As mudanças climáticas são pauta de debates entre especialistas há muitos anos, e cada vez mais catástrofes relacionadas fazem parte do dia a dia da população. Como autistas são pessoas com deficiência e, num contexto de deficiência, estão em desvantagens significativas diante dessas situações, Tiago Abreu, Willian Chimura e Carol Cardoso discutem os impactos disso para autistas, as relações econômicas e sociais e uma reflexão de tudo isso com o apagão no estado do Amapá. Arte: Vin Lima.
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Notícias, artigos e materiais citados e relacionados a este episódio:
- Initial Evidence for Increased Weather Salience in Autism Spectrum Conditions
- Diálogos sobre o fim do mundo
- Pesquisadores estimam perda de 20% da biodiversidade do Pantanal devido às queimadas em MT
- Pantanal sofre a maior devastação de sua história enquanto voluntários lutam para salvar os animais
- Amapá volta a ter 100% de energia após 22 dias de apagão
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Transcrição do episódio
Tiago: Um olá pra você que ouve o podcast Introvertendo, que é o principal podcast sobre autismo do Brasil. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, host deste podcast, diagnosticado com autismo em 2015, sofro frequentemente com queimadas e neste episódio provavelmente a gente vai falar bastante sobre sobrevivência.
Carol: Olá, eu sou a Carol Cardoso, eu sou autista e eu sou uma amapaense tentando sobreviver ao caos energético que a gente tá vivendo agora.
Willian: Olá, eu sou o Willian Chimura, faço mestrado em Informática na Educação, sou autista e mudanças climáticas é um assunto muito importante de se falar, independentemente se você é autista ou não autista. E é claro, sempre há algumas peculiaridades sobre percepções de mundo, de como a sociedade funciona, questões importantes a nível mundial e, é claro, um assunto como esse não deixa também de ser possivelmente explorado pelo podcast Introvertendo sob uma perspectiva de autistas.
Tiago: Com certeza. Então neste episódio nós vamos falar um pouco sobre esse cenário das mudanças climáticas, o que tem ocorrido nos últimos tempos, o que a gente pode pensar a nível macro e também a nível micro, qual é a relação disso com o autismo e o que autistas podem fazer diante disso. O Introvertendo é um podcast sobre autismo feito por autistas, cuja produção é da Superplayer & Co.
Bloco geral de discussão
Carol: Antes de nós sermos autistas, nós somos cidadãos, nós somos pessoas e faz parte da cidadania buscar construir uma relação mais sustentável com a natureza. No contexto das mudanças climáticas, em que eventos naturais catastróficos tendem a se acentuar em um contexto de desequilíbrio com os ciclos naturais, o clima de incerteza e mudanças bruscas tem um impacto imensurável na vida da população em geral e pra quem é autista que já tem dificuldade de se adaptar às mudanças, esse tipo de mudança em situação caótica pode trazer prejuízos irreparáveis ou muito difíceis de superar de uma forma que desestrutura completamente a vida e a mente das pessoas que são autistas e vivenciam uma situação de como tá acontecendo agora no meu estado.
Willian: É, pensando aqui sobre relações com o autismo e mudanças climáticas, eu consigo pensar em algumas, na verdade. A princípio, é claro que há uma relação do clima com a temperatura do ambiente, temperatura ambiente tem relação com exemplo, suar ou não suar, usar roupas mais pesadas, agasalhos, outros tecidos mais pesados ou não. Inclusive eu posso citar um estudo aqui bem recente desse ano ainda, que investiga o que eles chamam de Weather Salience, que é basicamente o quão sensível a pessoa é psicologicamente, digamos assim, ao clima que ela está percebendo no momento. Então, eles relacionam, por exemplo, o fato do autista, muitas vezes, seguir regras para se basear no que é adequado ou inadequado ao seu comportamento. Então, por exemplo muitas vezes é até usado como evidência para um diagnóstico de autismo o fato da pessoa não conseguir se agasalhar bem adequadamente para ir a determinado local de acordo com o clima. Então, aquela pessoa, por exemplo, que está sempre usando um agasalho, sempre usando roupas de manga comprida, mesmo que esteja muito quente, ou a pessoa que esteja ali se vestindo de uma forma mais como se estivesse indo pra praia num dia frio, isso pode ser um sinal de autismo. Então, em casos assim, há uma série de intervenções, que muitas vezes é feita para, justamente, o autista aprender o motivo, a razão do porquê aquelas roupas que são mais pesadas e outras mais leves. E ao longo de intervenções assim, é possível que um autista, principalmente pensando nos casos mais moderados, por exemplo, que ele estabeleça uma regra no sentido de que se está fazendo sol, logo é o dia de usar bermuda. E perceba que essa regra não necessariamente está relacionada com o clima, mas ao mesmo tempo ela está relacionada com o fato de estar ou não estar sol no dia. Então, pensando nesse exemplo hipotético, por exemplo, esse autista poderia escolher uma roupa não muito adequada apenas pelo fato dele ver ou não ver o sol no céu. E ao mesmo tempo, ele pode assistir um filme ou uma obra, que de alguma maneira, para ser representado de uma forma artística, um sentimento como tristeza, ou algo do tipo, um diretor, um artista pode muito bem usar de recursos visuais como, por exemplo, a chuva, que está muito associada a tristeza, muitas vezes. Então, é possível que a gente acabe criando algumas regras nesse sentido de que, por exemplo, dias chuvosos sem sol são relacionados necessariamente a dias tristes que as pessoas não não querem sorrir, não querem ser divertidas, estão mais pra baixo, digamos assim. Então, existe esse estudo que investiga se realmente faz sentido a gente pensar que os autistas são mais sensíveis a essas regra. E, de fato, eles sistematizam a tal ponto e a gente encontra algumas evidências bem preliminares, por enquanto, mas que sugerem que sim, que possivelmente esse é o caso dos autistas. Então, eu acho que isso traz um pouquinho da dimensão que é a importância da questão do clima quando se trata sobre autismo. É claro que aqui eu não estou falando, necessariamente, de uma discussão mais social, no sentido dos efeitos, dos fenômenos a longo prazo, que tem relação com a mudança climática mais permanente num nível global, mas que também pode ter relação com isso. Então, por exemplo, no ensino médio, eu lembro do meu professor de física falando sobre o CFC e um autista que pode ficar hiperfocado em contribuir para mudanças climáticas e sabendo que o CFC é nocivo pra nesse sentido do efeito estufa, do aquecimento global e etc, poderia ficar super preocupado, estabelecer uma regra no sentido de que “eu não usarei nenhum produto, não contribuirei de nenhuma forma para que a sociedade continue usando o CFC”, por exemplo.
Tiago: E já que estamos falando de autistas hiperfocados, a gente não pode esquecer da Greta Thunberg, que ganhou destaque internacional principalmente por causa desse hiperfoco com a questão das mudanças climáticas e alertando, com um certo desespero (que não é necessariamente um desespero gratuito), de que nós estamos perdendo tempo. E nós realmente estamos perdendo tempo, porque algumas das discussões já começaram há muito tempo, nós não estamos produzindo muito em escala global reações para mudar esse cenário que está sendo construído. Na verdade, se os governos dos países principalmente daqueles mais ricos, aqueles que a gente costuma chamar de desenvolvidos, mas que talvez poderiam ser chamados de superdesenvolvidos, parassem completamente as suas emissões e começassem a retroceder a sua industrialização, mesmo assim a gente viveria consequências. Então, a gente tá num processo praticamente irreversível, em que a gente tem que escolher se a gente sofre consequências menores ou se a gente colhe consequências extremamente duras que podem, inclusive, ameaçar a nossa existência. Neste ano de 2020, nós vivemos com várias situações bastante preocupantes. Pra começar, a pandemia, mas também num cenário brasileiro, nós tivemos queimadas acima do normal. Nós perdemos aí cerca de 20% do Pantanal em apenas um ano. E é claro, o desmatamento já vinha num ritmo crescente, principalmente desde a década de 2000, a gente teve algumas legislações que afrouxaram algumas coisas, como por exemplo, o novo Código Florestal, nós tivemos construções de usinas hidrelétricas em locais que não deveriam existir, como, por exemplo, o caso de Belo Monte, ou seja, a questão ambiental nunca foi uma pauta primária de nenhum governo brasileiro, pelo menos nos últimos 25 anos. Mas, mesmo assim, infelizmente, a gente depende de um cenário de cooperação global que, provavelmente, não vai se desenhar. E isso é bastante preocupante só pro nosso futuro enquanto humanidade, mas considerando que nós, autistas, temos uma dificuldade com mudanças e nós sendo pessoas com deficiência, muitas vezes, em condições desfavoráveis, fica muito difícil pensar em qualidade de vida em termos de autismo se a nossa vida está ameaçada de uma forma geral. Sobre esse assunto, não vou me aprofundar tanto, porque existe um texto muito bom sobre isso, que, inclusive, foi recomendado por um dos nossos ouvintes, tá lá no nosso site, que se chama Diálogos sobre o fim do mundo, que saiu no El País em 2014, no contexto das eleições daquela época, mas que já falava de algumas coisas muito interessantes este ano: falava de pandemia, falava de catástrofe climática, falava sobre o papel dos governos diante disso e o nosso papel enquanto sociedade e a nossa relação também com as riquezas naturais, como, por exemplo, a Amazônia. Então, seria chover no molhado eu aqui discutir coisas que esse texto fala com profundidade.
Carol: Falando sobre a crise ambiental de uma maneira geral, no meu campo de atuação, que é arquitetura e urbanismo, desde o início do curso o que me motivou a entrar nessa profissão foi uma necessidade de averiguar a origem do que nós chamamos de crise urbana e ambiental. Nos deparamos com um contexto em que se não houver uma profunda mudança na forma como nós estruturamos a nossa vida social, as nossas cidades, a nossa produção, esse tipo de cenário catastrófico que é previsto pelos especialistas, tendem a se acentuar e a se concretizar de uma forma talvez irremediável para nossa espécie. Em meio a isso, considerando que a busca por mudança não só é necessária como é urgente, eu vejo que o que nós chamamos de crise ambiental não se relaciona a toda forma de ser humano que existe na face da Terra. Porque os relatórios oficiais sobre mudanças climáticas apontam que as atividades que mais exercem uma pressão negativa sobre a Terra e seus ciclos naturais estão relacionados aos combustíveis fósseis e a agropecuária, duas atividades que não estão presentes em todas as civilizações e em todos os países e em toda toda forma de produzir uma vida social que existe na Terra. Então seria muito injusto considerar que o ser humano como um todo seja responsável por tudo. É claro que todo mundo tem a sua parcela de responsabilidade, mas eu vejo que o que nós chamamos de desequilíbrio ambiental nunca pode ser dissociado do que a gente entende como vida social, como a forma como nós nos relacionamos com a natureza. Essa generalização do ser humano como um todo acaba negligenciando um olhar sobre populações que têm uma relação com a natureza totalmente diferente, como é o caso dos povos nativos do Brasil, os povos indígenas e que a sua relação com a natureza não tem esse caráter predatório e sim de uma compreensão de que todos nós somos parte da natureza.
Tiago: Mas eu quero aproveitar esse momento, Carol, pra que você conte pra gente, principalmente pra audiência que ouve o Introvertendo, porque eu imagino que muitos de nós sequer conhecem o Amapá e as notícias sobre esse apagão que ocorreu desde o início do mês mal chegaram e eu percebi uma certa negligência não só da imprensa, mas também da comoção da população em relação a isso que aconteceu. Então, você pode contar um pouco pra gente sobre isso?
Carol: Pra quem não sabe, no dia 3 de novembro de 2020, uma tempestade de raios provocou um incêndio que danificou o transformador de energia que abastecia 85% da população do estado, que equivale a cerca de 750 mil pessoas. Na minha percepção, isso evidencia quão vulneráveis nós somos em relação aos serviços básicos, como energia e água. E eu não consigo deixar de pensar que a relação de distanciamento que nós temos do nosso sistema social com a natureza cria situações como essa, porque eu vejo que o que aconteceu no Amapá pode acontecer em qualquer lugar, mas que pela tendência de marginalização dos estados da região norte em relação ao resto do Brasil principalmente em relação a região centro-sul, sudeste do Brasil, acaba criando esse distanciamento de que “é muito longe da minha realidade, então eu não me importo tanto” ou “o que acontece lá, nunca pode acontecer aqui”. E pra fazer uma reflexão sobre isso, eu quero perguntar aos ouvintes: vocês tem ciência de onde vem a água que vocês consomem e que vocês usam para lavar os alimentos e para higienização? Vocês sabem da onde vem o alimento que vocês comem? Vocês sabem da onde vem a energia que abastece os equipamentos eletrônicos que estão usando agora pra ouvir o podcast? E eu digo que existe a chance de que a energia que vocês usam nesse momento pra escutar esse podcast tenha vindo de alguma hidrelétrica do Amapá. O que eu quero dizer com esses exemplos é que o nosso distanciamento do que a gente chama de natureza e do que é responsável pela manutenção da nossa vida como a energia e a água, que são bens tão básicos e que são escassos a boa parte da população brasileira, esse tipo de relação de distanciamento provoca situações caóticas como essa que a gente tá vendo agora, em que um simples incêndio em uma estação acabou prejudicando a vida de um estado inteiro. Eu vejo que a relação disso com as mudanças climáticas de uma forma sistêmica, é que nós estamos sempre vulneráveis, não importa onde a gente esteja. O que eu mais escuto quando eu digo pras pessoas de outros lugares que eu sou do Amapá é de quanto que é longe. As pessoas sempre falam: “nossa, mas é muito longe”. E eu fico pensando que eu nunca escuto ninguém dizer quando alguém fala que vem da Europa ou dos Estados Unidos o quanto que é longe. Porque eu entendo que essa distância não é física, mas ela é social e que o nosso sistema social provoca essas relações hierárquicas entre centro e periferia. E nisso se enquadra a relação entre as cidades, os meios urbanos e o meio rural ou lugares em que não são tão urbanizados, em que não existe tanto um “progresso”. No contexto das mudanças climáticas e no contexto do que eu estudo que é uma perspectiva decolonial, que tenta buscar uma articulação entre os saberes tradicionais e indígenas dos povos nativos do Brasil, vejo que há uma percepção generalizada de que quanto mais distante do estado de natureza, mais desenvolvida é uma sociedade. Infelizmente quem sofre mais com as consequências desse tipo de relação são as pessoas em lugar de periferia, tanto social como espacial.
Tiago: Essa última coisa que você falou, Carol, me lembra uma frase que eu li, inclusive, nesse artigo do El País, que, mais uma vez, eu recomendo pra quem esteja ouvindo ler, que é o seguinte questionamento: a gente quer que o Brasil seja uma grande São Paulo cinza, poluída, com problemas hídricos ou a gente quer que o Brasil seja uma grande Amazônia? Então, o grande questionamento que eles levantam é o que a gente percebe como futuro ou como referencial para o futuro.
Willian: Nossa essas reflexões que a Carol trouxe foram bem pertinentes. Enquanto eu ouvia, na verdade, eu só conseguia pensar que quando a gente pensa sobre autismo, desse termo que é usado bastante, que é o “funcional”. Até a linguagem funcional, quando a gente fala sobre autismo, a gente fala muito sobre usar a linguagem de uma forma funcional ou não. E esse termo “funcional” tem muita relação justamente com a função de algum objeto, de algum mecanismo, de alguma ferramenta que a gente usa. E se você for pensar como existem determinadas agências, entidades e enfim, várias outras instalações distribuídas pelo Brasil, cada um delas cumprindo uma função, como, por exemplo, ano passado eu tive a oportunidade de conhecer e dialogar mais aprofundadamente, com pessoas que vivem no Amazonas. E até então, não tinha tido contato. É claro que eu já sabia de toda essa questão que muitas pessoas, como a Carol falou, as pessoas pensam: “poxa, é longe, poxa, que que será que tem lá? Será que tem civilização?”. Até algumas pessoas pensam dessa forma, assim. Mas, ao mesmo tempo, que eu que esse era um pensamento muito rudimentar e até estereotipado e preconceituoso sobre o Amazonas, eu, ao mesmo tempo, não sabia muito sobre. E aí, quando você olha quão pertinente é, por exemplo, a Zona Franca de Manaus e como isso veio à tona também num debate político quando envolveu a questão ali das políticas econômicas do governo do Bolsonaro, por exemplo, que daí inevitavelmente a gente cria um atrito nas redes sociais e, de repente, está todo mundo falando sobre isso. Mas, ao mesmo tempo, olha que infeliz que a gente precisa esperar algum conflito maior, uma catástrofe acontecer ou partido A, o partido B que você não gosta falar, tomar alguma política, uma medida sobre algum desses estados que são marginalizados, como a Carol falou, pra finalmente a gente começar a discutir sobre isso, mesmo que nós consumimos alimento, nós consumimos outros serviços, temos instalações no nosso país que cumprem função fundamental para que todo o país continue operando da forma saudável que a gente conhece hoje, que muitas vezes a gente nem sabe disso. Então, eu faço essa relação com esse termo “funcional”, nesse sentido de que a gente, muitas vezes, vai no mercado, e a função do mercado é vender frutas, mas aí a função do fornecedor é fornecer frutas para o mercado e abastecer ele com energia elétrica, com água e com várias outras coisas. E a gente não pensa de onde vem isso, que seria também um pensamento muito funcional, ao mesmo tempo, só que mesmo a nível neurotípico não é algo comum de se discutir isso. Eu achei bem impactante essas reflexões que a Carol trouxe e como a gente, às vezes, pode selecionar o que que a gente vai considerar como pertinente ou não pertinente até para ensinar no ensino fundamental e ensino médio e seleciona aquilo que alguém considerou como importante e não necessariamente o que seria importante de fato a ser ensinado.
Tiago: E a gente pensa nessa questão do Amapá, também as questões das queimadas, na pandemia. Inclusive lá no início da pandemia alguns chegavam a dizer que a pandemia ia melhorar as coisas, que as pessoas iam se tornar mais cooperativas, de que o mundo seria melhor (risos). Passou alguns meses, e eu acho que eu acho que foi uma das previsões mais erradas que já ocorreram e realmente eu não consigo ver esse excesso de esperança que a gente tem de que catástrofes melhorem as nossas relações e que nos façam pensar. Mas aqui no Introvertendo, principalmente graças a Carol e o Willian que hoje, olha, foram sensacionais, eu queria dar o espaço final para a Carol dizer qual que é a sua percepção a partir disso tudo que tá ocorrendo, incluindo a questão do Amapá, de como nós enquanto sociedade autista, enquanto população, podemos encarar isso pro futuro.
Carol: Eu vejo que em situações de crise, nós temos o dever de reavaliar as estruturas que provocaram essa crise. Eu vejo que o ano de 2020 foi um ano de profundas crises de diversos aspectos e que pra isso eu acho que um caminho é buscar outras narrativas de como construir uma vida social. Outras narrativas não ocidentalizadas, que talvez seja um caminho pra gente ver se existe uma outra relação de vida com todos os seus aspectos essenciais, seja água, seja vegetação, seja energia. A região norte do Brasil, que foi onde eu nasci, cresci, passei a vida toda, é a região com a maior população indígena do Brasil. Eu entendo que a biodiversidade nunca pode ser dissociada da diversidade humana, da diversidade de culturas e de formas de enxergar a natureza que a gente tem. Uma relação de insustentabilidade que se continuar dessa forma, a gente não vai ter mais muito tempo pra agir. Então, eu entendo que um olhar não colonizador, um olhar que enxergue não só os nossos recursos naturais da Amazônia, que são tão cobiçados por diversas regiões e pelo Brasil todo, não deixe de fora as culturas que vivem na minha região e as culturas que constroem uma relação, uma vida social que não enxerga a natureza de uma forma predatória, que enxerga como parte de quem nós somos e que é indissociável da nossa vida social. Eu acho que quando a gente fala em inclusão, a gente não pode deixar de incluir todas as faces do que é ser humano e a nossa relação precisa incluir outras formas de vida, como os animais, as plantas e não importa como que essas formas de vida se manifestem.