Introvertendo 178 – Autistas na Arquitetura

Em sequência a série de autistas e suas profissões, Carol Cardoso e Luca Nolasco recebem o ex-integrante Abner Mattheus e Isa de Paula, ambos autistas da área de Arquitetura, para falar sobre a área, acessibilidade para autistas, desafios da profissão e muito mais. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Luca: Olá, sejam bem-vindos ao podcast Introvertendo. Eu sou Luca Nolasco e dessa vez vamos falar sobre autistas na arquitetura.

Carol: Oi, meu nome é Carol Cardoso, tenho 24 anos e estou finalizando o último semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Amapá.

Luca: Conosco temos: Abner Mattheus.

Abner: Olá. Me chamo Abner Mattheus, tenho 26 anos, estudo Arquitetura e Urbanismo na UFG, sou diagnosticado com autismo há quatro anos, e esse é mais um podcast do Introvertendo com minha presença.

Luca: E Isa de Paula.

Isa: Oi, meu nome é Isa, eu sou arquiteta, sou de Maringá, no Paraná, e atuo na área há algum tempo já e acho que vai ser legal contribuir com a discussão sobre a arquitetura e acessibilidade.

Luca: Vale lembrar que o Introvertendo é um podcast produzido pela Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Luca: É importante pontuar que esse é mais um da série do Introvertendo de autistas nas profissões. Hoje, obviamente, vamos falar sobre arquitetura e falar sobre a relação dos autistas arquitetos com a área e com as questões que tangem a acessibilidade e o próprio autismo. Agora vamos começar com um ponto principal. Por que falar de autismo na arquitetura?

Carol: Bom, uma coisa que eu tenho em mente sempre que eu penso na minha profissão e tem a ver muito com a forma como eu conduzo o meu trabalho, o meu estudo, é que a arquitetura não se restringe apenas aos profissionais. Então, todo mundo vive arquitetura de alguma forma, todo mundo habita um lugar. Então, naturalmente, todas as pessoas têm alguma coisa a contribuir sobre a arquitetura. Eu vejo que a arquitetura é uma manifestação cultural humana e com isso a gente pode entender que existem várias formas de expressar a nossa condição humana. E quando a gente fala sobre autismo, é muito válido a gente discutir como que a manifestação humana das pessoas que são autistas vai impactar nessa arquitetura e como a arquitetura impacta na vida e no cotidiano, na forma como essa pessoa vai interagir com o mundo ao seu redor.

Luca: Os ouvintes mais assíduos com certeza conhecem o Abner, dos episódios um pouco mais antigos, só que naqueles episódios eu imagino que o Abner não falou sobre o porquê falar de autismo e arquitetura. Você pode dizer um pouco sobre isso para nós, por favor, Abner?

Abner: Porque considerando que é uma maior sensibilidade de sentidos, isso afeta do bem-estar do autista no seu dia a dia, é preciso que se crie e se construa mais espaços com o conforto necessário para eles.

Luca: E pra você, Isa, na sua perspectiva, por que devemos falar sobre autismo e arquitetura?

Isa: Eu vejo um potencial bem grande da arquitetura em influenciar diretamente na percepção sensorial que o usuário tem do espaço, sabe? Então, falando de autismo, sabendo que é um desafio pra gente acessar determinados espaços, eu acho essencial que a gente discuta como esses espaços estão sendo produzidos. O conceito de design universal, eu tenho lido algumas coisas da Magda Mostafa, tava pensando em direcionar um projeto de mestrado nesse sentido, fala bastante sobre quem tem direito de acessar os espaços do jeito como a gente tem produzido eles. E o arquiteto como agente da produção desses espaços tem total responsabilidade em quem consegue acessar eles. E eu acho que o projeto pode solucionar muitas questões relacionadas a acessibilidade e que não se resumem a rampas ou ao piso tátil. Com o aumento dos diagnósticos, a discussão ficou mais pública de que os autistas podem e devem ocupar esses espaços, que precisam ser mais confortáveis e isso beneficia todo mundo, mas também que os autistas estão ocupando também essas profissões. Então, nas universidades, nos escritórios, nos consultoras, no serviço público e precisam de adaptações que… a gente não deve presumir incompetência, a gente tem que entender que o espaço é deficitário.

Luca: Agora, falando um pouco mais sobre a vida de vocês e sobre o que levou vocês a chegar onde estão, vocês podem falar um pouco sobre por que escolheram estudar arquitetura?

Carol: Desde que eu era criança, eu tinha em mente que eu queria fazer arquitetura. Eu acho que um dos meus principais hiperfocos durante toda a minha vida, desde que eu me deparei com a informação de que a gente estava vivendo uma crise ambiental, eu tive muito dentro de mim essa inquietação. E dentro da arquitetura eu encontrei uma área que pudesse reunir todas essas minhas inquietações. Então, eu sempre gostei muito de arte e eu tentei encontrar uma união dessas coisas que eu gostava tanto, que eu tinha tanta afinidade que era arte, meio ambiente, etc. E também quando eu fui ficando mais velha, assim, pelo ensino médio, eu comecei a me interessar muito por geografia, história e, consequentemente, por questões sociais. Então, eu entendi que o meio ambiente dissociado das questões sociais não existe, essas coisas estão intimamente ligadas. E o curso de arquitetura veio confirmar essa minha impressão. Eu cheguei no curso como um lugar que eu gostava muito, assim, que eu sempre quis fazer durante a minha vida inteira. E quando eu cheguei, eu me deparei com uma realidade um pouco diferente da que eu estava esperando, sabe? Eu acho que a arquitetura acaba sendo mais complexa do que a gente esperaria, que se trata de, sei lá, materializar apenas de um projeto, tudo que a gente aspira pra sociedade, eu acho que ela pode ir muito além, porque a arquitetura não se resume só a um projeto em si, envolve muita discussão e é exatamente isso que a gente tá querendo trazer agora.

Isa: Como a maior parte dos estudantes de arquitetura, porque eu gostava de desenhar e gostava muito de história da arte. Mas olhando em retrospecto, depois do meu diagnóstico, que é recente, de 2020, eu percebo que tem muito mais a ver com o caráter visual da profissão, que trabalha com coisas mais concretas e racionalizadas. E isso tem tudo a ver com a forma como eu encaro o mundo. E quando eu fazia arquitetura, no início, no primeiro ano, eu cursava junto com Jornalismo, eu me interessava bastante pela área, fiquei tentada a largar a Arquitetura numa universidade estadual e continuar Jornalismo numa universidade particular. E segui porque, enfim, achei que seria melhor no momento, mas o que me interessava no Jornalismo e que a Arquitetura deixava a desejar, era me expressar por escrito, que pra mim sempre foi uma coisa muito mais simples, mais fácil. A ilusão também, no caso da arquitetura, do controle e da previsibilidade que o exercício da profissão traz, sabe? Projetar espaços, projetar a cidades, interiores, mas na época eu fui achando que era só porque eu gostava de desenhar em história da arte.

Abner: Desde pequeno eu já desenhei bastante. Durante a minha vida de formação no ensino básico eu passei a ter mais foco de interesse nas disciplinas de artes e geografia. Artes principalmente por já desenhar muito e também por causa dos movimentos artísticos e geografia acho que passei a ver muitos dados históricos de cada país e eu gosto de ver mapas, globos terrestres e ambas as áreas me chamaram atenção da arquitetura há muito tempo, embora eu já tenha especulado as outros cursos, mas ainda tentei passar na Arquitetura umas quatro vezes na UFG até conseguir.

Luca: Mais cedo, a Isa tinha falado sobre a arquitetura sendo capacitista e ela, como arquiteta e autista, tentando sempre reverter esse cenário. Isso trouxe um pouco a questão do capacitismo, que nós já tínhamos abordado em outro episódio e me fez pensar sobre qual seria o arquétipo do ser humano ideal que os arquitetos às vezes podem ensinar que todas as as construções atuais podem ser baseadas nele. Sinceramente, não sei. Então, por que vocês não falam pouco sobre isso?

Isa: É, eu ia falar só do modulor, do Le Corbusier e da forma como a gente projeta arquitetura pra um homem ideal, com uma altura ali entre seus 1,75, e que tenha acesso ao mobiliário, a pavimentação, a todos os níveis de projeto, sendo uma pessoa que anda, que enxerga, que não tem nenhum problema sensorial, enfim, a gente projeta sempre pensando nesse homem ideal, que é um cara que, assim, Corbusier não foi a primeiro, todos os arquitetos, todas as pessoas que idealizaram os espaços historicamente não consideram que existe pontos fora da curva, pessoas que dependem de outras particularidades do espaço, do móvel, das cidades, enfim. O homem ideal, como você está dizendo, é uma pessoa com plenas “capacidades” de locomoção e de acesso a todos os estímulos do ambiente de uma maneira a não incomodar com os excessos nem com as faltas.

Carol: Eu acho que isso que tu falou, Isa, tem muito a ver também com o fato de que as pessoas que geralmente os arquitetos reverenciam, as pessoas que estão no centro, essas pessoas que são figuras marcantes da arquitetura, por exemplo, o próprio Oscar Niemeyer do Brasil, o Le Corbusier que tu mencionou, aquele arquiteto Frank Gehry que, enfim, tá muito em alta hoje em dia e enfim, durante toda a nossa história, quando a gente analisa a história da arquitetura, quem tá centro dessa narrativa geralmente são essas pessoas que são contempladas por esse arquétipo de homem ideal e justamente por eles serem essas pessoas que estão no centro, elas projetam para essas mesmas pessoas que elas são. É muito difícil deixar que isso não influencie a forma como a arquitetura vai se materializar. Isso só reforça a importância da gente considerar que existem hoje autistas frequentando as universidades, existem autistas dentro do curso de Arquitetura e por isso que é tão importante a gente discutir isso que a gente está falando agora porque a gente vai conseguir mostrar outra narrativa sobre isso, sobre arquitetura. Então, a gente vai reposicionar a forma como a nossa história da arquitetura tem sido construída nos últimos anos, nos últimos séculos, na verdade.

Abner: Na minha percepção, no contexto brasileiro, eu acho que a arquitetura já abarca um pouco mais dessas pessoas nas suas diversas formas de vivência, como deficientes, inclusive após a regulamentação das novas normas de acessibilidade. Mas ainda se limita muito a esse tipo prático ao homem médio. Em um contexto mais global, eu creio que nos países mais desenvolvidos esse conceito já tinha sido mais bem superado do que nos países subdesenvolvidos, mas a inovação da Arquitetura, assim como lá fora já avançou muito, vejo que mesmo a passos mais lentos, têm avançado aqui também.

Luca: Aqui temos dois estudantes e uma mulher que já trabalha na área, então as perguntas vão ser um pouco diferentes para cada um. Vamos começar pela Isa, já que é a diferenciada aqui. Isa, você passou por algumas dificuldades ou alguma em específico sendo uma pessoa já formada no meio de trabalho, sendo uma pessoa autista no meio de trabalho?

Isa: Eu trabalhei na área alguns anos atrás, na época que eu tava na faculdade ainda e depois eu me afastei do ofício durante quatro anos, porque eu tive uma empresa no ramo de gastronomia e não tinha nada a ver com arquitetura, apesar de trabalhar com alguns freelancers na área, mas voltando agora pra profissão, comecei a trabalhar no setor público e foi meio coincidente com o diagnóstico. Na verdade, eu fui procurar saber o que acontecia comigo, porque eu voltei a trabalhar em ambientes similares ao de escritório, que era o que eu trabalhava na época, e eu voltei a ter os mesmos problemas, que eram problemas sensoriais. E eu não identificava eles como sendo problemas sensoriais, obviamente, né, porque a gente não não imagina isso até conviver um pouco com com o tema, não fazia ideia que eu pudesse, mas essa investigação me levou ao diagnóstico. Lá eu comecei a sofrer com os mesmos problemas, que eram o ambiente de repartição pública, o escritório, uma consultora, todos eles têm em comum a questão, pelo menos os que eu trabalhei, a questão de serem espaços coletivos, o barulho das pessoas conversando e muitas luzes e, enfim, na época eu morava com uma amiga. Na época que eu trabalhava no escritório, eu morava com uma amiga e um dia cheguei em casa e falei pra ela: “Olha, hoje eu não sei o que aconteceu, meu chefe veio falar comigo e eu acho que eu tava muito cansada, porque teve entrega de projeto e tal, e eu dormi de olho aberto. E ele falou comigo, eu não consegui responder”. E tipo assim, acontecia com frequência de não conseguir, por exemplo, mexer a mão do mouse, assim. E hoje eu vejo que era um momento de sobrecarga sensorial. Isso voltou a acontecer agora, quando eu voltei a trabalhar em ambiente com outras pessoas e isso desencadeou no meu diagnóstico. Sofro muito com luzes, os ambientes são muito, muito bem iluminados, né? E também com o barulho.

Carol: Eu acho muito interessante porque é até uma piada interna das pessoas que fazem arquitetura, que tipo, a gente projeta lugares maravilhosos e os lugares que a gente usa pra projetar são um caos, uma bagunça, uma coisa horrível.

Isa: (Risos) Verdade.

Carol: Totalmente insustentável, insuportável, bagunçada e caótica. No meu caso, eu tive, cheguei num ponto que eu tive que abandonar o curso, eu falei diversas vezes isso aqui no Introvertendo, justamente por essa sobrecarga extrema. Não foi, assim, uma sobrecarga de um dia. Foram dias repetidos. Então, assim, quando a gente não tem um alívio dessa sobrecarga, ela vai se acumulando. E ela vai chegar numa crise prolongada no futuro, sabe? Isso é uma coisa que deve ser considerada pelas pessoas que formulam a profissão. Então, a gente já está nesse processo desde a nossa formação. E quando a gente vai pro ambiente de trabalho, assim, por exemplo, estágio, por eu não ter tido meu diagnóstico, eu acho que essa parte de estágio foi um pouco mais difícil pra mim, porque eu não tive como comunicar que eu tava sentindo essas coisas. Como é que a gente vai dizer que, sei lá, a gente não tem um nome pra dizer pro nosso chefe ou a pessoa que está supervisionando a gente que a gente tá se incomodando com as luzes, ou com os barulhos. E aí, a pessoa fica, tipo: “ué?”, isso não costuma ser uma comunicação razoável, não costuma ser uma coisa que outras pessoas costumam entender. Eu ainda não me formei. E só na minha experiência de estágio, que é uma carga horária reduzida, que teoricamente é um ambiente de aprendizado, eu já tenho todo esse estresse. Imagina quando eu tiver que me inserir no mercado de trabalho? E quando não existe acessibilidade, eu nunca vou estar no mesmo nível que as pessoas que não tem uma deficiência, que não são autistas. Então, é uma competição desleal.

Luca: E pra você, Abner, como você se sente nesse meio acadêmico, que eu imagino que não deve ser fácil, nem um pouco.

Abner: Então, devido a um certo déficit de aprendizado que ficou comigo da minha formação básica de ensino, por ter passado por escolas bem precárias, eu senti que quebrei muita cabeça no curso pra desenvolver um olhar mais crítico, além de conseguir me comunicar bem e transmitir bem o que eu criava nas disciplinas de projeto, pelo nível de ensino da arquitetura e da universidade. Mas eu passei a compreender mais minhas próprias limitações assim que eu recebi o diagnóstico de autismo em 2017 e direcionar meu aperfeiçoamento, aquilo que me debilitava mais, como a dificuldade de me expressar e interagir um pouco melhor com as pessoas. Muitos colegas colaboraram comigo também nesse quesito. Hoje também, por exemplo, eu leio muito mais para aprimorar o meu olhar crítico, coisa que não era muito comum até alguns anos atrás.

Luca: Agora que falamos das dificuldades que passaram tanto no processo de formação, quanto no processo de produção, o que vocês considerariam levar em conta quando fossem criar ou participar de um projeto visando a acessibilidade de pessoas com deficiência?

Carol: Eu acho que uma das coisas que eu gosto de ressaltar é que o campo da arquitetura não se restringe ao projeto. Durante o curso eu acho que é muito reforçado o que a gente tem que aprender a projeto e etc, mas a gama de competências que a gente precisa ter para chegar a um projeto é muito vasta. Então nisso a gente abre muitas possibilidades de atuação que não necessariamente estão tão ligadas ao projeto. Com isso, eu me vejo muito mais inclinada ao ensino ou a sobre arquitetura do que o projeto propriamente dito. Então eu entendo que a gente precisa ir um pouco além do que tá colocado pela norma, porque da forma como hoje em dia a acessibilidade tem sido conduzida pelo curso e pelas cadeiras de em si, é muito mais uma coisa de protocolo, é muito mais uma coisa que não envolve uma pesquisa direcionada pra isso. Por exemplo, quando a gente vai fazer um estudo de forma, quando a gente vai tentar definir uma forma ou sei lá, ver como que vai ser uma fachada, a gente tem um um cuidado um pouco maior, a gente para pra olhar aquilo, a gente busca referências, a gente vai a fundo. E geralmente quando a gente tem que tratar de acessibilidade, a gente olha a norma, vê qual é o parâmetro e segue. Então, o que eu tento propor, o que eu vejo perspectiva, é que as pessoas não se restrinjam apenas à norma porque ela não enquadra todas as deficiências só naquilo. Por exemplo, o autismo não não está contemplado pela norma NBR 9050, que é a norma de acessibilidade.

Abner: Bom, na Faculdade de Arquitetura já existe o ensino mínimo para pessoas com dificuldade de locomoção como os próprios cadeirantes, mas vejo que precisa abrir mais espaço de debate no caso do autismo sobre o fazer arquitetônico/urbanístico pras pessoas. No meio profissional dos arquitetos, não sei bem como esse assunto está desenvolvido hoje, mas no meio acadêmico eu percebo uma necessidade grande de ser colocado mais em pauta dos docentes assim como estudantes também levarem essas pautas aos professores até para que haja maior inclusão nos projetos pedagógicos da acessibilidade para autistas.

Isa: Eu tenho, como eu falei, entrado em contato com o trabalho da Magda Mostafa. É, pelo menos que eu saiba, a principal teórica sobre o assunto de acessibilidade para autistas. E ela tem algumas coisas que ela fez um um guia de espaços acessíveis, que têm alguns aspectos. Esse guia eu procuro seguir no meu trabalho e tenho tentado falar pra outras colegas arquitetos e pessoas que tem contato com autistas seja por ter clínica, por alguma razão nesse sentido, ou um ambiente escolar, que eu acho que priorizar esse tipo de solução que ela traz é relevante, e no fundo, contempla as necessidades de todo mundo. Se você faz uma arquitetura no sentido de universalmente acessível mesmo, todas as pessoas são beneficiadas. Não existe acessibilidade em detrimento da acessibilidade a outra pessoa, se é acessível, é acessível pra todo mundo. As coisas que ela levanta pro debate é que precisa ser um ambiente acusticamente agradável, que precisa ter uma sequência espacial legível, o usuário tem que saber ler o espaço intuitivamente. É interessante que hajam alguns ambientes de escape, ambientes seguros, confortáveis, para que não só o autista, mas qualquer pessoa que precise de um descanso daquele ambiente mais coletivo possa encontrar sossego, enfim, conforto em algum outro lugar. E compartimentalização dos espaços, deixar bem definido qual é a função de cada espaço, e entre eles de transição, que são oportunos pra gente conseguir separar mentalmente o espaço barulhento do espaço silencioso, essa é uma uma uma questão que pega bastante pra mim, assim, que é bem importante ter esses espaços de transição que me preparem pro espaço onde tenham mais estímulos, zonas sensoriais também, o espaço que tem mais estímulo perto do outro, que também tenha o espaço mais silencioso perto do espaço mais silencioso, entre eles, o ambiente de transição. E o mais importante de tudo, é um ambiente que traga segurança, não só a sensação de segurança, mas segurança no sentido mais amplo mesmo de cantos afiados não são muito ideais para autistas, que são pessoas que já tem alguma dificuldade espacial, escadas mal sinalizadas, escadas lisas. Eu, pessoalmente, tenho muita dificuldade de descer escadas. Então, pra mim, é sempre complicado, ainda mais agora que a gente não pode tocar em corrimão. Então, eu acho que essas coisas não fazem mal pra ninguém pensar na hora de projetar um espaço. Não estão contempladas na 9050 como acessibilidade para autismo, realmente. Eu achei que tem necessidades que são mais urgentes que a arquitetura se atente, como o caso do piso tátil, o caso das rampas para cadeirante, enfim, da tradução em libras de mapas, dos ambientes públicos, isso tudo é muito urgente, assim. Mas ao mesmo tempo, uma criança, um adulto autista também não vai frequentar determinados espaços se eles não forem acessíveis. A diferença é que, tipo, parece que é mais invisível esse tipo de dificuldade, né? As pessoas não consideram que um autista tenha a vontade ou a necessidade de estar naquele espaço. Houve um momento que eu trabalhava numa secretaria e por alguma razão eu fui indicada para participar de uma comissão de um conselho municipal dos direitos da pessoa com deficiência como suplente, mas a gente foi fazer visita técnica e tal. Era uma clínica, um ambiente que atendia muitos autistas e eu fiquei muito chocada de ver tantas cores, tantas texturas, o ambiente ser meio estressante, assim, visualmente, eu passei mal e eu só tava visitando e aquelas crianças estavam por tá fazendo terapia ABA, expostas naquilo numa quantidade de horas absurdas, assim. Então, eu pensei muito sobre quem fez aquele projeto e o que a pessoa considerou na hora de fazer e nesse momento a gente tá desenvolvendo. Eu trabalho num instituto de planejamento urbano. E a gente tá desenvolvendo um loteamento inteligente que também vai sediar atividades ligadas à tecnologia da informação. Então, nesse espaço, como vocês sabem, no Vale do Silício, por exemplo, tem uma porcentagem grande de funcionários autistas, enfim. E daí, esses espaços, a gente tem tentado pensar para que ele seja o mais acessível possível com as zonas de transição, com espaço de escape, com toda essa preocupação. E eu acho que é uma coisa que a gente deveria entregar pra vida, assim, não só arquitetura, mas em todos os outros setores, os mercados, né? Todo o atendimento ao público deveria considerar que a gente faz parte de um público consumidor em qualquer que seja o nível, o grau do autismo, mas são pessoas que dependem de consumir, todo mundo depende e que também tem direito a esses espaços. Eu acho que tudo isso resume a preocupação de quem, de quem elabora, o espaço e conduz, né, a utilização dele.

Luca: Então, agora, finalizando já, eu vou dar um momento pra Isa e pro Abner darem suas considerações finais e dizerem o que quiserem. Começando pelo Abner, por favor.

Abner: Eu agradeço imensamente pelo convite, fico bastante contente com a elaboração deste conteúdo, espero que o Introvertendo só venha crescer cada vez mais aí nas plataformas digitais.

Isa: Gente, muito obrigada pela oportunidade, por me deixar fazer parte disso, o projeto de vocês é excelente, é extremamente necessário as pessoas saberem que a gente existe, não presumirem incompetência, saberem que a gente ocupa esses espaços, que a gente pode formar em Arquitetura e a gente pode continuar trabalhando com isso, que por mais que a gente tenha dificuldades, podem ser minimizadas e a gente consegue levar uma “vida normal”, né? E acho que o trabalho de vocês é essencial, assim, num vejo nada parecido na nossa vivência hoje, acho que é muito importante o que cês tão fazendo. Parabéns e obrigada por me deixar fazer parte disso, tá?

Luca: Bom, é isso, muitíssimo obrigado por terem participado, quem quiser escutar mais, escute outros episódios, porque esse está acabando. Obrigado por ter escutado e até a próxima.

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