O diagnóstico de autismo pode mudar a vida de alguém, como também pode não mudar. Neste episódio, Carol Cardoso e Thaís Mösken conversam com Polyana Sá sobre os impactos do diagnóstico de autismo, especialmente nos casos tardios e no autismo no contexto da vida adulta: autoconhecimento, acesso a direitos, interações sociais e autoestima. Arte: Vin Lima.
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Transcrição do episódio
Thaís: Um olá pra você que é ouvinte do Introvertendo, este podcast feito por autistas para toda a comunidade. E nesse mês de março a gente tá fazendo alguns episódios especiais pro mês da mulher. Meu nome é Thaís Mösken, eu sou autista, tenho 29 anos e fui diagnosticada em 2018 e hoje eu vou ser host desse episódio.
Carol: Eu sou a Carol Cardoso, tenho 23 anos, moro em Macapá e fui diagnosticada com autismo em 2018 também.
Polyana: Olá ouvintes da podosfera, meu nome é Polyana Sá, tenho 19 anos, sou autista, estudante de engenharia de bioprocessos e biotecnologia e dona da página do Instagram chamada Hey, Autista.
Thaís: E a Polyana também participou do nosso episódio 144 de Representação e Representatividade Autista, que eu recomendo bastante pra todo mundo que tem interesse no tema. Eu gostei bastante desse episódio e eu acho que é um assunto bem importante, bem complexo. Então fica aí a recomendação pra vocês. A Carol também participou. O Introvertendo é um podcast feito por autistas com a produção da Superplayer & Co e hoje a gente vai falar sobre como a nossa vida muda ou não depois do diagnóstico de autismo.
Bloco geral de discussão
Thaís: A gente sabe de vários episódios que já gravamos com vários outros integrantes e convidados que o processo diagnóstico pode ser bem diferente pra cada pessoa, às vezes ele demora mais, às vezes fecha em uma sessão e isso pode influenciar depois em como a pessoa entende também o autismo e como ela se entende dentro desse diagnóstico, às vezes as pessoas são diagnosticadas tardiamente, ou então, como crianças. E eu queria saber, Polyana, como foi o seu processo de diagnóstico, você pode contar um pouquinho pra gente?
Polyana: Então, meu processo de diagnóstico foi uma história meio engraçada porque diferente de grande parte das pessoas que são diagnosticadas ali dentro do Transtorno do Espectro Autista, eu recebi o meu diagnóstico não procurando pelo meu diagnóstico. Então, aconteceu aqui por volta dos meus 12, 13 anos de idade, eu desenvolvi um quadro de depressão severa devido ao masking que eu fazia a todo momento, na época eu não sabia que era por conta do masking. Mas eu senti essa pressão absurda em ser igual as outras meninas, eu desenvolvi quadro depressivo grave e em função disso eu fui levada a procurar o auxílio psicológico, em seguida, auxílio psiquiátrico e aí ao decorrer dos anos eu fui fazendo um acompanhamento com o meu psiquiatra. Ele foi fazendo a minha análise, conversas comigo, conversas com a minha mãe e um dia ele conseguiu chegar pra gente com diagnóstico fechado, além dos transtornos, os quais já estava sendo diagnosticada, que era depressão e ansiedade. Então, ele veio e falou pra, pra minha mãe: “Então, a Polyana, ela é autista, eu fiz várias análises, a gente conversou bastante, a gente ouviu a história da infância dela, a gente ouviu os próprios relatos dela, o pessoal do colégio e tudo mais”, e explicou pra gente como funcionava esse mundo, que a gente não precisava se preocupar com todo aquele estereótipo que é criado acerca do diagnóstico de uma pessoa autista. E desde então, eu tô aí nesse processo de autoaceitação, de autoconhecimento e, mais recentemente, no ano de 2019, comecei a entrar no ativismo e em 2020 fui com tudo mesmo.
Carol: Quantos anos tu tinha quando fechou o diagnóstico?
Polyana: Eu tinha 16 anos, estava no final do segundo ano do ensino médio.
Thaís: Bom, sobre isso também que a Polyana falou, da questão do masking, é aquela história de, às vezes, a gente tentar se parecer neurotípico pra conseguir conviver bem e a gente tem o nosso episódio 28, O Poder do Rótulo, que vocês podem ouvir lá e saber as nossas opiniões daquela época, mas talvez algumas delas tenham mudado. Então, inclusive, eu acho legal que vocês podem falar um pouquinho mais, tanto você, Polyana e Carol, se quiserem complementar sobre como vocês percebem essa questão do masking e, especialmente, se antes do diagnóstico, isso era mais difícil, mais difícil de ser percebido por vocês?
Carol: Eu acho que, na verdade, a complicação maior era que eu não tinha muita noção dos meus limites. Então, às vezes eu fazia uma coisa porque eu achava que era isso que as pessoas esperavam ou porque eu já tinha sido muito reprimida por não ser de tal jeito ou por, sei lá, por não corresponder às regras sociais. Então, às vezes, eu fazia coisas e não percebia o quanto isso me fazia mal, quanto que tentar me podar todo, a todo momento causava um estresse tão grande assim. Então, eu não sei explicar, eu acho que em termos de personalidade não mudou muito desde o meu diagnóstico, mas mudou a forma como eu me enxergo. Então, coisas que eu achava que eram defeitos são só parte do meu funcionamento. Por exemplo, uma coisa que acontecia muito era ficar muito cansada socialmente de, tipo, se eu tivesse que interagir com pessoas e eu ficava exausta, eu achava que isso era um defeito meu de não conseguir interagir com as pessoas do mesmo jeito, sabe? Eu pensava que isso era porque eu não gostava das pessoas, sabe? E eu ficava me sentindo muito culpada depois. Então, agora eu entendo que para que a minha relação seja saudável com as pessoas, eu preciso dizer: “olha, tô exausta, não consigo mais hoje, vou embora”, sabe? Eu digo que eu tô cansada, só.
Thaís: É, uma coisa bem importante que eu aprendi é a gente começar a entender o como a gente funciona e se autopreservar. E pra você, Polyana, foi parecido também?
Polyana: Pra mim, eu acho que isso é um pouquinho diferente de ti, era pra Carol, um pouquinho diferente, um pouquinho semelhante, eu não sei dizer. Antes, eu enxergava as coisas que eu precisava fazer como uma grande peça de teatro. Eu sempre fui hiperfocada em teatro. Então imaginava que eu precisava construir um determinado personagem pra me encaixar. Então, eu estudava o comportamento das minhas colegas, dos meus pares, eu estava treinando na frente do espelho, literalmente. E eu tinha isso como uma meta pra eu cumprir todos dias. Pra mim, eu precisava estar ali exercendo esse papel, cumprindo aquilo que esperavam de mim, pra que eu fosse aceita, pra que eu fosse uma menina normal. Então, no final das contas, era tudo que eu queria ser. Eu sempre escutava que eu era muito diferente, que eu era muito peculiar em alguns sentidos, isso me incomodava demais. Então, eu me obrigava a ter esse tipo de comportamento para que eu fosse aceita nas rodas sociais, nesse círculo de amigos. E, depois do meu diagnóstico, foi uma coisa tão tão chocante pra mim quando eu descobri essa questão do masking, que eu prometi pra mim mesma que jamais faria esse tipo de coisa, sabe? Que eu nunca mais imitaria as outras pessoas, que eu nunca mais me forçaria a estar presente em determinadas situações só pra agradar os outros. Então, desde aquele dia lá atrás, quando eu tinha 16 anos, que eu fiz essa promessa, eu venho tentando não exercer o máximo. É claro que tem horas que a gente falha, que acontece involuntariamente e eu me percebo imitando as pessoas ou indo além do meu limite pra que eu seja aceita, mas hoje em dia eu me sinto muito mais livre e muito mais confortável pra ser quem eu sou em manter esse peso do julgamento social.
Thaís: Eu acho que além de tudo é uma questão também de autoconhecimento. Quando você percebe que aquilo tá acontecendo, porque muitas vezes a gente faz algumas coisas sem perceber, como por exemplo, essa questão de às vezes a gente não sabe o que tá fazendo e nunca nem ouviu o conceito de masking, que isso existe. Mas além dessa questão, você pode contar um pouco de como era a sua vida antes do diagnóstico?
Polyana: Eu sempre fui uma menina muito extrovertida. Ao contrário de muitos colegas meus autistas, sempre fui uma menina muito extrovertida. Eu gostava muito dessa coisa da comunicação, eu tenho hiperfoco em oratória, então eu gostava de pegar as palavras e me articular com essas palavras. E junto com isso, eu também gostava muito de teatro. Então, pra mim, era uma coisa muito natural, era quase como ter que piscar os olhos, sabe? Como mexer as pernas para andar. E apesar de ser algo muito lesivo pro meu psicológico, eu me esforcei a aprender desde muito cedo que eu precisava agir dessa maneira. Hoje em dia, mais velha, eu consigo enxergar, assim, várias situações em que eu fui abusiva demais comigo mesmo mas que eu não tinha essa noção, eu não tinha esse crivo pra saber que eu tava me lesionando, que eu tava me traumatizando e que mais pra frente todos esses meus comportamentos, todas essas atitudes de mascarar quem era, viriam a culminar numa depressão que me acompanha até hoje quase 20 anos de idade.
Carol: Eu acho que demorou um certo tempo para perceber quanto que eu era diferente, porque era sempre uma impressão bem que ficava ali, que me sinalizava de vez em quando, mas eu sempre ficava, tipo, meio que ignorava esse fato. Só que quando fui crescendo mais, quando eu fui fazendo 8 anos para 9, isso foi ficando um pouco mais evidente e eu não conseguia entender, não conseguia entender porque que eu não conseguia interagir com as pessoas do mesmo jeito que elas interagiam entre si. A outra pergunta que ficava mais na minha cabeça era que parecia que existia um, acho engraçado usar essa palavra, mas é como se existisse um espectro de comunicação que as pessoas entendiam e que não era verbalizado, que elas se compreendiam e que eu não conseguia acessar, era como uma nuvem, assim, em que as pessoas estavam juntas e eu olhava e eu não entendia. Aí, tipo, isso acontece até hoje comigo, né. Eu comecei a fazer acompanhamento psicológico com 9 anos e fiquei sabendo do termo autismo por meio de um anúncio no YouTube da Turma da Mônica, daquele personagem André. E eu fiquei muito curiosa do que que era porque eu já gostava muito da Turma da Mônica, então fui atrás e quando eu li aquelas coisas, eu acho que muita gente já se identificou com isso. De ler sobre autismo e ficar: “meu Deus!”, tomar um susto, porque parece falando da gente, sabe? Falei sobre isso com a minha psicóloga, uma outra psicóloga, essa que eu fiquei cinco anos e ela disse que isso era diagnosticado na infância e que se eu cheguei até aqui isso era porque não fazia sentido. E aí eu disse pra ela que eu tinha visto na internet uma pessoa que foi diagnosticada com 14 anos e eu tinha 14 anos, e aí eu fiquei achando que era possível. Mas enfim, só sei que o tempo foi passando e ela foi dizendo pra mim que que não fazia sentido, eu acho que a coisa mais difícil pra mim nessa época era fazer amigos. Então, a minha terapia foi direcionada pra isso. Mas o autismo não envolve apenas a dificuldade de fazer amigos. Então, muitas dificuldades da comunicação, que hoje eu tenho mais clareza, ficaram ocultas, sem trabalho. Coisas que as pessoas costumam fazer como ligar pra pedir pizza, eu não conseguia fazer. Eu precisava escrever tudo que eu tinha que falar pra conseguir pedir uma pizza. E se o atendente dissesse uma coisa que estava fora do meu script, eu desligava e tentava de novo. Então, eu já tive muito problema de não conseguir nem pedir pizza porque a pessoa achava que eu tava passando o trote, sabe? E coisas como problema de trabalho em grupo, de não entender as pessoas, porque as pessoas falam muito rápido. Enfim, eu não sei se eu consigo explicar muito bem.
Polyana: Mas só complementando o que a Carol tava falando, eu acho que é muito interessante a gente deixar aqui também é correlacionado ao fato de que muitas mulheres autistas, uma das características que a gente coloca ali pra fazer um diagnóstico diferenciado dos homens, é a questão da ansiedade. Então, você tem essa presença da ansiedade social nesses múltiplos contextos e que dependendo do autista pode se manifestar de forma diferentes. No caso da Carol, ela relatou que não conseguia fazer determinadas atividades, não conseguia ligar pra pedir pizza, inclusive meu compadeço dessa fala, eu também me senti assim. E no meu caso, essa ansiedade social, ela se manifestava no sentido de eu tentar me integrar cada vez mais em alguma coisa que eu não conseguia me integrar. Então, é importante que a gente tenha essa visão das diferentes formas que isso pode se manifestar e que não necessariamente o fato de você ser autista significa que você vai ser uma pessoa que não fala, que não tem esse ímpeto de estar participando das conversas e tendo esses vínculos nos seus círculos sociais. É, muito pelo contrário, no meu caso, a minha maneira de me forçar a me parecer uma neurotípica e que no final era uma autoagressão.
Thaís: Se você for pensar como o autismo tem um espectro muito amplo, existem pessoas autistas completamente diferentes umas das outras e que vão ter dificuldades em em aspectos diferentes. Eu acho que também é bem importante que cada pessoa consiga reconhecer quais são aí as suas dificuldades e suas forças, digamos assim, porque aí a gente aprende a trabalhar cada uma delas dentro do possível, nem sempre a gente consegue resolver tudo, mas a gente pelo com esse autoconhecimento consegue, acho que viver um pouco melhor. E então, eu queria saber, gente, como que a questão de vocês terem, de fato, o diagnóstico fechado, mudou pra vocês a forma como vocês encaram tudo isso.
Carol: Quando eu recebi o diagnóstico fechado, eu tinha 21 anos e foi quando eu estava passando por mais um episódio de depressão. Então, tipo, eu tive indo e voltando episódios de que eu alternava entre depressão mais leve, digamos assim e a depressão mais severa. Então, alguns momentos eu conseguia fazer e outros não. E eu tive esse diagnóstico em 2018 e foi muito importante porque eu consegui entender a raiz dessa depressão, sabe? O que tava causando toda aquela angústia. Então, eu acho que é tão recorrente isso, que parece até um clichê, sabe? “Ah, mulheres autistas que têm depressão e descobrem o autismo por causa da depressão”, mas a questão é que isso é tão real, sabe? É tão, tão sensível que todo o nosso trajeto até aqui poderia ter sido diferente, sabe? E é muito difícil superar esse tipo de coisa. Por um lado é muito bom que agora eu consigo entender que certas coisas ganharam um nome, sabe? Quando eu fico sem conseguir falar, tipo, quando eu tô com muita, muita sobrecarga sensorial e eu não consigo falar. Isso eu consigo dizer agora que é uma sobrecarga de carga sensorial e que eu vou melhorar quando eu me isolar e ficar sem falar com as pessoas, sabe? E eu posso dizer pras pessoas que eu preciso me recarregar, não é nada pessoal, eu só preciso ficar um pouco sozinha e é muito mais fácil do que as pessoas simplesmente não entenderem nada do porquê que tá agindo desse jeito, sabe? Algumas pessoas acham que por autismo ser “leve”, não vale a pena procurar um diagnóstico. Porque é tão leve que passa despercebido, ou que não vai fazer tanta diferença, mas eu já escutei muito os pais questionarem isso de que os sintomas são tão leves, que a criança consegue ir bem na escola ou consegue ter amigos, mas a gente não tem como prever como que isso pode impactar a forma como esse indivíduo se enxerga e como que é isso dentro da cabeça dele, sabe?
Thaís: Eu acho que muitas vezes a gente não demonstra com clareza a exaustão que a gente está sentindo. Então, a gente consegue fazer muita coisa, mas acaba ficando realmente muito cansado, colocando muita energia pra fazer aquela coisa e outras pessoas nem sempre percebem, porque pra elas pode ser algo bem natural. Então, já aconteceu muito de eu ouvir pessoas falando: “não, mas você consegue fazer tal coisa”. E, sim, eu consigo, só que acaba com o meu dia, com a minha semana, porque eu usei toda a energia que eu tinha pra isso. E pra você Polyana?
Polyana: Pra mim receber o laudo como autista foi uma experiência muito libertadora, porque toda a minha vida eu sempre me senti como uma pessoa diferente, sabe? A sensação que eu tinha é que eu era de outro planeta e que não conseguiam me entender direito, elas não conseguiam conversar comigo e eu não conseguia conversar com elas. E eu sempre me sentia muito sozinha nesse sentido. Então, quando eu recebi o meu diagnóstico, foi um dos dias, assim, mais bonitos da minha vida, porque existiam outras pessoas como eu, e que aquilo que eu sentia, as coisas pelas quais eu passava, tinha um nome e que eu não estava sozinha. Então, ter essa experiência de conhecer a comunidade autista e de conhecer outros autistas, de ouvir histórias parecidas com a minha, foi algo muito enriquecedor. E foi a partir daquele momento que eu comecei a praticar muito mais o meu autoconhecimento e conhecer quais eram os meus limites, até onde eu conseguia ir, as coisas que eu conseguia fazer e passar a me respeitar também. Isso me acrescentou enquanto pessoa, enquanto indivíduo, enquanto ser social e ainda hoje me acrescenta. Então, eu digo que desde o dia que eu recebi o meu diagnóstico, eu venho nessa crescente, aprendendo mais e absorvendo cada vez mais conhecimento. E esperando que, de certa forma, esse movimento que eu tive de entrar nas redes sociais pra fazer conteúdo sobre autismo, posso ajudar outras meninas que assim como eu, na época que eu recebi o diagnóstico, precisavam de uma luz e de uma orientação, de uma pessoa pra estar ali e falar: “você não tá só e tá tudo bem ser quem você é não existe nada de errado com isso”. É basicamente essa minha relação com o meu diagnóstico. E quando eu recebi o meu laudo, é claro, que eu tive aquele momento de ficar catatônica, de não ter nenhuma reação, a não ser tentar absorver aquilo acontecendo, mas internamente eu já estava iniciando esse processo e desde então tem sido uma caminhada muito satisfatória e muito bonita. Apesar, é claro, de ter as questões que nem sempre a gente consegue resolver, alguns embates que nem sempre a gente consegue chegar num consenso, mas a gente vai seguindo e vai tentando receber ajuda e se ajudar também em todo esse caminho.
Thaís: Isso que você falou também de poder ajudar outras pessoas a perceberem que elas são diferentes e não tem problema elas serem diferentes, acho legal citar aqui também um outro episódio que a gente tem de mulheres autistas, nosso episódio 39. E a gente fala bastante de como existem algumas diferenças que as mulheres autistas demonstram, até onde a gente entende. Não é nada biológico, gente, é uma coisa muito mais cultural e social, mas eu acho importante a gente saber que, às vezes, uma mulher autista adulta é bem mais difícil de ser diagnosticada e não é porque ela não foi diagnosticada quando era criança que ela não é autista, como dizem alguns psicólogos não muito capacitados nesse assunto. Bom, então, pra encerrar aqui, eu queria saber, com uma pergunta bem direta, apesar de a gente já ter falado bastante sobre isso, pra vocês, o diagnóstico é importante? A gente buscar esse diagnóstico muda as coisas pra gente? E vocês acham que existe um valor nisso?
Carol: Eu acho que é muito importante. Eu já escutei autistas falarem que não mudou nada na vida deles, é comum, eu acho que é uma experiência pessoal, mas eu vejo que a gente tem tantos benefícios que podem melhorar nossa vida, tanto da gente se entender e, enfim, eu acho que a minha vida só melhorou depois que eu fui diagnosticada, sabe? Eu acho que eu me identifico muito com o que a Polyana disse que eu tô numa crescente, eu vejo que eu tinha tanto potencial antes que eu não conseguia explorar porque eu tava meio que soterrada pelas dificuldades não identificadas do autismo que impedia de ser quem eu poderia ser. Eu vejo que além dessas questões mais subjetivas, eu vejo que tem muita importância a gente conseguir ter direitos garantidos. Por exemplo, agora eu posso comunicar pros meus possíveis empregadores que eu sou uma pessoa com deficiência e que eu tenho certas dificuldades. Então, se eu fosse procurar emprego antes, como já aconteceu, eu tive dificuldades muito claras do autismo em que eu não poderia chamar de autismo antes de eu ser diagnosticada e que ficaria muito difíceis de lidar. E sem falar em algumas coisas que, tipo, a carteirinha que a gente tem, que dá prioridade a certas coisas, a certos atendimentos que pra muitos autistas isso faz muita diferença no nosso dia a dia, porque diminui um pouco da exaustão mental que a gente já tem naturalmente. Então eu acho que mesmo a pessoa que já tendo vivido boa parte da vida dela e diz que já é velha e eu acho que vale a pena. Não é porque a gente já viveu tudo isso que a gente não vai viver mais. A não ser que a gente fosse morrer no dia seguinte, mas por que que a gente vai pensar só no que a gente já viveu e não pensar no que a gente ainda pode viver? E como que sua vida daqui pra frente pode ser melhor, sabe?
Polyana: A importância do diagnóstico eu diria que é fundamental. É claro que no Brasil a gente tá falando de uma estrutura em que você conseguiu laudo médico, muitas vezes é algo de total privilégio muitas vezes, se assemelha ali a uma condição elitista e muitas pessoas não têm essa oportunidade de terem acesso devido a sua condição de renda, devido aos atravessamentos que sofrem pela sociedade e em função dos setores que eles vivem, dos grupos dos quais fazem parte, ali que a gente entra na questão do autodiagnóstico, que também é muito importante no processo de você receber o próprio diagnóstico, mas o fato é que o diagnóstico é sim importante, é um direito das pessoas autistas terem acesso a esse laudo médico, esse documento que comprove a condição e não somente isso, sabe? Mas eu acho que a partir do momento que você se conhece e que você sabe quem você é, a sua vida se torna muito mais fácil, os seus enfrentamentos se tornam muito menores, você consegue ter uma maleabilidade muito maior para lidar com o seu dia a dia e eu acho que qualidade de vida é algo que todos nós procuramos. Então, independente da tua idade, se você é criança, se você é adolescente, se você é adulto, se você é idoso, vá atrás do seu diagnóstico, busque se conhecer e preze pela sua qualidade de vida, pela sua preservação, porque afinal de tudo é isso que todos nós buscamos. E dentro da comunidade autista, por mais que isso não seja falado muito abertamente ou diretamente, pelo menos, esse é o nosso principal objetivo.
Thaís: É, eu acho importante também ressaltar que procurar ajuda não é sinal de fraqueza, assim como fazer as coisas pelo jeito mais difícil não significa que a coisa tá sendo feita melhor. Então, a gente tentar se preservar e fazer o melhor com que a gente pode e tendo uma saúde mental sempre como a prioridade nossa pra mim uma coisa que é bem importante e que foi bem difícil de eu entender, porque muitas vezes existem muitos preconceitos em relação a saúde mental e que são prejudiciais a muitas pessoas, não só a nós mesmos, não só a comunidade autista, mas as pessoas de uma forma geral. Parece que precisam sempre parecer fortes e com o tempo se a gente parar pra pensar sobre isso não é algo que faz sentido e não é algo que ajuda ninguém, não agrega valor. Então obrigada gente, eu acho que quem tiver ouvindo, se quiser compartilhar com a gente suas experiências aí, responder as perguntas que a gente fez aqui no programa também, fique à vontade para nos mandar email. A gente gosta bastante de receber os emails, inclusive. E, por hoje, é isso.