Introvertendo 172 – Anti-neurodiversidade

A neurodiversidade ganhou o mundo como um conceito forte e também por meio de um movimento social que faz parte da nossa história há quase 30 anos. Mas são muitas críticas e resistências a neurodiversidade no contexto do autismo. Neste episódio, explicamos estas críticas, o que há de justo e injusto nelas, o que é a anti-neurodiversidade e como ela tem operado no ativismo autista do Brasil. Participam: Carol Cardoso e Tiago Abreu. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Tiago: Olá pra você que ouve o podcast Introvertendo, que é o principal podcast sobre autismo do Brasil. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, host deste podcast, diagnosticado com autismo em 2015, profundamente pensado em entender a comunidade do autismo e hoje nós vamos falar sobre um tema muito polêmico, muito complexo, que ainda é pouco discutido no Brasil, mas que a gente espera que seja bem introduzido aqui, não é, Carol?

Carol: E eu sou Carol Cardoso, tenho vinte e três anos, fui diagnosticada com autismo em 2018, sou estudante de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Amapá e eu espero que eu não seja linchada depois desse episódio.

Tiago: E o tema de hoje é anti-neurodiversidade. Nós vamos explicar o que é isso, o que isso significa nas discussões sobre o autismo e eu já adianto que esse episódio é muito denso, então se você quiser realmente se aprofundar, nós vamos ter uma quantidade de links enormes, uns quinze links com referenciais sobre esse episódio, nós temos ali a transcrição onde você também pode acompanhar algumas coisas. E também adianto que esse episódio vai ser o momento para desabafar sobre algumas coisas que estão entaladas comigo há muitos anos na comunidade do autismo, vai ser um episódio para pistolar, vai ter palavrão, mas também vai ter muita discussão teórica, vai ser bem legal. Então, eu peço que vocês, desde então, tenham paciência e se engajem bastante, porque, hoje, o assunto é muito quente.

Carol: E mantenham a mente aberta também.

Tiago: Com certeza, com certeza. E pra acelerar, já esse processo, eu adianto que o introvertendo é o podcast feito por autistas com produção da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Tiago: O tema de hoje é anti-neurodiversidade, só que pra explicar anti-neurodiversidade, eu acho que é muito importante a gente falar o que é neurodiversidade, porque na comunidade do autismo a palavra neurodiversidade é bem comum, mas eu tenho a percepção de que muita gente não sabe o que é neurodiversidade quando fala. E a primeira coisa que a gente precisa ter em perspectiva é que a palavra neurodiversidade pode se referir a três coisas diferentes. Então, a gente precisa especificar de qual neurodiversidade a gente tá falando. Existe a neurodiversidade como conceito, neurodiversidade como movimento e neurodiversidade como modelo. O conceito de neurodiversidade foi criado no final da década de 1990 por uma socióloga australiana chamada Judy Singer. Ela definiu neurodiversidade como a pluralidade neurocognitiva de toda a sociedade. Que isso significa? Ela enxergava que todo mundo tem uma configuração cerebral, todo mundo tem um jeito de ser, de certa forma. E que isso diz respeito a toda a população. Por quê? Porque todo mundo tem cérebro, não é verdade? Então isso significa que a neurodiversidade diz respeito a todo mundo. Já o movimento pela neurodiversidade é um movimento social de direitos civis que visa o reconhecimento de minorias neurológicas. É um movimento que nasce dentro do autismo, do movimento de direitos do autismo, mas sempre pensou em abarcar outras condições, como TDAH, dislexia, TOC, etc. E é por isso que é muito importante dizer aqui que o movimento da neurodiversidade não é sinônimo de movimento autista. O movimento autista está dentro do movimento da neurodiversidade, mas o movimento da neurodiversidade em tese é algo muito maior. Mas é importante reforçar aqui novamente que o movimento da neurodiversidade nasce do ativismo de autistas. E o modelo da neurodiversidade, que é uma coisa menos comum de ser comentada, é uma concepção filosófica que sustenta o movimento da neurodiversidade. E o modelo da neurodiversidade consiste em questionar que exista uma configuração cerebral padrão, como desejável para sociedade. O modelo da neurodiversidade é caracterizado como uma espécie de radicalização da ideia de neurodiversidade da Judy Singer. E pra finalizar essa parte aqui de definições que eu já tô dando, é importante a gente diferenciar duas palavras que são muito comuns quando as pessoas falam sobre neurodiversidade, que é neurodiverso e neurodivergente. Se vocês que estão ouvindo não sabem exatamente a diferença, eu preciso explicar que neurodiversos, segundo a ideia da Judy, se refere a todo mundo. Porque a neurodiversidade não é sobre os indivíduos, é sobre o coletivo. Então, você é neurodiverso, tua mãe é neurodiversa, teu professor é neurodiverso, todo mundo é neurodiverso, neurodiversidade diz respeito a todo mundo. “Ah, mas Tiago, eu sou autista. Então, como eu me chamaria?”. Neurodivergente, entendeu? Então é importante fazer essa diferenciação. Inclusive, lá no início do podcast, em meados de 2018, eu iniciava o Introvertendo sempre falando: “o Introvertendo é um podcast feito por neurodiversos para neurotípicos”. E eu queria me desculpar aqui com quem houve o Introvertendo desde aquela época, porque essa frase significa porra nenhuma, na verdade.

Carol: Tiago, tu saberia me explicar como esses conceitos se entrelaçam?

Tiago: Quando a Judy estabelece o conceito de neurodiversidade na década de 1990, ela pensa em conceito de neurodiversidade e movimento da neurodiversidade. E ela pensa essas duas coisas meio que ligadas em certa medida. Porque o movimento da neurodiversidade antecede o conceito de neurodiversidade, ela já enxergava esse movimento social ocorrer na internet, por exemplo, antes mesmo dela pensar nesse termo. Já o modelo da neurodiversidade surge depois e justamente por surgir depois que começam algumas complexas que a gente vai explicar nesse episódio aqui. Agora que a gente sabe o básico sobre neurodiversidade, então vamos explicar o que é anti-neurodiversidade. A expressão anti-neurodiversidade começou a ser usada em alguns artigos científicos no início da década de 2010. E não há um consenso do que seja anti-neurodiversidade na verdade. Eu tenho visto o uso da palavra anti-neurodiversidade em múltiplos contextos. Alguns, simplesmente, se referindo a discordâncias à ideia de neurodiversidade, alguns falando de anti-neurodiversidade como movimento social mesmo. Enfim, não é muito sólido de verdade. Então, aqui eu quero propor um conceito de anti-neurodiversidade, quero me ousar a isso e espero também que futuros pesquisadores realmente venham dar uma explicação mais robusta, mas eu diria que a anti-neurodiversidade é uma negação de qualquer uma dessas três explicações para o termo neurodiversidade. Então, se alguém discorda do conceito de neurodiversidade ou da neurodiversidade ou do modelo, esse pensamento, então, estaria enquadrado dentro desse guarda-chuva genérico chamado de anti-neurodiversidade. Então, Carol, vamos partir do pressuposto que quem tá ouvindo a gente não tá convencido ainda de que esse tema é importante. Por que é importante falar sobre a anti-neurodiversidade?

Carol: Como tu falou mais cedo, o termo neurodiversidade surgiu na década de 1990. Então pra quem nasceu na década de 1990 e tem essa impressão de que foi um dia desses, realmente é um tema muito recente e como esse termo é concentrado muito nos países falantes da língua inglesa, ele acaba não sendo tão difundido pelo menos até a partir da década de 2010. Por ser um movimento recente e pela nossa comunidade em geral incorporar muito do que é produzido nesses países falantes da língua inglesa, eu acho que é natural a gente pensar que em algum momento essa discussão vai chegar aqui. Eu vejo que também já tá chegando, não que exista de fato um movimento organizado contra a neurodiversidade, mas que existem certas vozes que pelo que eu tenho percebido, as leituras que a gente fez pra esse episódi, estão muito compatíveis com aquilo que é discutido lá fora, sobre anti-neurodiversidade. Também eu acredito que estudar um pouco mais sobre posições contrárias nos ajuda a entender melhor esse conceito, em especial, que a gente está estudando, no caso a neurodiversidade. Como um assunto tão incipiente, existem certos conflitos, existem certas confusões, como tu mesmo colocou, que existem três vertentes, como conceito, como movimento e como modelo. E, muitas vezes, fica um pouco nebuloso e quando a gente se posiciona contra alguma ideia, muitas vezes a gente não consegue delinear muito bem exatamente contra o que a gente tá lutando. A gente entender de onde partem vozes contra esse conceito tão novo nos ajuda a delimitar melhor o que que a gente quer dizer com neurodiversidade e encaminhar melhor esse conceito, difundir ele de uma forma que ele seja compreensível dentro da comunidade. E por fim, eu acho que uma das coisas que pra gente do Introvertendo talvez seja a mais marcante é que a neurodiversidade, de um modo geral, como ela parte de um estudo em relação aos autistas e se difundiu como movimento em geral protagonizado por autistas é muito interessante a gente discutir um pouco mais sobre isso, sobre quanto que a nossa voz pode ser ouvida e como que a neurodiversidade pode possibilitar isso. Não que a nossa voz seja a única que deva ser ouvida, mas que pela neurodiversidade tem sido marcada justamente por isso, pelo nosso protagonismo que isso traz, trouxe ainda traz muitos conflitos entre outras vozes dentro do ativismo do autismo. Eu acho que nós como autistas, devemos, de certa forma, considerar um pouco, estender um pouco a nossa flexibilidade para compreender as vozes que estão contra certas coisas que a gente tem a se posicionar. E falando de uma forma muito generalizada, como se tudo que a gente falasse fosse único, mas é justamente esse o ponto que a gente pretende discutir mais nesse episódio.

Tiago: Com certeza, Carol, essa discussão sobre anti-neurodiversidade é uma discussão que dependendo do contexto é até muito abstrata. Então, por isso mesmo, eu fiz aquele disclaimer no início de que o que a gente vai discutir são questões densas, mas que talvez a comunidade do autismo só vai perceber concretamente daqui alguns anos. Eu espero muito que esse episódio ajude a gente a compreender melhor essas questões. Então como eu falei que a anti-neurodiversidade se caracteriza por uma negação de uma dessas três coisas relacionadas ao termo neurodiversidade, eu queria trazer, então, pontos de discordância da neurodiversidade, que, normalmente, são relacionados a um pensamento anti-neurodiversidade. E a primeira coisa tá muito ligada a representatividade. Inclusive, eu acho que tem uma frase que fica muito evidente quando a gente fala sobre neurodiversidade entre familiares, que é: “e o autismo severo?”. Qual é a grande questão disso? Uma das principais críticas em relação ao movimento da neurodiversidade, principalmente quando há participação de autistas, são de pessoas dizendo que o movimento da neurodiversidade é representado apenas por autistas leves. Quando eu tô falando do “autismo leve”, “autismo severo”, entendam isso com aspas, tá? Porque a gente sabe que essas definições não são definições tecnicamente acuradas, são expressões mais populares. Mas muitas pessoas dizem que o movimento da neurodiversidade é representado por autistas leves que tem poucas dificuldades sociais, que as suas demandas e as suas palavras não representam o espectro do autismo de uma forma completa. E que essas demandas defendidas pelos autistas leves prejudicam autistas severos, no sentido de que os autistas que se posicionam por uma percepção do autismo puramente definida em reconhecimento, em aceitação e etc, prejudicam outros autistas que precisam de intervenções e de suporte para vida. E a Judy Singer faz uma resposta em relação a isso, num livro que foi lançado em 2019, depois de vinte anos após a expressão do termo “neurodiversidade”. E ela se posiciona dizendo que há verdade nessas críticas. Na verdade, não só a Judy Singer, tá? Vários autores autistas reconhecem que realmente há uma predominância de autistas ditos “leves” no movimento da neurodiversidade. Isso não é mais negado entre alguns autores, não só a Judy, mas também eu posso citar aqui o próprio Steven Kapp, que já publicou um livro sobre neurodiversidade e alguns outros autores que, realmente, dizem que há uma ausência, por exemplo, de autistas com deficiência intelectual no meio desse movimento.

Carol: E o que eu vejo, também, é que essa dificuldade não é presente apenas dentro do movimento pela neurodiversidade, eu acho que é uma contradição, porque como é um movimento que pela primeira vez é marcado pelo protagonismo autista e a gente tem uma ausência de uma parcela considerável dos autistas que também dividem o diagnóstico com a gente (não é exatamente o mesmo, mas o mesmo guarda-chuva diagnóstico, que é o Transtorno do Espectro Autista), sim, é muito questionável a ausência da representação de autistas severos, mas isso não é exclusivo da neurodiversidade, isso é presente em toda a comunidade. Justamente porque muitos conflitos que a gente enfrenta dentro da comunidade do autismo são naturais da nossa condição como autistas. Afinal, a gente tem comprometimentos consideráveis nas áreas da comunicação. Então, quando a gente fala de articulação, quando a gente fala de movimento social, de articulações coletivas, muitas vezes a gente perde a noção de quão desafiador isso pode ser pra gente, porque não é um movimento como outros. A Judy enquadra o movimento da neurodiversidade dentro das políticas identitárias. Só que, diferente dos outros movimentos sociais envolvendo políticas identitárias, a gente tem um comprometimento muito sério da nossa habilidade comunicativa. Então, não é que os outros movimentos não haja dificuldade de se comunicar, de se articular entre si, mas que pela nossa própria condição de autistas, é uma coisa que deve ser, sim, muito considerada, sempre considerada quando a gente vai intermediar os conflitos, tanto entre autistas, como outras pessoas dentro da comunidade, como familiares, profissionais e etc.

Tiago: Com certeza, Carol, a gente tem que encarar aqui que o espectro do autismo é muito amplo e isso desafia a nossa percepção. E aí eu reforço mais uma vez. Vários autores já reconhecem isso. Então, eu vejo que alguns autistas que dizem militar pela neurodiversidade ainda tem uma dificuldade de admitir isso, mas a gente precisa admitir que isso é verdade e que isso não é um problema facilmente de se resolvido, não a curto prazo, e eu vou explicar um pouco mais a frente do porquê que é tão difícil também a gente pensar essa questão. Mas eu acho também, Carol, que isso que você falou, tem muito a ver com os conflitos entre autistas e familiares, porque eu vejo que na comunidade do autismo a gente tem uma invalidação de experiência generalizada. Ninguém de verdade entende a dor do outro, sabe? Porque as experiências de vida são muito diferentes. Eu sou uma pessoa autista que não tinha contato nenhum com o autismo até os 17 anos de idade, que é a primeira vez que eu vou, realmente, saber o que é autismo. Eu era um usuário de internet, de uma grande metrópole, convivendo com outros jovens, é um tipo de experiência. Agora, vamos pegar, por exemplo, uma mãe periférica, que tem o contato com o autismo desde que a criança nasce e é uma criança que necessita de maior suporte, que não desenvolveu fala, que recebe o diagnóstico de autismo bem cedo e que só tem uma rede de apoio, que é uma associação local. São formas completamente diferentes de viver o autismo. E eu não vou ter a dimensão de autismo que ela vai ter e ela não vai ter a minha. E dentro da comunidade do autismo, justamente por essas dificuldades de comunicação, exatamente por isso que a gente, então, ao meu perceber, vai ter essa invalidação de experiências. E alguns exemplos muito práticos, Alguns autistas, por exemplo, vão reclamar muito das mães de autistas na internet, falando que elas são tóxicas, superprotetoras, alguns vão se assemelhar a ideia de mãe-geladeira do Bruno Bettelheim mesmo, sabe? De, digamos assim, “todos os problemas dos autistas são as mães”, sabe? É quase nesse nível. Ao mesmo tempo, eu vejo que muitas mães também gostam muito de criticar autistas por causa das suas trajetórias diferentes, falando que eles são autoindulgentes e etc. E aí, a gente tem que tomar muito cuidado, porque a gente tá falando sobre minorias dentro de uma comunidade. As mães atípicas também pertencem a um certo tipo de recorte na sociedade que é muito invisibilizado, que passa por muitas dificuldade, vive a ausência das políticas públicas, não são pessoas com deficiência mas estão em situação de deficiência, que é um conceito que a gente discute dentro dos estudos da deficiência. E quando uma minoria é muito invisibilizada e ela consegue um espaço para falar, como os autistas estão começando agora, tem até uma expressão que a gente chama de “efeito mola” das minorias. Que é quando a minoria consegue voz, ela no afã mesmo de mostrar suas dores, de falar, elas acabam exagerando, às vezes, nos seus desabafos, na sua forma de se expressar. Isso faz parte, no meu entender.

Carol: Sim, e eu percebo que existe uma confusão em relação aos conceitos de “lugar de fala” e “interseccionalidade”. Tem uma confusão um pouco sobre o que significa, de fato, o lugar de fala. Muitas vezes elas interpretam que uma pessoa tem direito de falar algo e a outra não tem. Ou seja, eu teria o direito de falar sobre autismo, por eu ser autista e outras pessoas não teriam direito de falar sobre autismo por não serem autistas. Mas isso não é restrito à comunidade do autismo. Existe essa confusão em muitas esferas da internet por aí. Isso foi muito bem explorado no episódio sobre lugar de fala, no podcast Central PCD, que foi uma entrevista com a Táhcita Mizael, que também já apareceu no Introvertendo, no episódio Amor no Espectro – 122. Para fazer um resumo, lugar de fala significa basicamente que todas as pessoas podem falar de todos os assuntos, mas é preciso reconhecer o lugar de essas pessoas partem. Então, um familiar de autista vai falar como um familiar e um autista vai falar como autista. E as experiências, como o Tiago já falou, são muito diversas, são muito difíceis de se chegar num acordo, porque ninguém pode saber como é a experiência do outro, sabe? E que isso, muitas vezes, é a fonte dos nossos conflitos. Essa questão sobre opressões e minorias é justamente o que é discutido pela neurodiversidade, porque eu eu interpreto como a própria Judy Singer entende que uma comunidade neurodivergente pode sofrer opressões justamente pelas suas diferenças. Quando a gente reconhece isso, a gente pode avançar um pouco mais sobre essa discussão de quais são essas opressões, como que elas comprometem a qualidade de vida de um indivíduo e como que a gente pode melhorar a vida dessas pessoas. Com isso, todas as vozes são importantes, porque numa comunidade hoje as diferenças e dificuldades comunicativas é tão grande. Eu acho que a gente pode fazer um esforço a mais, sabe? Eu acho que a gente precisa caminhar num caminho de superar as nossas dificuldades. E eu não tô dizendo que, “nossa, vocês autistas tem que superar as dificuldades comunicativas”, mas que o esforço deve ser justamente em compreender de onde vêm certos questionamentos, de onde vem certas vozes, de onde vem o pensamento tanto pela neurodiversidade como contra a neurodiversidade, porque aí a gente vai conseguir compreender melhor como tudo isso se junta e como pode articular melhor a nossa comunidade para que a gente não tenha mais essas polaridades entre “autistas leves” e “autistas severos”, porque o movimento que se posiciona como a favor dos autistas leves e contra os autistas severos não deve ser um movimento almejado, ou seja, isso não é exatamente o que a gente deve buscar a longo prazo. E essas polaridades acabam nos distanciando de um lugar comum em que a gente possa ter um reconhecimento da nossa diversidade de uma forma que as nossas opressões sejam diminuídas.

Tiago: É importante a gente ter em perspectiva que quando a gente fala sobre deficiência, nós estamos falando sobre uma categoria médica e que também é uma identidade social e cultural. E na comunidade do autismo eu noto que as pessoas, de uma forma geral, não só profissionais, não só familiares, mas autistas também, têm uma dificuldade de saber falar sobre deficiência partindo das duas categorias. É necessário, em vários contextos, você saber qual das duas falar. Quando você é mais focado no social, na identidade, você mergulha nela, quando você é mais focado no médico, você entra de cabeça nela e às vezes dentro da sociedade, essas duas categorias vão se entrelaçando nas situações que a gente vive. E eu percebo que quando a gente discute políticas de identidade, uma coisa que a própria Judy fala é muito importante, que ela diz que as políticas de identidade têm um “problema”, que consiste na forma como você se relaciona com elas, pois elas podem ser um convite ao ressentimento, a uma percepção quase individual em certa medida, sabe? De que a ausência de políticas públicas, de que governos que tiram direitos das pessoas com deficiência não vai ser mais o foco das discussões, vai ser simplesmente de qual minoria é mais oprimida do que a outra. E na comunidade do autismo às vezes parece isso, parece uma olimpíada de quem é mais oprimido do que o outro.

Carol: Quando a gente fala sobre interseccionalidade, também existe uma certa confusão porque não se trata de uma soma de várias coisas que foram colocadas em um indivíduo. Então, por exemplo, eu sou mulher e eu sou autista. E eu posso sofrer opressões por ser tanto mulher como autista. Então, são duas opressões. Só que eu não posso separar essas duas características minhas. E quando a gente fala sobre comunidades que são oprimidas por um aspecto da sua personalidade ou da sua natureza, a gente precisa considerar o quanto isso impacta na vida pessoal e individual daquela pessoa que que tá dentro dessa categoria. Então eu acho que é muito compreensível as pessoas ficarem ressentidas com isso, porque quando elas se dão conta de quanto que essa característica tornou a vida delas mais difícil, é um caminho, assim, que acaba sendo comum, sabe? Porque quando a gente se descobre autista, por exemplo, quando a gente tem diagnóstico tardio, a gente acaba pensando que certas coisas que a gente passou na nossa vida durante muitos anos poderiam ter sido evitadas. E eu acho que é uma fase que com o tempo a gente consegue aliviar um pouco essa dor, sabe? Porque eu acho que quando a gente discute mais sobre o autismo, a gente permite que se aliviem certas dores individuais em todas as pessoas que estão nessa categoria. Mas a questão é que pra gente chegar nesse ponto em que a gente consiga aliviar as dores dessas pessoas que estão nessas categorias, a gente precisa entender o que é comum e o que que é entre a gente. E pra isso é um caminho muito, muito longo.

Tiago: Quando a Judy estabeleceu o conceito de neurodiversidade, a gente teve um problema que, na verdade, perdura até hoje. Porque quando ela pensa sobre neurodiversidade, ela, primeiro, pensa em uma faixa do autismo e mais outras minorias que não necessariamente carregavam algum transtorno, como por exemplo até nerds, colecionadores, etc., pessoas que tinham comportamentos em sociedade que poderiam parecer estranhos. E aí, a noção de neurodiversidade foi se modificando conforme outras pessoas começaram a pensar nisso. E aí, a própria Judy chegou a conclusão de que a neurodiversidade não era um conceito moral, no sentido de que neurodiversidade não representaria somente coisas “boas”. Então, seria normal pensar em neurodiversidade para tudo, para toda a sociedade de uma forma geral. E aí que a gente entra na primeira discussão, porque as pessoas entendem neurodiversidade quase como um conceito moral mesmo de coisas boas que precisam ser reconhecidas. E aí entra a grande pergunta: “tá, mas o que é neurodiversidade e o que é prejuízo?”. Isso é bem mal construído, na verdade, esse tipo de pergunta. Mas se a gente fosse levar aqui pro termo mais preciso, seria “o que é neurodivergência e o que é prejuízo”. E aí a gente tem uma discussão realmente muito séria porque a gente não tem limite de quais condições o movimento da neurodiversidade representa. Porque não existem limites, no fundo no fundo não tem limites. Autores como o Steven Kapp vão defender que existe um constrangimento entre ativistas em definir limites, porque alguns vão ter opiniões divergentes sobre o que é neurodivergência positiva ou negativa, por exemplo. E eu vou trazer um exemplo óbvio, que é a questão da epilepsia, que é comum em alguns autistas. Alguns autistas podem considerar como uma doença e outras pessoas podem não considerar uma doença. Sem falar que existe também toda uma discussão, por exemplo. Autismo, TDAH, TOC, dislexia, são quase consensuais de que estariam dentro do movimento da neurodiversidade, mas tem gente que já colocou, por exemplo, até depressão, que para alguns é uma doença e no meu entender é uma doença. Mas também a esquizofrenia, em que há um debate muito significativo, se seria uma neurodivergência no sentido de reconhecimento ou não, Transtorno de personalidade antissocial, Transtorno bipolar e etc. A Judy Singer, mais uma vez aqui reforçando, vai dizer que neurodiversidade não é um conceito moral. E, portanto, a gente deveria pensar na neurodiversidade como tudo, mas, por consequência, a gente vai imaginar que nem toda neurodivergência é boa. E ela vai falar que a gente tem focado bastante nos pontos positivos, no reconhecimento, e a gente, muitas vezes, tem jogado pra debaixo do tapete o lado sombrio da neurodiversidade que existe.

E como a gente não tá fugindo de polêmica neste episódio, vamos de polêmica mais alta ainda, uma das críticas da neurodiversidade é em relação da forma como ela se relaciona com a ciência de forma geral. Historicamente, o movimento pela neurodiversidade agiu corretamente desde o início em ser contra o movimento antivacina, por exemplo, ser contra aquelas hipóteses sem fundamentos de que vacinas causam autismo e etc. Só que, ao mesmo tempo, também o movimento da neurodiversidade é criticado por ser contra algumas intervenções que têm evidências científicas por uma série de motivos. Um dos maiores exemplos é o que a gente chama de ABA, a Análise do comportamento aplicada, que nós vamos fazer um episódio esse ano sobre ABA aqui no Introvertendo, é promessa, aguardem. Vai rolar, vai rolar em breve. Ao mesmo tempo que alguns são contra ABA, por exemplo, eles são favoráveis a algumas técnicas que são pseudocientíficas, como, por exemplo, a comunicação facilitada. Alguns autores, inclusive, defendem que a comunicação facilitada é uma violação de direitos humanos. Tem um artigo que tá na nossa lista que a gente recomenda muito, que o título em português é Comunicação facilitada, neurodiversidade e direitos humanos, que traz essa discussão muito profunda, muito boa. O artigo é de 2021, gente, novíssimo. Mas existe essa tensão, entendeu? Porque ao mesmo tempo que você é contra a anticiência, você pode apoiar algumas pseudociências como a comunicação facilitada. Nós vamos falar, ainda, sobre essa treta aí da comunicação facilitada, porque é um assunto que rende um episódio sozinho, mas em tese, a comunicação facilitada é uma técnica que surgiu na década de 1980, mais ou menos, que prometia que pessoas com deficiência, incluindo autistas, que em tese o que as pessoas chamam que não são verbais, vocais, oralizadas, enfim, depende da expressão que a pessoa utilizar, poderiam se comunicar por meio de digitação em teclado com o apoio de uma pessoa, junto ali, um facilitador que seguraria a pessoa pelo braço e ajudaria essa pessoa a clicar nas teclas. E aí, múltiplos estudos, isso dos últimos 20 anos, demonstraram que quem escreve os textos, as mensagens, é o facilitador e não a pessoa. Existe toda uma discussão, uma explicação científica do porquê isso acontece. Então, assim, só pra contextualizar ao nosso mundo social de hoje, a comunicação facilitada não é aquela coisa que a gente não sabe se funciona ou se não funciona. É uma das técnicas científicas mais demonstradas de que não funciona, é tipo cloroquina para Covid-19, sabe? Mas, infelizmente, muitos autistas ativistas defendem, com garras em unhas, a comunicação facilitada por uma única razão. Vocês lembram lá que a gente tava falando que existe uma ausência do autismo dito “severo” nas discussões sobre autismo? Pois bem, a técnica de comunicação facilitada acaba permitindo que a gente tenha textos que são creditados a autistas severos e aí daria mais legitimidade ao movimento. E muitos autistas pensando nisso, pensando nessas vozes que são muitas vezes marginalizadas dentro da comunidade do autismo, seriam legitimados por meio da comunicação facilitada. Mesmo sabendo que a comunicação facilitada não funciona, as pessoas levantam o benefício da dúvida, aceitam, acham bonito e é isso aí, entendeu? Então, essa é a treta geral da comunicação facilitada resumida aqui pra vocês. E aí tem alguns autores que são conhecidos, assim, entre os ativistas autistas, como Amy Sequenzia e Ido Kedar, por exemplo, que tem textos refletindo sobre o autismo, tudo comunicação facilitada. E isso é uma discussão realmente complicada, é doído. É doído porque a gente tá falando sobre questões muito específicas e envolve toda uma discussão sobre direitos humanos. Por isso, eu recomendo muito o link que tá lá na nossa descrição, que fala sobre comunicação, neurodiversidade e direitos humanos, do porquê que a gente não deve aceitar esse tipo de coisa, mas ao mesmo tempo refletir sobre o porquê muitos autistas defendem técnicas pseudocientíficas como a comunicação facilitada.

E aí, por fim, sobre estas questões de neurodiversidade e ciência, algumas pessoas criticam dizendo que a neurodiversidade é uma pseudociência. E aí, a gente levanta aquele questionamento: neurodiversidade é ciência? A Judy Singer, por exemplo, vai dizer que neurodiversidade não é ciência, é uma ideia política. E isso é muito importante. A gente tem isso em perspectiva porque tem muita gente que não entende ou que não leu profundamente sobre neurodiversidade e começa a justificar publicamente falando que neurodiversidade é uma questão de ciência, não, neurodiversidade é uma questão política.

Carol: A questão da confusão que eu observo é justamente pelo prefixo “neuro”. Quando a gente coloca um prefixo geralmente emprestado da neurociência, é natural que exista essa confusão. Mas aí o fato é que não se invalida o conceito de neurodiversidade, ainda que a autora se posicione de uma forma que diz que não é ciência. Ela se refere ao fato de que não se trata de uma ciência exata, ou seja, não houve um estudo cerebral, ou seja, neural em que se constatou que existem neurodiversidades. Mas ela se posiciona de uma forma em que ela faz uma revisão dos movimentos pela deficiência, de dificuldades que as pessoas enfrentam ao longo das suas vidas, e constrói um argumento com base em uma construção teórica científica, como trabalho de conclusão para obter o título de socióloga.

Tiago: Alguns autores autistas têm empenhado um esforço de transformar a ideia de neurodiversidade em um campo científico, mas essa é uma discussão pro futuro, isso ainda não foi estabelecido então, por enquanto, a neurodiversidade ainda se concentra nessa percepção. A essa altura do campeonato, então, as pessoas já devem estar se perguntando, tá, mas o que isso tem a ver com o Brasil? E aí, a gente precisa, então, fazer um percurso histórico sobre a comunidade do autismo do Brasil. Até 2012, o autismo era reconhecido apenas como um transtorno e passou a ser reconhecido como uma deficiência com a Lei Berenice Piana. Mas a comunidade surge muito antes disso, ali, em meados de 1983, com a criação da AMA, Associação de Amigos do Autista. E na década de 1980, a gente já começa a ter várias organizações que se configuram, que se instalam no Brasil, por exemplo, a Associação Brasileira de Autismo, o Abra, que é o único, inclusive, a fazer parte do Conselho Nacional de Saúde, se não me engano. E aí, a gente tem esse cenário histórico na comunidade do autismo de conflitos entre profissionais, entre familiares, entre organizações que defendem diferentes pautas, incluindo tipos de terapia específicas ou percepções sobre o autismo ou de como intervir no autismo, o que um autor bastante conhecido nos estudos críticos do autismo, chamado Francisco Ortega, chama de “autism wars”, guerras do autismo no Brasil. E o ativismo autista surge no Brasil com esse cenário já pré-estabelecido ali da década de 2010 com a comunidade já dividida e trazendo uma pauta que, muitas vezes, é relacionada à neurodiversidade. As diferentes organizações de autismo foram se relacionando de formas distintas com isso. Inicialmente, eu acho que algumas tiveram resistências, porque é um movimento historicamente construído por familiares que já tem as suas pautas, as suas demandas, mas os autistas foram chegando em número e em quantidade que se tornou impossível ignorá-los dentro da nossa comunidade. A gente tem três grandes associações de autismo hoje que tem participação de autistas, então quero mencionar um pouco sobre elas, que é o MOAB – Movimento Orgulho Autista Brasil, a Abraça e a Reunida. E elas são diferentes em relação ao poder e a influência que autistas vão ter nesse espaço. Ao mesmo tempo que a gente tem as organizações, a gente tem algo que a gente chama de ativismo solo, que são muitos autistas e até familiares e profissionais que perceberam que você se juntar a uma organização traz algumas desvantagens e que é melhor você fazer o seu ativismo solo. Então a comunidade do autismo hoje é basicamente assim. E entre essas três organizações, a Reunida e a Abraça são as que têm mais autistas realmente atuando. Mas a Reunida é uma organização voltada para pais e a Abraça nasceu como uma associação de familiares e que hoje tem a maior parte da sua diretoria, da sua parte de membros, representada por autistas. E justamente por ser associação com maior participação de autistas, a Abraça teve um certo domínio do ativismo autista no Brasil como a grande organização que viria representar os interesses dos autistas. E isso trouxe várias críticas. Porque ao mesmo tempo que essa organização tem um papel que é muito relevante dentro da comunidade do autismo, muitas pessoas ficaram de alguma forma ou insatisfeitas sob a atuação da Abraça. E aí é exatamente sobre essas tensões que rondam associações como a Abraça, Reunida e etc, que eu diria que existe uma tendência de ter aí um surgimento de uma atuação anti-neurodiversidade no Brasil, que é de ser contra e alguns caso até ter atitudes extremadas em relação a ativistas autistas no Brasil.

Teve um caso no início do ano de 2021, de um cara que criou uma página no Facebook chamada Autismo da Depressão. Ele basicamente publicou textos ofensivos usando fotos de ativistas, alguns ligados a Abraça, outros ativistas solo e foi um caso bem feio, bem escabroso que mostra muito bem todas essas críticas que a gente tava falando aqui no início do episódio. Então, “ah, porque esses ativistas não estão nem aí pro autismo severo”. “Ah, esses aí são um grupinho”, não sei o que. Então, todas essas críticas são muito bem condensadas dentro dessa atuação que a gente chama de anti-neurodiversidade. E aí eu fico me perguntando: tá, organizações de autismo são formadas por pessoas. E essas organizações, muitas vezes, são formadas por membros que são ex-membros de outras associações. Então, falei aqui do MOAB, da Abraça e da Reunida e teve gente que já passou por duas dessas três associações ou passou pelas três. As pessoas vão mudando de associação com muita frequência da comunidade do autismo. E por serem associações formadas por muitas pessoas, e é claro, sempre tem uma pessoa ou outra dentro de uma associação de autismo que não é santa. Mas aí eu fico me perguntando: você vai julgar uma associação por causa de 3, 4 pessoas de uma associação? Então, eu vejo que esse caso do Autismo da Depressão, que foi um caso bem ruim, ele estigmatiza muito a atuação do ativismo autista no Brasil, ignora as contribuições e simplesmente usa isso pra ofender, pra atacar pessoas e eu acho que isso não é justificável. Ativistas podem falar bobagem, ativistas podem fazer qualquer coisa que a gente pode, pontualmente, criticar, mas usar a figura pública dessas pessoas para atacar, pra poder xingar, pra fazer ameaças, isso tá completamente fora de qualquer noção civilizada. Eu só queria reforçar uma coisa muito importante, aqui no Introvertendo, nós já trouxemos integrantes da Abraça em alguns episódios, nós já trouxemos gente da Reunida, eu tenho críticas pontuais a ambas as organizações, eu acho que elas têm seus méritos e também tem seus defeitos. Mas eu particularmente não me sentiria confortável a estigmatizar uma associação inteira por causa de algumas questões pontuais. Enfim, eu acho que a gente tem algumas lições, né, Carol, que a gente pode extrair dessas discussões sobre anti-neurodiversidade. Quais conclusões a gente pode ter?

Carol: É, eu acho que a gente pode tirar como conclusão disso tudo é que nenhuma ideia representativa da realidade, pelo menos não em sua totalidade. Ou seja, nunca vai existir uma associação completa que represente integralmente todos os desejos da comunidade do autismo e beneficie a todos, sabe? É muito difícil, muito utópico que chegue nesse ponto. Muitos dos conflitos que a gente tem, desses ataques, partem com base numa ideia de que a gente vai chegar num momento ideal em que todo mundo se entende, que todo mundo deseja a mesma coisa e que não existem divergências de opiniões e de propostas e de aspirações do que que seria o melhor pra nossa qualidade de vida, Quanto a neurodiversidade, os próprios autores que dissertam sobre isso, afirmam que a neurodiversidade não apaga a deficiência, como muitos podem pensar, e como é muito difundido pelas redes sociais atualmente. O que ela busca é reconhecer a deficiência como natural, ou seja, que ocorre em todas as comunidades biológicas. Ou seja, a neurodiversidade é tão natural quanto a biodiversidade. Ela busca reconhecer a deficiência como natural em um mundo que se fundou sobre bases muito capacitistas, ou seja, que enxergam a deficiência como algo antinatural e que ser corrigido, deve ser combatido. É por isso que a ideia de neurodiversidade soa tão escandalosa, porque se a gente tem uma sociedade em que pessoas com deficiência são tão indesejáveis, quando a gente escolhe afirmar que uma deficiência é uma coisa natural, as pessoas não vão reagir bem a isso. E essa mesma sociedade capacitista cria um distanciamento entre o que é funcional, entre os indivíduos que são funcionais e pra ser mais exata, produtivos, e aqueles que não são produtivos, que não tem uma vida “funcional”. Isso compromete muito a ampliação de uma rede de apoio que é necessária para que a gente alivie um pouco a exaustão que muitos familiares e muitos cuidadores de pessoas autistas de fato sentem quando as suas necessidades não são atendidas.

Tiago: Concordo em absoluto, Carol, e isso aqui é uma introdução. Há uma discussão muito mais séria sobre neurodiversidade, de pensar como isso se liga com o ativismo do autismo. Enfim, a gente pode fazer vários episódios pensando nesse papo mais cabeça, mas eu queria realmente concluir esse episódio pensando na seguinte percepção. A gente pode fazer críticas ao ativismo autista, a gente pode fazer críticas a forma como o movimento da neurodiversidade se encaminha, mas o que realmente me incomoda sobre a anti-neurodiversidade é que a anti-neurodiversidade não propõe nada, ela apenas nega, só nega. Ou seja, constrói porra nenhuma. E isso me incomoda de verdade, porque se você vê pessoas que estão dia a dia em prol de uma causa, pensando em um mundo melhor em relação ao autismo, mesmo que você discorde delas, da forma como elas fazem, elas estão fazendo alguma coisa. E se a sua única função é parar e ficar criticando e ofendendo ativistas, eu acho que isso te tira toda e qualquer razão que você pode ter em algumas críticas. Ainda mais casos como esse da Autismo da Depressão. Então, o que me incomoda na anti-neurodiversidade é isso, ela não constrói nada, não contribui em nada, simplesmente é uma forma de reclamar e de ofender as pessoas. A gente pode extrair uma discussão positiva sobre esse assunto, como foi o caso desse episódio, mas também existem episódios lamentáveis e que mostram que a comunidade precisa amadurecer em algumas questões. Vamos iniciar esse debate porque eu acho que é um tema que vai ser muito relevante nessa década. Se você pretende contribuir com o ativismo do autismo do Brasil, se você concorda ou discorda com ativistas brasileiros ou do exterior sobre alguns temas relativos à neurodiversidade, bora construir alguma coisa. Ficar só na parte de crítica e de reclamação não vai trazer resultados efetivos para ninguém. Um abraço pra você e até breve.

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Equipe Introvertendo Escrito por: