Introvertendo 194 – Autismo na Infância sem Diagnóstico

Embora a importância do diagnóstico precoce de autismo seja bem disseminada na comunidade, muitos autistas hoje adultos não puderam ser beneficiados por ele. Neste episódio, voltamos à nossa infância para lembrar características e situações as quais indicavam que o autismo sempre esteve lá, e como a ausência do diagnóstico afetou nossa qualidade de vida. Participam: Carol Cardoso, Tiago Abreu e Willian Chimura. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá pra você que ouve introvertendo que é o principal podcast sobre autismo do Brasil e que é formado por autistas diagnosticados da vida adulta. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, um dos integrantes do podcast, meu diagnóstico de autismo é de 2015 e eu tenho certeza que se ele tivesse vindo antes da minha vida teria sido melhor.

Willian: Eu sou Willian Chimura, também sou produtor de conteúdo no YouTube, também sou autista e o meu diagnóstico foi na vida adulta, ou seja, eu tive também uma infância sem diagnóstico, mas é claro eu nasci autista.

Carol: Eu sou a Carol Cardoso, eu tenho 24 anos e eu sou uma criança autista que cresceu demais.

Tiago: E como a Carol e o Willian já deixaram no ar, o episódio de hoje é pra falar sobre autismo na infância, numa infância sem diagnóstico, que é o nosso caso, porque ao longo desses anos de Introvertendo a gente fala muito sobre autismo na vida adulta, mas pouquíssimas vezes a gente teve a oportunidade de falar sobre a nossa infância. Então, é o momento de voltar um pouco para o passado e perceber que o autismo sempre esteve lá, mas na verdade não foi muito bem identificado pelas pessoas ao nosso redor. Vale lembrar que o Introvertendo é um podcast feito por autistas cuja produção é da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Tiago: Quem já ouviu o episódio 86 – “O que é o autismo?”, aqui no Introvertendo, sabe que o autismo, de acordo com os critérios do DSM, é definido por dois grandes domínios que envolve dificuldades na comunicação social e na interação e o segundo domínio que envolve comportamentos repetitivos. São critérios bem claros, bem específicos, mas a gente sabe muito bem que quando a gente fala sobre autismo, existe uma faixa do espectro do autismo que não envolve nenhum tipo de déficit na linguagem e na deficiência intelectual e essa faixa do espectro do autismo corresponde muito a experiência de nós três aqui todos que vieram com o diagnóstico tardio. Então apesar de ser diagnóstico tardio, na verdade o autismo sempre esteve ali.

Acho que um dos ambientes mais claros que indicam essas dificuldades do autismo, primeiro é o próprio circuito familiar. Porque muitas vezes as mães, os pais, eles conseguem perceber alguns aspectos muito significativos, acham que tem alguma coisa, às vezes levam pra um consultório, mas o médico não indica nada e dentro do ambiente escolar também, em que muitas vezes os professores com várias crianças já meio que estão treinados ali a perceber um essa criança ter alguma coisa ou outra. E eu imagino que não só na vida de vocês como na minha ocorreu que as pessoas indicavam que tinha alguma coisa mas não sabiam definir esse nome e esse nome claro mais tarde veio se conhecer como autismo. Então existem várias questões como o desenvolvimento de linguagem, de comunicação, de habilidades motoras e até a reatividade a estímulos do ambiente que são atípicos e que muitas vezes estão intrincados desde a nossa infância. Então, eu acho que é muito importante a gente fazer um balanço geral de como era o início dessa infância, quais eram as características do autismo que eram mais evidentes nessa faixa na vivência de vocês.

Willian: Apesar de estarmos falando aqui do autismo conhecido como “leve”, é comum que os pais e os cuidadores consigam notar alguma diferença e no meu caso do meu diagnóstico, também para confirmar minha hipótese de diagnóstico de todo o processo e tal. Eu perguntei muito para o meu irmão, pra minha mãe, pro meu pai sobre essas características da minha infância, mesmo porque não lembro de todas. Apesar de que eu em específico, lembro sim de algumas coisas bem atípicas na verdade. Uma impressão dos meus pais em relação ao meu irmão (que eu tenho um irmão mais velho) era sempre que eu era de algum jeito uma criança mais esperta, mais inteligente e isso era geralmente interpretado com algo positivo na verdade pelos meus pais. Então em alguns exemplos que foram marcantes, por exemplo, para o meu pai, ele se lembra que eu aprendi a usar o telefone sozinho mesmo sem saber os números. Eu também tinha muitos maneirismos.

Meu pai se lembra que eu empilhava revistinhas em quadrinhos pela casa e que eu tinha um jeito específico de empilhar elas. E o meu pai sempre ficava se questionando qual era a razão daquilo. Sobre o meu processo de alfabetização, meu pai também me narra uma peculiaridade que eu tive ali em um certo dia que eu fiquei tentando tantas vezes e isso eu realmente me lembro, não lembro do processo, mas eu tenho essas memórias de ficar apertando botões em determinadas sequências no controle de videogame até o ponto de conseguir decodificar ali quais eram os símbolos da revista e quais eram os seus correspondentes ali aos botões do controle a serem apertados, isso tudo falando aqui numa idade de 4 anos. É uma idade que eu ainda estava na pré-escola ou até antes mesmo da pré-escola e todas as questões aconteceram dando essa impressão pros meus pais de que eu era uma criança diferente nesse sentido positivo.

Também tinha outras questões de rituais, de birras, vamos dizer assim, de explosões que preocupavam mais principalmente o meu irmão. Porque eu era muito insistente, muito repetitivo nas atividades que eu gostava de fazer. Então tinha um amigo do meu irmão específico que eu enchia muito o saco dele. Eu adorava ele, adorava fazer todas as atividades com ele, assim, era um hiperfoco mesmo em sempre estar ali compartilhando N atividades com ele e tal. E eu era muito insistente. E isso criava diversos conflitos a tal nível assim, que era de um pega um nível de apego que é certamente atípico. Ao mesmo tempo, o meu vínculo com a minha mãe também não era típico. Enquanto as outras crianças claramente recorriam mais a sua mãe, tinham aquela guarda ali como ponto de segurança, eu já parecia mais independente. Geralmente as pessoas falavam que eu parecia um pequeno adulto. E eu sempre me dei melhor e socializei melhor com pessoas mais velhas, muito mais velhas enquanto eu era criança, o que também chamava a atenção.

Além disso, tinha as outras questões sensoriais, de cheiros, texturas, calças jeans por exemplo, calçados, amarrar cadarço, já me coloquei em diversas situações perigosas na verdade por conta de padrões luminosos que eu ia atrás ou de texturas ásperas demais que muitas vezes que eu precisava sentir e acabava machucando ou senão algum jeito específico de me jogar da cama no chão ou descer as escadas. Enfim, diversas questões, diversas brincadeiras ou formas ritualizadas de se andar pela casa, de interagir com os objetos que frequentemente os meus pais e as pessoas que estavam em volta pensavam assim: “poxa, mas por que que o Willian é desse jeito? Por que ele foi inventar de fazer isso? Por que ele tá fazendo desse jeito? Ah, é pra chamar atenção, ah é birra, ah ele é assim mesmo, ah ele faz umas coisas diferentes”. E ao longo da vida sempre foi assim. Sempre fui essa criança. E é claro sem contar com as outras questões mais óbvias do autismo que são as estereotipias que eram presentes, morder a gola da camiseta. Eu tinha uma estereotipia com a barra das minhas camisetas também, eu adorava repetir frases de jogos, principalmente alguns desenhos animados, às vezes em inglês também. Então, adorava isso bem de uma forma bem estereotipada mesmo, tradicional.

Carol: Nos primeiros anos da minha infância, eu tinha uma dificuldade muito grande sensorial, principalmente em relação a cheiros. Então, todos os dias quase, quando na hora exata em que passava o caminhão do lixo na frente da minha casa, eu vomitava. Só que os médicos nunca iam entender, nunca iam entrar na minha cabeça e ver que aquilo acontecia por causa do caminhão do lixo. Eles sempre viam o efeito que era o vômito. Então eles começaram a tratar para questões de refluxo e vômito. E por muitos anos eu tomei medicação pra isso, mas que nunca foi pensado como um aspecto relacionado também a minha dificuldade com o abraço, dificuldade de abraçar as pessoas da minha família e o fato de que sempre que alguém me tocava eu tinha um instinto de me esquivar. Então isso também era muito presente… a dificuldade que eu tinha, a expressão das emoções. Então quando todo mundo estava feliz, todo mundo estava pulando, gritando, eu sempre olhava desconfiada para tudo aquilo porque era uma coisa que eu não entendia o porquê as pessoas estavam agindo assim e eu também não conseguia agir da mesma forma. Isso é presente na minha vida até hoje.

Por a gente não ter uma dificuldade muito acentuada em aspectos educacionais, pelo contrário, a minha mãe sempre ressalta que eu me desenvolvi de uma forma até precoce em relação a andar, falar, formular frases complexas e é muito importante ressaltar que da parte da minha família não houve nenhuma negligência. A minha mãe por perceber que existiam alguns comportamentos no mínimo atípicos sempre relatava eles aos médicos que me acompanhavam e pediatras, mas que sempre foram feitos de uma forma isolada.

Tiago: É muito interessante essas observações de vocês porque é claro que eu tenho um histórico de vida bem diferente, mas tem alguns pontos pelos quais eu me identifico. Fazendo um breve histórico da da minha vida, minha mãe me teve cedo, então ela não tinha também muito repertório para poder identificar atipicidades, mas ela percebeu que eu reagia de uma forma meio estranha aos estímulos. Então, se eu tivesse de costas, por exemplo, e ela fizesse algum estímulo sonoro, eu não reagia e ela achou até que eu era surdo. Depois ela fez alguns exames junto com o médico e viu que eu não era surdo. E aí eu desenvolvi fala indo pra escola, eu já contei isso aqui no podcast, e eu acabei me desenvolvendo academicamente muito bem, comecei a ler sozinho, li as minhas histórias sozinhos, tinha uma habilidade com leitura muito significativa, de certa forma eu era uma criança meio estranha assim em situações sociais, me comportava de uma forma diferente com adultos, eu era lido com uma criança bastante inteligente, tinha um bom desempenho acadêmico, mas ainda criança eu me envolvia em muitas gafes sociais. Então, assim como o Willian disse de pegar frases de filmes, etc, e inserir em contextos totalmente diferentes, eu tinha um pouco disso com o Chaves, por exemplo, isso me envolvi algumas reclamações na escola.

Eu tinha uma dificuldade muito significativa com mudanças de rotina e eu me lembro também que dentro do ambiente doméstico por eu ser lido como uma criança muito inteligente academicamente, a minha mãe e o meu pai nunca entenderam muito claramente de eu ser tão ruim em outras coisas que exigiu uma inteligência social. E eu fui crescendo meio que com essa noção. “Poxa, ele é tão inteligente nas questões acadêmicas, mas ao mesmo tempo ele é um tapado em outras questões”. Mas diferentemente de vocês, eu não tenho tantas histórias do meu início de vida e tenho mais histórias do período da escola, porque aí que os déficits se tornaram mais evidentes.

Eu tive muitas dificuldades no período escolar. Principalmente nessa primeira fase do ensino fundamental em que eu mudei de uma escola para outra e basicamente toda semana minha mãe era chamada porque reclamavam do meu comportamento porque eu tirava excelentes notas, mas tinha um péssimo relacionamento com os meus colegas. Qualquer tipo de mudança dentro da sala de aula me incomodava, seja uma mudança de carteira, seja uma mudança de turma, seja uma mudança de horários nas aulas, de conteúdo programático, novos colegas eram uma coisa que me gerava assim uma dificuldade de adaptação absurda. Eu odiava profundamente férias, era uma coisa que me dava muita dificuldade. Chegava o período de férias, eu tinha tirado todas as notas boas do ano, eu queria continuar frequentando as aulas junto com os alunos que estavam de recuperação porque eu não queria deixar de ir na escola, mas ao mesmo tempo eu tinha os problemas com os colegas, eu implorava pra minha mãe me mudar de escola.

Então era uma coisa muito confusa e mais confuso ainda porque além dessa questão das boas notas, os coordenadores conversavam comigo diretamente e falavam assim: “ah, você não quer interagir com as outras crianças, você não vai ser sozinho a vida toda” e aí eu ficava naquela sensação de “eu quero me dar bem com os meus colegas, mas eu não sei como”. E isso me gerava uma imensa angústia, uma imensa dificuldade porque eu era o culpado de tudo, mas ao mesmo tempo eu era vítima, porque ocorriam situações de bullying. E eu acho que foi aí que começou a crescer uma sensação de que eu era diferente, mas ao mesmo tempo não tinha um nome que é esse diagnóstico do autismo. Acho que foi aí com mais ou menos uns 7, 8 anos já, nesse histórico, que eu acho que a semente do autismo ficou um pouco mais clara na minha cabeça. Eu queria saber, vocês tiveram alguns desses problemas na escola?

Carol: Também tive muitos problemas na escola, eu acho que talvez não no sentido de comportamento porque eu sempre fui muito quieta e o problema era justamente esse, eu era quieta demais. Eu lembro de uma vez um professor reclamar porque ele disse que ser comportado na aula não significa passar o tempo todo da aula só na cadeira olhando pro caderno. E eu não sei se ele tava falando de mim especificamente, mas era justamente isso que eu fazia. E como vocês devem imaginar, esse tipo de comportamento limita muito as interações sociais que se pode ter. Porque se você é uma pessoa que só fica olhando pro caderno, quem é que vai puxar uma conversa com você? E já aconteceu muitas vezes das pessoas começarem a conversar comigo e eu não responder porque eu não sabia como responder. Então alguém vinha comentar um livro que eu estava lendo e a pessoa dizia o nome do livro. Eu não entendia que aquela pessoa estava querendo começar uma conversa. Pra mim ela estava só lendo o nome do livro e ela ficava lá parada e eu não falava nada, mas na minha cabeça ficava: “Por que tu ainda tá parado aqui na minha frente?”. E geralmente na infância existe uma coisa que se a gente tá indo bem na escola, tá tudo bem. Então, não tem um problema muito sério em relação a isso. Só que a gente tem que pensar que a escola não é só pra gente desenvolver a nossa parte acadêmica, então principalmente quando a gente é autista não diagnosticado isso implica que nós não temos acompanhamentos paralelos à vida escolar.

O que o Tiago falou sobre os primeiros anos da escola eu lembro de um uma situação muito específica mas que ilustra muito a minha dificuldade de comunicação, de transmitir informações importantes, simplesmente por me faltar habilidade de falar aquilo, que uma vez uma professora passou uma atividade continuada durante o semestre inteiro e que a gente precisava escrever palavras com as letras do alfabeto cada. Então todo dia era uma letra do alfabeto a gente tinha que treinar a escrita então a gente tinha que colocar o os bilhetinhos com as palavras escritas dentro de um papel e ela deu a instrução de que a gente devia fazer escrito então quando eu chegava na minha casa e eu ia fazer escrito a minha mãe dizia você tem que recortar a palavra e colocar de uma revista de um livro e colocar dentro da bolsinha. E eu sabia que a professora tinha dito que era pra escrever, mas eu não conseguia explicar pra minha mãe que tinha que escrever e eu nem conseguia explicar pra professora que a minha mãe que tava entendendo que tinha que recortar. Então, de todas as letras do alfabeto eu só consegui escrever três palavras porque rapidinho na aula escrevi e coloquei escondido na bolsinha e eu fiquei me sentindo tão mal porque acontecia muito de eu ter as respostas na minha cabeça ou de eu querer interagir tudo na minha cabeça e simplesmente não conseguir falar isso.

E assim como o Tiago também confundiram a minha falta de responsividade com surdez, eu até fiz alguns testes pra saber e não deu nada. E isso foi muito estranho porque eu também além de parecer que não estou escutando o que as pessoas estão falando, é o contrário. Eu escuto demais. As pessoas sempre reclamam que eu falo muito baixo, então parece que eu falo baixo porque eu não não escuto bem, mas é o contrário. Eu escuto bem demais e as pessoas não entendem o que eu falo. Então unindo todas essas características que me acompanham desde a infância, fica muito claro porque na adolescência eu tinha tanta dificuldade para me ajustar, tanta dificuldade pra fazer amigos e tendi ao isolamento nos primeiros anos da adolescência que perduraram até quase a metade do ensino médio.

Willian: No meu caso, a minha mãe relata que quando eu atingi a idade para entrar na pré-escola, eu tive muitas dificuldades de adaptação. Aquele período ali de mais ou menos até duas semanas que os pais continuam acompanhando os seus filhos ali em aula, pra justamente fazer essa desvinculação de uma forma mais suave. Então ela notou que eu certamente tinha uma dificuldade maior do que as outras crianças e ela chegou a desistir algumas vezes. Ela pensou assim: “não, o Willian precisa de um tempo a mais, não tá pronto ainda e tal”, mas na época ela foi convencida pela diretora ali da escola que ela precisava tentar, que ela precisava me deixar ali mesmo, por mais que eu sofresse, que eventualmente eu me acostumaria. E sim, de fato, eu me acostumei, claro, questões éticas sobre isso a serem revisadas Mas, de fato, sim, eu consegui minimamente me adaptar ali, apesar de ter essa dificuldade maior do que as outras crianças.

Tive dificuldades atípicas, uma das minhas lembranças é justamente quando um dos meus colegas disse que ele era o meu melhor amigo. E isso me apavorava porque pedi a definição do que era o melhor amigo e ele me disse: “ah, o melhor amigo é um amigo que vai brincar pra sempre, que vai ser pra sempre amigos e a gente vai brincar junto pra sempre”. Essa ideia me apavorava porque eu não queria tomar essa decisão de brincar pra sempre com ele e isso me fazia ter pavor de voltar pra escola. Então, tive diversas situações assim atípicas em questões de relacionamentos, diversas situações também na escola que eu me coloquei em situações que algumas delas eu levei bronca e fiquei de castigo, levei advertência, enfim por coisas que até hoje na verdade eu não sei exatamente o que aconteceu. E outras por exemplo de usar objetos, lápis, por exemplo, brinquedos de outros colegas ali sem saber que eu não poderia fazer isso, então eu tinha essa prática de simplesmente ir lá e chegava na carteira de outro colega, pegava um objeto e simplesmente usava ele, deixava ele lá pela minha carteira mesmo, pela minha mesa de trabalho próximo de mim porque eu não entendia ainda muito bem esses conceitos de posse, principalmente quando estava focado em alguma coisa, terminar algum projeto, algum desenho ou enfim e as outras crianças começaram a ter essa noção posse bem mais cedo do que eu e eu tive diversas situações de advertência, de conflitos aí por parte dos adultos por conta dessa desse meu hábito, dessas minhas atitudes que envolvem totalmente tomada de perspectiva, entender regras sociais.

Mais a frente no ensino fundamental e no ensino médio tive diversas dificuldades principalmente em me enquadrar mesmo em grupos sociais. Então, por exemplo, tive as questões sensoriais da questão da calça jeans, por exemplo, né? Então eu sempre estava usando roupas que não estavam em conformidade e a questão de corte de cabelo. Não via nenhuma utilidade de cortar o cabelo. Demorei pra entender isso. Isso foi motivo de bullying por exemplo, mas ao mesmo tempo fui muito punido por professores do ensino infantil, principalmente por conta das estereotipias. Foi punido diversas vezes por simplesmente não conseguir me interessar e engajar nas atividades propostas em sala de aula, eu tive uma época de hiperfoco em em RPG e pra mim era super interessante, era muito legal falar sobre RPG, falar sobre jogos, fazer desenhos, designs de jogos nas salas de aula, compartilhar com os amigos, então pra mim isso sempre foi muito mais interessante do que engajar nas atividades propostas, então frequentemente eu não engajava nas atividades propostas em sala de aula e é claro que os professores não ficavam muito contentes com isso e eu sempre tinha alguma dificuldade nesse sentido.

Mas por outro lado, posso dizer que eu consegui encontrar formas bem sofisticadas até de matar aula quando possível de sempre conseguir o mínimo de nota com o mínimo de esforço e coisas do tipo. Porque eu sempre estava pensando nisso, no quanto posso me esforçar o mínimo para conseguir atingir o mínimo de critério e me livrar, era tudo nessa função, tudo com esse objetivo de me livrar de bronca de cumprir o mínimo dos requisitos, ficar em paz e evitar ao máximo os conflitos sociais para ter a certeza de que não me envolveria em nenhuma situação complicada.

Tiago: Eu tenho várias histórias sobre o ambiente da escola, principalmente relacionadas a hora do recreio. Eu acho vale a pena um episódio futuro do Introvertendo só pra poder falar sobre a hora do recreio, mas a minha forma de brincar era muito diferente das outras crianças. Então às vezes um dos meus maiores lazeres na escola era porque eu era colecionador de cartões telefônicos e aí eu passava por exemplo às vezes a hora do recreio inteira na frente de um orelhão fazendo testes bem organizados de cartões telefônicos para ver quais tinham unidades ainda sobrando, quais que eu poderia passar pra minha mãe fazer ligações em orelhões. Em outros momentos eu andava muito sozinho no geral e aí em outros momentos eu ficava com o pessoal mais velho, o pessoal da limpeza, o pessoal da cantina conversando sobre assuntos adultos. Então não andava muito com colegas, eu não tinha grupos sociais. Na verdade, quando eu tinha mais ou menos uns oito anos, eu criei uma forma completamente errada de tentar me enturmar com os meus colegas da escola que foi a tentativa de criar um telejornal que estava na minha cabeça pra noticiar coisas que aconteciam na hora do recreio. E eu era o aluno esquisitão que ficava andando, conversando com todo mundo de forma completamente inadequada e as pessoas simplesmente dizendo “saia daqui”. Então, isso aconteceu comigo durante um ano inteiro, era uma forma que me trazia vários problemas, mas era a forma como eu tinha de tentar e isso é claro que era bem ruim.

Eu também tenho alguma uma história muito constrangedora na verdade que eu nunca dividi isso publicamente, mas eu lembrei no momento que o Willian tava falando, que quando eu tinha 7 anos, eu ainda morava em Minas no meu ensino fundamental. E eu comecei a roubar objetos de colegas meus da sala de aula. E não era digamos pelo prazer de roubar ou alguma coisa assim, mas o rótulo dos objetos era uma coisa que eu achava muito bonito. Então eu achava bonito, eu pegava, e eu não tinha a mentalidade que eu estava roubando o objeto. Até um momento que a minha mãe descobriu e conversando com os professores me fez passar um constrangimento enorme na sala de aula e foi naquele momento que eu fui exposto, que eu fui punido, que eu entendi o que eu estava fazendo era errado.

Então eu me envolvi em muitas situações e tirando isso também a minha forma de brincar de uma forma geral fora do ambiente da escola também já era um pouco diferente. Eu gostava muito de áudio, eu gostava muito de música, então às vezes passava horas mexendo com fitas cassete, mexendo em encarte de discos, coisas bem específicas. Eu lembro de uma vez que chegou uma visita lá em casa, que tinha uma menina que tinha mais ou menos a minha idade e ela tava lá pra passar o dia e eu lembro que os meus pais tinham expectativa de que eu passasse o dia brincando com a menina. E aí ela apareceu, o pessoal queria que eu desse olá, eu dei um olá e saí de casa, fui fazer outra coisa e deixei a menina lá. E aí no fim do dia, quando eu tava em casa de novo, os meus pais brigaram muito comigo. E eu lembro que naquela noite eu fiquei muito mal, eu chorei porque eu fiquei pensando: “eu não imaginava que eu precisava dar uma atenção social para aquela pessoa específica”, então esse tipo de coisa acontecia muito assim na minha infância, não só fora da escola, mas também dentro do ambiente da escola e e sempre me passava a fama de alguém que era desinteressado nas relações sociais.

Carol: Isso de levarem pessoas em casa dizendo que é pra gente brincar acontecia muito comigo. Só que eu não saía de casa, só simplesmente me escondia. E quando não tinha jeito, às vezes eu achava que eu estava brincando. Inclusive uma vez já apanhei porque eu estava brincando com a menina do meu jeito, que era simplesmente estar no mesmo cômodo que ela empilhando os brinquedos dela e ela queria que eu brincasse com ela. E ela chegou e bateu um carrinho na minha cabeça e eu não fiz nada, eu simplesmente me levantei e saí e fui pra perto da minha mãe, nem chorei, nem fiz nada. Então eu super entendo esse jeito de brincar. É um pouco diferente, no caso do Tiago ele não quis interagir, e no meu caso eu até interagia de uma forma incompatível com as expectativas tanto da criança quanto da mãe dela.

Tiago: No meu caso, o desfecho de todas as suas dificuldades é que minha mãe identificava. Só que ela não sabia o que fazer e até um parente do meu pai chegou pra minha mãe e falou assim: “ah, ele tira boas notas, não se incomode, é só o jeito dele, está tudo tranquilo”. E aí minha mãe tirou de mão e foi um grande problema porque eu tive outros problemas na escola que ela não ficou ciente do que estava acontecendo e eu acabei por sofrer sozinho. Mas tinha um outro aspecto que ficava muito evidente na minha infância que era a ansiedade. Eu tinha alguns problemas com ansiedade, roía muito as unhas e aí minha mãe decidiu procurar uma psicóloga pra resolver esses problemas de roer as unhas. E aí foi o único momento que eu tive um atendimento nessa infância de profissional que era uma psicóloga que fazia terapia em grupo. E era uma experiência horrível, extremamente aversiva pra mim. Até o momento que eu falei pra minha mãe que era um saco e aí ela me tirou e esse foi o único tipo de atendimento que eu tive durante a infância. Vocês tiveram algum acompanhamento de psicólogo, fono ou qualquer outro tipo de profissional assim, pediatra?

Willian: Bom, as primeiras suspeitas, assim como no caso de vocês, também foi a questão da audição, na verdade. Principalmente porque a minha mãe notava a reciprocidade atípica, baixa em comparação ao que ela esperava, e ela pensou que possivelmente tinha alguma questão de audição ali afetada e aí eu fui fazer exames e consultas nesse sentido mais de fono a primeiro momento. Conforme eu fui indo para a escola, eu fui tendo diversas crises mesmo assim de baixar a pressão, de quase desmaio, de passar mal. Um dos meus sintomas eram dores abdominais nesses contextos. E aí então fui para um gastro e foi diagnosticado gastrite nervosa e aí tinha toda essa questão porque ele tem problema no estômago e aí às vezes ataca e aí por isso que ele precisou ir embora da escola e tal, mas os antecedentes dessas crises, dessas dores abdominais era sempre muito bem explicado pela quebra de rotina que está bem associado com autismo. Só que não tinha ninguém pra identificar isso, eu também não me sentia seguro o suficiente para entender aquelas minhas razões ali do porquê eu estava ansioso, do porquê eu estava me sentindo mal eram motivos válidos. Então eu guardava só pra mim, tentava segurar o máximo até o ponto que a dor ficava insuportável ou que até a minha pressão caía e eu realmente precisava voltar para para casa em um estado um pouco mais debilitado. Então tive acompanhamento de gastro.

Ao final do ensino médio, eu tive sim alguma ou duas indicações pontuais ali de que possivelmente eu precisava ir para o psicólogo mas por outras questões, nada que que tinham relação com o autismo e sempre nessa questão de ansiedade, essa questão de que as pessoas superficialmente chutavam que isso poderia estar associado. Mas eu tinha pavor de ir para a psicólogo porque me apavorava a ideia de sair da minha casa, quebrar a minha rotina, e ter que estar em um ambiente que eu vou estar preso nele por uma hora ou sei lá quanto tempo de sessão ali frente a frente com alguém me fazendo perguntas e eu tendo que responder. Essa ideia era sufocante pra mim na minha adolescência. E por conta disso também não tive esse acompanhamento. Infelizmente não tive nenhuma consulta neste viés assim de psicoavaliação ou neuro. Sempre foi mais nesse lado gastro mesmo. E só fui realmente entender todo esse lado psíquico depois de adulto, quando eu mesmo fui atrás de ajuda.

Carol: Assim como no caso do Willian, eu também cheguei na fonoaudióloga para verificar essa questão da minha audição, só que foram feitos aqueles testes e eu tinha uma capacidade auditiva OK, dentro do esperado. Então quando foi constatado que a minha audição era perfeitamente normal, eu não continuei um acompanhamento direcionado a essas questões da minha comunicação. Minha mãe me levou em vários médicos porque foi quando justamente as características do autismo ficaram mais evidentes, só que não existiam uma ligação entre elas. Por exemplo, foi quando eu comecei a ter desmaio na escola, comecei a ter essas quedas de pressão também, algumas vezes eu chegava a desmaiar e não existia muita coerência sobre os contextos em que isso acontecia eu também não conseguia explicar o que acontecia quando que eu desmaiava. Então nunca se associou às questões sensoriais. Por exemplo, eu também tive essas dores de barriga principalmente na primeira infância quando eu era mais jovem e eu tive eu tomei remédios, fiz muitos testes cardíacos e cerebrais também, fiz muita ressonância magnética, fiz outros exames, surgiu a hipótese de que eu poderia ter epilepsia mas isso não se confirmou depois e os sintomas acabaram perdurando.

Até que, por eliminação, e eu acho que algum profissional deve ter indicado, minha mãe decidiu me levar a minha psicóloga, minha primeira psicóloga quando eu tinha 9 anos e que não durou muito esse acompanhamento porque ela teve que mudar de cidade. Depois disso, eu fui pra uma psicóloga que eu não gostava nem um pouco, achava horrível, era uma tortura ter que ir pra lá e também eu não consegui ter um avanço significativo com essa psicóloga. Praticamente não fez diferença nenhuma na minha vida, até porque era uma coisa que eu não gostava. Foi sugerido alguma hipótese de autismo, acho que tava muito além da percepção dos profissionais que tiveram contato comigo nesse tempo, até porque as coisas sempre eram relatadas de uma forma muito descontextualizada até pelo fato de percepção do que significa o autismo. Então como que a minha família, as pessoas que me conheciam, podiam relacionar por exemplo o fato de a primeira vez que eu fui na praia eu me esfreguei na areia com o fato de que eu desmaiava na escola, sabe? Essas coisas pareciam totalmente desconectadas, mas hoje em retrospecto faz sentido o comprometimento sensorial que eu tenho. E eu só fui ter um acompanhamento que realmente me ajudou depois dos meus 14 anos e com 21 anos foi que tive o meu diagnóstico. Então foi um percurso sem o acompanhamento direcionado a isso.

Tiago: Depois de discorrermos aqui um pouquinho sobre a nossa infância, e eu digo um pouquinho porque é praticamente impossível resumir anos e anos de vida ainda mais tão atípicos como o autismo num episódio de 30 minutos, eu penso que uma coisa importante das pessoas entenderem é o impacto que a ausência de um diagnóstico precoce tem na vida de alguém. Após o meu diagnóstico, eu considero que eu consegui me desenvolver muito bem em algumas questões. Eu vivi os melhores anos da minha vida desde o diagnóstico. Mas eu ainda percebo que tenho muitas dificuldades ainda de interação social perto do que eu poderia ter a menos com o diagnóstico mais cedo. Eu sou uma pessoa que tem uma autocrítica extremamente exacerbada e até quase doentia. Eu sou uma pessoa que pelas experiências aversivas que eu tive no ambiente da escola com os professores eu tenho muito receio de me arriscar em algumas questões e preciso ainda desenvolver maior flexibilidade na alteração de rotina. E como eu disse na introdução, eu tenho certeza se eu tivesse tido o diagnóstico de autismo mais cedo, eu teria sofrido menos na vida. Tem muitas situações, principalmente na infância, que não convém comentar aqui no episódio, mas são situações que, quando eu lembro, eu me sinto mal. Então são coisas que ainda não estão muito bem resolvidas. E eu acho que o diagnóstico tardio é um alívio quando a gente recebe, mas ao mesmo tempo ele faz a gente pensar nessas questões. E com vocês?

Willian: Quando eu vejo a minha história, principalmente ali na adolescência, que é aquela idade que você está no pico da socialização, é tudo sobre grupos sociais, é tudo sobre a sua identidade, a qual grupo você pertence, a encontrar um namorado, uma namorada ou enfim, questões assim que deixam cada vez mais complexas a socialização. E eu me lembro de diversas vezes me analisar, comparar com as outras pessoas e chegar à conclusão de que eu era diferente.

Mas sempre desde que a socialização ficou mais complexa na adolescência, cheguei nessa conclusão muito rápido, eu diria. E certamente teria me ajudado muito se eu soubesse que de alguma forma eu nasci com um transtorno do neurodesenvolvimento. Eu interpreto coisas de formas diferentes, eu sinto coisas de formas diferentes, apesar de que naquela época a internet não era também desenvolvida, não existiam tantos grupos como hoje, não existiam tantos materiais como hoje, mas com certeza eu teria sim tido interesse naquela época para ir atrás ou ainda que o próprio profissional pudesse me dar algum apoio mínimo que seja para pelo menos entender o básico sobre o que acontecia comigo. Eu nunca, por mais que eu me sentisse diferente, eu nunca validei isso de fato. Pois eu não tinha uma evidência concreta disso. Na verdade eu nem considerava a existência de transtornos. Eu era uma pessoa leiga, claro. Não entendia que existia pessoas que poderiam ter desenvolvimentos fora do típico. Isso não me passava pela cabeça e muito menos que eu seria uma dessas pessoas. Então eu nunca sequer considerei essa hipótese.

Até que eu começo a fazer terapia como adulto e aí fica muito claro o quanto eu me sinto diferente, sempre me senti diferente mesmo antes de saber que era autismo. Na verdade, porque isso fica bem claro nos nas primeiras sessões de psicoterapia, então isso encaminha pro diagnóstico. Só de me lembrar de todas essas situações do passado que eu me via como diferente, eu me questionava: “poxa, por que as pessoas gostam disso e eu não gosto? Por que é tão difícil fazer isso e as outras pessoas todas fazem? Por que todo mundo tá desse jeito, eu penso do outro jeito? E aí eu tento convencer as pessoas, expor o meu ponto de vista, e eu sou ridicularizado, não sou entendido, não sou compreendido. Por sorte da minha adolescência, tive bons amigos e eu tive sim o mínimo espaço para compartilhar diversas experiências. Então eu sou muito grato por isso. Mas certamente a minha angústia teria sido com certeza amenizada e muito se eu tivesse tido essa informação antes. Isso é claro, sem falar num possível trato diferenciado dos profissionais, dos professores, dos meus pais, dos outros adultos, dos cuidadores, enfim, uma compreensão diferente como um todo de como eu me comportava e do porquê que eu fazia as coisas que eu fazia, do porque eu sentia da forma que eu sentia.

Carol: Eu acho que tem uma palavra que resume muito bem o que significa não ter um diagnóstico precoce de autismo. Pra mim essa palavra é repertório. Porque quando a gente não tem a possibilidade de criar um repertório que nos permita inserir numa sociedade de uma forma não prejudicial ou que crie um repertório pra que a gente consiga se relacionar melhor com as pessoas, conseguir lidar com as nossas dificuldades, no lugar disso a gente cria um repertório totalmente negativo, como o Tiago falou, e que vai acompanhar a gente na nossa vida inteira. Então, quando a gente chega na fase adulta, o nosso repertório de interação social é totalmente prejudicado pelas experiências fracassadas que a gente teve no passado. Isso por si só já é uma coisa muito relevante de se falar, porque quando a gente vê autistas que foram diagnosticados só na fase adulta e que conseguiram se desenvolver relativamente bem, como é o nosso caso por exemplo, existem pessoas que até questionam: “ah, mas se tu conseguiu tudo isso mesmo sem diagnóstico, então talvez não fosse tão importante assim” ou que “ah, então talvez eu tive dificuldades que não fossem tão expressivas assim”. Mas com esse episódio a gente tentou mostrar que a gente sempre foi autista, a gente sempre teve essas características. E elas não apareceram só porque a gente foi diagnosticado com autismo.

Então a gente não começa a achar pelo em ovo – uma expressão muito esquisita. Mas eu queria dizer que se a gente não tivesse passado por tantas situações estressantes… Eu gostaria de perguntar pra vocês: vocês acham que é justo? Vocês acham que é justo que uma criança passe por tantas situações nesse nível que a gente chegou a passar simplesmente porque “ah, ela vai saber lidar melhor com isso! Ela vai conseguir se desenvolver e na fase adulta ela vai conseguir lidar com tudo isso”, sabe? Eu acho que não é justo esperar que a gente engula tudo isso, porque isso pode trazer muitas marcas. Inclusive o aumento da ansiedade, que é muito presente na equipe do Introvertendo, e em muitas pessoas autistas também que a gente conhece. Sem falar em depressão e possivelmente até suicídio.

Então eu acho que é muito importante a gente lembrar que mesmo a gente tendo se desenvolvido relativamente bem na ausência do diagnóstico, é uma marca que não dá pra ser desfeita e que sempre vai acompanhar porque os primeiros anos do nosso desenvolvimento são muito importantes. Isso é um fato que é importante para todo mundo. Imagina pra quem tem dificuldades acentuadas nessas áreas que a gente conhece como os déficits do autismo.

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