A Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) é um tema muito importante para o desenvolvimento e para a qualidade de vida de autistas. Neste episódio, Paulo Alarcón e Tiago Abreu recebem a fonoaudióloga Leiza Leite para falar sobre os sistemas de comunicação alternativa e a importância desta tecnologia assistiva para os autistas. Em um segundo bloco, os podcasters dialogam sobre a polêmica da comunicação facilitada, uma técnica pseudocientífica que ainda assombra a comunidade do autismo e o ativismo autista com promessas mirabolantes. Arte: Vin Lima.
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Transcrição do episódio
Tiago: Um olá pra você que ouve podcast introvertendo que é um dos podcasts mais acessíveis da podosfera brasileira e também o principal podcast sobre autismo do Brasil. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, um dos apresentadores do Introvertendo e hoje a gente tem um papo sobre um tema muito legal que inclusive coincide com este mês de outubro, que é o mês da comunicação alternativa, não é Paulo?
Paulo: Olá, pessoal. Eu sou o Paulo Alarcón, diagnosticado com autismo em 2018 e existem muitas situações onde não conseguir falar é um grande problema, mesmo.
Tiago: Com certeza. E então, nós vamos falar sobre comunicação alternativa e aumentativa nesse primeiro bloco e depois a gente vai falar sobre um outro tema que é sobre o problema da comunicação facilitada, então você se mantém aqui porque hoje o papo é muito interessante. E pra falar sobre comunicação alternativa nós temos aqui uma especialista pra falar sobre isso, a Leiza Leite. Então eu queria que ela se apresentasse e antes de tudo muito obrigado participar aqui do Introvertendo.
Leiza: Olá, primeiro boa noite, obrigado vocês, pela oportunidade de falar um pouquinho de um tema tão importante na nossa sociedade e principalmente aí no mundo das pessoas que têm o diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo. Meu nome é Leiza, como você disse, eu sou fonoaudióloga e trabalho bastante com crianças principalmente que tem o diagnóstico de autismo. Eu estou nessa área já faz uns 10 anos atuando como fonoaudióloga e também na saúde pública no município de Taubaté e na Secretaria de Saúde também atuando em centros no sistema público.
Tiago: O Introvertendo é feito por autistas com produção da Superplayer & Co.
Bloco geral de discussão
Paulo: O que é a comunicação alternativa e aumentativa?
Leiza: A comunicação alternativa na verdade eu costumo explicar quando me procuram que o tempo todo nós usamos outras formas de comunicação além da verbal. Então, eu considero que qualquer outra forma de comunicação, seja o olhar, o gesto, expressão facial, tudo isso já é uma outra forma, é uma já é uma comunicação alternativa que não a fala, porém existem uma forma das pessoas se comunicarem através de figuras, através de desenhos, através de sistemas de comunicação e isso é que se dá o nome de sistema de comunicação alternativa. A gente costuma dizer comunicação alternativa, aumentativa e complementar porque você não tem só uma forma de se comunicar e muitas pessoas têm às vezes uma expressão verbal e também utilizam de formas alternativas de apoios, de figuras apoios visuais ou mesmo como eu disse de gestos e de expressões faciais, por exemplo. Então ela pode ser considerada também aumentativa. E como que é isso? A gente pode desenvolver pranchas para que as crianças se comuniquem, existem métodos como PECS, que é um dos métodos que eu já trabalhei, hoje em dia não trabalho mais, que aí você tem uma estrutura, tem etapas, fases, pra você introduzir esse método numa sessão por exemplo de desenvolvimento de fonoaudiologia, de atendimento de fonoaudiologia.
Tiago: Então, isso é muito interessante a sua explicação porque você até fala no início ali que muitos pais e mães têm dúvidas sobre o que seria exatamente comunicação alternativa e eu imagino que pra muitos autistas também. Principalmente aqui pensando na audiência do introvertendo que é em grande parte de autistas adultos, e por autistas adultos que acompanham o Introvertendo são autistas que não precisaram utilizar de comunicação alternativa e por isso esse tema nunca adentrou na vida deles e nem na minha, por exemplo. Então é algo que eu tive que aprender um pouco tardiamente, então a gente até não sabe as expressões exatas que se referem aquilo que a gente chama de comunicação alternativa. Por exemplo, você falou sobre os sistemas de comunicação alternativa, muitas vezes a gente pode pensar como tipos ou algo do tipo. E aí você citou o que talvez seja o mais popular nesse sentido, o mais conhecido, o mais utilizado é o PECS, e quais são outros tipos de sistemas de comunicação alternativa além do PECS?
Leiza: Então, vou aproveitar e falar um pouquinho sobre o PECS. Eu fiz a capacitação pra trabalhar com PECS, foi desenvolvido nos Estados Unidos e ele é um sistema de trocas de figura. Então, por exemplo, quando a criança quer comer um chocolate, então ela pega a figura do chocolate, troca, ela entrega a figura do chocolate e recebe o chocolate. Claro que isso de uma forma bem simples eu tô explicando, mas existe toda uma etapa de desenvolvimento desse método, de uma pasta, tem vários recursos aí que você usa pra desenvolver. Mas inicialmente e de uma forma bem mais simples pra explicar pra vocês, ele é um sistema de trocas de figura, mas hoje em dia assim tem o PODD, que é um outro método mais atual, também desenvolvido através de uma pasta com várias figuras e daí já não é nesse sistema de troca, já é feito de uma outra forma, tem todas as figuras numa pasta e a criança aponta, ela aprende a apontar aquilo que ela quer comunicar com o modelo primeiro de um outro interlocutor.
O apoio da figura para as crianças do espectro até vou aproveitar pra esclarecer… Às vezes as crianças tem uma fala que não é funcional. Por exemplo, crianças que falam inglês, né? É muito comum hoje as crianças do espectro falarem várias coisas em inglês e não necessariamente elas estão se comunicando quando elas falam. Então, muitas vezes eu uso, introduzo as figuras nas minhas sessões pra que a criança entenda que através da figura, quando ela aponta uma figura, quando ela pega uma figura, ela pode pedir aquilo que ela deseja. E isso é muito diferente daquela criança que por exemplo ela também te pega até a mão e leva o que ela quer. De certa forma ela está se comunicando, mas ela está usando o outro como instrumento para adquirir o que ela deseja.
E quando a criança começa a entender que quando ela aponta alguma coisa, pode ser um concreto (eu trabalho às vezes também inicialmente no concreto) ou então com a figura, ela aponta a figura e aí ela consegue por exemplo o brinquedo que ela quer na minha sala por exemplo de terapia e ela começa a entender que ela pode se comunicar de outras formas que não seja só o choro ou levando a pessoa o que ela deseja, o apontar para figura, ela usar a figura para dizer o que ela quer, abre um leque de comunicação de ela entender que ela pode através de um apoio visual atingir o que ela deseja.
Paulo: Como é que a gente define qual tipo de autismo que vai exigir a comunicação alternativa? Quando é que ela pode ser empregada e quando não há necessidade?
Leiza: As crianças, eu falo crianças porque é meu público alvo maior assim, mas geralmente são as crianças não verbais. Porém existem muitas crianças que tem uma fala que não é funcional ou então ela tem um pouco de fala. O apoio da figura que eu uso muito no início dos meus atendimentos, eu não espero o momento para usar as figuras. Quando eu recebo uma criança, por exemplo, no consultório eu já tenho as figuras expostas na na minha na minha sala porque elas entendem que aquilo é uma forma dela conseguir se comunicar. Então, por exemplo, ela pode pegar a figura de um brinquedo que tem na sala pra pedir aquele brinquedo. Então, através das figuras, eu trabalho também a intenção dela se comunicar, não só a fala em si. Eu estava dizendo um pouco sobre a fala funcional, que muitas crianças falam e nem sempre é funcional, ela fala inglês, ela fala ditados, ela fala falas de televisão, isso não é funcional. A figura ajuda também nesse sentido da criança entender, da criança adolescente, o adulto, enfim, entender que aquilo pode ajudá-la a adquirir um objeto de desejo.
Eu acredito que pro autismo muitas vezes o autista não tem o desejo de usar essa fala, então a gente precisa despertar isso muitas vezes na criança pequena, então eu utilizo a comunicação alternativa pra grande maioria das crianças que eu recebo na minha clínica, até mesmo nas verbais eu deixo a figura como apoio. Mas o método, o desenvolvimento por exemplo de uma prancha de comunicação que pode ser uma pasta hoje em dia com os recursos de tecnologia, pode ser um tablet, existem vários sistemas de comunicação que estão já envolvidos com a tecnologia, que são muito mais modernos e mais práticos, nem todas crianças também se adaptam. Então a escolha do sistema de como você vai utilizar depende muito de cada criança também. Tem crianças que dependendo da condição cognitiva, se são crianças com uma maior dificuldade cognitiva, elas de repente vão usar mais as figuras no sentido de troca mesmo para adquirir o que elas querem. Agora as crianças que de repente tem um um cognitivo melhor, que tem condições de desenvolver mais essa comunicação, a gente pode criar as pastas de comunicação, as pranchas, isso com um recurso mais acessível. E pra que pessoas que têm melhores condições, existem muitos sistemas hoje em dia desenvolvidos com tecnologia para ser usado em celulares e tablets, em que você pode desenvolver pastas e você monta isso com a criança. Geralmente essas pranchas que podem ser usadas em tablets e celulares, enfim.
Queria comentar um pouquinho porque a gente tá falando da comunicação alternativa pro autismo, mas assim, é um recurso muito utilizado para outras crianças que tem, por exemplo, paralisia cerebral, que não conseguem desenvolver a fala ou até mesmo adultos por exemplo que passaram por uma situação de AVC e que desenvolveram uma afasia que justamente acabam desenvolvendo uma dificuldade de falar. Então a comunicação alternativa é uma forma da gente ajudar as pessoas a se comunicarem e pessoas que podem estar temporariamente com dificuldade de fala ou definitivamente com essa dificuldade, não vão desenvolver a fala. É uma área que você pode utilizar com qualquer pessoa que tenha dificuldade, que tenha ausência de fala ou uma dificuldade mesmo em sala.
Tiago: Eu acho que uma das formas pelas quais algumas pessoas ouvem falar em comunicação alternativa na comunidade do autismo é muitas vezes um discurso e até um estereótipo de que a comunicação alternativa impede o desenvolvimento da fala. Por que existe esse discurso? Você sabe se vem de algum medo assim dos familiares ou desconhecimento de profissional?
Leiza: Assim como na comunicação alternativa, acontece isso, acontece isso até em outras situações. Por exemplo, quando a criança aponta para pedir o que ela deseja e às vezes no momento em que ainda que ela não desenvolveu a fala e existiam muitos profissionais antes, até porque a gente talvez não tivesse desenvolvido tanto esse conhecimento e falava: “se ele apontar, você não entrega, se ele não falar você não entrega”.
E hoje em dia a gente já não tem mais esse discurso porque a gente sabe que muitas vezes a criança não tá falando porque ela não consegue. E é muito angustiante. Ela não tá falando, mas ela tá se comunicando, ela tá mostrando pra você o que ela quer. É uma comunicação, então a gente procura respeitar isso. É lógico que ela apontou por exemplo e a gente vai entregar o que ela quer. A gente vai falar: “ah, você quer a água? Então fala água”, mas a gente não vai deixar de atender um desejo da pessoa por ela não estar falando. Porque ela pode não estar falando, mas ela está se comunicando.
Aí eu faço o link com as figuras com o uso da comunicação alternativa e o mais importante é que ela se comunique, mesmo que ela não desenvolva a fala, porque tem autistas que são não verbais. O mito da questão da da comunicação alternativa é um é justamente esse medo, “ah, porque ele tá apontando, então ele não vai se esforçar pra falar”. E não é isso, ele tem uma dificuldade pra falar, ele não consegue, a gente precisa ajudá-lo, né? E a hora que você introduz a figura, você introduz um apoio visual. E aí é automático, então você aponta a figura ou entrega a figura e você fala o nome. “Ah, você quer a bola? É a bola. Então fala bola, eu vou te entregar a bola”.
E essa repetição, quando a criança começa a entender que ela mostra a figura e consegue, que tem aquele som que ela associa com aquela figura, isso automaticamente desperta o desejo da criança a falar, né? A gente não entra dentro da garganta da criança e ensina ela a falar, a gente desenvolve o desejo da criança falar. A fono, eu enquanto fonoaudióloga, a minha função muitas vezes é desenvolver esse desejo da criança falar.
Paulo: E qual a diferença entre você ter a prática da comunicação alternativa e o uso simples de uma tecnologia assistiva?
Leiza: Tudo o que você usa de suporte, tanto para locomoção como pra fala, tudo é considerada uma tecnologia assistiva. E a comunicação alternativa é um tipo de tecnologia assistiva. Existem recursos tecnológicos de todas as formas hoje em dia, inclusive gratuitos, que você consegue baixar em celular, em tablets pra ter uma prancha de comunicação ou ter figuras que inclusive você aperta e você tem o recurso da fala, né? Então assim, é um tipo de tecnologia assistiva.
Paulo: Muito obrigado, Leiza, pela sua explicação, por desmistificar a comunicação alternativa e aumentativa e fique a vontade para deixar uma mensagem final.
Leiza: Tá joia. Eu agradeço a oportunidade de tá falando um pouquinho desse tema. Eu acho que é muito importante, muito pertinente pra gente desmistificar realmente que a comunicação é alternativa e aumentativa poderia dificultar o desenvolvimento da fala e é o contrário que a gente vivencia, então é isso. Obrigada novamente a vocês por essa oportunidade.
(Transição)
Paulo: Uma outra questão que está muito associada e, porém negativamente, é a questão da comunicação facilitada. E muita gente confunde isso com a comunicação alternativa e aumentativa. Ela a princípio se vendeu como uma abordagem séria, desenvolvida ali nos anos 1980, em que havia a presença de um facilitador, que é um profissional que deveria servir como a ponte entre o paciente/indivíduo autista e a comunicação. Então uma forma por exemplo de fazer isso era você ter um teclado e de repente o facilitador seria direcionado pelo indivíduo com comunicação comprometida a digitar textos e assim conseguir se comunicar.
Tiago: E uma coisa muito importante também a se mencionar sobre a questão da comunicação facilitada é que a ideia por trás da comunicação facilitada seria que os autistas ditos severos teriam o cognitivo preservado, mas eles estariam “aprisionados” por uma coordenação motora que não os permite se expressar. Essa é a principal hipótese. A ideia do facilitador seria promover essa comunicação. E essa comunicação muitas vezes era apoiada, então utilizada com o facilitador movendo a mão da pessoa ou indicando com uma placa, alguma coisa neste sentido.
Paulo: E a princípio essa ideia foi até razoavelmente bem aceita, ela cresceu em uso por volta dos anos 1990 até que alguns escândalos surgiram, quando se descobriu que haviam muitos vieses por parte do facilitador. Na verdade, após testes cegos onde por exemplo você mostrava uma imagem diferente pro facilitador e pro paciente, o facilitador escrevia o que ele viu e não o que o paciente viu. E com isso começou a se descobrir que não funcionava a comunicação facilitada.
Tiago: Depois de encontrar evidências sólidas que a comunicação facilitada não funciona na década de 1990, início dos anos 2000, uma grande parte da comunidade científica achou que o tema tinha literalmente morrido, que ninguém mais estaria usando comunicação facilitada, mas aí as coisas começaram a mudar. Isso porque na comunidade do autismo, na história do autismo, isso é muito claro pra quem acompanha, de que picaretas sempre ressurgem e uma das melhores formas de fazer algo ressuscitar e ter vitalidade é mudar o nome e manter a sua estratégia. Então foi isso que aconteceu com a comunicação facilitada.
A comunicação facilitada continuou ganhando espaço na imprensa, saindo notícias impressionantes de autistas que começaram a se comunicar digitando enquanto outras técnicas derivadas da comunicação facilitada acabaram se popularizando. Uma delas é o soma RPM, que não tem grandes diferenças em relação a comunicação facilitada original e que inclusive foi criada por uma mãe de autista e foi a maior polêmica na época. E um outro caso mais recente é um que é chamado Spelling to Communicate (S2C), que aí o facilitador não necessariamente interfere no texto da pessoa, mas envolve um auxílio oral que, do ponto de vista prático, se as pessoas acompanharem os vídeos, vão ver que na prática é a mesma coisa da comunicação facilitada.
A diferença é que a RPM e Spelling to Communicate tem sido vendidos nas páginas da internet se você digitar como formas de comunicação alternativa. Então é por isso que a gente tá falando até desse tema aqui no episódio de comunicação alternativa. Porque estão usando da credibilidade da comunicação alternativa para vender essas coisas que não funcionam para pais, familiares e até profissionais que não entendem muito bem o que estão estudando. A ponto de a gente ter ao longo dos anos vários livros, seja de conteúdos reflexivos sobre autismo, desde livros de poesia e tudo mais creditados a autistas ditos severos e isso provocar um debate muito grande na comunidade do autismo.
Existem vários exemplos, mas eu acho que o exemplo mais claro é o Naoki Higashida, que tem o livro muito popular chamado “O que me faz pular”, que inclusive foi traduzido para português. Naoki Higashida usa de um sistema ali que é muito parecido com a comunicação facilitada e alguns autores cravam que é comunicação facilitada, a família nega e O que me faz pular sofreu várias alterações quando ele foi traduzido pro inglês. A nossa tradução aqui brasileira é uma tradução a partir do inglês e toda narrativa do livro é muito sustentada por um olhar dos pais. Eu ainda vou fazer um vídeo lá no canal do Introvertendo sobre O que me faz pular, vocês aguardem que eu vou destrinchar um pouco mais sobre essa polêmica. E sobre O que me faz pular, vale mencionar que saiu um filme que é inspirado no livro e esse filme explicitamente faz defesa da comunicação facilitada. Então apesar da polêmica sobre o livro que alguns vão dizer que o Naoki Higashida não usa comunicação facilitada o que é praticamente estabelecido que usa sim, mas o filme que é baseado no livro já fala explicitamente sobre comunicação facilitada.
Então não tem pra onde correr, entendeu gente? E não é só o Naoki Higashida, na verdade. Ele é só um exemplo mais recente de vários outros autores autistas que nunca escreveram o que escreveram, o facilitador se expressa por eles e tem as suas narrativas bem dissolvidas na comunidade do autismo. Então a gente tem por exemplo o Ido Kedar, que usa RPM e outro caso muito importante a se mencionar é a Amy Sequenzia. Amy Sequenzia é creditada como uma grande ativista, como uma pessoa que pensa sobre autismo, tem blog, tem um monte de coisas é comunicação facilitada também. Ou seja, ela não se expressa exatamente. A história inclusive creditada a ela é bizarra, bizarra, só tenho essa palavra pra definir. Vocês leem por conta própria, tem os links pra vocês identificarem.
E a coisa mais bizarra na verdade relacionada a Amy Sequenzia é que em tese ela faz parte de grupos ativistas do autismo nos Estados Unidos, principalmente a ASAN, que é a maior associação de autistas dos Estados Unidos. E eles defendem explicitamente comunicação facilitada. E aí vem a grande pergunta: tá, mas como é que parte dos autistas ativistas então defendem tão claramente a comunicação facilitada?
E aí tem dois motivos: o primeiro motivo é que a gente tá falando de um conjunto de técnicas que apesar de serem muito bem demonstradas que não funcionam, elas prometem dar algo que o movimento autista no fundo quer e não só o movimento autista, acho que todo mundo gostaria. A gente queria que todo mundo tivesse voz dentro da comunidade do autismo, todos autistas, acredito eu, gostariam disso, familiares, pais, etc e a comunicação facilitada promete isso de um jeito muito fácil, por texto escrito, que todo mundo tem acesso de certa forma.
E segundo motivo, que é uma consequência disso, é um certo paternalismo dentro do movimento autista, que é basicamente: Então, se a gente tem esse grupo que é marginalizado, que são os autistas ditos severos. Se a gente entende e isso é muito claro pra gente que nós como autistas “leves”, nós somos praticamente a única parte dos que geralmente fala sobre autismo na internet e etc, se você encontrar um autista que entre aspas se comunica por comunicação facilitada, você vai abrir os olhos e vai falar: “que impressionante, etc”. E é por isso que livros como O que me faz pular fazem sucesso, não é verdade? Eu vejo que tem essas duas principais razões.
E eu acho isso bastante problemático porque a comunicação facilitada rouba a oportunidade da própria pessoa com deficiência se expressar. Primeiro porque ela já vai ter uma dificuldade por si só, segundo que ela vai ter a sua voz roubada por outra pessoa que não é ela. Terceiro, como o próprio Paulo já falou, teve algumas polêmicas relacionadas até acusações de estupro, né? Então é uma questão bastante séria.
Paulo: Inclusive tiveram aí vários casos ao longo dos anos de acusações de abusos, acusações graves onde através da comunicação facilitada pessoas denunciavam que membros da família estavam abusando delas. E no final, isso foi observado que não procediam realmente. Existe o caso por exemplo em 1990 onde uma mulher de 28 anos com eh deficiência ela foi tirada da família em duas ocasiões por conta de mensagens obtidas através da comunicação facilitada. E depois foi observado em investigação posterior que somente as respostas que eram conhecidas pelo facilitador dela é que fazia sentido. E não as respostas que eram de que deveriam ser de conhecimento somente da vítima. Mas houveram outros casos que inclusive levaram até a suicídio.
Tiago: Quando a gente fala sobre o direito à comunicação, é algo muito importante pras pessoas com deficiência, um direito humano que inclusive tá na Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência e a comunicação facilitada, além de não prover esse direito a comunicação, ainda tira a oportunidade dessa pessoa de ser alcançada por sistemas de comunicação alternativa que a gente sabe que realmente são séries, que realmente tem evidências científicas. Mas infelizmente ainda não é uma discussão levada muito a sério dentro da comunidade do autismo em alguns circuitos, principalmente dentro de parte do ativismo autista.
Então a gente traz essa discussão aqui sobre a comunicação alternativa do primeiro bloco e agora sobre comunicação facilitada pra reforçar: se você defende comunicação facilitada, se você vê alguém defendendo comunicação facilitada na internet e se diz ativista pelos direitos humanos, tem alguma coisa errada aí, alguma coisa não tá batendo. Então é muito importante ter isso em perspectiva e também ter muita atenção quando se vê publicações na internet falando assim: “ah, porque esses autistas são não verbais, autistas não oralizados e eles falam sobre o autismo”, não sei o que. Pesquisar sobre quem são essas pessoas, qual é o sistema que essa pessoa utiliza. É comunicação alternativa mesmo? Porque se você vê aí publicações na internet falando de Amy Sequenzia, Ido Kedar, é comunicação facilitada. E comunicação facilitada é charlatanismo, picaretagem, não tem meias palavras, isso é uma coisa muito séria.
Infelizmente dentro da comunidade do autismo a gente não discute muito isso, até as pessoas que sabem mais ou menos o que é a comunicação facilitada não costumam falar e tem alguns que ainda passam pano, então a gente traz esse episódio pra discutir isso e você não precisa necessariamente só se basear naquilo que a gente tá conversando ou só acreditar na gente, leia os textos, pesquise sobre o tema, nós temos um artigo muito bom que discute sobre comunicação facilitada, o movimento da neurodiversidade e os direitos humanos, a gente até falou sobre ele rapidão no episódio 172. Na nossa recomendação tem outros artigos aí que você pode ler, não é Paulo?
Paulo: Sim, a gente volta na semana que vem com mais um episódio do Introvertendo.