é o meu ideal de conseguir, não só com a Tribo TDAH, mas com a comunidade do TDAH de uma forma geral no Brasil.
Eu sempre chamo autistas de “primos próximos”, vocês são nossos primos porque a gente está no mesmo conjunto de transtornos de neurodesenvolvimento. Eu não sei como vocês sentem isso, como é que é TDAH para vocês assim, se vocês tem interação muita interação nas redes sociais principalmente, Luca, com o Introvertendo.
Luca: Então, meu irmão é TDAH, meus dois irmãos. Minha mãe também. Só que, no caso, o meu irmão é autista e TDAH, a minha irmã é só TDAH e minha mãe também só TDAH. Então eu estou imerso nesse meio, acaba tendo suas peculiaridades conviver bastante assim. Suzana, como que uma pessoa já diagnosticada autismo mas que tem suspeitas de TDAH, como que você acha que ela deveria prosseguir?
Suzana: Importante que nunca a gente pense que: “ah eu já tenho um”. No meu caso mesmo, eu tive primeiro TDAH , mas tanto faz. Se você tiver autismo e pensar: “não, já tenho o diagnóstico de autismo e está tudo certo. Cada transtorno vai precisar, apesar de você perceber essas semelhanças, ah isso é um pouco semelhante, tem a dislexia, a discalculia e outros transtornos do neurodesenvolvimento, mas cada um existe ali uma especificidade que é necessário você estar tendo um acompanhamento, mas é importante se você suspeitar, você ter essas questões, buscar um especialista, que esse profissional ele seja realmente humanizado. Porque tem profissionais que não ouvem suas queixas, eles ficam te analisando ali e às vezes também é importante você ter um pouco do detalhamento da infância. E quanto mais você tiver, melhor. Se você é suspeita, você tiver essa oportunidade ali de ter algum parente, algum amigo, algum conhecido que te dê ali como era um pouco do teu perfil de infância até pra facilitar.
Eu sei que é um assunto polêmico a questão do autodiagnóstico, mas por eu já ter o diagnóstico de autismo e de TDAH, a minha filha mais nova tem o diagnóstico de TDAH, eu achava que ela tinha TDAH do tipo desatento. Ela sempre estava ali derrubando alguma coisa, caindo, se machuca demais e eu praticamente defini que ela tivesse TDAH do tipo desatento, mas aí eu fui fazer a avaliação dela e acabou sendo a questão da dislexia, discalculia, disortografia e é importante você ter o diagnóstico correto, porque senão realmente vai dificultar. Então eu sei que é complicado a gente falar de autodiagnóstico porque a gente sabe que infelizmente é um custo caro, eu não vou entrar muito nesse detalhe que a gente sabe das dificuldades, mas também é importante você ter esse diagnóstico correto se não não vai impactar muito. Você vai tentar fazer algo ali que não vai te servir.
Luca: Gente, obrigado pela participação e aprendi bastante. E pro ouvinte que gostou do que ambas vocês disseram e quer ir atrás e quer ouvir e quer ver, quais lugares ele pode pesquisar?
Suzana: Eu que agradeço a participação, poder tá aqui com vocês, porque realmente vocês no início do meu diagnóstico principalmente eu ainda acompanho também vocês, mas vocês foram muito importantes, o Introvertendo, então é um prazer tá aqui com vocês. Quem quiser me seguir nas redes sociais, tô lá no Instagram Criatividade Atípica, no Linkedin tá como Suzana Cardoso, mas me acompanhe lá no Instagram que eu mais conteúdo por lá (risos).
Thata: Gente, foi uma honra participar aqui. De verdade, eu gosto de ouvir vocês, eu gosto de aprender as coisas com o Introvertendo, é um mega de um podcast e eu espelho algumas coisas que eu admiro pra caramba o trabalho de todos vocês da equipe, assim. Obrigada, de verdade pelo convite. Eu falei nos bastidores, eu dormi muito mal essa noite porque eu tava sonhando com essa gravação (risos), é o quanto eu fiquei ansiosa, hiperativa com essa gravação, enfim eu tava pulando no dia que o Tiago me convidou, eu espero que os ouvintes tenham gostado, me sigam lá na Tribo TDAH no Twitter quanto no Instagram e o meu podcast Tribo TDAH está em todos os players de podcast e se você não encontrar o link me pergunta no Twitter que eu vou te passar. É isso (risos).
Luca: É isso. Muitíssimo obrigado e até mais.