Jogar RPG não é algo incomum para muitas pessoas. Sejam jogos de mesa ou eletrônicos, o RPG é um jogo de interpretação de papéis que envolve muita criação. Neste episódio, nossos podcasters comentam suas experiências com o gênero e como relacionam isso com a socialização. Participam: Michael Ulian, Thaís Mösken e Willian Chimura. Arte: Vin Lima.
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Transcrição do episódio
Thaís: Um olá pra você que é ouvinte do Introvertendo, este podcast feito por autistas para toda a comunidade. O meu nome é Thais Mösken, eu sou autista, tenho 29 anos, fui diagnosticada em 2018 e hoje eu vou ser host deste episódio.
Willian: Eu sou Willian Chimura, sou autista, faço mestrado em Informática para Educação e tenho interesse em jogos e também RPG sempre fez parte da minha infância, adolescência e até mesmo agora na vida adulta.
Michael: E eu sou o Michael, mais conhecido como personagem de extremo mal gosto de um tal de Gaivota.
Willian: Estou com inveja da apresentação do Michael. Melhor apresentação.
Thaís: O Introvertendo é um podcast feito por autistas, com produção da Superplayer & Co e hoje a gente vai falar um pouco sobre RPG. O jogo, não a fisioterapia.
Bloco geral de discussão
Thaís: O RPG é um jogo de interpretação de papéis, então cada jogador costuma ter um personagem criado pra aquela história, as pessoas podem jogar várias histórias, pode ser um jogo eletrônico, ou um jogo presencial, a questão é que você vai ter que interpretar o que aquele personagem faz, tomar decisões que seriam as decisões dele, não necessariamente são as suas. E tem uma história que se cria em torno disso. E no caso do RPG de mesa, o RPG presencial, você tem o papel de um mestre. Então, o mestre é a pessoa que organiza a história, organiza a sessão, serve também como mediador, muitas vezes. E, em alguns casos, serve como a pessoa que vai colocar desafios pros jogadores e existem alguns sistemas que não existem mestres também, tá gente? Mas de forma geral o mestre seria essa pessoa que vai controlar a aventura nesse aspecto.
Willian: É interessante você ter citado essa parte Thaís da questão do mestre, porque o mestre no RPG de mesa, muitas vezes, tem justamente esse papel de como se ele fosse alguém que estivesse controlando os fenômenos, os eventos ali daquele universo fantasioso que os jogadores estão participando, que no caso de RPGs eletrônicos acontece todo digitalmente. Então, por exemplo, na minha história, na minha infância, eu joguei muitos RPGs, jogos eletrônicos, que são da categoria RPG. E por se tratar de um jogo de videogame, eu tive PlayStation, depois eu fui ter acesso a computadores também, por se tratar de um jogo eletrônico não há necessidade ali de uma pessoa ir ditando e narrando o que está acontecendo naquele universo. Isso acontece de uma forma digital, ou seja, você vê ali na tela mesmo o que está acontecendo. É claro que hoje sabemos que existem outras mesas também que usam recursos digitais, usam recursos visuais também pra aprimorar, aumentar, digamos assim, a experiência, mas nada comparado com o que acontece nos RPGs eletrônicos para videogames, por exemplo que, enfim, são repletos de efeitos visuais, trilha sonora, e enfim, como a gente sabe, jogos eletrônicos, é um mercado muito grande, não somente no Brasil, mas no mundo todo. E esse tipo de jogo eletrônico, muitas vezes, tem todo um trabalho muito profissional. Pode se comparar com a produção de um filme mesmo ou até mesmo, muitas vezes, uma obra que demora muito mais do que um filme para ser produzido e muito mais investimento também.
Thaís: Além do que você acaba interagindo muito mais tempo com o jogo do que com filmes. Normalmente esses jogos não são feitos pra durarem só uma, duas horas, muitas vezes a gente passa dias, às vezes meses jogando. Eu tenho jogos com 600 horas em que eu passei jogando e mesmo assim a gente ainda tem muitas coisas pra fazer, dependendo do jogo. E é claro que o RPG de mesa e o RPG eletrônico não são mutuamente exclusivos, então a gente pode gostar de ambos e jogar ambos. E você, Michael, quais são as suas experiências aí com o RPG? O que você mais gosta de jogar?
Michael: Fui introduzido aos RPGs também via eletrônico. No meu caso, eu acho que é quase que meio o inverso do Chimura, que eu comecei a entrar no gênero por causa do meu interesse em jogos no estilo sandbox. Eu sempre gostei de ter uma liberdade enorme e de criatividade dentro dos jogos, porém jogos que são mais futuramente sandbox, você sente uma falta de um elemento narrativo por trás disso pra dar uma estimulada na criatividade, poder ter algo que não seja puramente só o meu input lá. Quando comecei a entrar nesse gênero de RPG, eu encontrei um meio bem interessante, porque você tem todo esse espaço de liberdade, que jogosn sandbox te dão, mas isso tem um história, uma narrativa por trás. Em alguns casos, uma narrativa muito boa, que geralmente te compele a seguir ela. E mesmo, tendo toda essa liberdade, você está interessado na história que está ali na sua frente. E quando eu comecei a entrar nos jogos de tabuleiro mesmo, acabou que pra mim foi mais interessante até porque os jogos eletrônicos, porque você tem uma exponenciação da parte criativa, da parte que seria como a caixa de areia nos jogos, exclusivamente sandbox, porque querendo ou não, pra você ter um jogo eletrônico, uma história boa, querendo ou não, você vai ter uma limitação no quanto você consegue trabalhar parte sandbox ou exploração, ter um limite lá. Quando você está no papel e não tá preso nos recursos de um computador, você consegue ser muito mais flexível com isso, você consegue alterar coisas ali na hora que, no caso, também eu, como eu gosto de jogos de sandbox, gosto de dessa liberdade também gosto muito de modificações, eu gosto de modificar. É muito mais fácil ter uma alteração rápida ali numa mesa de RPG do que instalar uma modificação e saber um pouco de código para alterar alguma coisa no jogo, só pra você poder voltar e curtir a história do jeito que você quer lá. Quando eu tive essa introdução de mesa, acabou sendo algo: “puta que pariu, por que eu demorei 20 anos pra descobrir isso?” (risos).
Thaís: Eu também demorei mais de 20 anos pra descobrir isso, como disse o Michael, no caso descobrir o RPG, começar a jogar de verdade. E eu acho que varia bastante entre algumas pessoas que começaram a jogar jovens e pararam ou voltaram depois de algum tempo e pessoas que começaram depois de bastante tempo a jogar. Eu acho que a gente acaba lidando, às vezes, de forma até um pouco diferente com o jogo em si. E eu acho isso bem, também, bem interessante.
Willian: É, o Michael citou aqui que a experiência dele foi, ao contrário da minha. E, realmente, ele fala muito sobre a flexibilidade que realmente há no RPG de mesa, eu entendo que é é um dos pontos fortes, o mestre ali, com certeza, tem toda a flexibilidade e não está limitado a aquele código que foi uma vez programado e pré-definido para se criar um determinado universo que os jogadores obrigatoriamente precisam interagir com e justamente eu acho que essa é uma das belezas do RPG de mesa, que as vão fluindo e os elementos do universo podem até ser decididos. E aí, vocês me dizem melhor, vocês que têm experiências com em mestrado, RPG, mas eu entendo que é plenamente possível que o mestre decida como o universo vai reagir em determinadas situações a partir do que ele sentir ali, o que vai ser legal, o que vai gerar de entretenimento ali pra aqueles jogadores ali naquela mesa. Isso é um ponto muito importante, muito valioso no RPG de mesa. Eu entendo isso. Porém, é justamente o que me incomoda, na verdade. Talvez isso tenha até relação com com o autismo. A minha experiência foi com RPGs eletrônicos digitais, principalmente a série Final Fantasy, que eu era super fã, assim, eu adorava e por conta de na época, Quando eu estou falando aqui, estou falando desses meus quatro, cinco anos de idade, que meu irmão velho já jogava, Final Fantasy, que é um jogo complexo, querendo ou não. Então, com essa idade, eu não conseguiria jogar o jogo, desfrutar o jogo em sua totalidade. Mas o meu irmão já jogava e me permitia jogar em determinadas situações ali que eram de menor complexidade, por exemplo, em batalhas, e enfim, determinadas atividades do jogo que eram mais repetitivas, até aí que eu adorava fazer. Tinha uma narrativa, tinha uma história, só que eu não me apegava a ela. O que realmente me fascinava no no RPG eram os números, eram sistemas, eram as evoluções, os progressos, cada personagem poder ter um um certo de regras e de habilidades que ele precisa obedecer. Então, eu era fascinado por isso. E em base disso, logo nos meus primeiros anos escolares, na verdade, eu tentei, de alguma forma, criar algo que seria entre aspas em algum nível semelhante ao RPG de mesa, porque eu era tão focado em Final Fantasy, mas quanto enquanto eu estava longe das interfaces digitais, do meu videogame, eu queria de alguma forma ainda continuar brincando, as minhas brincadeiras tinham relação com isso. E eu queria sistematizar essas brincadeiras de forma como seria um mais ou menos um RPG. E aí eu levava isso para as minhas primeiras brincadeiras com com os meus amigos na escola, que, inclusive, é algo até atípico principalmente para alguém que não foi criado nesse contexto que sabia a existência de RPGs de mesa. E eu meio que criei digamos assim o meu próprio RPG de mesa. Acabava criando uma certa narrativa que costumava ser pobre, na verdade, mas a sistematização de brincadeiras, realmente, sempre foi algo muito presente nas minhas interações com as outras crianças, e eu vejo que isso tem muita relação com a influência que eu tive do Final Fantasy.
Thaís: Eu também joguei o Final Fantasy 1 e o 2. E eles, pra mim, lembram vários outros jogos de RPG. A aparência dele é mais simples, mas ele realmente te dá várias possibilidades mais complexas do que você fazer no meio. E, claro, os jogos mais recentes, eles foram ficando cada vez mais complexos. Não todos, mas existem muitos jogos em que você consegue utilizar mecânicas diferentes tanto no combate quanto em uma interação social, às vezes, pra mudar o cenário, mudar a história do mundo. Mas sobre a criação de personagens, quando vocês criam personagens, vocês costumam fazer com que eles sejam parecidos com vocês ou com o que eles pensem diferente de vocês? Vocês têm algum padrão, vocês variam? Como vocês gostam de criar os personagens de vocês pros jogos?
Michael: Uma curiosa sobre o meu estilo de personagem é que ele deriva menos de um traço de personalidade que eu uso como base, mas do estilo de gameplay que eu costumava usar antes de eu começar a jogar jogos de RPG em si. Entrei no mundo de jogos digitais no começo principalmente com FPS e eu nunca fui muito bom. Então, geralmente o único estilo de gameplay que eu conseguia jogar bem, até porque eu era mais criança e não esbanjava muita habilidade, era jogando um pouco mais pra trás, geralmente uma classe que não sei se a gente vai entrar mais detalhes nisso depois como ranger mais no próprio D&D, geralmente lá com alguma coisa mais a longa distância, menos DPS, mais focado em só dar um tiro e sair correndo, um tiro e sair correndo. E quando eu entrei, comecei a jogar RPG também foi dentro do gênero de primeira pessoa com o Fallout. O estilo de classe mudou muito o meu estilo que eu jogava. De novo, eu tenho um mapa enorme e dá pra aproveitar ainda mais o estilo de games que eu jogo. Então, eu foquei com em fazer personagens que, geralmente, eram focados em resolver as coisas atirando a o menor número de tiros que eu precisava porque se eu tivesse que entrar em combate muito prolongado ia dar ruim pra mim. Foi depois de um tempo eu descobri até que existe um estilo de personagem que você faz assim, o minmax. Eu era minmax totalmente focado em dar um puta dano e puta que pariu, se esse puta dano não resolvesse o problema que eu tinha, eu tava muito fodido.
Willian: Em jogos em geral, eu gosto e prezo por deixar ele o mais próximo do original possível, que é justamente o contrário que o Michael citou. Porém, logo que eu fui notar a existência de RPG de mesa e tal, e a princípio, quando eu entendo que existem, por exemplo, sistemas como D&D, eu fico pensando: “tá, mas como que pode existir, então, um, um sistema de RPG, as pessoas vão criar na hora? Como que é isso?”. Isso sempre foi algo muito confuso pra mim. E esse ano, na verdade, que tem sido um ano que eu tenho me aproximado mais dessas experiências, principalmente porque os meus amigos aqui que são de convívio próximo, passaram a entrar nessa onda aí de mestrar e tal. E eu tenho acompanhado muito. Até o momento eu não joguei, porque eu vejo que eu tenho esse processo com atividades novas, que eu passo por muito tempo estudando sobre, tentando entender, observando, só então a primeira vez dar um passo. E eu relaciono isso muito ao autismo também, que pra muitas atividades, pra mim, programação foi assim, eu passei muito tempo pensando, estudando e tentando entender como seria programar um software pra depois efetivamente, escrever a minha primeira linha de código. E com o RPG, eu já pensei muito sobre como seria meu personagem. Eu vejo alguns padrões que eu geralmente manifesto em jogos que eu sempre tendo a gostar mais de personagens femininos, na verdade. E é muito difícil de conseguir entender que você pode colocar todo aquele trabalho, todo aquele esforço naquele seu personagem e criar uma história que finalmente vai se adequar aos critérios de: “OK, isso é uma história boa. Eu gostaria de jogar com esse personagem, esse personagem é muito legal. Então, vai ser bacana”. E aí, de repente, no meio da campanha, ele pode morrer. E assim, eu acho isso um absurdo, eu ainda não consigo lidar com essa possibilidade e eu diria que, talvez, essa seria a minha maior barreira, na verdade, para, efetivamente, testar e me comprometer com alguma campanha de RPG que os meus amigos jogam.
Thaís: Eu acho questão de o seu personagem poder morrer tem a ver com o risco, com você enfrentar algo perigoso e às vezes se perguntar se você realmente vai enfrentar aquilo, se vai encontrar uma solução diferente, se você vai fugir, eu acho que esse risco faz com que você pense bem em quais vão ser as suas ações e se torne, às vezes, mais cuidadoso, claro, depende da pessoa. Tem gente que não vai ser cuidadosa mesmo. Mas, dependendo também do mestre com quem você tiver jogando, ou, às vezes, até da história, o seu personagem não necessariamente vai morrer. Então, tem umas das campanhas que eu jogo, que é Barovia, que os personagens que morrem costumam voltar com o que se chama de Dark Gifts. Eu não sei se eu posso chamar de uma maldição, mas volta o seu personagem com alguma coisa diferente. Ele pode voltar, sei lá, querendo beber sangue ou ele pode voltar com orelhas de morcego, mas ele volta. E também existe opção, pelo menos, no D&D do seu personagem, voltar como fantasma. Acho que um mestre criativo também consegue encontrar outras formas de trazer o seu personagem de volta, se for muito importante pra você, que ele não seja totalmente perdido, mas eu acho que tem que ter um custo aí a ser pago quando você não conseguiu cuidar dele pra que ele ficasse bem, Então, pra mim faz sentido o lado da morte (risos).
Willian: Certamente, certamente, faz sentido. Inclusive, jogos que não têm punição, não tem custo, como você disse, eu acho muito chato. Eu gosto muito que exista o custo. Só que eu não consigo lidar que o custo seja todo aquela história daquele personagem. Afinal de contas, no RPG eletrônico, isso nunca acontece, porque afinal a história daqueles personagens estão predefinidas, exceto pelo Final Fantasy 7, que a gente sabe que tem uma personagem lá que morre permanentemente, entre aspas, isso foi até revolucionário na época ali dos RPGs eletrônicos, mas realmente eu concordo com essa questão do custo e eu acho que eu me sinto vulnerável em pensar que todo aquele meu empenho que eu tive naquele personagem e criar toda aquela identificação que eu tenho com ele está a mercê dos critérios do mestre de RPG que talvez não tenha os melhores critérios para decidir se ele vai ou não morrer em relação a uma máquina. Eu acho que eu confiaria mais no código de uma máquina do que dos critérios de um mestre humano (risos). Não, não sei se eu deveria, na verdade, mas isso faz parte do meu próprio histórico com RPGs da minha infância. Essa questão de apego me lembra muito um vídeo sobre uma na verdade, que pediram para os participantes interagirem com uma barata robô. Então, era basicamente um robozinho ali que parecia com uma barata, não chegava a ser asquerosa, nojenta, em nada do tipo, não provocava essa reação das pessoas. E os participantes tinham a simples missão de pegar um um martelo e quebrar essa barata robótica, como se tivesse amassando ela, como se tivesse matando, digamos assim, essa barata robótica. E os participantes não tinham, em geral, nenhuma dificuldade com isso. Por outro lado, em um grupo B de participantes, eles precisavam nomear essa barata, dar uma história para essa barata. Quantos anos ela teria? Quantos irmãos ela teria? E enfim, várias coisas fictícias, é claro, sobre essa barata robô. E depois disso, foi dado a mesma instrução dada ao grupo A, que era: “agora, vocês vão ter esse martelo e vocês precisam matar, entre aspas, essa barata robô”. E se nota claramente no vídeo a resistência das pessoas em matar aquela barata robô, que eles tinham acabado de atribuir um nome, idade e enfim. Então, para vocês verem que curioso como seres humanos podem se apegar a objetos inanimados, ou enfim, personagens que nós criamos e coisas do tipo. Então, não me surpreende nada que nós seres humanos sejamos plenamente capazes de se apegar a personagens RPG também.
Thaís: Os primeiros personagens que eu criei, eu acho que também tinham mais relação comigo, eu tinha mais facilidade, inclusive, de determinar quais ações eles teriam pensando em quais ações eu teria ali, mas conforme eu fui jogando mais, eu comecei a criar personagens bem diferentes de mim, às vezes com uma crença muito diferente, às vezes com algum tipo de maldade ali que a pessoa sempre tentava roubar alguma coisa ou tentava fazer mal pra alguém, outros que eram muito bonzinhos e sempre tentavam fazer o bem para todo mundo a ponto de ficar um pouco chato. Inclusive pra depois eu levar isso pra fora do jogo, levar isso na hora de lidar com pessoas e similares. E por falar em lidar com pessoas e similares também, eu queria saber o que vocês acham das interações sociais dentro do jogo. Então, seja dentro de um jogo eletrônico, em que você interage ou com NPCs, ou então, com outros jogadores virtualmente, no caso de um multiplayer, quanto também nos jogos de mesa, em que, às vezes, um personagem tem que interagir com outro e nem sempre essas interações são simples, Então, se vocês quiserem comentar um pouco, às vezes, darem um exemplo do que vocês já vivenciaram aí de interação entre personagens, não necessariamente entre pessoas, eu acho que seria interessante.
Michael: O meu interesse é na história, menos nos personagens, o mais importante é que eles consigam carregar a história, fazer a função deles como personagem e o resto, tipo, literalmente, eu não me importo mesmo.
Willian: É curioso, realmente, essa questão da interação dos personagens em si, mas, em geral, realmente, não era algo que, assim como o Michael disse, não era algo que eu parava pra prestar tanta atenção, somente após muitos anos quando eu acho que foi eu tinha uns 21 anos de idade, eu já era fluente em inglês e tudo mais. Então, não existia nenhuma barreira de linguagem, nesse sentido, porque o Final Fantasy é um jogo que foi distribuído em inglês, originalmente. O 9 foi o primeiro jogo que eu joguei pensando: “OK, eu vou, realmente, prestar atenção na história de todos os personagens, em todos os diálogos, em todas as interações”. E teve um fator muito importante para ter a minha motivação de fazer e jogar o prestando atenção nas interações entre os personagens que era uma época que eu não tinha internet em casa. Então, minha família tinha muitas dificuldades financeiras, eu não tinha internet em casa, e acabei jogando o Final Fantasy 9 prestando muita atenção na narrativa, inclusive foi um dos poucos jogos, uma das poucas obras, na verdade é a única obra que eu consigo me recordar que eu interagi, que eu desfrutei e isso acabou me provocando um choro. Eu chorei ao final do jogo. Isso não costuma acontecer, nem filmes que, enfim, as pessoas em volta estão chorando e eu sempre sou a pessoa assim que que não me sinto tão sensibilizado a tal ponto de chorar. E foi a única obra que eu me recordo que isso aconteceu. E você falou uma coisa muito interessante, Thaís, de interações com o seu personagem, que, às vezes, você leva pra vida real. E eu não consigo me recordar isso acontecendo com os jogos, eu consigo me recordar isso acontecendo muito com séries. Principalmente tendo como modelos outros humanos, atores mesmo, no caso, mas com personagens não me recordo disso acontecer na minha vida. Na verdade, eu até vou ficar pensando sobre isso agora, se talvez alguma decisão, alguma filosofia, alguma regra, ou enfim, um hábito que eu tenha tomado pra minha vida, tenha relação com algo que eu vi nos jogos. Eu sei o que eu posso citar é que existia um um RPG chamado Brave Fencer Musashi no Playstation que era justamente inspirado em um dos samurais famosos na na cultura japonesa. E isso, certamente, me despertou muito interesse por pesquisar mais a história e enfim, como como se comportavam, qual era a conduta dos samurais, isso na minha adolescência certamente me influenciou bastante, isso acaba permeando um pouco da cultura nipônica que muito provavelmente deve ter sim influenciado o meu comportamento na época.
Thaís: Eu também sou uma pessoa que antes de jogar alguma coisa, eu costumo ler muito a respeito daquilo, é bem comum eu ler guias, eu ler as várias áreas assim do próprio site do jogo, se ele estiver um site. E depois que eu começo a jogar e entender o funcionamento de algumas coisas, também é bem comum eu ser a pessoa que escreve guias e enviar para outras pessoas, ensinar outras pessoas a jogar. E eu acho que isso tem muito a ver com o aspecto mais lógico da minha personalidade, de eu conseguir absorver uma informação e transformar aquilo em uma sequência lógica do que a pessoa pode fazer e depois eu poder repassar isso pra uma outra pessoa de forma simples. Geralmente, quando alguém vem me explicar, vem falar sobre um jogo, os assuntos vem de forma tão confusa, que não me ajuda, realmente, na hora que eu tenho que fazer tomar uma decisão, mas eu acho que quando a gente estrutura as informações logicamente, isso fica muito mais fácil, pelo menos eu absorvo muito melhor. E eu queria saber pra vocês como que vocês fazem esse tipo de coisa, se vocês fazem esse tipo de coisa, se vocês gostam desse aspecto.
Willian: É bem interessante isso que você narrou agora, Thaís, porque me lembrou muito a minha nova palavra favorita, na verdade (risos). Eu digo nova, porque desde que descobri esse termo, é um termo muito popular na análise do comportamento e em algumas áreas da ciência, que é o termo operacionalização, que é justamente o processo de pegar essas informações ou alguns fenômenos que são aparentemente difíceis de você conseguir descrever de uma forma que fique organizada, categorizada, que alguém, outras pessoas consigam olhar, entender e saber do que se trata. É claro, estou falando aqui livremente. Quem quiser saber exatamente o que eu estou querendo dizer sobre operacionalização, dê uma olhada lá na página do Wikipedia, que é exatamente isso que eu estou querendo dizer. E é justamente essa sensação que eu tenho, tive também em diversas situações da minha vida com o RPG porque de fato eu sempre estava pensando em como eu posso descrever o processo de decisão entre o upar uma skill ou outra skill, aprender uma habilidade ou outra habilidade. Como que eu posso descrever e colocar em algoritmo, talvez, determinada decisão para decidir se eu vou matar tal boss ou outro boss. Isso, ao longo de toda a minha experiência com RPG e MMO, RPG, também, em seguida, que é o RPG em massa, multiplayer online, eu também fui uma das essas pessoas que contribuía pra as wikis da vida que lá você pode encontrar muitas informações sobre os jogos, sobre algum jogo, sobre algum alguma série, alguma obra, que os fãs geralmente são as pessoas que alimentam aquilo. Inclusive isso me lembrou que um dos RPGs MMO que eu joguei, que é o Trickster Online, que hoje nem existe mais, mas que foi um jogo que eu joguei muito na minha adolescência, é que para matar determinado boss, você precisava passar por um processo ali. E nesse processo, existia uma etapa que você precisava resolver alguns, algumas partes de um sudoku, aquele jogo de números, enfim, com vários quadrados e tal. E é claro que o você não precisa resolver todo o sudoku, mas você precisaria dizer qual número se adequaria em determinado quadrado ali ao longo desse processo pra ir matar o Boss. Seria um um teste de conhecimento, digamos assim. E eu fui a primeira pessoa do servidor inteiro, estamos falando aí de milhares de jogadores, que de alguma forma operacionalizou isso. Então, eu descobri que, na verdade, existiam 24 possíveis respostas, de tanta tentativa e erro que eu tinha feito no processo de tentar matar esse boss, que eu categorizei essas informações e bolei um método para conseguir saber responder o mais rapidamente possível, passar por essa do processo e por ter essa informação privilegiada, eu acabei sendo o jogador do servidor que mais matou esse boss em específico e ganhei uma certa recompensa na época e enfim. Então, certamente me relaciono com essa sua experiência, Thaís.
Michael: Por causa de ter uma ênfase na história e no meu interesse de da história e apreciar a história, a maior parte do tempo eu escolhi opções que são dolorosamente não otimizadas pra situação que eu tô, pela questão de que a lore tem que ter que ser preservada, a lore tem que ver primeiro a ponto de, como a gente deu exemplo mais atrás e… puta que pariu, como eu apeguei com esses personagens, eu já decidi que ele vai até o final, pois ele vai ir até o final, tá escrito em pedra, eu não vou mudar isso, ponto.
Thaís: E se vocês tiverem aí histórias de vocês com RPGs e quiserem compartilhar com a gente, mandem pro nosso email. E até o próximo episódio, pessoal.