Introvertendo 124 – Autistas na Cidade Grande

Pensando no estilo de vida de autistas em diferentes lugares, nosso episódio de hoje é centrado em grandes metrópoles brasileiras. Como o autismo se intersecciona na experiência de morar em capitais como São Paulo, Florianópolis, Goiânia, Belém ou Porto Alegre? É sobre isso e muito mais que conversamos. Participam: Marcos Carnielo Neto, Thaís Mösken e Tiago Abreu. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá pra você que escuta o podcast Introvertendo e está perdido ou perdida entre arranha-céus que parecem te engolir. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, host deste podcast, diagnosticado com autismo em 2015 e eu nem consigo pensar como seria a minha vida fora de uma metrópole.

Marcos: Eu sou o Marcos, eu vou falar das minhas experiências recentes morando em São Paulo e das minhas experiências passadas morando em Goiânia que, apesar de não ser uma metrópole gigante, é uma cidade grande ainda.

Thaís: Olá pessoal, aqui é a Thaís, eu nasci em São Paulo, vivi em São Paulo a minha vida inteira e só no ano passado vim aqui pra morar em Florianópolis em Santa Catarina e eu achava que Florianópolis era uma capital, mas na minha opinião é totalmente interior aqui.

Tiago: E se você está ouvindo o Introvertendo dentro daquele busão ou no metrô ou por onde você está andando, é só você nos seguir na sua plataforma favorita. Vale lembrar que o Introvertendo é um podcast feito por autistas, cuja produção é da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Marcos: Minha experiência com metrópoles na verdade é bem recente, porque a maior parte da minha vida eu morei em cidade pequena. Eu já morei no interior do Amazonas, mas a maior parte da minha vida eu passei foi no interior de Goiás, então cidades bem simples. Eu sempre quis morar numa cidade grande e eu tinha essa frustração pois até adolescente eu morava em cidade pequena. Até que finalmente eu consegui mudar pra Goiânia, quando eu comecei quando já tava na metade da faculdade, passei três anos morando em Goiânia, que foram três anos horríveis porque sinceramente eu detesto essa cidade. E recentemente eu cansei de Goiânia, de verdade, cansei do meu curso, desisti e fui pra São Paulo e meus planos são de continuar em São Paulo. Me descobri cosmopolita, eu adoro aquela vibe cosmopolita e eu estou simplesmente apaixonado em São Paulo. Depois de São Paulo eu pretendo viver em alguma outra cidade global ao redor do mundo, seja Londres, Nova Iorque ou Sydney, qualquer lugar pra mim que seja uma cidade global grande seria o lugar ideal pra mim.

Thaís: Eu nasci em São Paulo. Minha história basicamente é o oposto do Marcos e eu vivi a minha vida toda na cidade. A minha casa, especificamente, era em Pirituba. Pirituba é um bairro de São Paulo, galera. Não é uma cidade. Tem muita gente em São Paulo que fica fazendo bullying com Pirituba, falando que é uma cidade. Se você não é de São Paulo, isso não fez o menor sentido pra você, provavelmente. Eu gostava muito de São Paulo. Eu falava muito bem e eu era exatamente daquelas pessoas que falam: “ah, São Paulo é a cidade que não para, que a gente é que paga por todo o resto do país, São Paulo tinha que separar” e essas outras baboseiras que a gente começa a falar com base em algumas ideias de outras pessoas. E sim, por muito tempo eu gostava de qualquer coisa relacionada a São Paulo e encontrava todas as vantagens. Depois, na época da faculdade, eu nem cogitei fazer faculdade em algum outro lugar, eu só prestei pra USP mesmo. Falava: “não, eu já tenho casa aqui, eu não quero sair daqui, muito mais simples”. Só que São Paulo tem diversas problemas, assim como todos os outros lugares. E um deles era que o transporte público demorava muito tempo do lugar onde eu morava pra onde eu estudava. Então, mesmo tendo casa em São Paulo, eu fui morar em uma pensão mais perto da faculdade. Eu acabei tendo que gastar de qualquer forma com moradia. E depois de um tempo, quando eu consegui um carro, eu voltei pra casa, e fazia muita diferença. Da minha casa pra faculdade eu levava duas horas e meia de ônibus. E da minha casa pro estágio, eu levava três horas de ônibus. Pra qualquer um dos dois lugares de carro eu levava 20 minutos. É uma diferença grotesca. Em Pirituba não tem metrô. Talvez algumas pessoas que pensam que São Paulo tem metrô e tudo mais. Não tem metrô, tem trem, mas a minha casa era longe do trem. Então, pra mim era meia hora até o trem, depois que tinha que pegar o trem até o metrô que eu teria acesso as outras coisas mais centrais. Tudo isso de São Paulo acabou me cansando bastante e eu passei a querer mesmo sair da cidade, eu queria de preferência ir pra algum lugar mais pro Sul. E deu certo. E aqui em Florianópolis eu tenho um estilo de vida muito mais tranquilo. Às vezes isso incomoda um pouco pra uma pessoa que veio de São Paulo. Então, por exemplo, pensar que a padaria fecha às oito da noite pra mim isso é bizarro. Pensar que a padaria não abre de domingo, pra mim isso é um absurdo, porque a minha vida inteira as padarias abrem das cinco horas às dez da noite, todos os dias. E é porque as pessoas aqui têm um modo de vida diferente mesmo. É mais aquela coisa: “não, domingo eu não vou trabalhar porque eu quero ficar com a minha família e aproveitar a minha vida e dane-se. Se você quiser comprar pão, compre no dia anterior”. Em São Paulo isso é impensável, você vai ter coisas abertas todo o tempo. Então, novamente, existem vantagens e desvantagens disso. Além disso, eu não gostava de praia e depois que eu vim aqui pra Florianópolis vi vários lugares muito lindos e percebi que eu voltei a gostar de praia. Então, eu realmente gostei do estilo de vida, do jeito como o Marcos falou, da vibe da cidade. Só que as vezes as pessoas acham que é uma crítica quando eu falo que é uma cidade que pra mim é interior, aqui é totalmente interior. Então você vai no final de semana no Centro e tá tudo fechado. Então, é difícil a gente se acostumar, tanto é difícil acostumar alguém daqui indo pra São Paulo, quanto o oposto, com coisas diferentes.

Marcos: Isso é verdade. Florianópolis é a capital, mas não é realmente a maior cidade de Santa Catarina, seria Joinville. Então, realmente Florianópolis é uma das exceções do Brasil em que a capital não é a maior cidade. Ela tem mesmo uma vibe mais de interior. E São Paulo não tem linhas de metrô suficientes para suprir toda a população da zona metropolitana, eu acho que São Paulo tem uma carência muito grande de linhas do metrô, isso é uma realidade porque são poucas linhas comparadas às metrópoles do mesmo tamanho no resto do mundo. Por exemplo, Tóquio e Londres tem linhas que cruzam por todos os lados e que suprem a cidade inteira. Já em São Paulo são poucas linhas e elas suprem os bairros mais importantes lá no Centro expandido. Alguns lugares tem trem também, mas os trens geralmente não são tão bons quanto porque eles são mais lentos e saem mais cheios também. Então a questão de localização onde você mora em São Paulo é um fator muito importante para sua experiência na cidade. Pirituba é zona norte. Então fica um pouco mais longe do centro expandido. Porém, eu moro na Vila Madalena, num hostel que fica bem em frente do metrô. Ele tá muito bem localizado, então pra mim a experiência de morar em São Paulo tem sido extremamente tranquila. É um bairro muito seguro, a Vila Madalena, aquela região de Sumaré, é muito próximo da Avenida Paulista, eu tô há dez minutos de metrô da Avenida Paulista. A região de Perdizes também é muito boa…

Thaís: A região de Perdizes é uma das que tem maior índice de roubo de carros, hein?

Marcos: A tia do meu amigo foi roubada mesmo, teve o carro furtado lá, mas…

Thaís: (Risos)

Marcos: O que mais importa pra mim é a segurança na hora de andar na cidade, porque eu posso andar em Perdizes à noite tranquilo, sem preocupação nenhuma. Enquanto aqui em Goiânia, em lugar nenhum eu poderia nem pensar em andar a noite, porque eu ia pra academia, que ficava três, quatro quarteirões na minha casa, e eu saía com medo todos os dias de ser assaltado, porque eu já fui assaltado no meu bairro, meus amigos já foram assaltados várias vezes. Goiânia é uma cidade muito perigosa, assim como todas as outras capitais brasileiras. Não existe segurança de verdade no Brasil. E onde eu moro naquela região, acho muito seguro. Eu acho muito bom você poder sair a noite com tranquilidade, sem precisar se preocupar muito. E eu tô num lugar muito bem localizado. Pra ir pra qualquer lugar tem o ônibus a minha disposição. O transporte público de São Paulo, apesar de não ser comparável ao de Tóquio ou Londres, é ainda muito melhor do que o do resto do Brasil. É muito mais eficiente e funciona de uma forma mais estável. E durante o dia é muito mais confiável do que o de Goiânia, por exemplo. Os ônibus de Goiânia não tem ar-condicionado. Eles são velhos, sujos e, além disso, os horários são horríveis, porque você fica plantado nos pontos a mercê da vontade da empresa de coletivos da cidade, enquanto em São Paulo existem três empresas responsáveis pelo transporte público na cidade.

Tiago: Algo muito importante a pontuar quando a gente fala sobre a experiência urbana é que ela é muito estimulante. E aí eu preciso lembrar que nós temos um episódio sobre hipersensibilidade e hipossensibilidade, que é o 119. E também nós temos o Sensibilidade Sensorial, que é o 22, mais antigão. E ao tratar sobre essas características do autismo, elas estão diretamente intrincadas com os cinco sentidos. Por outro lado, há uma contradição muito interessante, que é o fato da cidade ser cheia de gente e quanto mais gente tem, mais fácil de você passar despercebido e de você ter uma vida solitária em que você pode ser só você.

Marcos: Essa questão do autista é muito importante mesmo, qual seria a vantagem de se morar numa zona urbana grande quando você faz parte do espectro. Porque realmente uma cidade grande é cheia de estímulos visuais, audiovisuais. São Paulo, por exemplo, seria um lugar bem estressante, porque é uma cidade que tem muito barulho, que tem muito movimento, o trânsito às vezes é horrível, é uma cidade cheia de estímulos. Porém, no meu caso, a questão de estímulos é algo que eu gosto, porque o meu foco que eu gosto de verdade é arquitetura. Então São Paulo é uma cidade muito eclética arquitetonicamente falando, muito rica em arquitetura. A própria paisagem urbana em São Paulo pra mim é relaxante porque eu tô no meio de algo que eu gosto, que são prédios bem desenhados, uma variedade de estilos arquitetônicos diferentes, eu gosto bastante disso. Então, pra mim morar numa cidade grande como São Paulo é maravilhoso, porque eu tenho acesso a parte do meu hiperfoco, que é a arquitetura. O estímulo visual eu acostumo, você acostuma, porque Goiânia também é uma cidade muito mais barulhenta e muito mais estressante. São Paulo tem um clima geralmente mais agradável que o de Goiânia, então isso já me deixa muito mais calmo no geral. E apesar de ter todos esses estímulos em São Paulo, isso não acontece em todas as ruas. Tem ruas mais tranquilas mesmo dentro de São Paulo, lugares mais tranquilos que você pode ir. A sensação de segurança também já tira bastante o estímulo estressante que Goiânia tem, que é que você tem que ficar atento a todo momento sobre a violência. Você tem que ficar sempre atento sobre o que tá acontecendo ao seu redor. Então, em São Paulo, eu pelo menos na região que eu moro, eu posso ficar mais tranquilo e isso tudo na verdade faz com que São Paulo pra mim seja muito bem diferente em termos de estímulo. Quanto ao que ele falou da interação social, de como um autista, qual seria a vontade de morar numa cidade com muitas pessoas? Eu diria que existe muita vantagem. Ironicamente numa cidade grande você tem muitos estímulos sociais do que numa cidade de interior. Na cidade grande, você acaba se misturando a multidão e você se torna mais um, então, geralmente as pessoas te deixam mais isoladas, elas respeitam mais a sua bolha pessoal, que eu acho que é uma coisa muito importante para autistas. Então, acaba que uma cidade na verdade é um local que acaba sendo menos estressante por você ter que interagir menos. As gafes sociais não são tão presentes na cidade grande, porque mesmo se você cometer uma gafe social, que geralmente causa bastante ansiedade, você não se importa tanto porque você não conhece quase ninguém que você interage. São poucas pessoas que você vai ver que vão acabar se tornando parte do seu cotidiano. Então não é tão preocupante. Eu acho que essa é a vantagem de morar numa cidade muito grande, porque quanto maior a cidade, mais invisível você se torna. Além disso, a chance de você encontrar uma pessoa que compartilhe dos seus interesses é muito maior, porque as cidades grandes tem uma variedade muito grande de pessoas. Então, você encontrar amigos numa cidade do tamanho de São Paulo, na verdade, é muito mais fácil do que numa cidade de interior, que os interesses são limitados. E a gente sabe que a gente se dá bem mais com pessoas que geralmente compartilham dos nossos interesses. Então, numa cidade igual a São Paulo, você vai ter muitas opções de encontrar pessoas como essas. 

Thaís: Como tinha comentado antes, sempre tem vantagens e desvantagens em cada uma das coisas. Mas a principal vantagem que eu vejo de morar em uma cidade grande e isso em certo modo vale para Florianópolis, mas principalmente São Paulo, é a grande variedade de serviços. Então há serviços de vários tipos, por exemplo, serviços médicos. Então pra gente pensando em pessoas no espectro, você vai ter mais facilidade em encontrar um psicólogo, um psiquiatra, um neuro, vai ser muito mais fácil encontrar os medicamentos necessários, esse tipo de coisa que em uma cidade menor pode dar muito mais trabalho e pode fazer com que a vida de uma pessoa seja muito mais difícil. Tem outros tipos de serviço, por exemplo, o serviço de delivery, que se eu tiver no interior lá na casa da minha mãe, no máximo o que eu vou conseguir pedir vai ser uma pizza. Dificilmente se eu quiser algo muito mais específico vão aparecer na minha porta pra entregar. E hoje em dia aqui em Florianópolis, por exemplo, eu quase sempre peço alguma coisa pelo Uber Eats pra eu não precisar me locomover, não precisar sair, exceto para as atividades que sejam do meu interesse em si. Isso ajuda bastante. Pensando em comida, em São Paulo você tem uma variedade gigantesca de comidas de todos os países para todos os gostos, pra quem é vegano, pra quem é vegetariano, quem tem intolerância a lactose, não pode comer glúten. Uma cidade menor às vezes é mais difícil você conseguir isso. Então, pensando em pessoas que tenham uma sensibilidade alimentar, isso é bastante importante também. Em São Paulo você vai encontrar algo que você goste e que não te faça mal. Às vezes vai ser bem mais caro. OK, mas vai ter. E vai ter pra ser entregue na sua porta, a qualquer hora. Às três da manhã você quer comer aquilo? Vai ter alguém pra entregar na sua porta. Então, aqui em Floripa, por exemplo, tem bastante variedade, mas se eu quiser pedir uma coisa às duas da manhã, talvez eu tenha tipo uma opção, duas opções, depende claro também do ponto da cidade em que você mora. Você pode viver em São Paulo no horário que você quiser, eu sempre fui uma pessoa de preferir viver a noite. Preferir estar acordada a noite e dormir durante o dia, dentro do possível. Nem sempre a gente consegue conciliar com nossas atividades cotidianas, mas podendo fazer isso, eu preferia. E aí eu queria às vezes ter um serviço a noite de madrugada. Eu levava o meu carro, por exemplo, pra fazer manutenção, coisas do tipo, às três da manhã, porque ia ter menos fila. E é o tipo de coisa que se eu conto pra alguém que não seja de São Paulo, e parece: “nossa, mas que lugar que abre às três da manhã?”. Eu ia fazer compra no mercado às três da manhã. Era um horário maravilhoso, não tinha ninguém pra lugar nenhum. Tudo isso, todas essas facilidades eu acho que ajudam bastante no nosso dia a dia e realmente é muito difícil abrir mão delas. Eu sinto bastante falta do nível que eu tinha de facilidade em São Paulo com a diferença que eu não tinha um trabalho que me pagasse bem. Eu tive estágio no máximo, mas aí eu não conseguia usufruir tanto quanto eu conseguiria hoje com o emprego estável. Outra coisa que eu penso também é questão de locomoção. Como em São Paulo a gente tem uma variedade muito grande, a gente acaba tendo uma certa facilidade de locomoção. Sim, às vezes os meios de transportes são extremamente lotados e se torna muito cansativo, se torna exaustivo, mas é mais difícil. Se aqui em Floripa, por exemplo, fecharem a rodovia, você vai ficar parado ali no trânsito por muito tempo. Em São Paulo se fecharem, vai ter muito trânsito, mas sempre tem como conseguir desviar daquela rota e encontrar outra. E por fim, uma das coisas que o Marcos falou, eu acho que é bem válido frisar. A variedade de pessoas leva a uma variedade muito grande de hobbies. Então, se você tem um hiperfoco que numa cidade pequena é considerado bizarro, OK, em São Paulo, você vai encontrar um monte de gente que gosta disso. Ah, mas se você não se importar de encontrar outras pessoas, você vai encontrar um lugar onde você possa ir pra fazer aquilo ou comprar um equipamento próprio para encontrar um um objeto que você queria específico para aquilo. Claro, você poderia fazer isso também, sei lá, no Mercado Livre. Mas, às vezes você quer ir, por exemplo, em uma loja de jogos específica e quer ficar olhando jogos, porque é seu hiperfoco. Vai ter uma loja assim. Então, em cidades menores talvez você não encontre esse tipo de coisa. Eu acho que é o tipo de local que acaba fazendo com que seja bem interessante pra quem tem o hiperfoco naquilo visitar e conhecer coisas novas.

Tiago: Ou seja, em pleno 2020, se você ainda for fã de lambada, ou sei lá, você pertence a alguma categoria como ser um busólogo, certamente vai ter um grupo social de pessoas que curtem a mesma coisa que você, entendeu?

Thaís: É, essa é a ideia mesmo (risos). Em São Paulo, eu caía muito na rua e eu não tenho até hoje motivo pra isso, mas desde que eu vim pra Floripa, eu nunca mais caí. E apesar de não ter muita certeza, eu acho que é justamente pelo excesso de estímulos que tinha em São Paulo, excesso de barulho, excesso de coisas e que aqui em geral não tem, eu tô mais tranquila. No máximo tem um carro perto, aquilo me incomoda extremamente, mas é um carro e aí ele passou e não não tem mais dez carros buzinando atrás dele. Então, eu acho que isso tem bastante relação com eu não destruir mais o meu corpo rolando pelo concreto.

Marcos: É, realmente. Estímulo pode ser bem estressante para muitas pessoas, mas eu acho que pra mim Goiânia era uma cidade com muito mais estímulo, pra mim era muito mais estressante por causa da questão de transporte público ruim, do calor excessivo. Eu acho que temperatura é o estímulo mais importante no meu caso. Acho que isso depende também muito do lugar que você for morar. São Paulo é uma cidade muito grande, cada bairro vai ter estímulos diferentes, vai ter uma vibe diferente. Então, às vezes você consegue achar um bairro que seja mais tranquilo, ou às vezes você pode dar o azar de cair num bairro que seja extremamente estimulante ou estressante. Por exemplo, eu acho que o Centro de São Paulo seria um lugar bastante estressante para um autista morar, porque é um lugar cheio de estímulo, barulho, trânsito. E já um bairro tipo Pinheiros, já não é mais tão estressante quanto o Centro, é um lugar até tranquilo de se morar, a Vila Madalena, onde eu moro, é um lugar muito tranquilo também.

Tiago: Já que estamos abordando metrópoles, eu quero trazer um comparativo de três cidades que tem uma população parecida, mas que são municípios de características muito diferentes. Porto Alegre, Goiânia e Belém. Eu resido em Goiânia desde 2003 e Goiânia tem um aspecto interiorano muito curioso. A partir das sete horas da noite, muitos bairros ficam super vazios. E Goiânia é uma cidade feudal. Os muros são muito altos, cerca elétrica, as pessoas são muito isoladas em certa medida e a vida cultural fica bastante restrita à região mais rica da cidade, que é a região sul. Então você tem bairros como Marista, cheio de bares, não há muitas opções de museus e esses espaços de tradição mais cultural. Mas Goiânia, por exemplo, tem uma cena musical extremamente forte e eu não estou falando especificamente só sobre sertanejo. O sertanejo realmente é forte, mas a cena musical independente, de outros gêneros, também é muito significativa. Tanto é que a gente tem alguns festivais musicais que atraem pessoas do Brasil inteiro pra cá. Mas no imaginário do goianiense o que você tem de lazer nesta cidade basicamente são os parques e as praças. Não há grandes coisas interessantes a se fazer em Goiânia. Porto Alegre só em termos de território já é muito diferente de Goiânia. Goiânia é uma cidade muito horizontal, tem muito espaço pra crescer. Então, tudo é muito distante. E Porto Alegre tem um espaço muito limitado. Então, a cidade toda é muito concentrada. Em poucos minutos você atravessa regiões em Porto Alegre e tem tanta coisa, mas tanta coisa e tem uma região especificamente de Porto Alegre que eu gosto muito, que é a Cidade Baixa, que é a região boêmia e jovem da cidade. Você encontra ruas com muitas opções de lazer, alguns estabelecimentos muito interessantes, inclusive temáticos e alguns com preço bastante acessível. É uma cidade de muito mais opções culturais do que Goiânia. Mas é claro, é importante destacar que Goiânia não tem nem 100 anos de existência. E Porto Alegre é muito, mas muito mais antiga. Outro município bastante antigo é Belém, que eu tive a oportunidade de conhecer em setembro do ano passado. E essa experiência foi muito curiosa porque Belém tem alguns problemas sérios de urbanização, nós já falamos isso no episódio 116 – Acessibilidade na Internet. E grande parte do transporte que eu fiz por lá foi Uber, porque tinha algumas regiões que eu com mala não seria uma boa opção. Mas eu gostei muito de alguns atrativos culturais e de turismo em Belém. É claro, não é muita coisa. Existe a Estação das Docas, o Ver-o-Peso, dá pra você ver o rio de dentro da cidade, tem alguns restaurantes e opções legais, mas é tudo muito caro. Mas quando eu penso nessas três capitais é tão interessante o quanto as questões culturais e regionais são tão marcantes, as pessoas são muito diferentes. Eu já reclamei muito de Belém aqui, mas as pessoas de Belém são muito legais. Eu tive uma boa experiência como turista nesse sentido. Em Porto Alegre o pessoal é mais fechado, mas eu tive também uma boa experiência e Goiânia, como eu falei, tem essa tradição interiorana. Pra finalizar, eu queria que vocês dessem algumas dicas para autistas que estejam tendo dificuldade com seus locais, talvez pensam em se mudar ou que talvez queiram adquirir mais autonomia no município que residem. É claro, isso depois da pandemia, mas que orientações poderiam dar?

Marcos: Eu acho que é necessário você criar um pouco de coragem, porque muitas vezes como autista a gente prende na nossa zona de conforto. Como os outros integrantes falam muito em rotina, se torna uma coisa muito importante pra eles, e não é algo tão importante pra mim. Eu acho que é porque a minha rotina sempre teve que ser quebrada ao longo do tempo que eu me mudava bastante. Acho que é por isso que eu acabei nunca me apegando tanto a rotina, mas eu tive que criar coragem. Se você for baixa renda e estiver inserido no espectro autista, você consegue no governo brasileiro, através de um laudo do psiquiatra, o passe livre interestadual. Isso significa que você pode viajar entre estados gratuitamente, e foi o que me permitiu mudar pra São Paulo de forma tão fácil. Então, às vezes se você tiver pensando, é uma dica, você pode tirar o passe livre interestadual e começar a explorar o Brasil, que é um país muito diverso e começar a, talvez, experimentar os lugares pra ver qual seria o lugar pra você quebrar a zona de conforto e ir cair de cara no mundo, porque às vezes isso faz bem, mesmo para autistas.

Thaís: Eu sou uma pessoa muito de se planejar, então o primeiro aspecto que eu coloco é que eu acho que é importante que você pesquise bastante sobre as cidades e mapeia aí quais são e as vantagens de cada uma dessas opções. Só que tenha em mente que sempre vai ter problemas, sempre vai ter algo que você fala, “ah, mas por causa disso eu não vou nem tentar”. E é muito perigoso você acabar não fazendo nada e continuar sempre na sua rotina e não tentar mudar. Se não pelo menos fizer essa tentativa de algo diferente, você não vai saber de que tipo de cidade você gosta se você não experimentar morar em cidades diferentes. É claro que passar um pouco de tempo, por exemplo, como turista nas cidades ajuda a ter uma percepção. Não é a mesma coisa que morar lá, que estar lá e eu acho muito importante como o Tiago falou de autonomia, tentar encontrar uma forma de trabalho ali, independentemente de que tipo de emprego seja o seu. Se for uma coisa mais estável ou se você for artista que possa ter uma vida mais itinerante, pense em como você vai se manter ali. Pesquise um pouco do custo de vida antes de simplesmente tentar alguma coisa, pelo menos é o que eu faria. Uma pessoa uma vez me falou que não gostaria de sair de casa porque sua mãe lava suas roupas, porque sua mãe cuida das coisas e se saísse de casa, sua rotina seria afetada nesse aspecto. E eu discordo, principalmente no seguinte sentido. Uma vez que você tenha autonomia, a sua rotina passa a depender de você e não de outra pessoa. Você ter o seu emprego, puder pagar o seu cantinho. Vamos dizer assim, talvez você não tenha dinheiro pro apartamento, eu até hoje não tenho um apartamento meu, moro em quitinete, mas se você já tiver ali o seu local de moradia, você vai poder controlar a sua rotina e muito provavelmente a sua vida vai se tornar mais fácil, por mais que você tenha que se empenhar bastante em outras coisas, porque aquilo vai depender de você, aquilo vai ser seu. Então, pra mim, pelo menos, dá uma sensação de muito mais conforto e é bastante gratificante. E eu também vim pra Floripa sem conhecer absolutamente ninguém e faria isso novamente se eu se eu tivesse que voltar e escolher de novo. Achei que valeu muito a pena. Vá com consciência, mas é importante tentar mudar se se você acha que aquilo vai ser melhor pra você.

Tiago: Depois de um episódio inteiro em que o Marcos e a Thaís ficaram falando só de São Paulo, a gente realmente espera que você, que seja anti-paulista, não fique bravo com a gente. Fica acompanhando a gente, que na semana que vem vamos ter o lado oposto disso, a experiência de autistas em média cidades em pequenas cidades no interior do país.

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