Introvertendo 116 – Acessibilidade na Internet

Promover ações de acessibilidade é desejável em todo o lugar, ainda mais pela internet, em que pessoas podem acessar conteúdos produzidos em qualquer lugar do mundo. Para entendermos a dimensão de acessibilidade e tecnologias assistivas, nossos podcasters contam histórias de situações não acessíveis, descrições de imagem nas redes sociais, com o nosso convidado Sidney Andrade, e o que o Introvertendo está fazendo para ser o podcast mais acessível do Brasil.

Participam: Thaís MöskenTiago Abreu e Willian Chimura.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá para você que escuta o podcast Introvertendo, o principal podcast sobre autismo do Brasil e que a cada dia tenta ser mais acessível. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, diagnosticado com autismo em 2015 e, ao longo de dois anos de Introvertendo, a gente aprendeu muita coisa e ainda temos muito o que aprender.

Thaís: Olá, meu nome é Thaís, eu sou de Florianópolis, eu fui diagnosticada com autismo em 2018 e até eu conhecer outras pessoas com diversos tipos de deficiência eu nunca tinha pensado realmente em acessibilidade.

Willian: Olá, eu sou o Willian Chimura, também sou diagnosticado com Síndrome de Asperger, eu fui diagnosticado na vida adulta, faço mestrado em Informática na Educação, então estou sempre pensando como tecnologias podem auxiliar para acessibilidade de pessoas com deficiência.

Tiago: Falar de assibilidade é algo bastante complexo, então neste episódio nós vamos focar principalmente em ações de acessibilidade na internet que é o nosso espaço aqui na produção de conteúdo. Vale lembrar que o Introvertendo é feito por autistas que participam da comunidade do autismo, cuja produção é da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Tiago: O tema deste episódio foi motivado por duas situações, a primeira foi uma live que não chegou a ocorrer no nosso Instagram sobre acessibilidade na internet, mas acabou se tornando uma entrevista que tá disponível lá no nosso canal do YouTube, que inclusive foi dada pela Thaís, que tá aqui com a gente. E o segundo motivo foi um email que a gente recebeu de um ouvinte que é cego, o Cássio, que falou que em dois anos de podcast a gente nunca fez audiodescrição sobre nós. E eu fiquei pensando: “caramba, a gente faz tanta coisa do podcast pensando em acessibilidade e a gente nunca parou pra pensar na importância de uma audiodescrição!”. O e-mail dele foi tão instigante que eu resolvi gravar um episódio pra gente discutir um pouco sobre como promover acessibilidade na internet e o desafio de se entender as múltiplas faces da acessibilidade. E como o melhor referencial, eu quis trazer então a NBR 9050 da ABNT, que define acessibilidade como “possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privado de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida”. Lembrando que esse documento é do ano de 2015. E, lendo essa definição, eu não consigo não pensar em tecnologia assistiva. Willian, qual é o conceito de tecnologia assistiva e qual é a relação dela com a acessibilidade?

Willian: Como você mesmo falou, Tiago, a palavra tecnologia chega a ser citada também e é claro, quando a gente pensa em tecnologia, logo vem aquela imagem de, por exemplo, um robô, um software, mas quando a gente pensa em tecnologia assistiva, eu acho que é até justo a gente pensar, por exemplo, que um óculos é uma tecnologia assistiva. No final das contas, ele é um artefato que foi criado e tem todo seu embasamento científico pra ser confeccionado da forma que ele é hoje. E ele é uma tecnologia que uma pessoa pode usar para justamente ter acesso a diferentes contextos como, por exemplo, uma leitura, conseguir se locomover melhor, enxergar melhor e é claro, é fácil de se entender como isso traz mais autonomia para a pessoa que usa, pois no final das contas, uma pessoa sem óculos provavelmente ia se deparar com algumas situações na sociedade ao longo do seu dia a dia que ela não conseguiria e precisaria de ajuda de uma terceira pessoa que, se não estivesse presente, poderia ser muito difícil. Então, quando a gente fala sobre tecnologia assistiva, não necessariamente a gente tá falando sobre tecnologias muito sofisticadas. É claro que existem várias iniciativas para que cada vez mais websites, aplicativos, softwares e até mesmo robôs possam ajudar pessoas com deficiência a conseguirem cada vez mais autonomia. Mas não necessariamente a gente precisa pensar em tecnologias sofisticadas. 

Thaís: E falando em tecnologias que auxiliam nessa questão de acessibilidade, eu também recomendo que vocês ouçam o Dragões de Garagem 64, que fala de ciência e deficiência. E eles citam vários exemplos mais tecnológicos, alguns que são até um pouco fora da nossa realidade normal, que são bem caros e existem vários equipamentos diferenciados justamente em função dessas necessidades que cada pessoa tem. E quando a gente não está à parte do que realmente acontece com uma pessoa que tem uma deficiência específica, a gente costuma não perceber que esses equipamentos são extremamente necessários para algumas pessoas, mesmo que pra gente seja uma tecnologia mirabolante. Então, eu acho bem interessante ouvir o pessoal falando lá do Dragões de Garagem, por mais que seja um programa relativamente antigo, de 2015.

Tiago: E falando em conteúdo, a Thaís falou um pouco também sobre conteúdos inclusivos na internet em 2019, no 2 de abril, lá no site da Resultados Digitais. Além disso, durante a conversa dela com a Bibiana, ela fala um pouquinho também isso relacionado dentro do autismo. Essas questões que a Thaís levantou me faz pensar também como essas ações beneficiam pessoas em geral. Você prover uma boa experiência de áudio é muito bom para pessoas com deficiência, especificamente autistas que muitas vezes tem sensibilidade. Mas também é bom pra todo mundo, todo mundo quer ouvir um áudio melhor, todo mundo quer uma experiência de áudio melhor. Você ter calçadas bem agradáveis é bom pra todo mundo. Eu, por exemplo, não tenho deficiência física, mas mesmo em boas calçadas eu vivo tropeçando porque eu tenho uma coordenação motora extremamente problemática. E se a gente pensar neste aspecto, o Brasil é um país bastante complicado. As nossas capitais, de uma forma geral, são péssimas pra gente caminhar. Goiânia, que é a cidade que eu resido, está em uma das melhores situações, mas mesmo assim não é um bom exemplo. Se São Paulo tá no topo das melhores, imagina o resto… Pra poder parar pra pensar, a pior capital do Brasil para caminhar, segundo uma pesquisa compartilhada pelo Nexo Jornal, é Belém, que eu conheci inclusive ano passado e lá é um caos. Você não consegue andar pela calçada porque tem lugares em que não existe calçada. E aí eu fico pensando: se eu que sou andante já tenho toda essa dificuldade porque esse ambiente não é preparado para pessoas de uma forma geral, imagina pra uma pessoa com deficiência que deveria ter o seu direito garantido de ir e vir pra onde quiser? É muito importante a gente falar sobre essas questões. E quando a gente fala de internet, nós temos até possibilidades maiores de garantir espaços acessíveis, mas não necessariamente o conteúdo disposto pra nós é acessível. Baseado nisso, Thaís, eu queria que você falasse um pouco sobre aquilo que você falou na matéria da Resultados Digitais sobre o tipo de conteúdo que você tem facilidade de consumir e aquilo que você tem mais dificuldade.

Thaís: Embora não seja um padrão que eu possa estender para todos os autistas, uma dificuldade muito grande minha é consumir conteúdos em vídeo ou puramente em áudio que sejam para eu realmente aprender alguma coisa. Isso pode ser estranho vindo de uma podcaster, mas pra mim quando eu ouço como forma de lazer, [podcasts] são excelentes. Se eu realmente precisar aprender alguma coisa com eles, aí já é outra história. Eu tenho muita dificuldade de me lembrar deles, de conseguir absorver aquele conteúdo. Então, pra eu aprender um conteúdo, pra mim é muito melhor que seja em forma de texto, algumas imagens ajudam bastante, mas dificilmente uma imagem substitui completamente um texto corrido. Aquela expressão de que uma imagem vale mais do que mil palavras é extremamente relativa, geralmente pra mim não funciona se eu realmente quero aprender alguma coisa. E eu realmente detesto aprender coisas em vídeo, com pouquíssimas exceções que eu tenho que aprender a usar em um programa, por exemplo, e aí eu vejo onde a pessoa está clicando, aí funciona. Lá na empresa onde eu trabalho, na Resultados Digitais que onde a gente publicou esse texto de que o Tiago falou, às vezes a gente tem que fazer tutoriais pra equipe de vendas por conta de alguma ferramenta que a gente tenha criado para eles utilizarem e eu tento fazer várias abordagens diferentes. Eu tento escrever um manual em texto mesmo, coloco imagens ali com setinhas para indicar o que a pessoa tem que fazer, também faço um vídeo e muitas vezes a gente faz um treinamento falando ali com as pessoas. Então, a gente aborda o assunto de diversos modos, porque dependendo da forma como a pessoa aprende melhor, absorve melhor o conteúdo e ela vai ter aquela opção ali. E quando a gente pensa em acessibilidade, a gente precisa justamente pensar que existem muitas pessoas diferentes que conseguem consumir conteúdos de formas diferentes, como, por exemplo, quando o Tiago trouxe a ideia de termos o podcast também com transcrição em libras. Ou seja, agora a gente consegue atingir um público que antes não era possível. E existem alguns detalhes muito pequenos, mas que pra mim são bem relevantes. Como, por exemplo, ter um GIF no meio de um texto prejudica e às vezes impossibilita pra mim a leitura do texto. É muito comum, se tem um alguma coisa piscando ou se mexendo, eu ter que colocar uma tela na frente daquilo ou colocar minha mão na frente da tela pra conseguir ler o conteúdo inteiro. Além de como também o texto ser apresentado, por exemplo, às vezes colocam algum tipo de brincadeira, alguma ironia ali no meio e se eu não estou ambientada com aquele tipo de de escrita, com aquele autor, eu posso não perceber. Então, se isso não estiver bem explicado, também vai gerar uma confusão maior. Ou seja, tem uma variedade muito grande e são fatores que a gente acaba tendo que pensar quando fala em acessibilidade. E eu acho que muitas vezes a gente acaba deixando alguns justamente por nós não sermos tão diversos assim quando a gente pensa em quem revisa o texto, quem escreve o texto, é muito mais comum a gente se agrupar com pessoas mais parecidas.

Willian: Pensando em autismo e acessibilidade, é claro que a gente sabe que o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que envolve déficits na comunicação, cada pessoa com autismo pode ter mais ou menos o uso da linguagem de uma maneira funcional. Então, algumas pessoas com autismo não vão desenvolver naturalmente a fala, por exemplo, elas vão precisar de intervenções educacionais mais específicas para elas conseguirem, entender a linguagem e até mesmo muitas vezes se comunicar de maneiras alternativas. Já que a Thaís falou um pouco das experiências pessoais dela, eu também lembrei de algumas situações que eu entendo que eram situações que podem ser compreendidas como não acessíveis para pessoas com autismo. Por exemplo, na minha forma de autismo, no meu nível, eu seria ainda considerado como uma pessoa que não tem um uso da linguagem de uma maneira disfuncional, porém a gente sabe que algumas sutilezas da linguagem, muitas vezes a questão da ironia, do sarcasmo, ainda são mecanismos mais sofisticados do uso da linguagem que muitas vezes mesmo a pessoa com autismo que já é muito bem desenvolvida ainda assim vai ter uma certa dificuldade. Tendo isso em vista, eu vejo que muitas provas, por exemplo, com questões que frequentemente eu me via nessa situação que eu não sabia exatamente o que aquela questão da prova estava me perguntando, o que pode acontecer é que o professor ao elaborar uma prova de múltiplas escolhas, a questão não falar a instrução do que deve ser feito não está explícita. Então, a Thaís estava falando um pouco sobre essa experiência pela internet, eu lembro que diversas vezes enquanto eu fazia faculdade, tinha formulários com diversas instruções e muitas vezes eu precisava mandar emails para perguntar o que exatamente era esperado que eu fizesse em determinada parte do do formulário, porque parecia que era intuitivo para a maioria das pessoas, mas que para mim eu realmente ficava confuso, eu não conseguia entender o que era esperado de mim em determinada parte da prova, do exercício e enfim, em diversas situações a acessibilidade também pode ser uma questão de fornecer instruções de uma forma clara.

Thaís: Eu achei impressionante você falando disso, eu nunca tinha relacionado essa questão de de instruções, e era muito comum eu odiar questões de múltipla escolha porque pra mim geralmente eu tinha mais de uma certa. Eles colocavam “geralmente”. E eu lia geralmente quer dizer, na maior parte das vezes, não em todas. E e as coisas eram mal escritas, as pessoas não liam de verdade as porcarias das questões. Então, era muito difícil.

Willian: Exatamente Thaís, e isso faz total relação com que o Tiago falou que muitas vezes esses mecanismos que a gente pode interpretar como mecanismos de acessibilidade também acabam beneficiando até mesmo as pessoas que não são pessoas com deficiência. No final das contas, instruções claras é desejável para todos. E compartilhando uma experiência pessoal minha do ano passado, enquanto eu fui fazer o Enem, por exemplo, ainda tomando como exemplo essa questão de instruções não tão claras, ao ir ao banheiro havia um protocolo de checagem dos participantes do exame que envolvia um monitor, um funcionário da escola, que ele precisava passar um detector de metais pelo corpo do participante antes de entrar no banheiro para ter certeza que não se trataria de nenhuma fraude, nem nada do tipo. OK, até aí tudo bem. E eu me lembro muito bem que uma das instruções que me deram é que eu deveria levantar os meus pés. No momento que ele me forneceu essa instrução eu não entendia exatamente o que ele queria fazer. A gente sabe que as pessoas com autismo podem ter uma dificuldade extra com essa questão da tomada de perspectiva, então eu não consegui realmente raciocinar ali tão rapidamente para entender que a função dele ter me dado aquela instrução era para que eu possibilitasse ele a detectar possíveis dispositivos eletrônicos nos meus calçados. Então eu levantei um dos meus pés, obviamente, porque eu não conseguiria levantar os dois, como a instrução dele foi dada e ao levantar um pouco apenas um dos meus pés, ele deu novamente uma outra instrução dizendo: “Não, levante o seu pé, só que para trás”. E eu fiquei mais confuso ainda para saber o que ele queria. Então eu fiquei realmente confuso, fiquei só estático olhando pro rosto dele e eu falei: “Poxa, eu não entendi exatamente o que você quer dizer”. E acabou sendo uma situação um pouco chata, porque ele começou a debochar de mim e ter que me mostrar como que eu teria que fazer e enfim, esse tipo de situação eu acho que é justo interpretar que foi uma situação pouco acessível, por exemplo, para pessoas com autismo.

Thaís: Eu já passei também por várias essas situações que o Willian descreveu agora e eu acho bem interessante como muitas vezes a gente acaba se sentindo burro em algumas situações. A gente acaba colocando a culpa em nós mesmos. Pelo menos comigo isso acontecia, de achar que o erro era meu, e algumas vezes eu chegava no outro extremo de achar que a outra pessoa é que era incompetente. Mas também é muito comum que um neurotípico não consiga se colocar no lugar de uma pessoa autista, justamente porque são perspectivas diferentes. Tentar deixar a situação mais clara possível e estar aberto a responder perguntas e muitas vezes a perguntar também, mesmo que se sinta um pouquinho idiota, de vez em quando, costuma ajudar bastante. Pra mim, pelo menos, ajuda bastante.

Tiago: E chegou ao ponto central do nosso episódio, em que nós aqui do Introvertendo vamos falar um pouco sobre o que fizemos ao longo desses anos e o que aprendemos nesse processo, porque promover isso também é uma questão constante e que trouxe alguns insights bastante interessantes. Como eu sou a única pessoa aqui que esteve no podcast desde a fundação, essa questão fica um pouco mais relacionada a mim, porque era eu que gerenciava as mensagens de email que nós recebíamos no podcast e também aquelas mensagens enviadas nas redes sociais. As primeiras queixas que nós recebemos, isso ainda em 2018, eram ouvintes reclamando do áudio. Só que eu não conseguia entender qual era o problema do áudio. A primeira coisa que eu pensei é que talvez o áudio estaria mal editado ou com o volume muito alto. A primeira coisa que a gente fez no podcast foi adaptar a edição, utilizar menos trilha. E a gente tinha muita piada interna, de certa forma, dentro do podcast. Por exemplo, eu escolhia uma música extremamente brega ou extremamente relacionada ao tema específico que a gente tava conversando por mais sério que seja, e isso eu percebi que as pessoas não se sentiam confortáveis. O nosso público, no início, era quase 100% autistas e nós vimos que isso poderia ser modificado. É importante salientar que quando nós criamos o Introvertendo, a gente não pensávamos que iríamos discutir deficiência e ser um podcast acessível. Não, isso foi se construindo ao longo do tempo. Então sempre há um momento pra você evoluir nesse sentido. Adaptamos a edição melhorou, ao mesmo tempo, também tinha algumas das suas falhas de mixagem, mas ao longo do tempo a gente foi evoluindo. Mas a gente continuava recebendo reclamações e eu não sabia de onde quer que viu exatamente as reclamações. Então, eu comecei a fazer uma versão adaptada do episódio sem qualquer música de fundo e publicava no nosso canal do YouTube. Quando nós publicamos a edição sem músicas de fundo, algumas pessoas falaram que foi uma medida muito legal, só que a gente continuava recebendo reclamações da edição. E aí eu fui entender que as reclamações ainda eram relacionadas aos episódios antigos. Reeditamos alguns episódios antigos e colocamos com uma qualidade muito melhor. Quando ocorreu isso, as reclamações pararam completamente e aí começamos a perceber que a edição adaptada para pessoas com sensibilidade no YouTube começou a se tornar redundante, porque as pessoas não ouviam aquela versão mais. As pessoas reclamavam da sensibilidade, não por causa do uso de trilha, mas porque o nosso podcast era mal editado. Depois disso, isso já no final de 2019 ou seja, relativamente recente, nós iniciamos a nossa parceria com a Superplayer & Co. A primeira coisa que a gente estabeleceu é que o Introvertendo seria um podcast que teria uma atenção maior às questões de acessibilidade. A primeira iniciativa foi incluirmos transcrição de todos os nossos episódios, porque se você parar pra pensar, o que define um podcast? As pessoas podem falar várias coisas. Podem falar que é um programa de rádio na internet, podem falar que é um canal do YouTube só que só em áudio e nas plataformas, mas tecnicamente é um conjunto de arquivos de áudio ou de vídeo reunidos num documento que é chamado de XML e esse documento é enviado pras plataformas e ele é ordenado. Isso significa que o podcast sempre foi pensado de uma forma multimídia. É da natureza do formato não ser acessível. O que nós fizemos foi disponibilizar transcrições no nosso site, já que as plataformas não tem ainda ferramenta de incluir transcrição. Em seguida, instalamos uma ferramenta em Libras em parceria com a empresa HandTalk. E talvez você, que nunca visitou o nosso site, fique imaginando como é que funciona. Tem um ícone na lateral escrito “acessível em libras”. Você clica nele, vai aparecer um bonequinho chamado Hugo, e todo o texto que você dentro do site ele vai fazer uma tradução em Libras. Em seguida, nós partimos pra descrição de imagens no Twitter, Facebook e Instagram e agora mais recente, instalamos no nosso site. lá na sessão Integrantes, audiodescrição de todos os integrantes do podcast, principalmente depois que o Cássio mandou pra gente aquela mensagem. Esse processo me ensinou algumas coisas. Como eu disse mais anteriormente, uma boa experiência de áudio ajuda não só as pessoas em geral, mas também autistas. A segunda coisa que eu aprendi é que transcrição não funciona somente para pessoas que tenham deficiência auditiva. Existem muitos autistas que não suportam podcast, mas que acompanham a gente e sabem de tudo que nós estamos falando neste episódio porque elas estão nos lendo e não nos ouvindo neste momento. E como a gente implementou descrição nas nossas redes sociais muito recentemente, nós trouxemos uma mensagem do Sidney Andrade, que é podcaster, cego e ele vai falar um pouco sobre como descrever imagens pra você que ainda não sabe como fazer.

Sidney: Olá, olá, galera do podcast Introvertendo, tudo bem? Eu sou Sidney Andrade, vim aqui explicar um pouquinho como fazer descrições de imagens. Muita gente tem essa dúvida, porque acha que não consegue por achar que é muito complicado. Não é tão complicado quanto parece, embora precisa atender acessos critérios para que uma descrição seja realmente informativa para uma pessoa que não enxerga. Então, qual é o primeiro passo? É você parar e pensar que toda imagem informa alguma coisa. E daí, você passa pros próximos passos, que são os passos mais práticos, que são os de passar a descrever a partir do que você vê. Então é importante, em primeiro lugar, você saber que uma descrição de imagem, para fins de acessibilidade, ela tem que ser informativa e descritiva. Ela não pode ser opinativa, ela não pode ser poética. A pessoa que vai ler a descrição é que tem que entender o sentimento e a interpretação dela própria, você não pode impor a pessoa cega que está lendo a descrição a sua interpretação da imagem. Pra ela ser objetiva, essa decisão tem que conter uns elementos básicos de toda descrição, que é você descrever de forma objetiva o que acontece: O que se vê, como se vê, onde se vê, quem se vê, começa a ir de cima pra baixo, da esquerda para a direita. Se o ponto focal tá no centro, claro, você vai começar do centro. E começar a descrever o que são as coisas, quais são os elementos objetivos da imagem, quem está lá, o que está lá também, como está fazendo. Esses são os pontos básicos. Aí você vai descrever as circunstâncias da imagem. É importante que, se a imagem contiver texto, você precisa transcrever o texto que está na imagem e dizer onde esse texto se encontra também, em que local da imagem. É importante também que você não explique a imagem quando a imagem se trata de um meme ou de uma piada, tem que descrever de tal maneira que ler a descrição também vai compreender a piada sozinho. E muita gente me pergunta se é relevante descrever cores e eu digo que sim, descreva cores na medida em que elas forem relevantes. Porque cores, mesmo para as pessoas cegas, comunicam coisas. Então, se você está descrevendo uma imagem na qual tem com a luz vermelha ligada, é claro que você vai dizer que o semáforo está com a luz vermelha ligada, porque o vermelho no semáforo significa alguma coisa e essa coisa a pessoa cega também compreende. Valeu, cheiro.

Tiago: Muito obrigado, Sidney Andrade pela mensagem. É importante reforçar que, como ele diz, toda a descrição de imagem que você faz é lida pelo leitor de tela. Existe um campo tanto no Instagram, quanto no Twitter, quanto no Facebook, que você pode incluir essa descrição de imagem e aí o software vai ler isso pra ele.

Thaís: Foi só quando eu conheci também uma pessoa com deficiência visual que falava sobre isso abertamente que eu comecei a tentar descrever um pouco melhor as imagens, então um colega no meu trabalho se chama Samuel e recentemente teve um evento na empresa em que nós entramos em alguns ambientes, cada um deles tinha uma decoração específica e ele trabalhava na época no time de eventos, mas ele não sabia exatamente como era cada um dos ambientes. Então eu entrava e ia descrevendo pra ele dentro do possível, de forma bem leiga, mas foi um exercício interessante. É uma coisa em que eu espero melhorar também. Se eu não conhecesse uma pessoa assim, eu provavelmente nunca teria pensado a respeito de descrever lugares dessa forma mais clara pra uma pessoa e descrever vários detalhes que pra mim talvez não fosse tão relevantes. Conforme eu fazia descrição, ele às vezes perguntava algumas coisas. “Mas e cadeiras? Tem cadeiras?” Eu pensava: “nossa, mas cadeiras não são coisas interessantes”. E sim, tem cadeiras e pra ele é importante saber isso, pra ele saber onde sentar, por exemplo. Apesar dessa dificuldade em fazer descrição, eu acho que o autismo acaba ajudando a gente nesse aspecto, porque muitos de nós são mais objetivos do que uma pessoa neurotípica. Talvez, de novo, seja algum preconceito meu, mas eu tenho essa sensação de que a gente consegue fazer descrições mais claras, mais precisas, usando as palavras mais adequadas para cada situação, não sei se vocês acham isso.

Willian: Talvez sim, Thaís, mas ao mesmo tempo também algo presente entre pessoas com autismo é a questão da falta de coerência central, que é justamente sobre essa capacidade de integrar vários elementos que compõem uma imagem e fazer uma interpretação nela de de uma maneira integral. Então existem várias partes que completam um todo e muitas vezes as pessoas com autismo também podem ter uma fixação ou um fascínio por um desses elementos de uma imagem e não necessariamente interpretar o todo dela. Por exemplo, eu fico pensando como é importante realmente ter um protocolo, instruções mais técnicas de como fazer essa descrição de uma maneira que realmente promova acessibilidade para pessoas com deficiência visual, porque realmente cada pessoa pode ter uma interpretação diferente sobre uma mesma imagem e é importante que a gente faça isso de uma maneira tecnológica, que realmente dê novamente essa autonomia para a pessoa que está lendo entender aquela imagem a partir da descrição e que permita que ela sinta as emoções, como foi dito aí pelo nosso amigo Sidney.

Tiago: E você que acompanha o Introvertendo, tem alguma crítica, alguma objeção ou algum elogio às nossas ações de acessibilidade? Tem alguma sugestão a fazer? Dê o seu recado, porque eu tenho certeza que esse tema é bastante complexo e quanto mais dialogarmos sobre isso, melhor. O Introvertendo volta na próxima semana.

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