Introvertendo 190 – Ressaca Social

Muitos autistas adultos relatam um enorme desgaste no excesso de interações sociais, e geralmente precisam “recarregar as baterias” com um período de isolamento. Esse fenômeno, conhecido como ressaca social, é o tema de desabafo da semana dos nossos podcasters. Participam: Luca Nolasco, Michael Ulian, Otavio Crosara e Thaís Mösken. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Thaís: Um olá pra você que é ouvinte do Introvertendo, este podcast feito por autistas pra toda a comunidade. O meu nome é Thaís Mösken, eu sou autista, tenho 30 anos e fui diagnosticada em 2018. E hoje eu vou ser host deste episódio que a gente vai falar um pouco sobre ressaca social.

Otávio: Eu sou o Otávio Crosara, eu tenho 28 anos, fui diagnosticado faz sete anos e ressaca social é uma coisa quase que espontânea, sabe?

Luca: Eu sou Luca Nolasco, tenho 21 anos, fui diagnosticado em 2017 e… bom, eu tô pegando seis matérias na faculdade. Nem é tanta coisa assim, mas eu tô dormindo às 9 da noite todo dia.

Michael: Eu sou o Michael, o gaivota, e se meu celular sair do mudo, eu entro em pânico.

Luca: (Risos)

Thaís: O Introvertendo é um podcast feito por autistas com a produção da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Thaís: Bom, pessoal. Então vamos começar aqui e eu acho que vale cada um falar um pouquinho do que entende sobre o que é ressaca social dando uma ideia geral do conceito pra o qual a gente aplica esse nome, que eu acho que não é um nome muito formal, mas OK. Ressaca social é aquele efeito de quando a gente passa algum tempo socializando, não necessariamente é muito tempo, até porque a definição de muito varia muito de pessoa pra pessoa. Mas a gente passa tempo socializando e depois daquilo tem uma exaustão tão grande e que às vezes dura algum tempo mais longo, às vezes mais longo até do que o tempo que a gente tá socializando. E a gente precisa descansar, precisa recuperar aquela energia e às vezes precisa de um período de isolamento. Então eu queria que vocês falassem um pouquinho aí se é isso que vocês entendem por ressaca social também, ou se vocês tem uma ideia um pouquinho diferente.

Otávio: Ressaca social é quando você tem outras pessoas e “não”, entendeu? “Não, já deu”. Você completou sua cota social daquele mês. Chega! A menção de falar com outras pessoas depois de certo ponto você já faz aquele barulho: “ãhrr”.

Luca: Comigo eu tenho uma experiência um pouco diferente da que vocês descreveram. Comigo é mais atrelado a tarefas que envolvem pessoas do que pessoas em si. Então eu tô constantemente querendo conversar com pessoas, querendo fazer amigos, querendo tudo isso, usando a internet tentando fazer amigos. Só que se eu for fazer uma atividade que envolve outras pessoas, apresentar um trabalho, conversar com professor pra pegar a matéria, qualquer coisa mais específica e com objetivo, esgoto a minha bateria. Isso não depende de quanto tempo durou, pode ser 5 horas, pode ser 30 minutos. Comigo é por rodadas. Então até agora eu só aguento uma rodada e já acabou meu dia, não faço mais nada depois disso. Estou tentando treinar pra fazer mais de uma (risos).

Otávio: Deus do céu Luca, você gosta de pessoas? Qual é o seu problema?

Luca: (Risos)

Michael: (Risos)

Otávio: Eu mal consigo conversar com você. Pelo amor de Deus. Eu gosto demais de você, mas eu não te tolero.

Luca: (Risos)

Michael: (Risos)

Otávio: Mas não é pessoal, eu não tolero ninguém.

Michael: Inclusive, na veia do Otávio, o meu caso é que eu tenho uma tolerância tão baixa mas tão baixa pra contatos sociais que eu praticamente não tenho um conceito de ressaca social porque sempre eu tô numa situação de que a interação social que eu tô tendo é demais, tipo, toda interação social que eu tenho é demais. Eu tenho que interagir com uma pessoa já é demais. Eu tive que falar “oi, bom dia” pra moça da padaria? Acabou. Eu não quero falar mais com mais ninguém hoje! Eu estou exausto, eu usei todo o meu limite e eu vou dormir. Boa noite. Isso é 9 da manhã ainda. Por mais que eu tenha dado exemplo caricato, é basicamente isso. Tem dias que é literalmente isso. Minha tolerância é baixíssima. Até mesmo gravar os episódios é algo que é algo extremamente cansativo pra mim, conversar às vezes até mesmo digitar por texto é algo extremamente cansativo. Quando eu tenho que… nossa, eu tenho que pensar no que eu vou falar pra pessoa! Nossa, isso é muito cansativo. Eu não tenho conceito de ressaca social porque eu sempre tô exausto de ter interações sociais.

Thaís: E uma coisa que acontece comigo é que eu pelo menos tento avisar as pessoas, tentando ser socialmente mais agradável eu tento avisar as pessoas nesse aspecto. É que muitas vezes quando eu tô nesse período de ressaca social, o problema não é conversar com aquela pessoa especificamente, são pessoas de forma geral. Então eu tenho que parar e falar: “então, o problema não é você, não é que quero falar com você, eu não estou irritada, não invente coisas que você acha que aconteceram. Simplesmente é que eu preciso passar um tempo sozinha, um tempo tranquila, sem ninguém”. Nem sempre isso adianta muito. Às vezes as pessoas não entendem o que eu estou querendo dizer com isso, mas é a minha tentativa, pelo menos.

Luca: Eu queria ter essa educação porque eu me sinto meio um fardo quando eu tô estafado assim. Então eu simplesmente desapareço. “Eu respondo quando eu tiver melhor. Por enquanto simplesmente não fale comigo”. Aí depois eu volto como se nada tivesse acontecido.

Otávio: Já houve vezes em que eu estava falando com uma pessoa assim conversando, andando pelo campus da faculdade. Aí de repente dá um clique na minha cabeça. E de uma hora pra outra eu penso: “eu não quero mais conversar com ela, eu não quero conversar com mais ninguém. Eu preciso ficar sozinho”. Do nada, você tá entendendo? Eu estava andando, a gente conversando… no meio da fala dela, eu falei, “já deu”. Cara, que situação. É uma tolerância social muito baixa.

Thaís: É engraçado que pra mim isso pode acontecer de repente também, de às vezes eu estar falando com uma pessoa e de repente eu penso: “OK, quanto tempo falta pra eu poder ir embora? Em que momento eu posso sair daqui? Ah, agora eu já posso sair daqui? Será que agora eu consigo, sei lá, pegar o meu fone e ir pro outro lado?”. Mas nem sempre a gente consegue fazer isso. Uma das experiências que eu queria compartilhar aqui, depois imagino que vocês vão ter as suas também, da minha ressaca social no emprego, que eu acabei tendo que ter até uma conversa bem aberta com o meu gestor atual, o anterior também e a minha futura gestora, porque muito em breve eu terei uma nova também, eu vou precisar explicar pra ela isso que dependendo da tarefa que eu recebo, às vezes eu estou em um projeto que envolve cinco áreas, eu entrar em uma reunião e falar com dez pessoas, entender o que cada uma delas precisa, etc e aquilo me exaure completamente e aí depois dessa tarefa feita eu preciso passar algum tempo sem ter outras tarefas com pessoas. Então eu preciso passar algum tempo sem ter que responder uma mensagem, sem ter que entrar em uma outra reunião e geralmente esse é o tempo que eu tiro pra pensar em sei lá, lógica de sistema, lógica de uma solução que eu vou construir e fico só eu e o meu computador ali, sem outras pessoas estarem envolvidas nas tarefas. E pra mim, pelo menos, essa é uma estratégia que funciona pra que eu consiga continuar trabalhando e de vez em quando tenha que fazer essas tarefas que me exaurem, mas também tem um tempo um pouco melhor de recuperação. Então eu queria saber se vocês tem também algumas estratégias que usam para lidar com isso.

Otávio: É esperar passar a ressaca, né? Às vezes eu tô de ressaca só que aparece uma situação em que… Por exemplo, uma situação social que me interessa. Aí a ressaca some, certo? Quando o ato social não é mais uma obrigação. Mas às vezes pra passar é ficar sozinho, passar o resto do dia sozinho, conversar sozinho com os próprios pensamentos. Eu não vejo outro jeito. Às vezes comer um sorvete? Mas não é um bom método para lidar com isso.

Luca: Comigo é diferente da Thaís. Eu sou desempregado e então não tenho obrigação de conviver com ninguém, exatamente. Se eu ficar isolado, minha família entende, respeita isso e não tem problema nenhum. Então, o que eu faço é tentar ficar bem logo e o que eu faço pra isso é fazer coisas que me deixam confortável, que eu não preciso de outras pessoas ali. Eu geralmente cozinho, estudo, leio ou jogo videogame… qualquer coisa então possa ficar isolado por um curto período de tempo até me sentir confortável de novo pra passar pelo desgaste novamente de fazer uma tarefa que envolve outras pessoas.

Thaís: Em resumo, me parece que o que todos nós fazemos quando a gente tá nesse momento de exaustão é justamente se isolar pra ir recuperando essa energia e quando a gente tiver recuperado conseguir executar tarefas que vão exaurir a gente de novo e por aí vai. Então pelo menos me pareceu que é o que a gente tem pra fazer, né? Não sei se alguém consegue pensar em alguma coisa muito diferente disso, mas imagino que seja mesmo a estratégia que tem funcionado.

Michael: Mesmo no meu caso em que se isolar não é uma opção, porque como eu comentei minha tolerância é muito baixa. Como no momento eu tô morando com a minha família novamente, eu simplesmente não tenho a opção de remover eles da casa pra eu conseguir ficar isolado. E ainda assim se eu conseguisse isso, meus vizinhos são bastante audíveis. Então não é como se eu conseguisse separar umas três ou quatro casas da quadra pra eu conseguir ficar em perfeito isolamento. Ainda assim, quando a coisa tá muito ruim, a minha solução é simplesmente pegar, sair pra fora e andar. Porque já que eu não consigo me concentrar em nada, eu não consigo prestar atenção em nada porque tem muito barulho de outras pessoas por perto, eu vou andar. Porque pelo menos caminhando eu consigo focar em alguma coisa que é não cair (risos). E é algo que eu consigo fazer mais ou menos no automático, então eu consigo desligar a cabeça por um tempo mesmo que eu normalmente vá a um lugar que tem outras pessoas, porque é uma cidade, não é como se eu pudesse conseguir caminhar num lugar totalmente isolado. Mas mesmo no meu caso, que basicamente não tem muito como eu fugir de ter que interagir com outras pessoas, a minha solução é tentar manter um pouco algum nível de isolamento mesmo que mínimo mais psicológico do que prático pra conseguir, porque realmente não tem muito jeito. Se você não aguenta mais ver gente perto de você, a melhor solução é não ver.

Otávio: E no meu caso, como eu tô na área da saúde, eu tenho que lidar com pessoas. Eu lido mesmo estando de ressaca, sabe? Eu sigo o resto do dia, tento manter o otimismo, tento manter a simpatia, não é fácil, só que eu tenho outra escolha? Não. Então vamos em frente. E outra coisa: eu suspiro pra caramba. Pra caramba.

Thaís: Uma coisa que eu queria saber pra vocês: nesse período de pandemia, em que muitas relações se tornaram mais virtuais, então eu não sei quanto que pra quem tá estudando isso mudou e impactou de verdade, mas imagino que tenha tido impacto também, mas pra mim o meu trabalho era presencial, eu tava sempre no escritório e agora eu não vou pro escritório há mais de um ano. Quanto que pra vocês faz diferença em ter ou não ressaca social vocês estarem presentes com as pessoas ou vocês estarem só lidando virtualmente com elas?

Luca: Eu acho que seria hipócrita dizer que eu não senti falta de ninguém porque eu senti. Eu senti falta de conhecer pessoas presencialmente, por mais que fossem processos que às vezes me desgastam, sinto muita falta disso. Só que o processo de ir pra aula presencialmente e fazer coisas sinceramente não fez muita diferença pra mim. Porque eu me sentia muito desgastado indo pra aula. Inclusive era um motivo de eu constantemente faltar. Então poder fazer tudo isso em casa pra mim foi um certo alívio, por mais que eu também gostasse de sair. Então no final das contas ficou misturado, eu não senti tanta diferença, não é algo que me impactou positivamente nem negativamente, mas em alguns aspectos eu senti falta, mas também não fiquei mal sem.

Michael: Bem, no meu caso, a pandemia acabou piorando as coisas. Porque minha mãe trabalha com crianças e por causa da pandemia ela teve que fechar a escola que ela tinha. E como não dá pra você comer vento, o trabalho dela veio pra dentro de casa. Então tipo assim: nesses últimos dois anos de pandemia… eu não acredito que o inferno exista. Mas se ele existe, eu aposto os 3 reais que eu tenho no banco que não é pior do que ter que acordar com mais de uma criança gritando no seu ouvido todo dia.

Luca: (Risos)

Michael: É algo horrível, não recomendaria pro meu pior inimigo, eu não não submeteria ninguém a essa tortura. E é uma situação que eu simplesmente não posso sair dela. Então a pandemia conseguiu passar de ser algo simplesmente não importante pra mim, porque meu estilo de vida já era isolado antes dela, pra ser a pior coisa que já aconteceu comigo. Porque de repente agora eu tenho que lidar com um monte de criaturas que fazem barulho. E é todo dia, sem falta. É horrível. E como eu disse: não é uma situação que eu posso fugir. Pior ainda: eu tô tendo que achar um jeito de trabalhar nesse meio tempo. Depois de um tempo, finalmente voltei a trabalhar, trabalho em casa. E se existe algum tipo de tortura mais eficiente do que tentar se concentrar pra trabalhar enquanto tem barulho de criança… ou pior ainda, depois de que elas forem embora e você tá mentalmente exausto, eu desconheço, eu desconheço qualquer tipo de tortura pior do que esse. Mas tamo aí, né? Por favor, me tira daqui!

Thaís: (Risos) Alguém me adota! (risos) Que horror cara, eu realmente ia sofrer muito na situação. (risos) Eu até perdi o que eu ia falar, peraí que eu preciso me concentrar de novo.

Michael: (Risos)

Thaís: É interessante que cada um de nós acabou tendo experiências bem diferentes, né? Do meu lado, eu acho que acabou sendo bom eu poder justamente me isolar em casa e trabalhar virtualmente. E uma coisa que se tornou um facilitador de algumas das minhas convivências sociais é eu poder fechar a câmera, fechar o microfone, às vezes xingar a pessoa. E é muito comum. Eu tô com uma pessoa ali tentando ensinar uma oisa pra pessoa, a pessoa me faz uma pergunta que eu acho muito idiota, eu fecho pensando: “que pessoa burra!”. E aí eu posso falar em voz alta depois: “meu, que idiota, que que essa pessoa tá fazendo?” E por aí vai. Aí depois eu respiro fundo, tomo água, abro a câmera, abro o microfone e continuo a conversa (risos). Pra mim, esse tempo é muito importante. Porque se eu tivesse na frente da pessoa eu teria que segurar esse tipo de pensamento e eu ter que sair enquanto eu tô ali falando com a pessoa era muito mais difícil. Então pra mim acabou tendo essa vantagem também.

Luca: Meu Deus, coragem viu? Só confio de falar alguma coisa em voz alta quando o computador já tá desligado, porque antes disso, enquanto eu tô em chamada, eu não confio em nada (risos).

Otávio: Eu não confio nisso nem com o computador desligado, vai saber quem tá me espionando.

Thaís: A gente comentou então sobre vários casos, vários exemplos das nossas interações sociais com várias pessoas, seja no trabalho, nos estudos ou na família. Mas vocês veem alguma diferença nessa ressaca social, na exaustão que existe ali e interagir com uma pessoa especificamente, você e mais uma? Às vezes uma pessoa com quem você tem mais afinidade, pode ser uma pessoa que tá num relacionamento com vocês, um familiar, uma pessoa que vocês considerem um amigo de verdade e coisas do tipo? Vocês percebem alguma diferença nessas interações?

Luca: Sinceramente, não (risos). Pra mim se eu tô cansado, eu tô cansado de tudo, de grupos, de pessoas, de tudo, então não interajo com ninguém. O que eu vejo mais diferença é que conversar com uma pessoa só não me gasta tanto quanto fazer outras atividades. Mas de resto, quando eu já tô com bateria esgotada, não tem nada que vai gastar menos energia não.

Otávio: Eu tenho mantido contato com a minha família, eu tenho mantido contato com a minha namorada, a única coisa que mudou é que a gente tá um pouco sem assunto, certo? A gente tá esperando basicamente a pandemia acabar.

Michael: No meu caso, o motivo que eu não estou namorando é porque pra mim manter relações mais próximas com as pessoas é ainda pior do que manter conversa com pessoas mais alheias ou mais distantes. Eu sempre sinto uma pressão enorme de ter que manter conversas, manter assunto e isso não deixa de ser menos cansativo. E por exemplo, se eu tentar falar com uma pessoa por um dia inteiro hoje em dia, provavelmente eu vou ficar uns 3 meses sem abrir a boca de novo porque eu vou estar exausto desse jeito. Isso leva a umas situações engraçadas também em outras esferas. Porque, por exemplo, desde que eu voltei pra Arapongas eu vou praticamente todo domingo na feira da cidade. Eu tenho os meus amigos de escola, eu tenho barraca, eu conheço os que trabalham lá, às vezes eu ajudo eles também, mas na maior parte do tempo eu vou lá e tudo que eu faço é ficar sentado praticamente meditando. Tipo, eu simplesmente vou lá e fico das 7 da manhã até quase meio dia fazendo nada. As vezes vou, converso, troco uma palavrinha ali, volto a ficar naquele estado praticamente meditando. E pros meus colegas já virou uma rotina normal. Quando eu paro e fico lá sem fazer nada todo mundo deixa como se fosse coisa mais normal do mundo. Não tentam forçar nenhuma relação social. É literalmente o melhor momento da minha semana porque pelo menos por alguns minutos. Ironicamente é quando eu tô rodeado de pessoas, às vezes fervilha aquela feira que você não consegue andar lá, mas eu tô completamente em silêncio sem nenhuma pessoa interagindo socialmente comigo e isso é maravilhoso. Eles são meus melhores amigos, é gente que eu confio demais, é gente que eu gosto demais eles também são grandes amigos e é isso. Eu raramente falo com eles no meio da semana porque eu raramente falo com qualquer pessoa no meio da semana. No meio da semana geralmente tô querendo matar alguém e não conversar com uma pessoa. Mas no fim de semana eu vou lá pra fazer nada, obviamente é quando as vezes eu vou lá pra ajudar. É uma amizade funcionando em eu ser um enfeite. É perfeito, é a amizade que eu sempre quis! É o círculo social perfeito pra mim. Eles me aceitam como um enfeite, eu sou aceito por eles como enfeite, eu quero ser um enfeite, eu não quero ter que falar, eu não quero ter que gastar saliva, eu não quero ter que pensar. O fato da minha presença estar lá e ser aceita já é perfeito pra mim.

Otávio: …posso uma observação?

Michael: Mas é claro.

Thaís: Claro.

Otávio: Observando o que nós falamos das pessoas que vivem com a gente, dá pra perceber que muitos de nós não comenta com as pessoas próximas que a gente tem um podcast. Porque se eles ouvirem o que a gente acha que eles acham da gente, a gente vai ter que dar sérias explicações, viu?

Michael: (Risos)

Thaís: Mas eu não nego que eu já pensei nisso em alguns episódios, dependendo de quem ouvir e se perceber que a situação é sobre essa pessoa especificamente, as pessoas podem realmente se incomodar com isso. Mas normalmente quando as pessoas, exceto por exemplo esse caso que eu falei, né? De eu xingar a pessoa do trabalho de as vezes achar que a pessoa é um idiota, mas eu nunca guardo muito bem o que eu tô sentindo. Então mesmo nesse caso, por mais que eu não tenha xingado a pessoa na frente dela, a pessoa em quem eu estou pensando que teve mais casos também, eu acabei demonstrando como ela precisava estudar, eu basicamente cheguei e falei: “a gente tá com dificuldade de avançar nisso, você não está conseguindo se desenvolver nesse ponto, então eu preciso que você estude isso por fora” (risos). Eu acho que é uma forma que eu consegui tornar aquela minha raiva e o que eu estava sentindo de “meu, você é uma pessoa burra!” em algo útil pra pessoa. Em algo útil pra mim, porque se ela se desenvolver eu vou ter menos trabalho no futuro. Então, eu acho que tem um pouco disso também.

Otávio: Thaís, agora você me lembrou de uma coisa que eu queria muito falar, mas eu tinha esquecido o que eu queria falar. Em relação a pandemia, eu tive muitas aulas online e a quantidade de professores que não sabiam usar Zoom, o Google Classroom… eu queria arrancar meus olhos fora! Os caras não têm treinamento, os caras nem procuram saber, eles vão na raça. A gente perde vinte, trinta, quarenta minutos por causa disso, sabe? Nossa, o aproveitamento é muito baixo. É do jeito que cê fala, é coisa que o chefe devia saber. Ele era o primeiro que devia saber. E continuamos com a sessão de descarrego.

Luca: Sim! (risos)

Michael: (Risos)

Thaís: (Risos) Mas OK, deixa eu responder então a minha própria pergunta. Então, uma coisa que eu acho curiosa é que recentemente eu estava em um relacionamento que não é o meu relacionamento atual. E a pessoa me falou que se sentia muito mais cansada em interagir com uma única pessoa, em interagir diretamente comigo, inclusive, do que quando ela interagia com várias pessoas. Porque ao interagir com várias pessoas, ela não precisava se concentrar em responder as perguntas, ela se sentia menos demandada socialmente. E enquanto conversando com uma única pessoa, tinha uma quantidade de demanda maior sobre ela. E por mais que eu entenda a lógica desse raciocínio, pra mim sempre foi bem estranho, porque pra mim é o oposto. Por mais que quando eu estou cansada e quero me isolar, eu realmente quero me isolar de todo mundo, mas eu tendo a aguentar bem mais tempo, a ter mais energia ou pelo menos é mais difícil a conversa com uma única pessoa com quem eu tenho afinidade me exaurir. Então por mais que possa acontecer e às vezes como eu comentei de acontecer de eu ficar esperando a hora de eu poder ficar sozinha de novo, isso é mais raro quando eu estou com uma única pessoa. Eu também percebo que isso funciona de forma bem diferente pra cada um de nós nesse aspecto.

Otávio: Eu quero fazer um outro adendo, gente. Eu não sei se isso vai fazê-lo rir ou se isso vai fazê-lo chorar ou ter pena da gente, mas nenhum de nós, em nenhum momento, falamos ou orientamos as pessoas sobre como lidar com a ressaca social. Nós só reclamamos. Como vocês podem ver, isso é um problema endêmico, pandêmico, isso está cravado na gente, não vai ser aqui que vocês vão descobrir onde resolver, OK? Isso aqui foi mais uma sessão de descarrego pra nós do que um episódio pra vocês e muito obrigado.

(Fim do episódio)

(Trecho pós-créditos 1)

Luca: Fora do tópico aqui, só falando: eu sempre escutei a Thaís assim nos episódios, a mulher toda séria e tudo mais. E aqui ela: “pô, o cara é burro pra caralho!” (risos).

Michael: (Risos)

Thaís: (Risos)

Luca: (Risos) Tô achando muito engraçado.

(Trecho pós-créditos 2)

Otávio: Certo? A gente tá esperando basicamente a pandemia acabar, certo? Ou um de nós morrer. Brincadeira! Tira essa parte, Tiago.

(Trecho pós-créditos 3)

Thaís: Uma única pessoa, às vezes uma pessoa com quem você tem mais afinidade e e por aí vai. E por aí vai é uma péssima forma de terminar esse rolê. Argh! Eu tô pegando muitos trejeitos do Lucas gente, muitos trejeitos. Eu falo rolê em quase todas as não, quase todas as frases é um exagero, mas muitas frases.

Michael: (Risos)

Tiago: Eu tô assim também pegando algumas idiossincrasias do Bruno também, principalmente o sotaque, mas eu te sugeriria terminar digamos assim “ou um parceiro, uma parceira”, aí dá pra um fechamento bom.

Thaís: Beleza, deixa eu então reformular.

(Trecho pós-créditos 4)

Michael: É bom também porque tem pelo menos uma pessoa, um ouvinte que pede por mais episódios do estilo da velha guarda que é só a gente conversando sem nada scriptado. Então tá aí pra você, senhor ouvinte, que eu não sei seu nome. O Tiago já falou umas 500 vezes, eu continuo não sabendo, mas tá aí. Especial pra você. Coraçãozinho.

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