Introvertendo 129 – Religião: Experiências de Famílias Atípicas

Autismo e religião são dois temas que geralmente são discutidos sob uma perspectiva familiar. No terceiro episódio desta série, Tiago Abreu conta a história de famílias atípicas. Uma delas é a da jornalista e evangélica Ana Paula Porto, mãe de duas meninas autistas gêmeas; além disso, Cláudia Moraes, mãe de Gabriel, autista adulto de 32 anos, conta suas vivências dentro do espiritismo.

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Transcrição do episódio

Tiago: Esse é o terceiro episódio da nossa série sobre Religião. Caso você ainda não tenha ouvido os dois primeiros, sugiro que os escute.

Falar de autismo e religião também inclui família. Afinal, a prática religiosa é, em sua esmagadora maioria, uma experiência coletiva passada de geração em geração. Nós sabemos que existem vários aspectos dentro dessa socialização que pode ser desafiadora para toda uma família que vive situações de deficiência.

Por isso, conversamos com duas mães de autistas que são religiosas para nos contar as diferenças e semelhanças da maternidade atípica ao professar uma fé.

A primeira delas que eu conversei foi com a carioca Ana Paula Porto. Ela é jornalista, mãe solo e tem três filhos, sendo duas autistas gêmeas, chamadas Nanda e Duda. Além disso, ela é evangélica e nos contou como foi isso para a família.

Ana: Sou membro da Igreja Batista em Renovação Espiritual Nova Jerusalém aqui no bairro do Sampaio na Zona Norte, do pastor Samuel e da pastora Denise, muito conhecidos por conta do Ministério de Louvor Nova Jerusalém. Bem, minha história é longa (risos), mas é boa. Eu conheci Jesus com onze anos, foi quando depois de um período após morar em Fortaleza, por conta de uma mudança, nós conhecemos Jesus quando a minha mãe voltou. Minha mãe tava muito doente e quando a gente foi pra Fortaleza, um tio de consideração (e você leva aquilo ali a pessoa como se fosse realmente da família) tinha tido um uma AVC, um derrame e ele chegou a ficar em cadeira de rodas. Quando a gente voltou de Fortaleza, minha mãe muito doente, esse tio é que foi buscar a gente na rodoviária, perfeito, em pé, falando assim, parecia uma outra pessoa, um personagem, foi tão assim impactante ver o meu tio que minha mãe perguntou: “Que aconteceu com o Paulo nesse tempo que a gente ficou fora?”. E aí a esposa dele, minha tia Elvina, também de consideração, falou pra minha mãe que eles tinham conhecido o poder de Deus numa denominação e que o Paulo, meu tio Paulo, tinha ficado perfeito. E a minha mãe então decidiu procurar essa instituição também e lá também se converteu. Minha mãe foi diagnosticada com câncer de colo de útero em 1983/1984, foi quando a gente voltou pro Rio e graças a Deus aquela sentença de morte foi o início de uma nova vida pra ela, continua vivíssima, plena, obreira dessa igreja até hoje, fez 70 anos agora, esbanjando saúde. Eu espero poder chegar na idade dela com a disposição que ela tem (risos).

Tiago: Já Cláudia Moraes é pedagoga e mestranda em Educação. Ela é mãe de Gabriel Pereira, autista de 32 anos, também diagnosticado com epilepsia, Transtorno Obsessivo-compulsivo (TOC) e distúrbios do sono.

Cláudia: As características marcantes da personalidade dele é que ele é uma pessoa alegre, feliz, nos últimos anos tem estado bem mais comportado e mais ligado na vida, ele adora música, ele gosta das pessoas, ele tá bem tranquilo. O que mais me surpreende no Gabriel acho que é a perseverança. Ele me surpreende todos os dias com coisas que eu imagino que não vai fazer, ou que não vai querer e ele tá sempre se superando. É uma luta a vida dele, porque ele é um autista não verbal e eu acho que isso dificulta a vida de qualquer pessoa porque a fala tá presente diretamente na interação com as outras pessoas, né? Então não ter isso dificulta um pouco, mas não impede de fazer nada do que ele queira fazer do que ele possa.

Tiago: Após uma trajetória católica, eles se encontraram no espiritismo.

Cláudia: A espiritualidade é muito importante na nossa vida, eu me tornei espírita por causa do Gabriel, uma busca por entender melhor o que tava acontecendo na nossa vida. Eu ainda não sabia que era autismo, mas sabia que ele era diferente e busquei as minhas forças em Deus. Anteriormente, eu era da Igreja Católica, mas não praticava muito e é assim que eu entrei para o espiritismo. Eu realmente me encontrei e tem 28 anos já que eu sou espírita. É importante na nossa vida porque nos permitiu entender um pouco melhor, tanto o nosso processo de evolução quanto o porquê do autismo em nossas vidas, como que nós podemos desempenhar melhor as nossas missões e nos ensinou também a ser resilientes. Então, eu acho que é super importante.

Tiago: Já, no caso das filhas de Ana, a história é um pouco diferente.

Ana: As meninas tiveram um diagnóstico do autismo aos três anos, finalzinho dos dois anos pros três anos. A gente sempre entende que tem alguma coisa diferente, a mãe sempre sente que tem algo estranho no comportamento, apesar da pediatra delas mesmo me dizer: “Ah, você tá comparando, não faz isso, cada criança tem seu tempo”. A gente sempre sente.

Tiago: Perguntamos para Cláudia como o espiritismo enxerga o autismo, e ela disse:

Cláudia: Como a minha religião enxerga o autismo? Enxerga como deve ser enxergado, tendo um olhar especial para individualidade. Então não tem um determinismo. Não, o espiritismo crê que os autistas podem vir como missão, eles podem vir para exemplificar, eles podem vir para apoiar uma família, eles podem vir para expiar faltas passadas, eles podem vir pra construir, eles podem vir pra mudar o mundo, eles são os espíritos que vão estar aí enquanto a nossa terra passa por essa fase tão turbulenta e vai vir uma melhor. Então os autistas são os espíritos dessa nova era, que vieram para o mundo pra nos ajudar a melhorar. Eu acredito bastante nisso.

Tiago: E também perguntamos, para as duas, como é a relação de seus filhos com os cultos.

Ana: Em relação a igreja, especificamente, eu nunca tive problema com elas. Elas são muito sensíveis a barulho, então quando não tem o culto das crianças (que lá na minha igreja tem um departamento infantil separado e tal, salinha), elas ficam bem. Quando elas eram um pouquinho menores, quando eu ia entregar elas pra tia, às vezes rolava aquele choro, agarrava nas pernas, nada muito diferente das outras crianças típicas, mas eu deixava, abraçava, elas viam outras amiguinhas, às vezes ficavam meio receosas, mas sempre ficavam, nunca, nunca tive assim, “ah, fez um escândalo e não ficou”. Só que quando não tem a escolinha delas e elas precisam ficar comigo no culto aí, às vezes, elas ficam muito incomodadas por conta do barulho, porque lá na igreja tem bateria, o som é bem potente e elas se incomodam. A Duda, principalmente, que ela tá em relação à Fernanda, ela tá um pouquinho mais dentro do espectro e tem mais sensibilidade com outras coisas que a irmã não tem. Então, no culto elas ficam incomodadas por conta do barulho. Nunca precisei ir embora, não chegou a esse ponto, mas já aconteceu de eu ter que ir lá pra trás, bem no final da igreja e ficar com elas, tentando distraí-las, aí eu nem prestei mais atenção no culto, porque com duas crianças, você imagina. É complicado, às vezes é bem complicado. Mas em relação a isso, nunca tive problema na igreja, existem outras crianças diferentes, com síndrome de Down, com outras diferenças das outras crianças. Convivem todas juntas, não tem nada separado. Então, eu me sinto muito acolhida, como mãe, como membro da igreja, eles têm professores que já trabalham com crianças assim, então entendem também as nossas dificuldades e graças a Deus as meninas seguem, cantam as musiquinhas, nunca tive problema em relação a isso.

Cláudia: Nós participamos pouco. Acho que até por causa do próprio estilo de vida do Gabriel, das rotinas que ele tem, ele dorme muito cedo, então a gente acaba participando pouco dos projetos religiosos. Mas assim, não me sinto excluída jamais me sentir excluída dentro do espiritismo, dentro das casas espíritas. A gente frequenta uma casa e todos amam o Gabriel, sempre foi muito bem tratado, mas projetos mesmo religiosos que sejam direcionados pros autistas adultos é muito difícil da gente encontrar. Ainda mais quando o autista tem um grau tão severo, as pessoas não sabem muito bem como lidar. Então, eu acho que falta projetos que sejam direcionados para eles. Uma coisa que eu acho importante é que, por exemplo, eu faço parte de um grupo de mães de autistas e familiares de autistas, profissionais e nós temos variadas religiões e a gente se dá muito bem, a gente se respeita muito. Eu acho que isso é importante, as religiões estão aqui pra servir de caminho pra Deus, não pra servir de diferenças entre os homens. Então, respeito é fundamental. E as famílias de autistas precisam desse respeito, elas precisam desse apoio, elas precisam estar envolvidas nesses projetos onde elas possam se sentir bem também, onde elas possam se sentir acolhidas, eu acho que isso é uma das coisas mais importantes que a gente pode oferecer em qualquer projeto, seja ele social ou religioso.

Tiago: No próximo e último episódio, vamos conversar com pessoas que estão desenvolvendo projetos sociais dentro do meio religioso relacionados a autismo e outras deficiências.

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