Introvertendo 10 – Empatia

Um dos principais temas de debate acerca da Síndrome de Asperger é a afirmação, por leigos e até muitos profissionais médicos, de que “aspies não tem empatia”. Isso seria verdade? Para os membros do Introvertendo, trata-se de uma falácia. Neste episódio, discutimos o porquê discordamos da crença alheia de não sermos empáticos e, a partir disso, propomos qual é a relação que o sujeito aspie possui com a reciprocidade.

Participam desse episódio Guilherme PiresLetícia Lyns, Michael Ulian e Tiago Abreu.

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Locais e dados citados no episódio

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Transcrição do episódio

Tiago: Uma boa tarde a você que escuta o podcast Introvertendo, o podcast feito para neurotípicos, neurodiversos e pra todo mundo que ouve. E hoje nós vamos falar sobre empatia. Meu nome é Tiago Abreu e eu não sou um psicopata. 

Letícia: Meu nome é Letícia Lyns e não, eu não sou metida. 

Guilherme: Meu nome é Guilherme. Não, eu não surto geral. 

Michael: Meu nome é Michael e a minha mandioca de hoje estava sem sal. 

Tiago: E nesse episódio de hoje nós vamos falar sobre vários mitos, várias coisas negativas que falam a respeito de autistas, inclusive que falam que a gente não tem empatia, essas coisas e o caralho a quatro.

Bloco geral de discussão

A gente pode começar a falar sobre empatia, sobre as culpas que historicamente foram jogadas nos autistas ao longo da história, né? Então, por exemplo, quando, eu acho que foi Leo Kanner, quando ele começou a estudar autismo, a partir das impressões sobre ele, a partir da observação sobre os pais de autistas, tinha aquela tese das mães geladeiras, que os autistas eram assim porque as mães eram frias e tudo mais. E hoje em dia acho que um dos maiores mitos negativos, reproduzir sobre Asperger é que a gente não tem empatia ou que a gente tem muito pouca empatia. Qual é a opinião que vocês têm acerca disso? 

Guilherme: Acho isso uma falácia porque como nós somos fora do quadro de neurotípicos, nossas funções cognitivas são muito mais apuradas, a gente vive a vida de uma forma mais intensa que as outras pessoas. Pode-se dizer que a gente vive a vida em sua plenitude total, de forma maximizada, por assim dizer. 

Letícia: É, eu conheço algumas pessoas, o Álvaro, por exemplo, que faz trabalho voluntário, eu também faço trabalho voluntário, eu acho que se a pessoa não tem empatia ela nunca vai se preocupar em querer ajudar o outro, então a começar por aí, sabe? Que nem o Gui falou, acho isso aí é uma bobagem, é mais uma questão de estereótipo que a gente apresenta aí, mais uma vez, e que não tem nada a ver, eu já fui taxada várias vezes como metida, como antissocial, simplesmente por querer ficar na minha, e não tem nada a ver, eu sou uma pessoa muito amiga dos meus amigos, o que tiver ao meu alcance pra poder dar conselho lá, conversar e tal, eu converso, mas a única coisa que eu peço é respeitar a minha individualidade, e eu acho que isso não é só de quem está no espectro, eu acho que isso é uma coisa geral. 

Tiago: O Guilherme falou que aspies no geral são muito intensos, e eu acho que eu percebo muito isso no sentido empático mesmo. Então, por exemplo, eu vejo aspies que têm excesso de empatia no sentido de sofrer pelos outros, sabe? 

Letícia: Eu na vida, eu sou assim. 

Michael: Vai tomar no cu que eu sei de quem você tá falando. 

(Risos)

Letícia: A gente pode mandar as pessoas tomar no cu?

Tiago: É, eu acho que é uma regra, na verdade, aqui. 

Letícia: Então, vai tomar no cu. Todas as meninas que já fez bullying comigo, todas as pessoas que fez bullying, que me chamaram de metida, me chamaram de estranha, que me chamaram do caralho a quatro, vão tudo tomar no cu. 

Guilherme: É, vão se foder, porque a gente chegou aonde vocês não chegaram. Aha! 

Tiago: Às vezes no fundo do poço, mas nós chegamos. 

(Risos)

Michael: Falando em empatia, não tem coisa pior do que falar de melhor amigo em pretérito imperfeito. Era. 

Tiago: Isso é dolorido. 

Michael: Isso é, na verdade, eu acredito que a nível individual é simpatia, né? Tem até alguma diferença entre empatia e simpatia, se não me engano. Quando você tá no nível mais interpessoal, você tá sendo simpático, quando você está no nível mais big screen, é empático. Ou é o contrário, eu não sei, não me importa. 

Tiago: Eu penso que deve ser o contrário, porque quando você tá no ambiente social coletivo e fala “aquela pessoa não é simpática”. Agora quando geralmente você fala mais de empatia, cê fala no sentido mais entre duas pessoas, alguma coisa assim, que é de você se colocar no lugar do outro, e tudo mais. E você já passaram por alguma história assim muito tensa? Porque, por exemplo, eu vou contar uma situação que eu passei que foi relatado como um caso de não empatia, mas que eu vou vou concordar. 

Na verdade foi o seguinte: quando eu trabalhava em 2014 e fazia um curso pela empresa com os meus colegas de trabalho, meus colegas de trabalho hoje são os meus melhores amigos e tudo mais, só que eu passei por um processo de tensão com eles. Nós éramos um grupo social de sete pessoas, a gente ia apresentar um trabalho junto sobre a Coca-Cola, sobre gestão de marcas, deve ter até apresentação no Prezi, eu tenho uma conta do Prezi, qualquer pessoa da internet acha, e aí nesse trabalho especificamente sempre fala sobre a força da marca da Coca-Cola, como é que eles construíram essa marca e a gente tinha que fazer um trabalho pra apresentar. Só que eu montei uma reunião em grupo pra gente fazer porque eu já tava bastante satisfeito dos trabalhos passados eu ter feito mais parte das coisas e o pessoal não ter feito porra nenhuma, e aí eu falei “gente, vamos dividir.” E o que aconteceu? Os meus colegas na hora de discutir o tema eles falaram “ah, bora lá fora papear”, e eles foram todo mundo lá fora e me deixaram sozinho na sala de aula. Eu fiquei me sentindo um lixo, e aí depois eu ouvi uma dessas pessoas, eu não guardo nenhum rancor dessa pessoa hoje em dia e tal, sabe, a gente já acertou as contas, mas na época foi bem chato. Ele falou assim: “ah, bora deixar pro Tiago fazer mesmo, ele sempre faz tudo. E isso eu ouvi, sabe? E aí eu pensei “cara, cês vão ver, cês vão ver.” Aí eu tinha dois amigos, dois dos meus melhores amigos, que é o Fábio e o Paulo, eles fizeram o trabalho junto comigo. Só que as outras pessoas não fizeram nada da apresentação, no início eles não viram, mas eu fiz um slide dividindo que funções cada um teve e basicamente ficou bem claro quem tinha feito e quem não tinha feito o trabalho. Isso gerou uma briga no meio da apresentação em frente a sala de aula e as meninas que estavam no grupo com a gente ficaram muito chateadas comigo, e nessa época eu tava no processo de diagnóstico, né? Então o Paulo falou “isso que você fez é errado, você expôs as pessoas, isso não é ético, o correto a fazer”, e tudo mais, e ele dialogando com elas dizendo “olha, ele é meio autista, ele tem esse jeito, tentem entender”, e demorou mesmo pra melhorar o processo. 

Mas historicamente, na minha vida, eu passei por várias situações em que eu liguei o foda-se e que as pessoas dizem que eu não me importei com o sentimento das pessoas. 

Vocês já passaram por isso? 

Guilherme: Já sim, por exemplo, a situação de você passar como se fosse um insensível, na qual você simplesmente, às vezes por estar aéreo, pensando em alguma outra coisa, ou ouvindo mais o seu lado racional, né? Eu acho isso vai muito da percepção de quem tá com você, entende? 

Letícia: Comigo acontece mais em casa, porque eu não cheguei a ter problemas diretos em pessoas fora da minha família, fora de casa, mas em casa eu tenho muitos problemas e de me relacionar com o meu padrasto, por exemplo, desde sempre, e a minha irmã. E eu sou a mais velha, de todas as minhas irmãs eu sou a mais velha, aí a minha irmã mais velha das minhas irmãs tem dezoito anos, só que ela tem uma mentalidade totalmente diferente da minha, óbvio, e ela se considera muito mais madura, muito mais evoluída nessa questão. E aí a gente briga muito por N coisas, de às vezes eu não conseguir filtrar o que eu vou falar ou filtrar o que as pessoas me falam, e a gente tem várias discussões. Direto eu escuto a minha mãe virando e falando assim “Ai, você não pensa na gente, você não pensa na sua irmã, não pensa, você é egoísta”, e às vezes eu nem tô querendo machucar ninguém, não tô querendo magoar ninguém, mas é é uma coisa que eu não consigo guardar pra mim, o que eu tô pensando, eu vou lá e solto, sabe? E, às vezes, é foda quando a gente fala muita verdade e dói na pessoa. 

Michael: Primeiro de tudo, é óbvio que você não sente rancor. Você se vingou. Vingança é algo pra você não ter rancor dos outros. Eu achei bem curioso o fato de você citar a questão da sua família, porque mesma coisa aqui. O pequeno fato de que noventa por cento do tempo realmente não me importo com eles, eu sou uma pessoa bastante egoísta nesse sentido, embora eu esteja indo embora e abandonando faculdade e ainda hoje pra ir ajudar eles. 

Tiago: É a maior prova de empatia que o Michael pode ter, tá vendo? Tá abandonando tudo, o curso que ele gosta, abrindo mão de tudo pela família, e depois fala que autista é psicopata. 

Letícia: Lá em casa tem muita coisa tipo assim, eu não sou uma pessoa que chega dando bom dia, minha mãe exige muito isso, meus pais exigem muito de você de “acordou, cê nem deu bom dia pras pessoas”. Primeiro, eu acordei. Eu queria tá dormindo em casa. Aí eu acordo, por que que eu tenho que falar bom dia pra todo mundo? Tipo, por que que as pessoas não podem dar bom dia pra mim também? Porque às vezes meu padrasto, por exemplo, meu pai, ele dá bom dia e tudo, a minha mãe não dá bom dia, minhas irmãs não dão bom dia, por que que eu sou cobrada pra dar bom dia pra todo mundo? Logo eu, cara? Por quê? Também porque eu tenho muita mania de ficar ali dentro do quarto, porque eu não vou se fazer igual a minha irmã, por exemplo, lá em casa é minha mãe minha mãe estudando enfermagem, minha irmã estudando pra passar pra medicina, meu pai é fanático por tudo que é relacionado à medicina, mas ele é professor de matemática, então tipo assim numa roda de conversa que tá os três e eu, eu só que vai ficar sobrando, porque eles vão ficar falando de doença, de mais não sei o que. 

Tiago: Ah, é só você falar: “Eu sou a doente da casa.” 

(Risos)

Letícia: Então tipo assim, normalmente ou eu faço que nem a minha irmãzinha de onze anos, que ela tem suspeita também de ter o espectro, ela fica dentro do quarto com fone no ouvido, ou vendo série, ouvindo música ou vendo vídeos aleatórios no YouTube, eu faço a mesma coisa. 

Michael: Tu faz que curso? 

Letícia: Eu faço Artes Cênicas. Teatro. 

Michael: Eu acho que aqui ainda é pior porque, mais aqui pra região central do Brasil, e Minas, eu vejo que vocês têm uma necessidade de contato social muito mais reforçado do que a gente lá no sul, apesar de eu ter o mesmo problema do bom dia lá casa, e do fato d’eu ficar trancado no quarto. 

Tiago: É porque convenhamos que o Paraná é uma colônia de São Paulo, né? Então é assim. 

Michael: Ao contrário, São Paulo é uma colônia paranaense do Nordeste. No Sul, quanto mais pro Sul você vai, quanto mais influência de, nem tanto de italianos, mas mais dos povos eslavos e de povos germânicos que são bem fechadões mesmo, você sofre menos com esse problema de necessidade de contato tão extrema que você tem em todo o resto do Brasil. Mas infelizmente minha família é italiana, eu tenho o mesmo problema do bom dia. 

Tiago: É engraçado que essa questão se falou da ascendência. Eu percebo isso muito na família da minha mãe, então, por exemplo, o meu avô é de uma raiz que, não há certeza, mas meu avô, quando ele era vivo, ele dizia que a origem da família era alemã, e a família da minha vó tem muitos traços italianos, então a minha vó é a pessoa mais sociável do planeta Terra, ela tem uma mente muito fértil, e ela consegue falar da vida de todo mundo em mínimos detalhes e tudo mais, é uma pessoa muito sociável, minha mãe pegou muito isso. Mas o meu avô era super asperger, super fechado, e aí os filhos saíram meio a meio, eu tenho algumas tias e tios que são bem fechadões e tem outros que são o supra sumo da socialização, como a minha mãe. 

Michael: É como a gente falou em outro episódio, a Alemanha é o país dos aspergers, que lá um brasileiro asperger é uma pessoa normal, em questão social, porque realmente aqui a gente tem uma necessidade social tão alta que uma pessoa asperger do Brasil e uma pessoa normal de outro país que é mais fechado a gente não parece ser asperger, realmente não parece. 

Tiago: Eu acho que a maior prova é este podcast. Cê não tem podcast em inglês de autistas. No Brasil tem. 

(Risos)

Michael: Quando, véio? É até raro você achar canais em que as pessoas de fato têm algum traço de autismo…

Tiago: Que tem mais de duas pessoas, sabe? Aqui a gente tem quase dez autistas gravando um podcast.

(Risos)

Michael: Até canais mesmo de um autista só gravando seus videozinhos no YouTube, são raros e é que você tem o [Paulo] Kogos. 

Tiago: Falando sobre a questão do excesso de empatia que o Guilherme mencionou, inclusive ele passou por uma situação recente de excesso de empatia e eu queria que ele contasse. 

Guilherme: É foi uma tentativa… Foi um assalto que aconteceu em uma plataforma da principal linha de ônibus aqui da cidade, foi aproximadamente às oito horas da manhã, e o mais engraçado, né? A empresa que administra disse que o segurança só trabalha no período da tarde…

Tiago: Ou seja, não tem assalto de manhã. (Risos)

Guilherme: De manhã o ladrão tem outras coisas pra fazer (Risos)

Vai entender a mentalidade desse povo… E aí, no meio da situação, eu imaginei como se tivesse acontecido com a minha mãe e falei “poxa, alguém precisa fazer alguma coisa”, e aí eu fui atrás. 

Tiago: No caso da mulher que tinha acabado de ser assaltada. 

Guilherme: O cara tava frente a frente com ela, moço, eu simplesmente peguei e falei “alguém precisa fazer alguma coisa”, tava todo mundo só olhando, ninguém fazendo nada, eu falei assim “ah vou fazer alguma coisa” e imobilizei o cara no chão depois de duas vezes pedir pra ele entregar o celular, mas lógico, tomando todos os cuidados, analisando a situação pra ver se não tava armado, só que mesmo assim quem saiu no prejuízo fui eu, porque ele devolveu o celular pra mulher, só que no meio da…

Tiago: Ela não agradeceu. 

Guilherme: Não, e ela nem mal agradeceu, e aí o que que aconteceu? Ela pegou e sumiu no mapa. Eu peguei e fiquei no prejuízo, né? Meus materiais de estudo e tudo mais, foi tudo… 

Tiago: Seu notebook quebrou. 

Guilherme: Nossa, véi, fala nada. 

Letícia: Mas porque caiu ou ele levou? 

Guilherme: Não, porque na hora que eu mobilizei ele…

Letícia: Cê jogou tudo no chão? 

Guilherme: Não, eu caí de costas. 

Tiago: Ele assim virou pastel, né? 

Michael: Eu só queria dizer que você é um herói. 

Letícia: Eu sou muito assim com bichos, principalmente, com pessoas também, eles gostam muito de de ajudar, principalmente, quem eu sei que já passou  pelas mesmas coisas que eu, tipo bullying, depressão, essas coisas assim, então esses dias teve uma menina que tava tendo um ataque de pânico na faculdade e eu nem conhecia a menina e aí eu só escutei um choro e fui seguindo o choro e quando eu vi ela tava lá, e por um acaso a minha amiga era amiga dela e tava abraçada com ela tentando acalmar ela, e eu fui lá ajudar ela, só que no mesmo dia eu tinha tido um ataque de ansiedade. Então, assim, eu já tava mal, e aí eu vi aquela menina que tava pior ainda e aí automaticamente parece que eu peguei a minha ansiedade, coloquei no bolso e fui ajudar ela, sabe? E ela conseguiu melhorar, eu acho, eu ensinei ela a fazer uma respiração de abrir a mão e fechar a mão respirar junto, e a minha amiga também ajudou e ela foi melhorando, a gente foi tentando dar uma distraída nela e ela foi respirando, a respiração foi melhorando. 

Tiago: Até porque depois que você começa a chorar no meio das pessoas é o maior símbolo, na verdade o maior símbolo é se isso acontecer dentro do ônibus, é de que você perdeu totalmente sua dignidade e que pouco importa o resto que acontecer. 

Letícia: Eu já chorei assim. 

Tiago: Então, assim, cê tá no fundo do poço, literalmente. 

Letícia: Teve uma vez também que eu tava no carro com meu amigo, o pai dele e a irmã dele, ele tava indo me deixar em casa e aí tinha um cachorrinho no meio da pista deitado, não sei se ele tinha sido atropelado, não sei o que era, e aí eu gritei, eu falei “para o carro!” Porque o nosso carro ia ser o próximo a passar pelo cachorro, tava todo mundo desviando, mas passando por um triz, e aí eu gritei pra ele parar o carro e ele parou o carro, na frente do cachorro, eu desci no meio do trânsito, parei o trânsito. Detalhe: lá não tinha sinaleiro, não tenho nada. Ele parou o carro, aí eu desci e começou a galera buzinando, eu fui lá e peguei o cachorro no colo e coloquei ele na calçada. Ele tava duro, duro, duro, duro. Tava vivo, não tava morto, e tava muito duro e meio que tremendo, assim. Aí eu coloquei ele na calçada, passei a mãozinha na cabeça dele umas duas vezes e ele saiu correndo. Aí eu acho que ele tava em pânico. 

Tiago: Deve ter travado por alguma coisa. 

Letícia: Mas ele não tava machucado, ele saiu correndo assim. Essa foi a maior loucura que eu fiz por empatia, porque parar no meio do trânsito, assim, arriscando ser atropelado ali e a galera começou a buzinar que nem louco, acho que não sei se eles viram que era um um cachorro, então assim eu sou muito com bicho, capaz de ficar na rua esperando o dono aparecer se eu achar um cachorro com coleira. Então eu sou mais com bicho do que com pessoas, eu acho. 

Michael: É, eu tenho uma empatia bem alta com animais também, só que tem um pequeno detalhe, ela acaba quando eu estou com fome. 

Letícia: (Risos) Tipo isso.

Michael: Não, o pior é que não é nem ironicamente. Eu realmente não tenho problema em matar a minha própria comida. 

Letícia: Eu tenho, eu não consigo. Se eu fizer isso, eu não como. 

Michael: É uma coisa engraçada, porque eu já matei várias galinhas assim e que eram praticamente de estimação, só que assim né? Galinha caipira é bom pra caramba, e elas tavam num sítio sendo alimentadas pra engordar, pra comer bem e tal. 

Letícia: É, eu já fui vegetariana por seis meses e eu não como carne de porco, porque eu vi o meu tio matando porco. 

Tiago: O Michael é geólogo, então ele tem que sobreviver no meio do mato matando bichos mesmo, sabe? 

Michael: É, só que é engraçado que tem uma coisa curiosa do pessoal das ciências biológicas que trabalha com criaturas mortas, que é uma perda de empatia, que eu vejo que realmente é gente da paleontologia, quem trabalha com anatomia e trabalha lá com animais mortos e não com os ecossistemas vivos, não com as criaturas vivas, eles realmente têm menos empatia, e isso interfere diretamente na confecção acadêmica deles, né? 

Tiago: Na qualidade do que eles produzem? 

Michael: Não, não na qualidade, mas como a teoria às vezes vão se orientar, ou seja, você vê que o pessoal, por exemplo, os ornitólogos são muito menos alarmistas quanto, por exemplo, a questão da extinção, do que ecólogos. Pro pessoal da ecologia a extinção já tá no clímax dela, já estourando. Pra gente mais um…meh.

Tiago: Só mais um processo. 

Michael: Ou seja, você vê que realmente essa questão da empatia, você consegue traçar ela, e geralmente o ambiente você tá pode influenciar ela, e essa influência acaba influenciando como aquele ambiente continua. 

Tiago: Então você acha que no caso dos aspies, por exemplo, a nossa expressão de empatia depende muito também da percepção do olhar do outro. 

Michael: Calma aí, calma aí. 

Tiago: Mas em que outro aspecto então? 

Michael: Voltando ao exemplo lá da Alemanha, um país onde as relações são muito mais escassas e quando elas são, elas tendem a ter uma intensidade mais alta, é muito mais fácil você achar pessoas que vão dar valor à empatia de um autista do que num lugar que nem aqui, que você tem uma consideração do que é empatia diferente. 

Tiago: E conceitos sociais… 

Michael: E isso vai influenciar novamente, você não vai achar em nenhum outro país um podcast de autistas, porque aqui você tem uma necessidade biológica mesmo, praticamente evolutiva, mesmo você tendo esse erro genético, você é forçado pelo seu meio a interagir.

Tiago: Ó a cara do Guilherme. 

Guilherme: Me estressei com os cara aqui. Eu tava numa partida aqui e estressei com os cara. 

Tiago: Cê tá jogando o quê durante…

Letícia: Cê tá jogando LOL?

Tiago: Ele tava jogando LOL durante a gravação do podcast! Olha que interessante. 

Letícia: Ah, eu jogo Harry Potter, dá nada. 

Guilherme: Ela joga Harry Potter, o que fazer? Ela não é perfeita. 

Letícia: Ninguém é, graças a Deus. 

Tiago: Falando mais especificamente sobre essa questão dos jogos, existe alguma relação com empatia  durante os jogos, a cooperação do time que você pode fazer? 

Guilherme: Mano, é aquela questão, né? Pude perceber bastante, eu tenho agora duas contas aqui no jogo, porque a minha principal foi bloqueada por quatorze dias. 

Tiago: Por quê?

Guilherme: Ué, cara, porque cê tá, como se diz, relacionar com pessoas. Pra nós autistas a gente perde a paciência com pessoas que sejam neurotípicos, né? E aí o quê que acontece? Você tenta explicar, cê tenta justificar, cê vira um chato, por exemplo, cê joga lá assim, fala assim ó, sou autista, e o pessoal faz piada, o pessoal faz piada com isso direto. 

Tiago: Sim, porque tem a piada do autismo na internet, “quando o autismo ataca”.

Guilherme: Parece que o cara é autista, eu falo assim “não, eu realmente sou autista”, tanto que eu tenho colegas na minha turma de computação, com quem eu jogo uma vez ou outra, os cara falando “pô, pera aí, não, realmente, o cara é autista, véi”. Entendeu? Ele fala, fala e reclama e tudo mais, porque tipo assim, cê tem a pressão dentro do jogo, cê tem o pessoal cobrando de você, tem o pessoal te enchendo o saco, e aí tem a questão dos conflitos externos e internos, né? 

Tiago: Aí ao invés de implodir, você explode com as pessoas. 

Guilherme: Justamente, aí é onde você, que nem no meu caso, vai ser reportado, ter suspendido sua conta, porque cê agiu com atitude antidesportiva, pelo que disseram. 

Michael: Eu acho interessante que você pelo menos tenta. Eu, por exemplo, não jogo nada online porque eu não tenho paciência. Na verdade eu não tenho paciência nem pra comunidade dos jogos offline que eu jogo. Por exemplo, tá pra lançar um jogo…

Tiago: Jurassic World?

Michael: Não, um simulador de parques e, cara, simplesmente dei rage quit do fórum do jogo, porque simplesmente os outros usuários são tão irritantes que ou eu politicamente parava de acessar o fórum ou mandava todo mundo tomar no cu, e é essa a paciência que eu tenho na internet. 

Tiago: Falando sobre a questão de empatia que você falou, de até sair de foruns, isso me fez lembrar, porque eu acho que de todas as pessoas que frequentam aqui o grupo e o podcast, eu sou a pessoa que tem mais tempo de histórias em comunidades autistas na internet. Tem um grupo no Facebook bastante grande de aspies, que eu não vou mencionar o nome para não causar treta, até porque eu não tenho nada contra o grupo em si, o pessoal da administração, porque foi lá que eu aprendi muitas coisas sobre asperger, então por mais que algumas coisas historicamente tenham me chateado, eu eu tenho uma história de gratidão com esse grupo específico. Hoje eu não faço mais parte lá, mas eu vi durante anos, muitas vezes autistas sendo expulsos do grupo porque incomodaram neurotípicos. Eu acho isso um desrespeito, um grupo de autistas em que… 

Guilherme: Preconceito, cara, é preconceito. 

Tiago: E eram expulsos por serem autistas, por fazerem alguma coisa autística mesmo. Assim, às vezes um comportamento errado, mas sem uma interpretação detalhada dentro do contexto daquela pessoa, do que aconteceu. 

Michael: Você não tem raiva desse grupo, mas eu posso te dizer: dos aspergers que já toparam com ele…. Puta que pariu. Como esse pessoal odeia. 

Guilherme: Como é que é?

Michael: Eu conheço aspergers fora daqui que já frequentaram esse mesmo grupo que o Tiago falou, e eles odeiam esse grupo. Tipo, eles odeiam esse grupo e que acabam odiando outros aspergers, porque realmente a major daquele grupo era extremamente cancerígena. 

Tiago: Fora do Facebook tem um muito grande que é o Wrong Planet, mas eu não conheço ele, mas ele é bem antigo e tem muita gente. Mas você conhece gente aspie que não aguentou ficar lá. É pra vocês verem que não há unanimidade entre autistas. 

Michael: Nesse caso em específico foi por quê? São pessoas que são asperger mas que são extremamente dependentes e nesses grupos você tem um repúdio do asperger que tenta ser independente, o asperger tem que ser sempre uma vítima. 

Tiago: O discurso capacitista, no caso.

Michael: Ele não é capaz de se virar sozinho, ou seja, e as pessoas às vezes se irritam, saíram por ódio mesmo, porque elas são repudiadas por serem aspergers que são capazes de se virar sozinhos. 

Tiago: É engraçado porque esse grupo do Facebook especificamente que eu falei que eu saí, você tinha muitos ódios a pessoas capacitistas, é exatamente o contrário, pra você ver a diferença de variabilidades de visões, então você tinha às vezes um aspie que ficava naquele discurso, “ah, eu sou coitado, eu sou vítima” durante meses que o pessoal já enchia o saco e mandava o cara tomar no cu. 

Michael: Engraçado que eu fico bem no meio termo disso. Ao mesmo tempo que eu sou completamente independente, inclusive financeiramente, eu não dependo de ninguém pra nada, moro sozinho, eu sou uma pessoa que não tem capacidade pra interação social, minha capacidade é negativa.

Tiago: Eu discordo, mas OK. 

Michael: Não, basicamente, eu consigo simular até algum nível pra relações mais rasas, minhas relações intrapessoais mesmo são virtualmente impossíveis. O máximo que eu consigo é dois anos antes de simplesmente a pessoa não aguentar mais. 

Tiago: Isso me lembra uma pessoa chamada Luca, que ele já falou isso, a amizade dele dura em média dois anos também. O Luca e eu, inclusive, a gente tem mais de dois anos de contato por causa… Não, quase dois anos, a gente vai ter dois anos ainda, por causa de uma coisa chamada Asperger, porque ele sabia que eu era asperger e depois ele descobriu que era asperger, e a gente se dá superbem, mas as amizades dele duram bem menos do que isso, geralmente. 

Michael: Eu até hoje não sei como a minha melhor amiga é a única amizade que passou dos dois, já indo pros oito anos de duração, consegue me aturar. 

Tiago: É um fator chamado infância. Como é uma ligação afetiva de muitos anos, ela acaba perdurando. 

Letícia: Eu tenho uma amiga que que dura onze anos de amizade, só que a gente não convive todos os dias e ela também tem depressão, ela sempre tem um monte de coisa. Só que a gente não convive todo dia. Agora o meu melhor amigo a gente tem acho que três ou quatro anos de amizade, e a gente se atura, porque ele é doidinho da cabeça assim também, só que no caso dele é porque ele é doido mesmo, mas a gente se atura, a gente se ama pra caramba, um atura o outro, e ele foi um dos que quando eu fui falar do meu diagnóstico pra ele pra mim e falou assim, “ah cê tá com isso? E agora que que cê vai fazer?” Como se fosse uma doença, sabe? Porque ele não sabe, ele não entende, entendeu? 

Tiago: Uma coisa muito engraçada sobre as minhas amizades nesse sentido de empatia, que eu tenho os meus amigos que vieram da época do trabalho, em abril desse ano completou anos que nós somos amigos. Eu já passei por situações muito engraçadas com eles, e a minha forma de demonstrar esse amor, esse interesse, são de formas muito loucas, então às vezes as coisas que eu tinha pra fazer era fazer uma playlist com músicas que aquela pessoa poderia gostar, era de preparar, organizar um evento social, às vezes era de usar as opções que eu tinha sobre aquela pessoa pra mostrar o quanto me importava. E é engraçado que a forma como nós expressamos o amor e o interesse pelas pessoas é de uma forma que às vezes é estranha para os outros. 

Letícia: Mas até em questão de relacionamentos assim, eu acho que o meu maior problema nos relacionamentos e eles não terem durado é porque eu sou muito intensa e o cara às vezes ele acha que “nossa, mas já quer casar comigo desse jeito”. Então, em questão de sexualidade, quando eu tenho muito tesão no cara, eu não vou esperar fazer um mês pra transar com ele, sabe? Se eu tô com vontade, se ele tá com vontade, por que esperar? Então, assim, tem cara que já fica assim, “opa, peraí, querida”, né? 

Tiago: Ainda mais porque tem homem que tem medo de mulher que tem iniciativa.

Letícia: Então, eu sou muito intensa. 

Tiago: Porque tem homem que reclama “ah, as mulheres poderiam ter mais iniciativa. Mas aí se a mulher tem iniciativa ele sai correndo. 

Letícia: Eu sou assim, eu tenho muita dificuldade de chegar no cara, mas quando já aconteceu, quando o fato já foi consumado, estamos juntos, eu sou muito intensa e eu sei o que que eu quero, na hora que eu quero, e aí já ficou assim, tanto é que igual eu falei, meu último relacionamento o cara chegou em mim e falou assim “cê é muita areia pro meu caminhãozinho, ele cê é muito inteligente, eu não mereço uma mulher dessas”. Hoje se eu tivesse perto dele eu ia falar “querido, realmente você não merece uma mulher, pode passar”, porque a gente terminou e ele virou pra mim e falou assim, “não, a gente vai começar do zero”, e não sei o que, então pra mim ele tava falando que a gente realmente ia começar do zero pra mim, ele num falou. Ele tava terminando comigo, mas ele não falou “estamos terminando”, ele me abraçou, beijou, falou que ia sentir minha falta, que não sei o que, a gente ia voltar do zero e tal, daí eu, tá, vamos voltar do zero, e aí eu ficava mandando mensagem pra ele, e aí quando é que vai ser esse voltar do zero? Quando é que a gente vai começar de novo? Aí até que eu mandei mensagem pro pai dele falando, perguntando pro pai dele se tava acontecendo alguma coisa, porque ele ele tinha sumido, tava me ignorando, e eu odeio quando as pessoas me ignoram. Porque normalmente eu que ignoro, as pessoas não vão me ignorar, e aí o pai dele falou que nem sabia que ele tinha terminado. Aí eu fiquei tipo assim, “uai, a gente não terminou”, aí ele falou não mas ele falou pra mim hoje que vocês tinham terminado. Aí eu fui conversar com ele, ele falou “para de mandar mensagem pra minha família, a gente terminou e eu não quero começar nada do começo”, aí eu fui que eu mandei um textão pra ele. “Da próxima vez, seja mais direto!”

Tiago: Que não vai ter mais a próxima vez (Risos).

Letícia: Não, mas foi foda. Porque eu tenho mania de ser amiga de todos os meus ex, então eu sou amiga de todos os meus ex, menos dele, porque a namorada dele me odeia. Porque um mês depois que a gente terminou ele já começou a namorar com outra. 

Tiago: Eu acho que é um sinal de maturidade você construir uma relação de amizade. 

Letícia: Então acho isso normal, sabe? Vocês viram que tem um estudo que saiu no Facebook falando que manter a amizade com ex é sinal de psicopatia. 

(Risos)

Eu sou autista e ainda tenho amizade com ex… ah, meu Deus, esconde as armas. 

Tiago: Ela vai sair com um lança-chamas e vai matar todo mundo. O Michael também é uma pessoa que leva muito a sério as outras pessoas, embora suas relações não duram muito, né? 

Michael: É isso é um fato pras outras pessoas, realmente, principalmente porque mesmo em amizades geralmente só vou me identificar, conversar com uma no máximo duas pessoas no mesmo período de tempo. 

Tiago: Mas é questão de qualidade, porque quantidade estraga. 

Michael: Sim, mas então, né? As pessoas, em geral, não estão acostumadas com alguém que possa dedicar tanta atenção assim pra ela num tempo só. Geralmente para outras pessoas isso é bem incômodo, porque você muito tempo livre pra dedicar pra pessoa, mas ela não tem tanto tempo pra dedicar pra uma pessoa só, porque no Brasil é comum você ter várias relações de interação social. 

Tiago: Eu também passo por esse problema, às vezes eu foco em alguém, eu não tenho tantos vínculos, eu prefiro dar distribuir qualidade, e às vezes eu sinto a impressão, e eu acho que isso pode ser um sinal de empatia, ao contrário do que muita gente fala que é empatia, porque acho que isso tá incomodando a pessoa, e isso gera um certo desconforto no sentido de não querer incomodar as pessoas.

Michael: No meu caso, até minha amiga de infância com quem eu converso. Eu tenho só uma pessoa pra conversar vinte e quatro horas por dia. 

Tiago: É com ela que você conversa vinte e quatro horas no Twitter? 

Michael: Também. Realmente, é muita atenção pra uma pessoa só, elas não tão acostumadas. 

Tiago: Às vezes elas se assustam, acham que a gente, como a Letícia diz, que a gente tá em cima, tá incomodando. 

Michael: E o contrário também, porque se eu me dedico só a uma pessoa, eu me dedico só a uma pessoa, eu literalmente cago pros outros. 

Tiago: Então, pra finalizar…

Michael: Esqueçam empatia, compra um lança-chamas. Ele vai te manter quentinho durante o inverno e também vai queimar as pessoas. 

Letícia: Não nos odeiem e não achem que a gente odeia vocês, porque a gente não odeia ninguém, tá? Falando, só isso. Guilherme, pra fechar. 

Guilherme: Só pra fechar, a gente não odeia vocês, se a gente surtar, corre.  

Letícia: A gente não odeia vocês, mas se a gente chegar a odiar também… 

Michael: É. A gente não odeia vocês, mas isso não se aplica a mim, eu odeio vocês de todo o meu coração.

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Equipe Introvertendo Escrito por: