Existem várias experiências diferentes de vida dentro do autismo, e autistas que possuem uma orientação sexual e/ou uma identidade de gênero diferente da maioria são parte delas. Neste episódio, Carol Cardoso e Luca Nolasco conversam sobre suas relações com a lesbianidade e a bissexualidade, respectivamente, como uma espécie de reposição do nosso episódio 112, removido das plataformas em preservação da privacidade de nossos convidados anteriores. Arte: Vin Lima.
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Transcrição do episódio
Luca: Sejam bem-vindos ao podcast Introvertendo, este que é o principal podcast sobre autismo do Brasil. Hoje, nós vamos falar sobre autistas LGBTQIA+, sobre nossas dificuldade sobre nossas experiências. Eu sou o Luca Nolasco e temos aqui conosco a Carol Cardoso.
Carol: Eu sou a Carol Cardoso, sou autista e sapatão com muito orgulho!
Luca: O Introvertendo é um podcast feito por autistas com produção da Superplayer & Co.
Bloco geral de discussão
Luca: Antes de tudo, é preciso esclarecer aqui que esse mesmo tema já foi feito ano passado. Inclusive foi feito no episódio 112. Mas como os nossos convidados já não estavam se sentindo mais confortáveis com o que foi expresso por eles lá, em respeito a própria privacidade deles, nós decidimos fazer o episódio novamente, hoje só comigo e a Carol. Isso pode ser um pouco complicado da perspectiva LGBTQIA+, porque eu como bissexual e a Carol como lésbica representamos só uma pequena porção do que todo movimento é, mas estando na nossa fração, nós vamos falar de nossas experiências e de nossas impressões. E se você quiser ou se você puder colaborar um pouco com isso, basta mandar pro nosso podcast que nós vamos ler ela muito felizmente.
Carol: Porque a gente tá realmente procurando pessoas para falarem desse assunto, tipo assim, a gente gostaria de chamar pessoas pra falar sobre isso, mas pelo tempo e por questões nossas de desgaste mesmo, a gente não conseguiu ninguém a tempo desse episódio além de nós dois e também porque a gente realmente entende que esse tema é muito recorrente. Na verdade, a gente já falou várias vezes sobre esse tema aqui, desde o começo do Introvertendo. Quando eu era só ouvinte, eu lembro de ter visto outros episódios falando sobre sexualidade. Então, é uma coisa que por fazer parte da nossa vida, é uma coisa que a gente sempre vai trazer. Então, hoje é mais pra ser uma conversa entre nós dois, assim, mas, no futuro, a gente, a gente, por exemplo, não pretende esgotar o tema só nesse episódio, muito pelo contrário.
Luca: É, até porque vai ser só da nossa perspectiva, né? Sempre tem outra perspectiva pra abordar. Carol, você se sente confortável em falar para nós como foi a nossa, como foi a sua primeira experiência amorosa, como você foi vendo o que você tinha gostos ou não, e no final das contas, como funciona a sexualidade pra você?
Carol: Eu acho que, pra mim, foi uma coisa que demorou pra ficar mais evidente. Eu passei boa parte da minha época da escola sem me relacionar com ninguém. Na verdade, não boa parte. Toda a minha época da escola eu me relacionei com ninguém. Porque era muito complicado pra mim. Eu acho que uma das coisas que que me atrapalhava é que eu tinha muita dificuldade para lidar com aquele ambiente escolar que tinha tanta gente, tanto estímulo e até assim, o primeiro ano do ensino médio eu tinha bastante dificuldade para interagir, pra fazer amigos, pra ter uma vida social mais ativa então eu não tive oportunidade de me relacionar com outras pessoas, porque o meu ciclo era bem limitado, assim. Eu tinha a escola, tinha aula de inglês que eu fazia e as atividades da igreja, que é o pior lugar pra gente fazer amizade ou namoro. Na verdade, amizade até que sim, mas namoro LGBT não é um lugar que a gente vai procurar na igreja (risos). Mas enfim, aí no inglês eu tinha mais dificuldade do que na escola pra me relacionar com as pessoas, eu acho que eu eu só fiz uma amiga no inglês que eu levo até hoje, mas fora isso eu tinha por onde fosse essa dificuldade me de socializar, demorou pra que eu realmente explorasse esse meu lado, sabe? A questão amorosa e enfim. Então, eu acho que tem muito a ver também com essa questão da minha sexualidade, não só do autismo, porque eu, por muito tempo, eu ficava tipo: “ah, então pra eu namorar eu tenho que conhecer um homem e me interessar por esse homem e começar a namorar e depois casar com este homem”. Então eu fiquei esperando esse dia chegar e ele nunca chegou (risos).
Luca: (Risos)
Carol: E quando eu tinha lá os meus 16 anos, eu comecei a me questionar sobre isso, né? Sobre o porquê e foi justamente quando eu comecei a ter mais amizades e eu fiz uma amiga que era super aberta em relação a isso, então isso começou a ficar mais na minha cabeça, foi até uma fixação durante esse período, comecei a pesquisar mais sobre esse tema e comecei a comecei a me aceitar mais, porque não é como se tivesse sido uma surpresa pra mim.
Luca: E, pra mim, a sexualidade em si não foi tão difícil para chegar às minhas conclusões. O que foi mais difícil foi eu descobrir como ter amigos. É um pouco paradoxal isso, mas desde a infância, olhando com os olhos que eu tenho agora, eu não gostava de ficar apaixonado por alguém, de querer alguém pra mim, coleguinhas de fala mesmo como as pessoas ficam, eu gostava de uma pessoa, mas queria que essa pessoa seja minha amiga, era uma amizade platônica que eu tinha. E por não ter muitos amigos durante a infância, eu nunca experienciei muito bem o que era essa questão de ser apaixonado por alguém e tudo mais. Foi só no meio da adolescência, aos 15 anos, 16, que eu, de fato, me apaixonei por uma pessoa, uma menina. Bom, não deu certo. Não é problema. Só que aos 16 anos, eu comecei a sair de casa, eu comecei a sair com a minha prima, ir pra bares. Não recomendo muito quando você é menor de idade, mas eu ia, bebendo álcool eu achava que conseguia ficar mais solto e conversar melhor com as pessoas em dia e eu vejo que isso não funcionava tão bem quanto eu achava, inclusive não recomendo. Foi numa dessas experiências onde eu fiquei mais livre pra expressar o que eu sentia e pra expressar o que eu queria, que eu tive minha primeira experiência de fato sexual, que foi com um cara. E foi nessa experiência que eu comecei a refletir sobre o que eu, de fato, gosto, o que eu nunca tinha pensado nisso. Até o momento, eu me via como hétero, porque era o que eu achava que era e pronto. Nunca tinha pensado, poxa, será que eu gosto de mulheres só? Será que eu gosto de homem só? Será que eu gosto de outras pessoas? Nunca tinha pensado nisso. E só essa primeira experiência que eu tive, que eu comecei a pensar, poxa, eu sempre achei homens muito interessantes, assim como eu acho mulheres e, na época, eu achava que sou bissexual. E aí, depois, pensando mais sobre o assunto, eu cheguei a minha conclusão de que, sim, de fato eu sou bissexual. Foi assim que eu comecei a pensar sobre minha sexualidade.
Carol: Isso que tu falou eu achei muito interessante. Porque quando uma pessoa é hétero, então ela se relaciona ou se interessa só por pessoas do sexo oposto e e ela tem isso desde quando ela começa a se interessar por alguém, essa pessoa não tem esse confronto de se questionar e de pensar muito sobre isso. É uma coisa que é tida como muito natural, sabe? Uma coisa que que é tida como normal, é isso que é interessante porque a gente que é um desvio do que é considerado um padrão, a gente inevitavelmente vai passar por essa fase de se questionar, isso pode gerar muitos conflitos, sabe? Por exemplo, nem todo mundo consegue se aceitar de primeira, consegue se entender, ver que a sua natureza e ficar de boa com isso. Muitas pessoas, eu já conheci muitas pessoas assim, amigas e enfim, pessoas que eu conheci durante a vida e que tinha um preconceito muito grande com a sua sexualidade. E, às vezes, não partia nem de si mesma, sabe? Às vezes partia de cobranças das pessoas. Então, amigas, pessoas, no geral, não são amigas, mas que eu conheço que acabaram sendo vítimas de violência por conta da sua sexualidade. Isso é muito interessante porque quando a gente expressa a nossa sexualidade de uma forma incomum e que nem é tão incomum assim, mas é considerado incomum ou indesejável, a gente não tem muito essa liberdade pra explorar esse nosso lado de uma forma livre, sabe? É uma coisa que a gente não tem como passar por isso sem que isso envolva algum tipo de trauma ou alguma tristeza, ou no mínimo uma preocupação do futuro de que em algum momento a gente vai ser vítima de algum tipo de preconceito, sabe? E eu acho que isso é meio injusto, sabe? É muito injusto pensar dessa forma que coisas básicas do tipo, sei lá, tu tá no teu ambiente de trabalho, na faculdade ou qualquer público e tu ficar com receio, tu pensar duas vezes se tu vai comentar uma coisa básica do tipo: “ah, esse fim de semana eu fui com a minha namorada na praça e tinha um vendedor de churros muito bom”, sabe? Isso é uma coisa que pras pessoas que não são LGBT ou etc, elas não pensam antes de comentar esse tipo de coisa, sabe? Elas não pensam: “ah, será que eu falo isso? Porque eu não sei se essa pessoa é homofóbica, então não sei se eu devo falar”. E isso é muito triste, porque isso acaba criando muitas amarras dentro da gente e que pra gente que já tem uma dificuldade de socialização, que já tenta se comunicar da melhor forma possível e muitas vezes falha, isso é mais um peso que é adicionado na nossa vida.
Luca: Eu tive muita sorte, eu digo isso morando em Goiás, que é um dos estados com maior incidência de violência a pessoas LGBT. Eu tive muita sorte de nunca ter sofrido nada, e isso vem de vários fatores, mas tiveram momentos que eu fiquei muito pensativo sobre isso, porque eu nunca percebo se a maneira que eu me expresso é uma maneira que mostra muito, eu nunca percebo esse tipo de coisa, porque eu nunca passei por nada que eu precisasse me preocupar. Mas teve uma situação em que eu fiquei pensativo, que foi quando eu fui dormir na casa de uma amiga minha, casa muito longe, numa chácara, então eu dependi do pai dela pra me levar. O pai dela deixou eu dormir na cama dela, sem nenhum problema, porque ele jurava de pés juntos que eu era gay, mesmo namorando com uma menina na época. Situação cômica na hora, só que depois eu fiquei pensativo. Puxa, e se ele fosse homofóbico e tivesse me atacado, o que seria? Porque em hora nenhuma tentei me proteger, tentei mascarar a maneira que eu sou, a maneira que acaba sendo espalhafatosa e as pessoas desentendidas entendem que eu sou gay por conta disso. Depois disso, eu comecei a pensar muito: será que eu deveria me portar da maneira que eu sou perante todo mundo? Será que eu devo ficar mais restrito conhecendo pessoas novas ou não? É uma coisa que eu nunca precisei me preocupar e depois disso eu comecei a me preocupar bastante. E por ser autista, eu muitas vezes acabo não percebendo que a maneira que eu me porto é uma maneira que as pessoas tiram suas próprias conclusões, independente do que eu pense e do que eu faça. Então, é uma coisa que constantemente me preocupa hoje em dia. E contigo, Carol?
Carol: Eu acho que, principalmente, quando eu não tinha uma aceitação sobre mim mesma, do meu jeito e etc, isso me preocupava bastante, muito mais que agora, sabe? Antes eu ficava com muito medo, eu deixava de fazer as coisas por medo das pessoas descobrirem. E assim, não é como se não tivesse comentários, coisas maldosas sobre esse assunto, coisas que, às vezes, as pessoas esperam da gente, sabe? De tipo, ficar cobrando namoro e coisas assim, porque a minha família é bem religiosa, então, a gente espera que exista um um padrão a seguir, uma coisa do tipo. A partir de certa idade, a gente tem que começar a procurar fazer uma família, construir uma família. Então, isso envolve arrumar um namorado ou alguma coisa do tipo. E quando a pessoa demora demais pra fazer isso, já é um sinal de alerta, né? Então, isso começou a me preocupar, porque começou a aparecer algum tipo de cobrança sobre isso e eu não queria me expor, mas eu percebo que isso deixa a gente muito infeliz, né? E eu já tinha dificuldade pra aceitar quem eu sou por conta das minhas dificuldades de comunicação, então eu sempre olhava pras pessoas e eu ficava, tipo, como que essa pessoa consegue se comunicar desse jeito? Eu via um casal, por exemplo, interagindo, podia ser nem se beijando ou coisas do tipo. Eu vinha eles interagindo, eu ficava, tipo, mas como essas pessoas conseguem se comunicar desse jeito, sabe? Como que funciona? Sempre perguntava pros meus amigos. Como que funciona ficar com alguém? Como que começa, sabe? Como que a gente chega, tem o primeiro contato? E de repente parece que todo mundo tem um entendimento de que essas pessoas vão ficar juntas e eu não entendia como isso acontecia, pra mim parecia que era uma coisa muito do nada e isso já é uma coisa de estranhamento, porque isso me impedia de entender se alguém queria ficar comigo. E se eu quisesse ficar com alguém, eu não conseguia comunicar isso de uma forma que a outra pessoa entendesse, sabe? Então essa questão de se aceitar e de ser diferente em diversos níveis, durante bom tempo, foi um peso pra mim. Eu acho que eu consegui me livrar um pouco do peso de ser lésbica. Eu passei um tempão muito deprimida com relação a isso, mas depois que eu me entendi, percebi que pesava muito em mim que outras pessoas se incomodam com o meu jeito e que isso me fazia infeliz também. Então, eu pensei: são duas pessoas infelizes. Se eu ficar feliz, vai ser só uma pessoa infeliz. Então eu vou ficar feliz, porque se a pessoa tá se incomodando com a minha sexualidade, a pessoa tá se incomodando com a minha vida. E eu tô incomodada porque a pessoa tem se incomodado com a minha vida. Eu não quero que seja mais pessoas infelizes. Então, quanto mais feliz eu for, menos pessoas infelizes vão existir. E desde então, nossa… a minha vida mudou demais, assim. Eu até fiz duas duas tatuagens em comemoração a isso e elas significam muito o momento que eu me aceitei como como lésbica, sabe? E aí depois veio o autismo, o meu diagnóstico veio depois disso e eu acho que por eu ter me acostumado com essa questão de um rótulo que me coloca numa posição de minoria, eu aceitei mais ser autista do que eu ser lésbica. Até por uma questão de estar acostumada com isso já. Mas também por ser uma coisa que veio pra me ajudar, para me agregar, para fazer um entendimento melhor de quem eu sou.
Luca: Então, até contra intuitivamente ao preconceito que há sobre como um autista deve pensar, como o autista deve agir, é curioso que em ambos os nossos casos nós tivemos pouca dificuldade de nos entender como bissexual e lésbica, ou a dificuldade, muitas vezes, foi pra aceitar ou a dificuldade veio pelo meio externo, digamos assim. É curioso isso, né? Porque as pessoas desentendidas, às vezes, poderiam imaginar que nós não poderíamos entender tão bem o que somos. Não, nós entendemos fácil e o desafio é fazer com que as pessoas nos aceitem como autistas e como LGBT. Isso muitas vezes é o mais difícil.
Carol: Eu acho que uma coisa que eu gostaria de falar sobre isso, que é muito interessante, é que desde que eu escutei o termo lésbica ou sapatão, que foi a primeira vez que eu ouvi falar foi falando sobre a Ana Carolina, aquela cantora. E meu nome é Ana Carolina também. Mas eu prefiro Carol. E aí falaram que ela é sapatão. E aí, eu fiquei: “ué, mas o que que é isso?” Eu era criança e aí, a pessoa falou que era quem gosta de mulher. E aí, eu peguei um susto e eu era bem criança, assim, eu acho que, sei lá, eu devia ter uns 5, 6 anos, mas a partir desse momento, eu lembro que me veio um um susto e um grande medo de ser isso, porque eu tinha uma sensação de que eu era isso. E eu tinha uma impressão muito forte de que quando eu fosse adulta, eu seria isso. E eu tinha medo gigantesco de se concretizar, mas eu tinha mais medo das pessoas descobrirem e um tempo depois eu vi uma matéria ridícula que a gente consegue, tipo, um “estudo científico” de que a gente consegue olhar pra pessoa e já saber se ela é lésbica, gay, etc e e eu fiquei apavorada. Eu fiquei: “meu Deus, então, todo mundo vai saber só de olhar pra minha cara?”. Só que, nessa época, eu, eu nunca tinha nem me relacionado com ninguém, eu devia ter uns 15 anos e eu já tava com esse medo, porque desde criança eu tive esse medo e eu acho que eu me aceitar foi mais uma questão de parar de ficar com esse medo, simplesmente, porque é uma coisa que eu entendo que pra muita gente não é assim. Eu gostaria de ressaltar que a sexualidade é uma coisa bastante fluida, sabe? A gente tem esse entendimento de que, “ah, eu pertenço a uma sigla de entre todas essas e eu vou ser pra sempre essa sigla”. Então, “ah, eu sou lésbica, mas aí, então, eu nunca vou me relacionar com nenhum homem”. Pode ser que, no futuro, eu tenha vontade, sabe? E não tem problema isso. Eu acho que às vezes a gente se amarra muito no que a gente é agora e isso projeta nossas experiências. Eu gosto de ressaltar que eu posso mudar, eu posso gostar de outras pessoas, posso me relacionar com homens no futuro, mas em nenhum momento eu quero que isso dê margem para que as pessoas digam: “ah, então, se tu pode, por que tu não tenta ser de outro jeito?”. É simplesmente porque eu não quero agora. E se um dia eu quiser vai partir de mim, sabe? Por exemplo, tu que é bi e eu já tive outros amigos que são bissexuais e e é tipo assim, eu já ouvi muito discurso do tipo: “ah, mas então se tu gosta de mulher, por que que tu não fica só com mulher? Por que tu tem que ficar com homem?”.
Luca: Sim, eu entendo, eu já escutei isso também (risos).
Carol: Pois é.
Luca: E a nossa perspectiva hoje é falando como pessoas cis. Não só como uma lésbica e como um bissexual, mas como pessoas cis. O que não é escrito em pedra, pode mudar em algum momento. Todas nossas perspectivas podem mudar com o tempo, não é algo sólido, é sempre algo mutável. Mas, agora eu vou partir pro último bloco, que é falando sobre o preconceito, que a gente pode vir a sofrer ou que já testemunhamos alguém sofrendo, que é uma continuação do último bloco. Falando sobre como é ser uma pessoa LGBTQIA+ na comunidade do autismo e como é ser uma pessoa autista na comunidade LGBTQIA+, porque já é muito conhecido que na comunidade autista apesar de ter números altíssimos de pessoas LGBT, é também uma comunidade que muitas vezes tende a ser muito conservadora e muitas vezes preconceituosa com pessoas LGBT. Então a chance de ter problemas relacionados a isso pode ser grande. Você já viu alguma coisa do tipo, Carol?
Carol: Bom, eu acho que quando a gente se mete em algum tipo de movimentação social, no meu caso, por exemplo, eu sou uma pessoa que, a partir de certo momento da minha vida, comecei a ser mais atenta a questões sociais de uma forma bem geral mesmo, como questões políticas. Então, eu sempre tive essa vontade de me inserir nesses espaços. E eu tive bastante vontade de me inserir em em comunidades LGBTQIA+, esses espaços de militância de fato de lutar pelos nossos direitos, de lutar por aceitação. Pela minha dificuldade de estar no meio de muitas pessoas, de conseguir me comunicar com todas aquelas pessoas ou de conseguir realmente verbalizar esses momentos, eu não consegui me inserir. E isso vale para vários outros movimentos que eu tentei me inserir. Agora, eu acho que desde que eu fui diagnosticada e eu tentei me inserir na comunidade do autismo, tem sido muito mais simples pra mim, porque eu consigo encontrar um lugar em que, talvez, as minhas necessidades sejam atendidas. Porque o objetivo é justamente esse. O meu principal problema sobre isso é justamente a acessibilidade nesses espaços. E tem também uma questão de as pessoas nem sempre entenderem o nosso jeito, o nosso ritmo, sabe? Eu já ouvi de outras pessoas que têm algum tipo de deficiência e que vão se relacionar com as outras pessoas e essa pessoa não respeita essa dificuldade ou a nossa deficiência e simplesmente desiste de ficar com a gente quando a gente revela esse tipo de coisa, principalmente no contexto de aplicativo de relacionamento que a gente, às vezes, tem até um receio de falar, mas eu acho que eu prefiro falar logo, prefiro tirar isso do meu caminho logo, entendeu? E já aconteceu uma vez comigo, de uma menina ignorar esse fato, sabe? Tipo, eu falei, e aí ela não disse nada. Tipo, ela ignorou, como se eu não tivesse falado nada. Tipo, eu acho que a impressão que ficou é que tipo era uma informação tão absurda na cabeça dela, que ela não quis lidar com isso. Então, sempre que eu falava alguma coisa, mesmo do Introvertendo, sabe? É, eu falei, “ah, eu vou gravar pro Introvertendo”. E ela não respondia nada.
Luca: Uai (risos).
Carol: Tipo, eu acho que essa foi a situação mais absurda que já aconteceu comigo. E assim, por ser uma coisa muito delicada pra mim, eu prefiro entrar muito em detalhes sobre situações de preconceito, porque, assim, não é uma coisa muito agradável de ficar dizendo, de ficar relatando as coisas. Por mais que fosse interessante saber, mas eu quero deixar, pelo menos, registrado o quanto isso pode afetar a gente. Porque quando a gente começa a fazer as nossas terapias, a gente começa a se inserir mais no mundo, ter uma vida social mais ativa, a gente inevitavelmente vai se deparar com situações de preconceito e isso é uma coisa que as pessoas devem pensar sempre quando a gente for falar desse assunto porque é algo que faz muito parte da nossa vida. Então, é justamente isso que a gente pretende fazer aqui no Introvertendo, pelo menos do meu ponto de vista, é ampliar o entendimento que as pessoas têm da nossa condição. E isso se estende a todos os espaços que eventualmente venhamos ocupar.
Luca: Sim. Trazendo um ponto mais detrás que você tinha dito sobre estar nos meios de militância ou em grupos mesmo, eu nunca sofri nenhum tipo de preconceito forte por diversas razões. Eu sou branco, eu sou rico relativamente, então assim, as chances de eu sofrer ataques preconceituosos é consideravelmente menor do que de muitas outras pessoas LGBT. Mas o máximo que ocorreu comigo foi que em aplicativos de namoro eu não buscava namoro, eu só buscava amizades e muitas vezes, assim, quase todas eu iniciava a conversa e tentava trazer o mais rápido possível, se encaixar no assunto, o fato de que eu sou autista porque eu imaginava que podia ser que eu não entendesse muito bem alguma coisa que a pessoa dissesse, se eu tivesse alguma dificuldade de comunicação e isso já esclarecesse antes de ocorrer qualquer coisa. E muitas dessas vezes, a pessoa simplesmente parava de falar comigo, ou passava a me tratar completamente diferente do que tratava antes. Assim, bem infantilmente até, sabe? Isso me incomodava bastante. Já no meio LGBT, eu participava de um grupo de amigos bem movimentado, tinha 16, 17 anos e eu percebia o fato de eu ser autista, às vezes, deixava as pessoas muito tensas em falar comigo. Eu acabava ficando muito mais excluído do que outras pessoas, só por elas não saberem muito bem como me abordar, achando que poderiam me chatear por qualquer coisa, eu imagino, eu sinceramente não sei dizer. Mas como eu disse, minha experiência, com certeza, é muito diferente da Carol e, com certeza, é muito diferente da quem tá ouvindo. Então, como eu havia dito no começo, se você tem experiências, se quer compartilhar conosco ou acredita que sou seu ponto de vista é diferente do nosso, quer trazer o seu ponto de vista pra gente, basta falar nas redes sociais, que nós, com certeza, vamos saber disso, vamos ler e vamos tentar entender melhor como é isso tudo. Nós planejamos fazer mais episódios contando como é a perspectiva de outras pessoas que se enquadram na sigla, mas com outras letras. Porque, como eu tinha dito antes, esse episódio acabou sendo um pouco limitado da minha perspectiva e da Carol. Então, sempre é muito bom ter a perspectiva dos ouvintes também. Por favor, mandem mensagens falando o que vocês quiserem sobre isso.