Introvertendo 175 – Limites da Resiliência

Existem palavras que, dissolvidas de significados, se tornam expressões da moda. A ideia de resiliência, desconectada das questões sociais e culturais, pode ser uma fonte de frustração, cansaço e esgotamento. E como pensar a resiliência de autistas que, após muito desgaste, obtém o diagnóstico na vida adulta e precisam “funcionar” constantemente em sociedade? São as questões que norteiam nossa conversa. Participam: Otavio Crosara, Thaís Mösken e Tiago Abreu. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Tiago: Olá pra você que ouve o podcast Introvertendo, que é o principal podcast sobre autismo do Brasil. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, diagnosticado com autismo em 2015, e sinceramente, eu não quero ficar esticando a corda a minha vida toda. 

Otávio: Meu nome é Otávio Crosara e como eu quero dormir… 

Thais: Olá pessoal, meu nome é Thais e eu demorei muito pra perceber que fazer várias tarefas às vezes significa que eu não tô tirando tempo pra me desenvolver de verdade, pra fazer o que é importante. 

Tiago: Pra quem viu o tema nas plataformas talvez vá achar meio abstrato, mas aqui nós vamos falar sobre os limites da resiliência. Esse termo tão popularizado e que muitas vezes é um problema na vida social, não só de autistas, mas das pessoas em geral.

Bloco geral de discussão

Tiago: O tema desse episódio é sobre resiliência, e resiliência é um termo genérico expandido em várias áreas. A resiliência nasce mais especificamente na física, mas depois ela é emprestada na psicologia e originalmente a resiliência nasce como uma expressão utilizada na hora de você entender como más condições de vida levavam a transtornos dentro da sociedade. Mas aí, ao longo da história, surge algo que a gente chama de psicologia positiva, e aí resiliência vira como um entendimento sobre crescer em situações adversas. Então, resiliência acabou virando um termo da moda tá sendo emprestado no meio corporativo, nas discussões ecológicas e que muitas vezes é entendido como simplesmente o fato de você aguentar pressão e se adaptar a situações extremas.

Neste episódio nós trouxemos alguns links, algumas referências e tem um artigo que é a nossa primeira referência, então se você quiser ler e consultar, está aí. E esse artigo é muito interessante porque eles apresentam a hipótese de que a ideia de resiliência, como ela é apresentada hoje, descontextualizada das questões culturais e locais, elas podem colaborar para a discriminação e a desigualdade social. E já que nós somos um podcast formado por pessoas com deficiência, pessoas autistas, trazer esse ponto de vista sobre a ideia de resiliência é um ótimo assunto pra gente discutir aqui no Introvertendo. 

Otávio: Resiliência para autistas é basicamente um dos temas mais importantes da nossa comunidade, porque nós em certos pontos somos muito resilientes, e em outros pontos nós somos bem fracos. E é engraçado que pra cada um de nós, cada um desses pontos difere. E eu acho muito fortuito eu participar deste episódio, pois nos últimos meses eu tenho passado por muitas dificuldades relacionadas à resiliência. Eu, Otávio Crosara, estou para formar, eu me formo em poucos meses, vou formar em Medicina, e apesar de ser um grande sonho meu, finalmente, formar, tô até nessa batalha há doze anos, eu estou, simplesmente, em pânico. Não me sinto preparado para exercer a minha profissão e isso tem me consumido bastante nos últimos meses, de forma que eu não tenho conseguido lidar, a minha cabeça tem cada vez mais se ocupado com isso e eu tenho saído menos, eu tenho me isolado mais, e esses não são mecanismos saudáveis de lidar com as coisas. Como eu estou lidando com isso a gente vai discutir nesse episódio. 

Thais: Uma coisa que acontece bastante é que, às vezes, a gente se exige muito em algumas situações, ou a situação começa a exigir muito de nós e nem sempre a gente sabe encontrar um equilíbrio nesse aspecto, muitas vezes a gente fica justamente com essa ideia de estar sendo fraco, se não consegue fazer alguma coisa e começa a se forçar a fazer mais do que é saudável pra gente, por essa ideia, um tanto orgulhosa de, digamos assim, do quê que é força e do quê que é fraqueza. E nem sempre a força está em a gente extrapolar nossos limites. Às vezes existe uma força bem importante em a gente ter um autoconhecimento. E encontrar formas saudáveis de lidar com as coisas. Por isso mesmo, consegui fazer muito mais coisa, no final, quando tá bem consigo mesmo. 

Tiago: Vocês falaram coisas muito interessantes, porque eu acho que isso não é tão intuitivo pras pessoas. Primeiro, porque pensar o autismo em si é um desafio. No episódio de anti-neurodiversidade, eu falei que o transtorno do espectro do autismo é muito variado e isso desafia a nossa percepção e eu trago isso pra esse episódio também. Porque quando a gente fala sobre autismo, sobre as formas de manifestação do autismo, a gente entende que existem várias formas de ser autista com diferentes níveis de autonomia. E quando a gente fala sobre o autismo dito “leve”, primeiro, nós falamos sobre pessoas que geralmente tiveram um diagnóstico tardio, e esse diagnóstico tardio tem suas consequências. 

Segundo, são pessoas que tem uma participação social maior do que outros autistas que, por exemplo, não vão desenvolver fala e, consequentemente, não vão estar em outros espaços que são pré-requisitos pra participação em sociedade, como mercado de trabalho, estudos primários, secundários, ensino superior, relacionamentos amorosos, ou seja, os autistas ditos “leves”, e aqui usando muitas aspas, eles têm uma experimentação da vida social muito maior do que outros autistas. E justamente por essa experimentação maior da vida, isso faz com que o que seja esperado de nós seja muito mais. E com isso, vêm as cobranças. Porque existe uma noção social de que se o autista funciona, e aí, usando bem o sentido pejorativo da palavra funcional, se ele funciona o suficiente pra passar despercebido principalmente nesses casos de diagnóstico tardio, como o caso do Otávio, da Thais e o meu, as pessoas vão pensar automaticamente que esse autista que passa despercebido dá conta de “se superar”, e isso não necessariamente é uma verdade, porque você ser autônomo em certas questões da vida não significa que você seja em absolutamente tudo, ou que essa autonomia não tem um custo que as pessoas não observam. Então, eu penso que todo autista pode se desenvolver, é claro que esse desenvolvimento não é infinito, mas esse desenvolvimento deve ser sempre pensado em função da qualidade de vida do próprio indivíduo e da sua própria felicidade. E o que eu percebo muito na vida de autistas que tenham diagnóstico tardio é, primeiro, eles não se autoconhecem, como a Thaís disse, eles não sabem com facilidade responder essas cobranças sociais que estão diante de tudo, e aí quando há esse fracasso social, vem a autocrítica, a cobrança excessiva, que até a própria Thaís já falou no episódio 94, se não me engano. Então, falar sobre isso é algo muito importante pra gente, porque eu imagino que muitos que ouvem de nós, talvez, estejam nessa encruzilhada. Ah, eu sou autista, estou na vida adulta, tenho autonomia, mas eu não tô dando conta, porque tá pesado, tá difícil. Então, acho que, talvez, as pessoas vão se identificar com a gente.

Otávio: Às vezes nem a questão de nós conseguirmos ser funcionais, eles esperam de nós o mesmo, às vezes eles nem esperam isso de nós em certo aspecto, por exemplo, a minha família não espera muito que eu seja a pessoa mais sociável, mas ainda assim tem um nível basal de sociabilidade que eu tenho que cumprir, e esse nível basal já é o suficiente pra me exaurir. A questão é, qual é o nível de resiliência máximo de cada pessoa pra cada coisa? Ah, uma coisa que é importante deixar claro é que esses níveis de resiliência nunca são fixos, eles sempre podem ser trabalhados sempre podem ser aumentados e, muitas vezes, um ponto fraco pode ser um ponto forte, depois de um tempo. 

Thais: É, eu, por minha vez, tive uma certa experiência nesse aspecto do que vocês tão falando, no trabalho, porque logo que eu entrei, com o meu gestor já sabendo que eu era autista, o meu time também. Inicialmente teve um receio do que eu era capaz de fazer, teve até uma certa proteção, digamos assim, pra evitarem que as situações me prejudicassem. Mas, aí, com o tempo, conforme eles foram vendo que eu era capaz de executar várias tarefas, deu a impressão de que eles deixaram de perceber que existiam diferenças entre eu e eles, né? Nesse aspecto, com o tempo, esse tipo de demanda, algumas demandas específicas, as pessoas me acessarem muito pra pedir informação, pra entender algumas coisas, isso começou a me exaurir de tal modo que chegou um um momento em que eu acabei tendo uma crise junto do meu gestor, foi uma reunião com ele, inclusive, que eu gritei, chorei, xinguei. Foi, realmente, foi um período em que eu tava com muita dificuldade, eu tava com dificuldade até de comer, eu tava com dificuldade de me mover em alguns momentos, porque eu entrei em crise mesmo, por tarefas que pras outras pessoas do meu trabalho pareciam ser comuns. Então, às vezes respondo um chat pra muitas pessoas diferentes e coisas assim. E por mais que eu consiga executar diversas atividades e muitas delas, bem melhor do que a maior parte das pessoas, pra algumas coisas eu tenho dificuldade e o meu time precisou entender isso e nós precisamos encontrar formas de lidar com isso. Então, acho que é o tipo de situação que acontece com muitas pessoas e, principalmente, com autistas ditos leves, que as pessoas acreditam, às vezes, que a gente vai conseguir fazer determinadas atividades e não percebem, como o Tiago colocou, não percebem o custo que aquilo tem pra gente, como a gente tá se exaurindo, e às vezes a gente também demora pra perceber. 

Tiago: Nesse contexto, vocês se consideram já maduros o suficiente pra conseguir perceber isso, ou no dia a dia vocês ainda se veem nessa dificuldade de se sentirem assim com frequência? Porque eu particularmente ainda não aprendi. Eu acho que eu estou começando a aprender, pelo menos do ano passado pra cá, quando o meu próprio corpo começou a sinalizar de que se eu seguisse no ritmo que eu estava, eu ia ter um infarto fulminante com quarenta anos, sabe? Mas eu ainda não aprendi, vocês aprenderam? 

Otávio: Tiago, essas situações pra mim até hoje têm a mesma sensação de vinte anos atrás, pra mim a sensação é de uma chuva de adagas, a única diferença é que hoje eu consigo ir um pouco mais além, um pouco mais longe na chuva de adagas. Eu, no meu caso específico, o único jeito que eu vejo de sobreviver é adaptando, aprendendo a lidar com esses estresses. Quando eu digo, muitas dificuldades são dificuldades em habilidades. A questão de estresse é outra forma de lidar. Mas o que eu quero dizer é: questões de sociabilidade, questão de conversa, eu não sinto, pelo menos, eu, da forma como eu me vejo no futuro, que eu tenha e que eu possa me livrar dessa dificuldade. Eu vou ter que lidar com isso o resto da vida. Vocês se sentem assim, que tem escapatória? Quando eu falo que eu não tenho escapatória, não quer dizer que eu estou desesperado com isso. Eu quero dizer o quê? Que eu vou ter que enfrentar essa dificuldade de cabeça erguida e que nunca vai ser fácil. 

Tiago: É interessante isso que você falou, porque, pelo menos, no meu caso, eu tenho uma dificuldade de entender aquilo que eu tô sentindo. Na época em que eu realmente tava deprimido, por exemplo, nem sempre eu conseguia nomear aquilo que eu estava sentindo relacionado à depressão, eu sabia que eu estava cansado, mas não sabia necessariamente quais eram os motivos que me levavam ao cansaço. Então, se eu olhar, por exemplo, pra vida, eu consigo perceber muito bem que eu fiquei quatro, cinco anos da minha vida trabalhando extensivamente, sem férias. Quando eu falo sem férias, eu não quero dizer que eu não tive períodos que eu não estava num trabalho formal. É claro que eu tive, mas nos períodos de férias, dos trabalhos formais, eu tava desenvolvendo outros projetos e trabalhando, trabalhando e trabalhando, até que chegou o momento que o meu corpo parou de funcionar, eu desenvolvi tendinite e eu comecei a ganhar peso, porque também isso afetava a alimentação e etc., e aí eu comecei a pensar, porque aqui entre vocês eu sou o mais novo, e aí eu fiquei pensando, se já estou assim na casa dos vinte, imagina com quarenta, com sessenta e aí eu comecei a me preocupar um pouco mais. E eu acho que tem alguns autistas que têm essa dificuldade de identificar também aquilo que eles estão sentindo relacionados ao contexto, então talvez em algumas questões a gente tenha uma dificuldade de compreender aquilo que está nos afetando no sentido individual, mas também a gente tem uma dificuldade de entender aquilo que está nos afetando no sentido coletivo, que eu me refiro mais às cobranças. Porque aqui a gente tá discutindo resiliência, mas no contexto individual, mas também existe uma exigência de resiliência do ponto de vista coletivo. 

Por exemplo, a pandemia que a gente tá vivendo agora, eu acho que é o maior de resiliência que nós estamos sendo submetidos em tempo real no Brasil, especificamente, pelo menos de 2020 pra cá. Porque tá todo mundo sendo testado ao limite, eu sei que pra alguns autistas talvez a pandemia não foi tão difícil no início, mas a gente sabe que isso nos afeta de outras formas, no acesso a recursos de saúde de alimentação, do ponto de vista econômico, do ponto de vista das mortes que ocorrem, que colapsam tudo. E aí eu acho que talvez nesse contexto da pandemia, talvez tenha ficado mais óbvio pras pessoas o quanto que é nos exigido o nível de resiliência que, às vezes, parece não fazer sentido nenhum. A gente tá chegando em um contexto em que as pessoas, no geral, estão muito fragilizadas. Como é que vocês avaliam isso? 

Thais: É, eu, particularmente, nessa época, não estou enfrentando tanta dificuldade quanto a maior parte das pessoas, eu sei que tem muitas coisas que acabam me afetando de qualquer forma, então se eu precisar sair pra fazer alguma coisa vai ser um estresse muito grande, às vezes que eu saio pra ir na casa do meu namorado e eu vou de Uber. Eu chego lá e não toco em nada, tenho que ir direto pro banho, tenho uma situação estressante, mas de forma geral, a minha vida tá relativamente tranquila. Então, pra essa época, especificamente, eu tô bem, mas acho que, também, pensando num contexto geral do que o Tiago falou, acredito que sempre vamos ter muitas situações que testam nossa resiliência ao longo de toda a nossa vida. Na vida adulta, a gente começa a ter responsabilidades, muitas coisas em que pensar e muitas vezes tendo tantos problemas, às vezes, pra lidar, a gente fica com mais dificuldade de se perceber, de parar pra tirar aquele tempo saudável, de descanso, coisas desse tipo. O Tiago comentou sobre ter dificuldade de perceber os próprios sentimentos, e uma coisa que eu tava pensando é que pra mim essa avaliação de exaustão depende, principalmente, de dois aspectos:  um é se eu tô me sentindo cansada, então, se eu tenho uma coisa pra fazer e eu sinto que eu não vou conseguir, eu tô muito cansada, eu quero deixar pra depois, e eu percebo que isso tá acontecendo com várias coisas, pra mim isso é um sinal de que eu tô muito cansada, que eu realmente tô exausta. E a outra coisa é apatia, eu não me importar se, alguma coisa tá boa ou não, eu tenho um trabalho pra fazer e às vezes ele não ficou bem feito, mas eu não me importo. Ou tem alguma coisa que aconteceu de ruim e eu não me importo. E eu percebo que eu estou não me importando várias vezes, pra mim é outro sinal de que eu tô muito cansada. Então, eu acho que vale a pena, às vezes, a gente busca os nossos próprios sinais, eu imagino que cada pessoa seja diferente nisso, mas os nossos próprios sinais que não dependam de saber nomear um sentimento ou de algo muito complexo. Então, encontrar critérios objetivos pra saber quando é a hora de descansar um pouco. 

Otávio: Na questão de sinais, eu vou dar um exemplo próprio: tem vezes que eu tô querendo chorar por nada. Eu tô querendo chorar pra extravasar. A sensação é maravilhosa. E não é vergonhoso. Ah, aquele negócio de homem não chora, é ridículo. Outra coisa, o que vocês acham desse tipo de estereótipo de que uma pessoa,por ou ser de algum jeito, ela tem uma característica, ela não pode sofrer com certas estresses? 

Tiago: Você fala, nesse contexto, por exemplo, de ser homem? 

Otávio: Sim, mas claro que isso não é único do sexo masculino, sexo feminino tem também, certos estresses que socialmente são vistos como dispensáveis, tem estresses que eu acho que autistas passam e as pessoas falam “ ah, não é tão difícil assim, é só tentar, é só você relaxar.” Cara, quando eu ouço alguém falar relaxar, me vem uma vontade de ser muito grosso. 

Tiago: Você tem uma vontade de relaxar a mão na cara da pessoa. 

Otávio: Não…

Tiago: É porque a minha mãe fala isso, porque se alguém chega pra minha mãe e fala assim “relaxa”, ela fica tão brava, ela fala, “minha vontade de relaxar minha mão na sua cara”. 

Otávio: É, mais ou menos. Na verdade, eu tenho vontade de falar uma coisa ácida e cortante, que eu sei que aquela pessoa nunca mais vai olhar pra mim do mesmo jeito e eu talvez perca a relação com essa pessoa, e naquele momento que eu tenho esse pensamento, parece que tudo isso vale a pena. Não importa o quanto isso me sabote a longo prazo, eu não lido bem com essas coisas. 

Thais: É, eu sou a favor de ter uma abordagem mais racional pra várias situações que vocês comentaram, inclusive, mas me focando na pergunta do Otávio, por exemplo, se eu tô sentindo necessidade de tal coisa, pra mim dane-se se as pessoas esperam que eu sinta ou que eu não sinta, ou que seja diferente, não importa e não interfere na minha realidade. É uma coisa que eu sei que, às vezes, incomoda outras pessoas, mas pra mim funciona bem, e eu acho bom quando eu consigo ter justificativas claras, eu me sinto melhor com esse tipo de situação. Então, eu não me importo muito se socialmente as pessoas esperam que eu tenha ou não uma dificuldade. O fato é: eu tenho ou não, e pronto, independentemente do que elas possam pensar. 

Otávio: Você é uma pessoa bem melhor que eu, Thaís, só por isso.

Thais: Ah, eu não sei se isso é ser bom ou não, sabe, mas é que eu acho que são formas de lidar com as coisas, e pra mim, eu me sinto melhor assim, né? 

Tiago: É, e eu acho que que isso que vocês estão dialogando é muito importante, porque eu vejo que socialmente, entre autistas, na comunidade do autismo, existem várias formas da gente lidar com situações. E existem alguns estereótipos de que autistas não se importam muito com o que os outros acham, por exemplo, e isso é real pra vários autistas. E tem outros em que é exatamente o oposto, que a opinião dos outros acaba importando muito, do ponto de vista social. Então, ver esse contraste entre Thais e Otávio, eu acho que é muito bom até pras pessoas que ouvem a gente, porque existem muitos estereótipos de que o autista não tá nem aí pra nada, mas tem muito autista que sofre sim com essas questões. 

Pras pessoas não acharem que a gente tá aqui só na negatividade, ou só falando dos problemas, eu acho que muita gente que ouve Introvertendo também ouve em busca de conselhos ou de alguma forma melhorar a sua vida. Então, eu queria que vocês falassem aí o quê que vocês fazem, ou o que vocês deveriam fazer, pra que a gente chegue menos no limite e tenha a vida mais equilibrada. 

Otávio: Eu vou dizer por experiência própria, por estudos, que manter uma saúde orgânica é muito importante. Então, dormir é importante, comer bem é importante. Quando eu falo comer bem é uma alimentação variada, com porções pequenas, pobres em gordura, tira o dia do lixo pra comer, fazer exercício, esses são os três pilares da saúde orgânica. E segundo, na questão de saúde mental, não existe esse negócio de pessoa fraca vale menos. Se alguém não quer te ouvir, procure alguém que quer te ouvir. Vá, procure um psicólogo, um terapeuta, ou então, entre em algum fórum da internet, sabe? Talvez se quiser mandar mensagens pra nós do Introvertendo, a gente lê, a gente não vai responder tudo, talvez a gente não responda ninguém. 

Tiago: A gente sempre responde, só não aqui mais no podcast, na leitura de emails, mas a gente responde tudo por escrito. Então, quem quiser mandar, pode escrever por email. 

Otávio: Ah, aí, o Tiago tá se dispondo.

Tiago: Não! Vocês vão responder junto. 

(Risos)

Otávio: Não, eu tô brincando, mas saiba que você não está sozinho. Assim, quando eu digo sozinho, você pode se sentir sozinho, mas saiba que todo mundo tá passando por alguma coisa diferente. E, como todo mundo tá passando… engraçado, todo mundo passa uma coisa diferente, mas a tristeza é a mesma, pra todo mundo, né? É interessante isso. Eu não sei, eu não sei frases motivacionais. 

Tiago: É, e é bom que não saiba mesmo, porque eu acho brega. 

Thais: O principal item pra mim é tentar equilibrar a sua produtividade, o seu bem-estar, seja a produtividade no trabalho, na escola, no seu dia a dia. Então, atividades que são obrigações e atividades que te fazem bem, eu acho que é muito importante equilibrar essas duas coisas, aprender a dizer não, às vezes algumas coisas a gente simplesmente não tem tempo de fazer, ou aquilo não é nossa prioridade, aquilo vai atrapalhar a gente de alguma forma e a gente tem que aprender a falar que a gente não vai fazer aquilo, isso inclui também vida pessoal e trabalho. Eu digo muito não no meu trabalho, gente, e isso não faz você ser demitido se a sua empresa for boa, se o seu chefe for bom. Buscar formas de executar melhor suas funções diárias. Então, por exemplo, se você sente que pessoas falando com você te atrapalha muito enquanto você tá trabalhando, às vezes desligar o celular, desligar todos os aplicativos de conversa e avisar “olha, gente, eu vou ficar duas horas focada em fazer tal tarefa, depois eu volto”, pode ser uma coisa importante pra você se sentir melhor enquanto você executa alguma coisa. Então, eu recomendo você encontrar o que te faz bem na hora de trabalhar ou de executar qualquer função. E aceitar que nem sempre a gente tem uma explicação clara e racional pra algo que está nos afetando. Alguém pode perguntar por quê que aquilo tá incomodando, às vezes a gente não sabe, e não é por a gente não saber que isso se torna menos real, que isso nos afeta menos. Às vezes a gente só tem que aceitar que a gente não consegue explicar algumas coisas. Aprender a delegar funções foi também uma coisa que eu demorei muito pra fazer, porque eu não confiava nas pessoas, eu achava todo mundo incompetente, mas chega determinado momento em que eu não tenho mais tempo de fazer todas as coisas que eu gostaria de fazer, de executar todas as tarefas do meu trabalho e eu preciso aceitar que, às vezes, eu vou ter que entregar algumas dessas tarefas pra outras pessoas fazerem, pra liberar tempo na minha agenda, pra eu poder fazer coisas mais importantes. Então, aprender a delegar tarefas é muito difícil pra mim, pelo menos, e é bem importante. 

E, por último, manter sempre no meu dia a dia, atividades que me tragam prazer. Mesmo se parecer que eu tenho muitas atividades naquele dia, eu tô muito ocupada, eu vou arranjar tempo pra fazer coisas que me tragam prazer. Não importa se naquela semana eu vou ter que trabalhar vários dias até mais tarde, em um daqueles dias eu vou jogar RPG porque eu gosto, porque eu acho divertido e pronto. Isso não tem preço, a sua saúde dificilmente vai ter preço, você pode pagar muito por tratamentos, mas você não vai conseguir pagar pra se sentir bem. Então, tome muito cuidado com isso, faça coisas que te tragam prazer, que provavelmente a sua saúde vai ser melhor também. 

Otávio: Pessoal, usar substâncias pra aguentar o tranco não vale, não vão encher a cara, não vão fumar e usar outras coisas legais pra se sentir legal, porque isso não é legal, em todos os sentidos da palavra, certo? Isso tem um preço muito alto. Se cuidem, por favor, de verdade.

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