Introvertendo 130 – Religião: Projetos Sociais

Todos os lugares devem ser acessíveis para pessoas com deficiência, como autistas. E dentro do meio religioso, por exemplo? No episódio final da série sobre religião e autismo, Tiago Abreu mostra exemplos de como se pode interseccionar o ativismo do autismo com a religião. São contadas as histórias do psiquiatra Caio Abujadi, que é espírita e organizou uma associação para prestar assistência à famílias; e a evangélica Tatiana Ksenhuk, que promove projetos sobre autismo na igreja há quase uma década. 

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Transcrição do episódio

Tiago: Este é o último episódio da série sobre Religião, parceria entre O Mundo Autista, a Revista Autismo e o Introvertendo. Se você não ouviu os anteriores, sugiro que volte lá para entender toda a discussão feita até aqui!

Em ambientes e lugares onde ocorrem discriminações ou até possíveis exclusões, podem surgir pessoas interessadas em promover inclusão. Neste último episódio da reportagem Religião, queremos contar a história de dois projetos sociais interessantes que visam interseccionar o autismo com a prática religiosa.

Nossa primeira história é da Tatiana Ksenhuk, que é evangélica e tem quatro filhos, dois deles autistas. A experiência com o autismo a levou a desenvolver projetos para a inclusão de pessoas com deficiência e suas famílias nas igrejas nas quais fez parte na última década. Atualmente, ela congrega na Igreja Batista Memorial de Alphaville, em Barueri.

Tiago: Ela contou pra gente como surgiu esses projetos de longa existência.

Tatiana: Eu encontrei uma pessoa, que ela é minha amiga até hoje, ela se chama Marrie e ela também tem dois filhos com autismo, ela tem Pedro e o Luiz. Então nós começamos a conversar. Ela já tinha um grupo, na verdade, que era um grupo do Yahoo e ela comentou que existiam grupos que ela participava em igrejas. A gente conversando, surgiu essa ideia de transformar esse grupo que ela tinha, esse grupo virtual de mães, em um grupo presencial. Então, nós começamos a fazer esse grupo, não na igreja que eu tô agora, numa igreja anterior. E foi muito legal. A gente teve um retorno muito grande das mães. As mães iam com as crianças e aí a gente organizava voluntários pra ficarem com as crianças. Então foi daí que surgiu essa questão do grupo que é o grupo A+ de se reunir presencialmente. No momento agora a gente continua com grupos, já faz nove anos quase, o grupo passou por várias transformações, mudanças, a Marrie mudou para os Estados Unidos novamente. Quando ela mudou nós começamos a reunir nesse mesmo formato. E os voluntários são super super especiais, são pessoas incríveis mesmo, que amam, não é uma coisa que é forçado, que a gente impõe, a gente convida, não são pessoas profissionais, mas são pessoas que gostam de criança.

Tiago: Ou seja, Tatiana tem vários grupos atualmente. O A+ é um grupo de suporte para famílias atípicas, e promove informação sobre autismo com a participação de profissionais, fora do culto. Há também um grupo de mães com pessoas com deficiência, mais focado em assuntos religiosos. Além disso, durante os cultos, também há uma sala sensorial para crianças.

Tatiana: A gente tem vários tipos de crianças. Então, a partir da desse primeiro momento, a gente sabe as crianças que têm uma condição melhor de fazerem todas as atividades que nós propomos, às vezes de uma maneira até mesmo independente. Outras crianças precisam de um suporte de um voluntário pra só guiá-las de uma atividade pra outra, nem é uma intervenção muito grande, mas é só mesmo pra tá ali do lado, pra criança saber que tem alguém ali com ela. Outras crianças precisam de uma intervenção um pouco mais forte, então os voluntários ali estão com elas, às vezes usa a gente usa até o conector, muitas vezes elas tão numa atividade, elas não conseguem seguir pra outra atividade, então elas voltam um pouquinho pra sala do aconchego, ou elas vão ajudar em alguma coisa, porque tem umas crianças já um pouco maiores. Então, a gente tem um projeto que é pra incluir mesmo de A a Z. Nós temos algumas voluntárias muito, muito especiais, ponta firme, gente que estudou, tem uma pessoa, uma voluntária, a Juliana, ela fez o trabalho dela de doutorado em cima desse desse projeto da nossa igreja e ela realmente vestiu a camisa, então a gente foi agregando pessoas muito especiais, pessoas que são apaixonadas por essa inclusão.

Tiago: Caio Abujadi tem dedicado os últimos 15 anos de sua carreira como psiquiatra ao estudo e tratamento do autismo. Ele também é um dos responsáveis pela criação da associação Caminho Azul, que busca fornecer suporte às famílias necessitadas e compartilhar conhecimento e recursos com outras organizações que trabalham com autismo no Brasil.

Caio: E o objetivo da caminho azul é dar assistência pras famílias carentes e organizar o raciocínio do autismo no Brasil. Então, o objetivo é ele dar suporte pras associações, porque a maior parte dessas associações são de pais, não são de pessoas técnicas, elas precisam entender o que é real, o que é palpável, o que existe de proposta. O que a ciência tá trazendo de novidades realmente. Então, ela tem uma proposta assistencial, ela tem uma proposta educacional e ela tem uma proposta de centralizar as informações para que todo mundo possa, através dela, usar as informações gratuitas. Então, tudo ela vai centralizar informações, objetivo e distribuir pras pessoas gratuitamente, pra que as pessoas saibam que lá é uma fonte de confiança, entendeu?

Tiago: Caio destacou a importância de ter conhecimento adequado para auxiliar pessoas no espectro do autismo e seus familiares.

Caio: O mundo do autismo, eu vejo isso acontecendo no mundo inteiro, mas no Brasil isso me chama mais atenção, ele é um mundo descentralizado. Desorganizado. Pessoas que estão em sofrimento, que são as famílias com espectro do autismo, elas são abordadas assim por inúmeras informações, inúmeros profissionais e muita gente às vezes até sem perceber… Não vou nem caracterizar isso como maldade, porque não, não é, não é, às vezes não é maldade. Muitas vezes não é maldade, a maior parte das vezes não é maldade. Mas as pessoas acabam encaminhando essas famílias para determinados tipos de tratamento, de abordagens que as famílias já acabam por conta desses sofrimentos, mergulhando em situações de muitas dificuldades. Então, o ser humano precisa saber ajudar. Quando você vai ajudar alguém, você tem que ter muita sabedoria, você tem que estar saudável. Se não você pode fazer mal para aquela pessoa, mesmo com uma intenção de querer ajudar e as pessoas que tão com a espectro de autismo, as famílias, elas tão passando por um sofrimento muito grande, mas a gente tem que tomar cuidado, a gente tem que cuidar desses corações.

Tiago: Posteriormente, Caio destacou a relevância de incorporar diversos conhecimentos provenientes de distintas crenças religiosas.

Caio: Quantas vezes eu fui em tempo budista meditar os ensinamentos de como eu me controlo a minha própria mente, o meu próprio corpo. Então, a capacidade que o budista tem de centralizar o espírito e conectar o espírito com a alma, corpo, e se estabilizar mentalmente. Então, a saúde mental do budista é a melhor saúde mental que eu conheço. Então, se você souber aproveitar o que cada religião traz de bom, você vai ser feliz. A medicina do hinduísmo, a ciência da religião egípcia. A gente pode falar assim, assim, o valor espiritual dos druidas que tem gente que nunca ouviu falar, mas quando cê vai estudar a relação que eles tinham com a natureza, que era muito próxima dos budistas, é algo extraordinário, o que eles conseguiam extrair de energia pra tudo que eles faziam da natureza era algo extraordinário. A disciplina que eles tinham. Então assim, é muito fácil a gente enxergar o que aquela religião tem de ruim por conta do ser humano que tá aprendendo naquela religião ter dificuldades. É fácil a gente fazer isso, mas é tão difícil as pessoas verem o que cada religião tem de bom, que era o que pra gente estar fazendo. Olhar pro outro como alguém que tem algo positivo pra trazer pra gente, tem um grande aprendizado pra gente aprender. E a gente fica fechado na nossa casa e esquece de abrir a porta pros irmãos. Eu tô falando do conhecimento, a nossa casa íntima, ela tá atrás de educação. Então, eu fico fechado numa educação única, é como se eu fosse pra escola e só estudasse física. Eu sou de humanas, então eu vou estudar só língua. Vou estudar só história. E aí eu esqueço que o universo, ele se divide. E tudo converge com uma coisa só.

Tiago: Por fim, os dois consideram muito importante incluir pessoas com deficiência nos ambientes religiosos. E, o mais importante de tudo, respeito.

Tatiana: A gente tem no nosso coração que a igreja é um lugar pra todos, da mesma forma que eles vão em shopping, que eles vão nas escolas, a igreja também tem que estar preparada pra receber essas crianças e essas famílias independente do grau de severidade que elas tenham. Muitas crianças também começaram a se desenvolver ali dentro de uma maneira assim surpreendente. A gente tem algumas crianças que até começaram a entender a respeito de Deus, começaram abrir o seu coração pra Deus. Muitas vezes tem crianças também que não conseguem compreender o que a gente tá querendo ensinar, mas o que elas sentem é o amor, então elas sentem o amor que nós temos por elas, algumas crianças já são agora pré-adolescentes, outras adolescentes e conseguem ajudar, eu tenho um exemplo forte por exemplo do meu filho, que ele tem 19 anos, o Lucas. Simplesmente assim, é um dos nossos melhores voluntários. Ajuda em acampamento, ele já ajudou, assim, em várias áreas da nossa igreja, em restaurantes, no projeto social que nós temos com crianças carentes, no berçário, em festas que a gente promove eventos assim de modo geral, ele tem um pequeno grupo também de meninos que ele fala da palavra de Deus. Então, é tudo muito natural que as coisas acontecem. Às vezes a gente planeja algumas coisas, mas Deus sempre surpreende a gente de uma forma que a gente não imaginava que pra criança fosse atingir esse nível de envolvimento e de suporte pra nós mesmos.

Caio: Então, eu acho que a religião precisa ser respeitada dessa forma. Porque o Deus é um só. A gente pode chamar de nome diferente, ter conceitos diferentes, ter formas de ver ele que é de forma diferente, mas é só um. Aproveitar que o autismo é essa escola tão importante da vida e tentar trazer o exemplo pras pessoas.

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