Já parou pra pensar nas referências autistas na cultura pop mundial? E em quantas pessoas rotuladas como ‘autistas’ jamais afirmaram isso ou nem estão vivas para terem sido diagnosticadas? Nesta edição do Introvertendo, discutimos os autistas famosos verdadeiramente diagnosticados e os personagens da ficção que possuem traços autísticos. Confira e tenha surpresas com nomes que, talvez, ainda não tenha ouvido falar.
Participam desse episódio Otavio Crosara e Tiago Abreu.
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Transcrição do episódio
Tiago: Um olá para você que escuta o podcast Introvertendo, esse podcast que traz famosos e anônimos autistas dentro do seu conteúdo. Meu nome é Tiago Abreu, eu sou host deste podcast e estou aqui mais uma vez em dose dupla com Otavio Crosara para falar de autismo e autistas na cultura pop.
Otavio: Olá queridos ouvintes, meu nome é Otávio e eu sou um autista famoso na cultura pop, só que ninguém me conhece ainda. Quer dizer, eu estou no Introvertendo, então eu estou na cultura pop.
Tiago: E se uma pessoa não falar que é autista, não a rotule como autista. Chega de fake news. E com vocês lá vai mais um nosso episódio.
Bloco geral de discussão
Otavio: Me diz uma coisa, Tiago, por que o tema autismo ou pelo menos mais especificamente o autismo de alta funcionalidade é um tema constantemente recorrente na cultura pop, anda mais na ficção científica?
Tiago: Não sei se é realmente recorrente na cultura pop. Porque se a gente pensar na quantidade de personalidades que estão dentro do espectro não são tão altas e muitas vezes são negados. Mas uma coisa que eu acho que pode ter inspirado muito é a participação do Spock, que carrega muitas características. Ele é praticamente um arquétipo do que a síndrome de Asperger se tornou como diagnóstico depois, mas a gente vai falar sobre o Spock depois. Antes de falar de autismo e autistas na cultura pop, é muito importante a gente falar sobre as pessoas famosas que são diagnosticadas com a síndrome. Porque um autista famoso é tanto um sinal de popularidade, mas infelizmente durante os últimos anos nós temos visto muitas matérias, principalmente em termos de imprensa e eu que sou da área do jornalismo observo isso com muito medo, com relação a matérias de autistas famosos. Grande parte dessas matérias trazem pessoas que nunca foram diagnosticadas com autismo, muitas vezes figuras históricas que não tem como você recorrer ao morto pra poder você saber realmente e se baseia apenas em alguns relatos, algumas coisas muito genéricas. Vamos pensar que Asperger é um diagnóstico clínico, é um diagnóstico extremamente complexo que pode muitas vezes ser questionado com relação a semelhança com outros transtornos e outras características, por ser avaliado a partir do comportamento. Então, ter um episódio sobre autismo na cultura pop vem nesse sentido da gente falar realmente de autistas diagnosticados, falar daqueles que não são diagnosticados e embora tenham traços que a gente pode acreditar. Mas é aquela coisa, enquanto a pessoa não disser que ela foi diagnosticada, não há sentido de você jogar um rótulo em cima de alguém.
Otavio: Exatamente. Inclusive, eu conheço algumas pessoas que apresentam traços, mas eu não chamo elas de autistas. Na medicina, nós consideramos uma situação como patológica quando ela traz prejuízos para a qualidade de vida daquela pessoa. O objetivo de dar um rótulo é encaixar os problemas daquela pessoa em uma diretriz adequada para que resolvamos os problemas da vida dela, pra que ela melhora a qualidade de vida. E se uma pessoa não precisa, se ela é uma pessoa que não tem esses problemas, então não há necessidade de você colocar esse rótulo, entendeu? Agora vamos falar sobre famosos, oficialmente diagnosticados e eu já vou começar com o meu favorito, Anthony Hopkins. Ele é uma exceção entre as exceções. É um dos maiores atores do século XX e ele foi diagnosticado aos 70 anos. É por isso que eu digo que ele é a exceção das exceções, porque não só porque ele obteve a excelência numa área em que a imensa maioria das pessoas com autismo sofrem que é a expressão social e a linguagem não verbal, e como ele atingiu um nível tão aprimorado dessa habilidade, levou setenta anos pra ele ser diagnosticado. Se discute que a capacidade dele em relação a interação humana era tão bem aprimorada que ele que ele racionalizava a interação social e fazendo isso ele se saía bem nela.
Tiago: Ele ganhou um Oscar por causa da atuação dele em O Silêncio dos Inocentes com Hannibal, que é talvez o personagem mais marcante de toda a carreira dele. E nesse campo da cultura, a gente também tem como falar de uma das personalidades brasileiras que foram diagnosticadas com Asperger, isso claro, muitos anos depois de ter feito sucesso, que foi a MC Beth. Eu acho muito interessante uma funkeira entre a lista de autistas famosos, porque quebra um pouco esse mito de que autistas são pessoas da academia, intelectuais, e o funk é um gênero que há muito preconceito, então você tem uma funkeira autista. E a MC Beth ficou famosa em 2000, com o hit “Dança da Motinha”, que foi o maior sucesso do funk no ano, ela ganhou todos os programas de televisão, mas no fim das contas a carreira dela foi extremamente curta. Muitos autistas tem a questão da sensibilidade sensorial, ou seja, ela se sentia muito cansada com relação aos shows, ela acabou desenvolvendo depressão e decidiu parar. Nesse meio tempo, ela tentou ser professora de dança, de educação física, não durou muito tempo e ela disse que depois disso ela acabou se dedicando a vida de mãe, virou uma dona de casa, ativista de direitos dos animais também, que é algo que ela gosta.
Otavio: E também temos a Susan Boyle, uma mulher que não obedece os padrões de beleza ocidentais. E quando abriu a boca num reality-show, soltou aquele vozeirão. Sabe uma coisa engraçada, Tiago? Os três artistas que falamos aqui quebraram paradigmas. Muitos autistas não conseguem subir num palco assim sem sujar as calças, sabe? E ela foi lá e dominou a plateia. Aquilo foi maravilhoso. Vamos falar agora de Temple Grandin. Ela é uma das maiores pesquisadoras pecuaristas do mundo e ela dá muitas palestras, ela ensina muitas pessoas. É engraçado que ela criou ela mesma a máquina que dava tapinha nas costas, a máquina do abraço que ajudava ela a atenuar as crises de ansiedade que ela tinha. E ela criou máquinas de apaziguamento de gado com base nisso. Ela utilizou de uma fraqueza e transformou numa força. E existem livros sobre ela, um filme sobre ela, ela é sensacional.
Tiago: Nós vamos falar do Craig Nichols, que é vocalista da banda The Vines. Ele é bastante conhecido pelo seu comportamento extremamente agressivo e errático. Durante um show, o público tava gritando muito alto e ele começou a brigar com o próprio público, e descobriu depois que era autista.
Otavio: Sexo, drogas, rock and roll e autismo, yeah! Outro oficialmente diagnosticado, que é muito conhecido nos Estados Unidos, é o grande Jerry Seinfeld, um dos pilares da comédia americana, que também influencia muitos programas de comédia no mundo inteiro. Tem até um especial dele no Netflix. O cara destrói, vale a pena demais, Deus do céu, uma inspiração esses caras pra mim.
Tiago: A gente tem que falar de um conjunto de comédia, que foi o primeiro conjunto de comédia de autistas no mundo, é quase um Introvertendo, que é o primeiro podcast de autistas do mundo. A gente tá quase lá. Mas enfim, são quatro comediantes autistas que foram alvo de um documentário lançado pela Netflix em 2016. É bastante interessante, autistas na comédia. Existem muitos neurotípicos ou pessoas autistas que fazem muitas especulações e você vê um monte de sites publicando isso, como se fosse uma verdade, como se isso já tivesse sido algo declarado. Eu acho que o maior exemplo que a gente tem é o jogador Messi. Ele tem uma história de superação, digamos assim, é aquele tipo de história de superação que todo folhetim jornalístico ama e além de tudo joga na seleção da Argentina. Da mesma forma especulam sobre o Bill Gates.
Otavio: Outro caso, também, de uma pessoa que existe muita especulação, e eu digamos assim, um rival, o eterno rival dele é o Steve Jobs. Engraçado que eles não revolucionaram a computação na computação em si, eles revolucionaram porque eles conseguiram gerir muito bem o negócio deles, sabe? Eles conseguiram transformar a computação em algo acessível. Vocês ouvindo esse negócio, se não fosse eles, você não estaria ouvindo o Introvertendo se não fosse pelo Steve Jobs.
Tiago: Esse é um cara que quase ninguém fala que é aspie, mas assim, desde que eu conheço, eu acho, que é John Deacon. Baixista do Queen, um dos integrantes da formação clássica da banda. O Queen sempre foi uma banda de introvertidos. O John também sempre foi um cara bastante estudioso, exerceu uma influência muito grande, sempre foi um integrante mais quieto da banda, então ele sempre foi o cara mais caseiro e depois das turnês, ele sempre voltava pra casa meio transtornado. Ele teve um padrão de autocrítica muito grande ao ponto de ele sempre ser o cara que compôs menos pra banda, mas todas as músicas que ele escreviam entravam nos discos. E o John acabou construindo uma relação de proximidade com o Freddie, porque assim, o John ele nunca teve uma amizade muito forte com os outros integrantes do Queen, na verdade nenhum integrante de certa forma virou muito amigo do outro. Mas ele sempre foi esse cara quieto, esse cara intelectual, que cuidava das finanças da banda, que alinhava as coisas. E os outros integrantes da banda sempre ficam falando coisas pejorativas sobre ele, que ele é muito frágil socialmente, que ele não gosta de contatos sociais, sabe?
Otavio: Três personalidades históricas sobre as quais há suspeita, são três dos maiores cientistas de todos os tempos. Primeiro, Isaac Newton, o que que fez? Criou a Teoria da Gravitação Universal nas horas vagas. A teoria era tão revolucionária que a matemática da época não era suficiente para provar que ele estava errado, que que ele fez? Criou uma nova matemática maior, melhor que a do cálculo diferencial pra provar que ele estava certo. Ele morreu virgem, o que é típico de alguém autista, OK? Charles Darwin, eu não sei porque, mas eu já li várias vezes que há suspeitas de itens dele ter sido autista, eu não eu não vejo indícios disso, certo? Mais uma vez: se o cara é muito bom numa coisa, não quer dizer que ele é autista. E o terceiro que eu, caralho, ele é muito foda, é o Nikola Tesla, que foi o criador da corrente alternada. O sonho dele era prover eletricidade ilimitada e de graça pra todas as pessoas.
Tiago: Vamos falar de um dos maiores não, do maior filósofo do século vinte. Um cara que praticamente inventou a filosofia da linguagem, que foi o Ludwig Wittgenstein. Ele tem uma biografia engraçada porque, ao chegar no doutorado, e escrever o primeiro livro dele, recebeu um prefácio do professor dele e ele saiu meio que reclamando do orientador dele, falando que orientador dele não entendeu porra nenhuma do que ele tinha escrito. E esse livro dele revolucionou a filosofia e depois que ele escreveu esse livro, ele falou: “ah, vou fazer outras coisas”. Foi servir na guerra, foi dar aula pra criança, existem inclusive relatos de que ele batia nas crianças porque as crianças não entendiam, que ele falava porque ele explicava só uma vez e “por que que eu tenho que explicar outra vez? Eu já expliquei tão bem. Tão perfeitamente”. Isso é muito autista. Depois ele percebeu que tinha alguns erros, algumas falhas no livro e ele escreveu um segundo livro, revolucionou a filosofia mais uma vez.
Otavio: Agora falaremos de personagens autistas ou com traços visivelmente autistas e o primeiro que nós não podemos deixar de falar é o grande Spock. Esse é o arquétipo do autista de alta funcionalidade não porque ele não tem sentimentos, mas é exatamente porque ele tem sentimentos e ele racionaliza eles ao máximo. Ele é melhor que tem em Jornada nas Estrelas. Ele não foi o ícone do autismo na segunda metade do século XX. Ele foi o ícone da ficção científica.
Tiago: Bom, pra quem não tem muito conhecimento com relação a Star Trek, Spock é interpretado pelo Leonard Nimoy. O protagonista da série original é o capitão Kirk, e como co-protagonista também tinha o McCoy. Eu discordo do Otávio, ele falou que que o Spock administra as emoções sob um aspecto racional e eu acho que não é assim que funciona exatamente com relação ao Spock. Por quê? Ele não é 100% vulcano, ele é metade vulcano e metade humano. E ele tem dois lados. Você tem o lado humano que ele tenta ficar suprimindo ou que ele não consegue compreender. Basicamente, eu acho que isso tem muito a ver com relação ao Asperger. Muitas vezes ele é taxado de frio, de extremamente racional, mas na verdade tem um lado emocional que ele não sabe administrar, que ele não consegue entender, que ele não sabe entender os mecanismos, eu acho que o Spock é uma representação muito boa nisso. Outro personagem que a galera fala muito é o Sheldon Cooper, e eu enxergo que ele foi o personagem inspirado no Spock.
Otavio: Esperamos que vocês tenham aproveitado, pra nós foi muito proveitoso, porque é muito inspirador falar sobre isso. Por favor, se quiser deixe um comentário nas nossas redes sociais, gostamos muito do seu feedback porque ele ajuda na melhora do nosso podcast e, por favor, não esqueçam de mandar temas para que nós possamos discutir.