Introvertendo 185 – Autismo e Movimento Antivacina

Em 1998, um dos papers mais desastrosos da história recente foi um marco na eclosão do movimento antivacina que, apesar de existir há mais tempo, finalmente encontrou maior sustentação. Neste episódio, Tiago Abreu e Willian Chimura recebem o biólogo, autista e podcaster Caio Ferreira, do SciCast e do Égua Cast, para uma conversa sobre Andrew Wakefield, o discurso de que vacinas causam autismo e o impacto na comunidade. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Tiago: Olá pra você que ouve o podcast Introvertendo, que é o principal podcast sobre autismo do Brasil, e que semanalmente traz assuntos de discussão relacionados ao autismo. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, host deste podcast, diagnosticado com autismo em 2015, e definitivamente me dá uma agonia quando eu vejo pessoas que inclusive eu gosto e eu respeito acreditando piamente que vacinas causam o autismo. 

Willian: Eu sou Willian Chimura, faço mestrado em Informática para Educação, sou diagnosticado com autismo, e meu autismo não foi causado por vacinas. 

Tiago: E hoje nós temos um convidado que além de autista também faz parte da podosfera, então queria que o Caio se apresentasse pros nossos ouvintes do Introvertendo. 

Caio: Oi pessoas, aqui é o Caio Ferreira, falo aqui de Belém do Pará, eu também queria aproveitar o espaço pra agradecer o Tiago pelo convite. Se vocês quiserem ouvir minha voz aí pela podosfera, vocês podem me ouvir falando de biologia no SciCast, geralmente de bicho e paleontologia, ou vocês podem me ouvir falando de temas completamente aleatórios no Égua Cast. Hoje a gente vai falar um pouco sobre ignorância, desespero e desconhecimento, como isso atrapalha todo mundo, não só os autistas. 

Tiago: E como o Caio já adiantou, nós vamos falar um pouco sobre a questão da ignorância na comunidade do autismo que neste contexto está muito relacionada à eclosão do movimento antivacina. Nós vamos explicar um pouco sobre a história disso, os impactos na comunidade do autismo e como isso inclusive se relaciona com a comunidade do autismo no Brasil. 

Bloco geral de discussão

Tiago: Quem já teve oportunidade de saber um pouquinho sobre a história do autismo sabe muito bem que um dos primeiros pontos de discussão que a gente teve ao longo da nossa história foi sobre as causas do autismo. Originalmente se pensava que o autismo tinha uma relação com a falta de afeto dos pais, principalmente das mães, de onde veio aquela infame expressão, das “mães geladeira”, e a partir da década de 1960 algumas pessoas, principalmente na história do autismo, a gente pode lembrar do Bernard Rimland que começou a questionar essa ideia do autismo causado pelas mães, e começou a postular de que o autismo tinha algo biológico, e foi a partir desse momento que esse discurso psicanalítico sobre o autismo começou a ser quebrado que a gente começou a se perguntar “Mas quais são as causas do autismo? O quê que causa o autismo? O que o autismo propriamente é? É uma doença, é o que?” E a partir desse período, na década de 1970, então, que a gente começa a ter profissionais, familiares e muita gente levantando várias e várias hipóteses sobre o que poderia estar relacionado com as origens do autismo. E onde há dúvida, há também aproveitadores. Então, mais ou menos desde a década de 1980 também a gente pode mencionar que algumas pessoas começaram a relacionar a origem do autismo com alguma vacina propriamente dita, mas isso só ganha mesmo uma relevância, a ponto de eclodir em um movimento, nos anos 1990. 

Grande parte desse episódio está baseada no livro Outra Sintonia: a História do Autismo, do John Donvan e da Caren Zucker, que tem edição em português, e que é um livro muito bom e explica muito bem sobre essa dificuldade de entender quais são as causas do autismo até hoje. Nas discussões, até hoje tem gente que tem dúvida, “Mas o quê que causa o autismo? Autismo é genético, é ambiental?” e etc., e é a eclosão disso que a gente chama de Movimento Antivacina, que se tem início com o caso da vacina de MMR, na segunda metade da década de 1990, com o artigo assinado pelo médico Andrew Wakefield. 

Caio: No final da década de 1990, lá pra 1998, como tu falaste, teve esse artigo que foi publicado pelo Andrew Wakefield, que no artigo ele dizia ter encontrado uma possível relação entre autismo e alguns casos de colites, de inflamações intestinais relacionadas com vacinas da MMR, exatamente como tu falaste. Aliás, MMR também é uma vacina que a gente chama aqui no Brasil de Tríplice Viral, e o problema real que esse artigo causou é que ele deu início a uma onda de antivacinação.

Movimento antivacina não é algo recente, por assim dizer isso. A população em geral costuma ter alguns receios sobre a vacinação, e já é um medo antigo. Geralmente esse medo vem de algum desconhecimento ou alguma dúvida sobre os efeitos da vacina. Muita gente não sabe exatamente do que são feitas as vacinas, e às vezes só explicar como a vacina é feita já ajuda muito em reverter esses problemas. 

E também influencia o caso de algumas vacinas apresentarem efeitos colaterais, e muita gente tem medo de efeitos colaterais, que as pessoas não têm muita noção é de que a chance de alguém ter algum efeito colateral por conta de uma vacina é geralmente muito baixo, e para os casos em que ocorrem efeitos colaterais, geralmente eles não costumam ser tão graves quanto a própria doença em si. Então, tipo, é um risco que é muito baixo comparado com o risco da doença em si. 

Então, pega-se esse medo que as pessoas já tem de vacinação, do desconhecimento que elas têm, até porque no início da década de 1990 tava tendo uma epidemia de sarampo, se eu não me engano, no Hemisfério Norte, e aí isso coincide também, justamente por conta do histórico que o Tiago ali comenta, de que houve um “aumento nos casos de autismo”, e o que acontecia é que algumas pessoas começaram a pensar que isso tava interligado, só que isso, claro, é um problema de causalidade, né? Hoje nós sabemos que isso não tem relação nenhuma com essas epidemias de sarampo, e esse tipo de coisa, na verdade…

Tiago: Até diziam que era epidemia de autismo. Eu já ouvi até essa expressão também. 

Caio: Sim, eu já li a respeito, até porque isso volta naquela questão que tu falaste, que é sobre essa polêmica na definição do que é o autismo em si. Hoje em dia nós temos outras definições, as pesquisas já avançaram muito com o passar dos anos. Eu, por exemplo, se me permitirem o comentário, o que eu acho que aconteceu no aumento de casos, na “epidemia”, por assim dizer, de autismo, na verdade é que como os métodos diagnósticos começaram a ser modificados, se diagnosticavam mais pessoas. Então não é que começou a surgir autistas do nada, eles sempre estiveram ali, a gente só passou a identificar mais eles. 

Só que aí, esses problemas de causalidades, que o ser humano, no geral, tem um problema com causalidade, que é um problema parecido com aquele fenômeno de identificar formatos nas nuvens, sabe? Tipo, não necessariamente pareidolia, que é o nome esse tipo de coisa, de ver formas completamente distintas em alguma coisa, tipo um rosto numa nuvem, mas é uma lógica parecida de que a gente faz conexões que não necessariamente existem, e isso sempre fez parte da nossa sociedade, e muitas vezes fazer essas conexões que não necessariamente existem pode ser prejudicial pra todo mundo. 

O que foi o caso da pesquisa, que quando se fez essa junção, já tinha o zeitgeist, na época, já tinha aquele sentimento antivacina, já era uma coisa que tava acontecendo na época, e que acabava levando as epidemias das doenças para as quais a gente já tinha vacina, e junto com esse medo, desse desconhecido que seria o autismo, dessa coisa que a gente ainda não sabia definir na época exatamente bem o que era, e muito menos o público. Então o artigo chegou na mídia, e aí a mídia abordou de uma maneira bem complicada, bastante controversa.

O artigo foi publicado na The Lancet, que é uma revista britânica, então os efeitos mais imediatos do artigo foram no Reino Unido, e os casos de sarampo aumentaram muito no Reino Unido nos anos seguintes à publicação do artigo. E isso também não foi um caso só no Reino Unido, aconteceu na Irlanda, aconteceu no Japão, aconteceu nos Estados Unidos. O grande problema é que se descobriu depois que o artigo detalha que eles analisaram doze crianças, e eles encontraram traços de alguns agentes da vacina presentes em onze das doze crianças, que tinham tanto o autismo quanto essas colites, e veio um cara da equipe depois ao público falar que na verdade nenhuma das crianças apresentava esses agentes, que o Wakefield tinha forjado isso. 

Willian: É, e no caso do paper, do estudo de Wakefield e de colegas, é um caso repleto de polêmicas, né, na verdade. Então o que acontece nos estudos é que sim, nós somos seres humanos. O estudo feito por seres humanos e, obviamente, estamos sempre sujeitos aos nossos vieses, e seres humanos são muito bons em tentar relacionar coisas. Só que não necessariamente essas relações que nós fazemos são de causa e efeito. No caso deste estudo de Wakefield, ele propôs, ainda que em “hipótese”, mas hoje temos razões para acreditar que era a intenção de Wakefield não somente ficar neste campo da hipótese, mas sim provocar uma desconfiança nesse sentido, principalmente por conta de outros interesses, de um registro de patente de outra vacina, com outro método, que possivelmente faria ele obter algum lucro em cima disso, o que é claro caracterizaria conflitos de interesse também por parte do pesquisador. 

Então sabemos que realmente pode acontecer do pesquisador, querendo enxergar uma verdade que é conveniente, querendo enxergar que de alguma maneira aquele estudo dele vai ter algum resultado que vai livrar a sociedade de algum mal ou que vai trazer um grande benefício pra sociedade, como os exemplos que vemos agora, nessa epidemia de Covid-19, por exemplo, com diversos tipos de intervenção que possivelmente todo mundo quer descobrir alguma coisa que vai ajudar a sociedade, que vai ajudar o mundo, mas que, é claro, não é tão simples assim. 

Então existem, sim, casos em que isso pode acontecer de maneiras, vamos dizer assim, inocentes, né, vamos usar a palavra ignorante. Porém, no caso de Wakefield, realmente foi um caso que, enfim deu muita treta, deu muitos problemas, o Wakefield acabou sendo impedido de exercer essa profissão como médico e, é claro, o estudo foi realmente retratado pela revista The Lancet. Agora, mesmo para pesquisadores, outros pesquisadores, ao ler um artigo publicado em uma revista de grande prestígio como a Lancet, é claro que a interpretação destes leitores já vão ser viesadas nesse sentido de que, poxa, se está publicado, provavelmente se trata de um estudo bom, se trata de um estudo de alta qualidade. O que dá ainda, o que garante um pouco de legitimidade pra essas fake news, pra esses achados falsos. E é claro que também um dos mecanismos da ciência é que por mais que infelizmente às vezes demore, as pessoas que são desonestas sempre acabam levando a pior no final das contas, que foi o que aconteceu no caso de Wakefield, que foi punido de todas as formas possíveis depois desse desserviço que ele prestou, mas que infelizmente a mídia já tinha repercutido. E se já é difícil para um outro pesquisador ler um estudo como esse e entender que se trata possivelmente o duvidoso imagine um leitor leigo que vê uma notícia num veículo de comunicação não científico, muitas vezes, sobre essa hipótese. 

E isso a gente vê acontecendo na comunidade do autismo com outras questões, não somente a vacina, como por exemplo se possivelmente a vitamina D  ajudaria a “curar o autismo”, reverter quadros ou, enfim, como aconteceu de multivitamínicos possivelmente causarem autismo, ou ácido fólico, enfim sempre que vemos muitas vezes até estudos sérios que são publicados e que sugerem alguma hipótese, às vezes a mídia, pelo próprio e simples fato de noticiar isso, já pode ser, infelizmente, combustível para uma série de fake news, que daí notícias vão se espalhando e acontece uma espécie de telefone sem fio embaixo dessa notícia e circulam no grupos de WhatsApp, Facebook e etc., em outros veículos pouco controlados e com informações pouco criteriosas. E aí a desinformação acaba se espalhando. Eu entendo que também aconteceu isso nesse caso e muitos outros aí que assombram ainda a comunidade do autismo. 

Caio: Pois é, justamente essa abordagem da mídia ou como o público em geral recebe a notícia, que como a gente até tava comentando, pouco tempo depois se descobriu que tinha os conflitos de interesse envolvidos e que o artigo tinha sido fraudado, mas o ponto em si é que o estrago não acaba com a fraude do artigo sendo exposta, o estrago continua, ele perdura até hoje. Esse é um exemplo clássico de como esse tipo de fraude ou, como chamam em inglês, de hoax, como ele é prejudicial pra todo mundo. 

Porque imagine, é prejudicial pras crianças em geral, tanto crianças autistas quanto crianças neurotípicas que deixaram de ser vacinadas e correram o risco de serem infectadas por doenças como o sarampo, que muita gente esquece, mas o sarampo é uma doença que mata e é extremamente perigosa, é por isso que existem as vacinas. Volta naquilo que eu falei de que na verdade é tudo um problema de desinformação de pessoas que se apropriam da desinformação pra cumprir os interesses delas, e de pessoas que só se prejudicam com essa desinformação e no final das contas isso gerou vários impactos na comunidade autista. 

Pra mim que sou autista e biólogo é uma é uma questão que me atinge de duas maneiras, tanto pelo meu background científico, porque poxa, antivacinação é um movimento extremamente perigoso pra população em si, e ainda mais agora com a pandemia de Covid-19, e a gente vê os argumentos das pessoas antivacina e o estrago que isso pode causar. 

Eu acho que mais do que nunca os efeitos de como a anti-vacinação pode ser um problema gigantesco pra humanidade, são visíveis, tipo mortes que poderiam ter sido evitadas por vacinação e tudo isso é extremamente deprimente, tudo isso por conta de desinformação ou de pessoas que se aproveitam disso. 

E quanto ao caso de afetar todos nós como autistas, porque isso também contribui com aquele velho pensamento capacita de que, por exemplo, a pessoa vê a notícia falsa, ainda assim, mas ela vê a notícia e fala, “vacina causa autismo”. A pessoa não sabe o que é autismo, mas ela tem um receio, ela fala “eu não quero que a minha criança sofra com isso, eu não sei o que é, mas eu também não quero saber e não quero que isso afete o meu filho”, e isso, de certa maneira, é um pensamento capacita, até porque as pessoas desconhecem o que é o autismo de fato e as pessoas acham que é uma uma sentença de morte, às vezes, uma sentença de uma vida sofrida, esse tipo de coisa que as pessoas costumam pensar de cara, né? 

Tiago: Inclusive você falou sobre essa questão dos pais, e o impacto mais visível, principalmente nos Estados Unidos, na década de 2000, teve muito a ver com familiares entrando com um processo contra o Estado supostamente ter levado seus filhos pra vacinação e eles terem desenvolvido características autísticas. E isso foi muito forte, e aí o Estado teve que entrar no meio e principalmente para financiar pesquisa pra investigar isso, teve muito dinheiro gasto com pesquisa e tem um capítulo muito importante nessa história toda que coincidiu com a criação de uma organização chamada Autism Speaks, talvez a gente faça algum episódio sobre o caso, talvez não, mas basicamente a Autism Speaks se tornou a maior associação de autismo nos Estados Unidos em pouco tempo, e a discussão sobre vacinas e autismo ficou tão forte em alguns países como os Estados Unidos que a direção da organização teve receio de se posicionar claramente contra e isso foi um escândalo, porque eles só se posicionaram falando assim “ah, porque vacinas não causam autismo”, se não me engano, em 2009 ou 2010, já se tinha quebrado a noção de que vacinas causam autismo muito antes disso com pesquisas sólidas. Isso também dividiu a comunidade do autismo, principalmente entre o movimento de pais, porque criou mesmo um desalinhamento entre os familiares e as pesquisas científicas, porque até a década de 1990 tinham muitos familiares de autistas que ingressavam no meio científico estudando o autismo pra tentar entender, e esse movimento antivacina causou uma distorção muito pesada. 

No Brasil talvez nem tanto porque a formação da nossa comunidade é mais tardia, os tópicos muitas vezes chegam um pouco mais tarde, mas principalmente nesse livro que eu recomendo bastante pra quem tá ouvindo leia o Outra Sintonia, trata isso detalhadamente, muito bem, o quanto que um problema como esse, criado a partir de um artigo desencadeou, um problemas na comunidade que perdurou por muito e muito tempo. 

Willian: É, inclusive eu acho que, se eu não me engano, o último artigo que eu estudei sobre isso em que foi investido dinheiro, financiado pesquisa pra ter certeza que não havia nenhuma relação, foi um recente de 2018, na verdade, então estamos falando de dinheiro gasto, investido até hoje. Muito provavelmente existem até outros, enfim, não preciso necessariamente aqui apontar estudos específicos, já temos vários estudos de alta qualidade. E não somente isso, mas várias outras observações assim que hoje conseguimos fazer e inferir de uma forma bem mais fácil e não tão científica assim, como por exemplo o caso da Califórnia nos Estados Unidos, que realmente optou por uma alternativa para vacinar sua população, que teoricamente não seria a vacina que “causaria o autismo” e mesmo assim temos um aumento de diagnósticos por lá. Então é obviamente uma evidência bem clara também que sugere, além de todas as outras, que também deixa bem claro que realmente não teve nada a ver, essa relação e que realmente não passou de um hoax mesmo, como sugeriu o nosso amigo Caio. 

Tiago: Não, inclusive é muito curioso isso, porque eu entrei na comunidade do autismo um pouco depois, meu primeiro contato com autismo foi em 2013 e o diagnóstico é de 2015, e aí toda vez que eu ouvia o papo de vacinas causam autismo eu dava risada assim comigo mesmo, pensando assim, “ah, ninguém acredita nesse negócio, né? Não é possível.” Até o dia em que eu conheci uma associação de autismo aqui em Goiânia, me aproximei do pessoal e aí, conversando com um pai, ele me disse piamente que ele conhecia uma profissional que inclusive era mãe de um autista e que ela dizia de pé juntos que o caso do autismo do filho dela foi causado por uma vacina, que ela viu o dia da vacina e ele se transformou em outra pessoa a partir daquele dia, e era uma conversa assim e que conversavam comigo com tanta convicção que eu fiquei pensando assim, “como é que eu vou conseguir contestar essa experiência?” Que é uma experiência enviesada, obviamente, mas como é que eu vou conseguir contestar essa experiência, se ela é carregada de tanta emoção, se ela é carregada de uma distorção que é muito grande, como é que eu vou apresentar evidências pra contestar isso? E aí foi nesse dia que eu comecei a pensar o quanto que seria difícil combater esse tipo de ideia. Não sei se vocês já tiveram presenciado alguma coisa parecida na comunidade do autismo, mas foi um negócio que me deixou chocado. 

Willian: Não, certamente, e na verdade eu entendo que no caso de Wakefield obviamente ele tinha algo a ganhar, mas no caso das mães, não necessariamente, as mães não estão buscando necessariamente processar o Estado ou querer algum dinheiro em cima disso. Elas estão preocupadas com o bem-estar do seu filho, e eu entendo, sim, que é plenamente possível um caso de uma criança, sabemos que nem todos os casos de autismo ficam explícitos logo desde o dia do nascimento da criança, apesar de que em boa parte dos casos a gente já consegue, mesmo como bebê, a gente já consegue ver algumas estereotipias ou movimentos repetitivos, alguma predileção por algum objeto ao invés de olhar nos olhos, tem uma série de questões que podem sugerir o autismo desde os primeiros dias, mas nem todos os casos são assim, e é plenamente possível que algum caso de autismo em uma criança que até então não tenha “manifestado nada característico do autismo” até o momento de ser vacinado, que é um momento que, inclusive, pode ser muito estressante pra criança, e pode causar uma série de quebras de rotina, um monte de questões que principalmente considerando que se trata de uma mãe ou um pai que já é um pouco desconfiado e etc., e que realmente pode causar muito estresse em uma criança a tal ponto de ter sim alguma complicação no sentido comportamental, principalmente, o pai passar a notar as características autísticas de seu filho a partir daquele evento. 

Então, por conta de ser um evento que deixa tão explícito assim, é plenamente possível de acontecer algum caso assim, que uma mãe passou a notar, um pai passou a notar mais o autismo no seu filho a partir desse evento. É claro que aí o erro está em fazer uma relação de causa e efeito, de que foi por conta da vacina que se tornou o autista, é só esse o detalhe, né? Mas enfim, nós somos seres humanos, e como seres humanos temos a tendência de buscar explicações pra tudo. 

Caio: E só comentando um pouco também sobre o impacto na mídia desse tipo de notícia, por exemplo, uma coisa é a pessoa ver a notícia de um médico falando que é vacina que causa autismo, aí depois vem uma notícia dizendo que o médico tinha fraudado a pesquisa aí e tal. Assim, é um médico, uma autoridade no assunto, pelo menos deveria ser, então passa uma credibilidade. Só que imagine vocês ouvindo isso de personalidades, de celebridades, por mais que celebridades não sejam experts nessas áreas, elas costumam passar uma credibilidade maior, justamente porque elas são conhecidas do público. 

É o caso, por exemplo, de uma atriz que é famosa nos Estados Unidos, Jenny McCarthy, que ela é famosa justamente pelas campanhas antivacina que ela promove, e ela é justamente um desses casos que afirma que o filho dela desenvolveu por conta da vacina. Eu acho que dentro do mundo das celebridades é o caso mais famoso nesse sentido. Alguns outros nomes famosos que já comentaram algumas coisas antivacinação e autismo inclui o Jim Carrey que, não coincidentemente, já se relacionou com essa Jenny McCarthy no passado. Então provavelmente  já vem daí a ideia. Mas enfim, imagine Jim Carrey,  muitos de nós crescemos vendo filmes do Jim Carrey, e o Jim Carrey vai e fala uma coisa desse tipo. Não são todos que vão pensar “nossa, mas ele tá falando besteira.” Muita gente vai começar a pensar, “nossa, mas o Jim Carrey falou isso, será que é verdade?” Por mais que a notícia já tenha sido desmentida há muito tempo, esse é um exemplo de estrago que causa esse tipo de notícia. 

Tiago: Além disso, também tem uma questão relacionada ao jornalismo de que a notícia de que a vacina causa autismo vai ter um impacto muito maior do que a notícia que desmente. É a mesma coisa quando a história, a biografia de alguém é manchada por alguma coisa. Ah, teve uma acusação infundada de sei lá, assassinato. A pessoa vai pode carregar a pecha de assassino o resto da vida, pode sair duas mil matérias desmentindo aquilo, mas a primeira matéria, aquela que teve um impacto, ela é muito difícil de ser sobreposta com relação ao conteúdo que desmente. Então, realmente é bem complicado. 

Caio: Então, olha, só puxando um pouco pra questão do charlatanismo, o Carl Sagan fala no livro dele, O mundo assombrado por demônios, que uma das lições mais tristes que a gente tem da história é que se a gente é enganado por muito tempo, a gente tende a rejeitar que a gente foi enganado, porque chega num ponto que a gente já não tá mais interessado em encontrar a verdade, porque a mentira se apoderou tanto da gente que se torna algo doloroso admitir que a gente foi a gente caiu na naquela enganação. Então o que a gente tende a fazer é se afundar cada vez mais na mentira, é aquele lance também de que uma mentira falada várias vezes acaba virando uma verdade. 

Tiago: Então pessoal, essa é a nossa conversa aqui sobre autismo e movimento antivacina, se você quiser saber um pouco mais, ler o artigo original do Wakefield, todo o impacto na comunidade, nós temos as nossas referências que tá lá no nosso site, nesse episódio, e eu queria agradecer muito Caio pela sua presença aqui no Introvertendo. Então, fique a vontade pra falar onde as pessoas podem te encontrar, os podcasts que você participa, enfim, faz aí a sua ficha completa. Mais uma vez, muito obrigado. 

Caio: Oi, mais uma vez eu agradecendo pelo convite e então, cês podem me encontrar no SciCast falando de ciência, alguns outros podcasts também do Portal Deviante, como o Contrafactual, onde a gente tenta imaginar cenários contrafactuais, como o nome já diz. No Ciência Sem Fio a gente faz uma brincadeira falando sobre algum tema, as nossas pesquisas, ou no Spin de Notícias, onde a gente comenta alguma notícia científica, mas vocês também podem me ouvir como host falando coisas completamente aleatórias no Égua Cast. Ah, e se vocês quiserem também me acompanhar nas redes sociais. Eu acho que a única que eu acesso como uma certa regularidade é o Twitter. Vocês podem me encontrar pelo @caio_2112, entendedores entenderão essa referência. Eu não  apareço tanto lá mas de vez em quando cês me vêem fazendo alguma coisa.

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