Caroline Melo, Maria Eduarda Almeida e Rafael Sallet são da comunidade do autismo e usam TikTok há alguns meses. A plataforma de criação de vídeos, um dos espaços mais populares para a geração jovem do início da década de 2020, está repleta de criadores de conteúdo autistas. Nesta conversa, Mariana Sousa e Tiago Abreu conversam com os produtores sobre ativismo, discriminação, conteúdos virais e conscientização sobre o autismo. Arte: Vin Lima.
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Notícias, artigos e materiais citados e relacionados a este episódio:
- TikTok admite ter censurado conteúdo de criadores queer, gordos e com deficiência
- EXCLUSIVO: TikTok escondeu ‘feios’ e favelas para atrair novos usuários e censurou posts políticos
- Caroline Melo no TikTok
- Maria Eduarda Almeida no TikTok
- Rafael Sallet no TikTok
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Transcrição do episódio
Tiago: Um olá para você que escuta o podcast Introvertendo, que é o principal podcast sobre autismo do Brasil e um dos primeiros do nosso país que traz autistas em sua equipe de conteúdo. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista e host deste podcast e hoje a gente tem uma discussão tecnológica, também sobre redes sociais, e talvez quem tem mais de 25 anos (ou quem já esteja acima dos 20 como eu) vai se sentir um pouco velho nessa discussão sobre o TikTok.
Mariana: Olá a todos que escutam o podcast, eu sou a Mariana Souza, eu sou integrante também do Introvertendo e vou estar participando desse episódio de hoje.
Caroline: Meu nome é Caroline, eu tenho 17 anos, eu sou autista diagnosticada aos 3 anos de idade. Eu faço TikToks respondendo perguntas sobre autismo que as pessoas me mandam ou dúvidas que geralmente as pessoas têm. E também faço uns vídeos divertidos de vez em quando (quando eu tenho tempo).
Rafael: Eu sou o Rafael, sou pai do Miguel que tem 7 anos e têm autismo, tô nessa luta da causa do autismo há alguns anos também, sou presidente da União de Pais pelo Autismo e fiquei bastante impressionado com o alcance do TikTok no trabalho de conscientização do autismo, obrigado pelo convite de participar aqui deste podcast.
Maria Eduarda: Eu sou a Duda, eu tenho 19 anos, fui diagnosticada com autismo no ano passado e eu sou extremamente viciada em Tik Tok.
Tiago: O Tik Tok é uma plataforma de vídeos que também, em certa medida, é uma rede social em que as pessoas produzem conteúdo audiovisual. O Tik Tok com certeza é bastante popular, de uns anos para cá tem muitas discussões em torno desta plataforma, e autismo também é um dos temas de discussão quando se fala sobre essa rede social. E se você está conhecendo o Introvertendo pela primeira, vez seja muito bem-vinda e seja muito bem-vindo. Nós somos um podcast feito por 10 artistas que participam na comunidade do autismo e contamos com a assinatura da Superplayer & Co.
Bloco geral de discussão
Tiago: Geralmente quando fazemos episódios com convidados, perguntamos quando o autismo entrou na vida dessa pessoa, sendo autista ou não. Mas como vocês já se apresentaram, então vamos para o assunto propriamente dito: Por que vocês entraram no Tik Tok e quando vocês começaram a falar sobre autismo lá?
Caroline: Entrei mais no Tik Tok porque tô sem nada para fazer na quarentena e eu queria outra rede social pra passar o tempo. Eu vi que tinha muita gente falando sobre vários assuntos eu vi que quase ninguém falava sobre autismo. Meu primeiro vídeo foi sobre autismo, brincando com coisas que pessoas sempre falam quando eu digo que sou autista. Tive essa ideia para poder ajudar mãe e pessoas que passaram ou estão passando ou pela descoberta de ter uma pessoa com autismo na família.
Rafael: Quem descobriu o Tik Tok, no meu caso, foi o meu menino. Eu vi que ele tava vídeos no celular da minha esposa e entrei para olhar. Percebi ali que havia muita coisa memética, memes contemporâneos, só que eu pensei em fazer um vídeo sobre autismo. Eu acho que isso que falaram agora pouco de que o autismo não é discutido em qualquer lugar, é que a causa da pessoa com deficiência tem que estar inserida na sociedade em todos os ambientes, em todos os lugares, nas falas, no protagonismo e eu fico muito feliz por eu ser pai de autista e estar compartilhando isso num podcast com pessoas autistas. Muitas vezes até no meio existe uma falsa contradição entre o ativismo dos pais e o ativismo das pessoas autistas e a gente precisa superar isso para lutar para o interesse comum. E eu fiz um vídeo falando sobre coisas que não eram relacionadas ao autismo e coisas que eram. E foi bem bacana, cerca de 300 mil visualizações.
Maria Eduarda: Eu descobri o TikTok porque eu via ele muito recortado em outras redes sociais e eu fiz o download do aplicativo no ano passado e comecei a produzir conteúdo também para lá. Eu não faço conteúdo a respeito de autismo, mas eu consumo bastante de outros criadores.
Mariana: Para vocês, qual é a resposta sobre os vídeos? Que tipo de feedback vocês costumam receber?
Rafael: Boa parte dos feedbacks eram: “Nossa que bacana que alguém tá falando de algo diferente aqui no TikTok”, muita gente relatando experiências com familiares, eu acho que ele dá uma dá contrastada no perfil esperado de publicações.
Caroline: O meu feedback é bem parecido com o dele, mas geralmente quem manda mais perguntas e comentários positivos são principalmente mães. Eu fico muito feliz com isso porque elas acabam fazendo muitas perguntas e eu gosto de estar ajudando essas mães e as pessoas mesmo, porque eu fui diagnosticada com 3 anos mas eu fiquei sabendo mesmo que era autista com 11 e minha mãe evitou de me contar um tempo. Quando eu descobri que era autista, não tinha ninguém falando sobre isso, então acho importante a gente tá mostrando representatividade e falando sobre autismo para as pessoas que são ou tem alguém na família.
Maria Eduarda: Em relação a vídeos tematizados de autismo e outras deficiências, eu vejo a galera até demonstrando bastante apoio, porque no Tik Tok as diretrizes são bem pesadas. Então quando alguém faz algum vídeo gozando com outra pessoa, o aplicativo tira do ar.
Tiago: Achei muito interessante o que a Carol falou que foi sobre o quê fato dela não saber sobre o próprio diagnóstico durante muitos anos, porque a Duda tava conversando comigo ontem e ela trouxe uma questão muito importante aqui relacionada a uma política do Tik Tok. Ano passado, em dezembro, saiu uma notícia falando que o Tik Tok estaria censurando conteúdo de pessoas com deficiência, gordas e queer com a justificativa de que era para evitar que as pessoas sofressem discriminação. Quando a Caroline falou que ela teve o próprio diagnóstico escondido pela família durante um tempo, me fez pensar muito naquela discussão que a gente tem dentro da comunidade do autismo de falar do diagnóstico como forma de “rotular” as pessoas. Vocês acham que esse argumento da empresa faz sentido ou foi uma justificativa preguiçosa?
Rafael: Também não sabia desse relato de que havia um cerceamento de publicações de pessoas com deficiência ou fora de um padrão desejado. Eu acho que o mundo virtual consegue carregar também a simbologia da vida cotidiana. Eu acho que pode acontecer sim de ter lá uma pessoa hostilizada, mas eu acredito que a maioria das pessoas são solidárias. Eu nunca precisei responder alguém no TikTok pessoalmente, os próprios usuários fazem uma defesa. Essa questão de esconder o diagnóstico é um processamento de uma pessoa. Para grande parte das famílias, é algo novo, é uma novidade, algo que não tava no dia a dia, não era algo esperado e é preciso processar uma nova forma de ver o seu filho. Isso é um é um processo que tem que ser respeitado e apoiado. A gente tem 45 milhões de pessoas com deficiência no Brasil e isso é uma realidade do cotidiano, mas algumas empresas podem tentar fazer um padrão que não representa isso.
Caroline: Quando era pequena, minha mãe tinha medo de se eu soubesse que era autista porque achou que fosse piorar a minha situação. Eu tive depressão por causa do bullying e minha mãe achava que, se ela fosse contar, ia piorar. Ela só foi contar pra mim quando mudei de colégio pela terceira vez e eu consegui fazer amigos. Sobre o TikTok excluir vídeos de pessoas com deficiência com a desculpa do tipo: “Ah, a gente tá aqui para poder defender vocês pra vocês não serem hostilizados”. Mas por que o TikTok (ou até mesmo a sociedade) não ensina a todo mundo a respeitar as pessoas que são diferentes? Porque é muito comum algumas pessoas falarem “você age igual a um autista”, “para de autistar”, como se fosse um xingamento e até hoje eu não entendi por que ser autista é um xingamento. E quando alguém ou uma rede social fala assim que está fazendo isso para proteger, eu não sinto nem um pouco protegida. Eu me sinto com menos liberdade de expressão para falar sobre o que eu sinto e o que eu sou. A gente tem que dar punição é para quem me ofende ou quem ofende as pessoas com alguma limitação.
Maria Eduarda: Eu só vim a ter o meu diagnóstico porque o meu irmão do meio, que hoje tem 8 anos, também é autista. Então eu acho que se ele não tivesse nascido eu ia estar até hoje sem esse meu diagnóstico só com a impressão de que tem alguma coisa diferente. Quando ao TikTok, ele tem um padrão que ele quer mostrar quando você entra no aplicativo, um padrão de pessoas, um padrão de casa, um padrão de quarto muito comum. E quanto a restringir o alcance de vídeo de gordos, LGBTQIA+ e deficientes, eu acho ruim porque muita gente tem uma visão preconceituosa e outras tem apenas uma visão estereotipada por falta de conhecimento mesmo. Então quando você restringe, evita as pessoas conhecerem outros níveis de autismo.
Mariana: Vocês acham que o contato com outros autistas é mais fácil por essa plataforma? Vocês acham que a mensagem que vocês tão tentando passar por lá tá chegando onde tem que chegar?
Caroline: No meu caso tá chegando e até mais gente do que eu esperava que ia chegar. No primeiro vídeo de uma repercussão que eu não entendi.
Maria Eduarda: Eu não sei, é uma questão de sorte. Tudo vai depender de quem vão ser as primeiras pessoas a receber o seu conteúdo e como elas vão responder a isso. Porém eu acredito que pelo fato do autismo ser um tema que todo mundo tem uma visão estereotipada, as pessoas se engajam um pouco nesse conteúdo e por isso que ele começa a viralizar.
Rafael: Sim, e está alcançando quem deveria alcançar porque, no meu entendimento, o autismo tem que alcançar absolutamente todo mundo. A pessoa com autismo vivia trancada, mais ou menos o que o Tik Tok estava justificando. “Ah, não vamos mostrar que vai sofrer bullying”. Então se deixava o autista preso em casa para não sofrer preconceito, para a família (que pouco conhecia sobre o autismo antigamente) não se envergonhar. Isso de ter pessoas autistas fazendo um podcast, pessoas autistas com associação como a Abraça e pessoas autistas dentro da MOAB. Aquelas frase muito conhecida – “Nada sobre nós sem nós” – não se refere aos pais e sim aos próprios autistas. Então estamos vivendo um novo momento, muito melhor que antigamente, mas muito aquém ainda daquilo que a gente gostaria. O preconceito existe, as barreiras atitudinais, o capacitismo, então o alcance chegando para alguém, chega para um público certo.
Tiago: Com certeza, o importante é que as pessoas percebam que os autistas existem e estão em todos os lugares na sociedade.
Mariana: Existe um certo preconceito em cima de quem usa de quem usa e faz vídeo pro TikTok. O que vocês acham sobre isso?
Rafael: Primeiro eu quero confessar para vocês que tenho a maior vergonha desse negócio de fazer vídeo, também porque a grande massa de público é mais juvenil. Eu não me proporia me expor fazendo um vídeo engraçado, ficaria muito envergonhado. E por ser uma plataforma que tem muitos jovens e crianças, eu acho que a gente tem que prezar muito pelo conteúdo. Eu tenho bastante dificuldade, gostaria de fazer mais vídeos mas falta às vezes a criatividade e as ferramentas de como é que edito para fazer coisas que chamem a atenção das pessoas. Nunca ninguém comentou algo que eu senti preconceito frente ao TikTok, pelo contrário.
Maria Eduarda: Eu percebo as pessoas jogarem muito hate em cima do TikTok. Os meus amigos me zoam muito. Toda vez que a gente sai, tem gente que me chama de TikTok e eu nem tenho um perfil grande e etc. Eu entendo que tem alguns conteúdos que às vezes as pessoas sentem vergonha alheia, que é estranho, mas eu realmente não entendo de onde que sai tanto hate em cima da plataforma, porque é apenas mais uma rede social e quando o vídeo vai pra outras redes as pessoas compartilham e acham legal. Então eu realmente não compreendo.
Caroline: Meus amigos eles não me zoam, mas zoam mais a plataforma porque lá tem muito conteúdo que eles consideram cringe, que é uma coisa que você sente vergonha alheia assistindo. Tem vídeos que são realmente assim, como em qualquer rede social tem, só que eu não consigo entender porque as pessoas zoam tanto quem usa TikTok.
Maria Eduarda: Eu acredito também que eu concordo que envolve o fato do aplicativo ser recente. Antes ele era o musical.ly e as pessoas tinham muito apego pela rede social que ele era antes e até um tempo atrás estava tendo treta dentro do aplicativo por causa disso. Existem muitos tipos de conteúdo. Tem gente que faz o humor, tem gente que faz histórias, tem conteúdo para conscientizar. Eu já vi gente fazendo sobre Libras, sobre paralisia cerebral, então esse tipo de conteúdo não aparece assim que você entra na plataforma. E eu acho que muita gente entra, dá de cara com esse conteúdo, acha vergonha alheia e sai.
Tiago: Para fechar, eu queria um conselho de vocês que tem experiência com o Tik Tok. Se alguma ou algum ouvinte nosso quisesse entrar hoje na plataforma e criar conteúdo, que dicas vocês dariam?
Maria Eduarda: Entra. Tipo, entra sim, é muito legal. Apesar dos pesares e do que as pessoas acharem, é muito divertido quando as pessoas recebem o seu vídeo e você vê apoio de gente que você não conhece. Só não deixa nada te abalar.
Caroline: Faz o que você gosta. Eu vejo muita gente que fazia uma coisa que gostava mas não dava engajamento e muda pra fazer algo que não gosta mas dá engajamento. Eu acho que a pessoa tem que fazer o que ela gosta.
Rafael: Fazer o que você gosta, eu acho que o produzir tem que ser algo legal, tem que ser algo que você tenha prazer.